quarta-feira, 28 de novembro de 2018

As ideologias brasileiras


A ideologia que impera em uma sociedade é, principalmente, a expressão das necessidades de justificar o poder de sua classe dominante. A ideologia brasileira, com suas milhares de ramificações, mistificações e fantasias reacionárias, é a expressão da classe dominante brasileira, historicamente conhecida por crescer à sombra do imperialismo na periferia do mercado mundial, além de professar valores escravocratas e de ódio ao próprio povo.
        O que diria o grande defensor da aristocracia e das classes dominantes, Nietzsche, sobre a elite brasileira? Teria ela a vontade de poder da monarquia absolutista francesa ou inglesa? Expressaria ela a potência criadora da aristocracia grega ou romana? De alguma forma a “nossa elite” daria exemplos de um triunfo da vontade que existe nas burguesias imperialistas norte-americana ou alemã?
        Será que Nietzsche teria coragem e honestidade filosófica para sustentar sua teoria sobre a superioridade aristocrática defendendo a elite brasileira? O fato é que a nossa classe dominante não pode ser defendida nem mesmo por um Nietzsche, porque é retrógrada em todos os campos, estúpida e sem vontade de poder, seja a nível internacional, seja pelo seu projeto de nação. Ela fala fininho e bate continência “patriótica” para os EUA e a Europa, enquanto engrossa a voz e demonstra toda a sua gana sociopata para controlar o povo brasileiro e os países latino americanos, visando manter seus pequenos privilégios e viver absurdamente bem em um paraíso tropical, enquanto a população passa fome.
Para isso, lança mão de todo o seu arsenal ideológico através de intelectuais mercenários que vivem na sua sombra, sem nenhum tipo de escrúpulos ou sem nenhum outro projeto nacional que não seja manter o país como um reles produtor de matérias-primas, aceitando satisfatoriamente viver na periferia do mercado mundial. Ou seja, se submete conscientemente ao poder do imperialismo e da sua superelite mundial. Aceita ser uma aristocracia de segunda ordem às custas da exploração, da miséria e da humilhação do seu próprio povo. Que belo patriotismo! Nesse sentido, necessita impor o espírito de rebanho não apenas ao seu próprio povo, mas a si própria, aceitando de bom grado a ordem internacional e o seu papel periférico nela.
        Esta forma de dominação e aceitação da realidade é transformada em ideologias que condensam e criam inúmeros mitos que são naturalizados e aceitos como normal pela maior parte da população. Sofremos diariamente um bombardeio ideológico marcado por um irracionalismo flagrante, muito bem arquitetado pelos ideólogos burgueses e imperceptível ao senso comum. Há uma cuidadosa doutrinação de centenas de milhares de mentes para se “combater” as consequências e não as causas. Isso tudo não seria possível sem que as universidades e a mídia comercial tivessem disseminado aos quatro cantos as ideologias pós-modernas que se centram no individualismo (negando os valores universais) e a auto-verdade, que afirma que basta “acreditar na sua própria verdade”, ignorando fatos, comprovações empíricas e experiências.
Na perspectiva de esclarecer este mar de confusão, intencionalmente criado e mantido, algumas das principais ideologias brasileiras estão reproduzidas (e desmascaradas) a seguir.

Medievalismo versus iluminismo
        A única vontade de poder da elite brasileira é sobre o seu próprio povo, visto como uma galinha dos ovos de ouro. Para governa-lo é fundamental uma distorção monstruosa da realidade (e, portanto, da verdade), feita permanentemente, baseada no culto ao ódio, no sadismo, no medievalismo, no misticismo religioso. A burguesia brasileira, portanto, não conhece e nunca conheceu o período das luzes, a filosofia iluminista e o seu tribunal da razão. Ao contrário, para sustentar esta estrutura social grotesca, que condena mais da metade da população à fome, à miséria e ao subemprego, precisa recorrer ao obscurantismo medieval e ao combate do iluminismo.
        Atualmente nenhuma análise expressa pela grande mídia comercial, pelas universidades e pela educação em geral pode olhar a verdade de frente. Usam e abusam do método religioso de distorção da realidade. São os serviçais do poder verdadeiramente absolutista dos bancos e do sistema financeiro (que governam sem nenhum tipo de Constituição ou respeito às supostas instituições democráticas) e do irracionalismo religioso; e são também inimigos irreconciliáveis da luz da razão, conforme pregavam os iluministas. Estão entrincheirados definitivamente ao lado do antigo regime.

O racismo de classe
        Em consonância com seu papel histórico, a ideologia da burguesia brasileira adquire contornos racistas e de auto-colonização. Escravista no passado e orgulhosamente semicolonial no presente, trouxe consigo para o século XXI o ódio às classes dominadas, ao pobre, à ralé brasileira, como uma herança maldita da qual não pode se desfazer sem acabar com a sua própria dominação. Este racismo de classe impõe as piores explicações para os fenômenos sociais, jogando a sua própria culpa como elite que não tem a menor capacidade de resolver os problemas nacionais dos pobres, como se estes fossem responsáveis pela sua própria miséria. Nesse sentido a meritocracia é uma ideologia fundamental. No entanto, a própria elite nacional não respeita qualquer princípio meritocrático na sua conduta diária ou nas instituições políticas do país que ajudou a construir e a manter (aí impera o nepotismo e a mentalidade patrimonialista e clientelista, da qual é a primeira beneficiária e a principal mantenedora).
        A sua grande “capacidade de desenvolvimento econômico” é criar, como geralmente acontece no capitalismo, uma ilha de prosperidade para si própria e para uma parte da classe média, enquanto mantém um oceano de miséria e pobreza para o proletariado e o povo pobre, que irá se dispor a ser explorado em qualquer serviço para conseguir sobreviver. A grande preocupação dessa elite (que é reproduzida por uma parte da classe média), portanto, é manter o estrito controle sobre os trabalhadores e o povo pobre a partir de um desprezível discurso liberal utópico, irreal, que descamba para o ódio e o medo; em síntese, da manipulação do irracionalismo da massa através da mídia comercial, da educação e das igrejas.

A meritocracia serve para culpabilizar os pobres
        A ideologia da meritocracia tem duas grandes funções: iludir os pobres de que um dia eles poderão se tornar ricos e, ao mesmo tempo, culpá-los pela própria miséria. Assim, livra a cara do sistema, esconde todas as suas culpas e falhas, dissimula os privilégios de classe e seduz os trabalhadores com o discurso de que um dia eles poderão ser tão ricos quanto a burguesia. Ou seja: corrompe as esperanças dos trabalhadores desde pequenos, quando são ensinados na escola a aprender para ser alguém na vida.
        Assusta a quantidade de pobres que pensam de forma meritocrática no Brasil. A meritocracia é o grilhão preso aos pés dos trabalhadores pobres que serve para escravizá-los à própria condição miserável em que se encontram; é o que retroalimenta suas ilusões baseados no próprio egoísmo e hedonismo; em síntese: são os desenhos na parede da caverna moderna de Platão. É certo que a mentalidade religiosa e a atual didática escolar ajudam a separar todos os fenômenos em compartimentos isolados, como se um não tivesse nada a ver com o outro, porém, há uma grande parcela que compra conscientemente o discurso liberal burguês de empreendedorismo e livre mercado, como se estes existissem realmente e os partidos e empresários que os pregam estivessem de fato preocupados com a aplicação dos seus “princípios”.

Livre mercado e empreendedorismo pra quem?
        A meritocracia, que justifica a pobreza e a exploração culpando os pobres, encontra seu ponto alto nas ilusões de que a solução para os problemas do Brasil seria a aplicação dos princípios liberais do livre mercado e do empreendedorismo.
        A “nossa” burguesia nacional “empreendedora e liberal”, muito bem expressa no governo eleito que assumirá o poder em 2019, sustenta uma política econômica de desindustrialização, de desvalorização monetária, sem nenhum centavo de investimento em ciência ou tecnologia e que bate continência ao imperialismo yankee, se subordinando com toda a gula de uma camarilha parasitária ao sistema financeiro, aos bancos e aos monopólios e trustes que controlam com mãos de ferro o mercado mundial. Teme a morte o choque com o imperialismo para investir em qualquer país do exterior (seja na América Latina, África ou Ásia) e mesmo para desenvolver o próprio mercado interno ou a indústria nacional. Nesse sentido, cabe perguntar: empreendedorismo do quê? Livre mercado para quem?
        Para a elite nacional, o liberalismo econômico e o seu “livre mercado” se resumem como a melhor forma de controlar o Estado e garantir o seu orçamento para sustentar parasitariamente as empresas privadas, os monopólios imperialistas e o agronegócio. Atualmente é uma das mais nefastas ideologias de dominação e confusão. Ela é complementada por aquela outra ideologia brasileira, muito disseminada por intelectuais e pela mídia comercial, de que o Estado é ineficiente para resolver os problemas do país e o mercado é a solução. Na verdade, o que está por trás dela é a disputa pelos recursos do Estado e o ocultamento de que todos os serviços e empresas públicas são sistematicamente sabotados pela política de privatização aplicada por todos os governos burgueses.
        Este controle parasitário do Estado pela elite nacional, somado à sua visão capitalista de como se inserir no mercado mundial, esconde por todos os meios que é ela própria que cria inúmeros impostos e burocracias sobre quem quer empreender; isto é, entrava a vida dos pequenos-empresários e dos profissionais liberais. Tudo isso fica escondido sob mil véus de hipocrisias e distorções, cabendo culpar o próprio Estado ou mesmo um “comunismo” fictício pela impossibilidade real de empreender. Os verdadeiros culpados não passam apenas completamente desapercebidos, mas são tratados como heróis: a própria elite nacional, o imperialismo e os seus intelectuais.
        Portanto, todo o empreendedorismo e o livre mercado defendidos pelos partidos burgueses – do PSDB de FHC, Dória, Aécio e Alckmin, passando pelo Dem, MDB, PP, PSL, até a farsa do Partido “Novo” de Amoedo, do “Podemos”, do MBL e do próprio PT (dentre outros) –, pela mídia comercial e por centenas de milhares de intelectuais dentro e fora das universidades, não passa de uma grande enganação! É uma das mais perniciosas e hipócritas ideologias brasileiras, voltadas a apresentar uma utopia reacionária como “saída” para o povo, quando, na verdade, sob o capitalismo o Brasil jamais poderá superar sua condição de subordinação periférica no mercado mundial, a qual agrada muito a elite nacional.
***
        Para o liberalismo clássico, a desigualdade social é inevitável, natural e desejável, sendo a própria base de funcionamento do capitalismo. Porém, sempre sustentou a tese contraditória de que o “crescimento do bolo” beneficiaria a todos de alguma forma. Ao contrário disso, temos visto o capitalismo imperialista degenerar de tal forma que as desigualdades transformaram-se em abismos intransponíveis e quase o bolo inteiro é solapado pela mão invisível do sistema financeiro e da dívida pública, que condena centenas de milhares de pessoas à fome, à miséria “democrática” e à morte.
        A extrema necessidade dos pobres serviria para obrigá-los a trabalhar e a “empreender”. Esta desculpa tem se tornado a pior forma de escravidão e humilhação do povo, pois o subemprego e o desemprego obrigam milhões a trabalharem desumanamente, quase de graça, e a não receberem nem 5% da riqueza que produzem. Assim, temos desmistificado pela prática social as principais falácias do liberalismo.

O Brasil nasceu pra ser agrário e atrasado: o complexo de vira-lata!
        Durante séculos a elite nacional plantou a ideia de que o Brasil tinha uma vocação agrária pelo seu tamanho, diversidade da flora e da fauna, e sua grande capacidade de impulsionar a agropecuária. Embora isso seja verdade, não quer dizer necessariamente que a economia brasileira deva se restringir apenas à agricultura. Segundo a Rede Globo, o Agro é pop! Isso é uma ideologia antiga que serve perfeitamente aos interesses do agronegócio atual. Assim como somos um país “bonito por natureza”, também temos grandes potenciais humanos e urbanos que são conscientemente subaproveitados, dado o baixo investimento em educação, ciência, tecnologia e indústria. Grandes potencialidades humanas são desperdiçadas todos os anos porque a estrutura social está voltada para manter o país como plataforma de exportação de matérias-primas na periferia do mercado mundial, garantindo, dentre outras coisas, grandes taxas de juros aos bancos nacionais e internacionais.
Isto não é uma fatalidade econômica ou divina, como eles dão a entender, mas uma opção política de aceitar a sentença que nos foi dada pelo mercado capitalista. A pobreza em que vegeta a maior parte da nossa população a condena a modos de vida arcaicos, selvagens e bárbaros; numa palavra: desumanos! A elite, então, prega a pecha de que o nosso povo é incapaz do progresso; pode ser tratado apenas como “burro de carga”, fazendo os trabalhos mais penosos e embrutecedores em nome dos privilégios de poucos e, através destes, satisfazendo os interesses do mercado mundial.
O que, de fato, temos que nos perguntar é se somos geneticamente atrasados, como eles querem nos fazer crer, ou se a nossa condição econômica é uma herança colonial não superada? As condições sociais e econômicas da maioria do povo e da situação geral do país tende a nos fazer pensar que somos incapazes, mas isso, no entanto, foi um complexo introjetado no inconsciente coletivo nacional, nos fazendo crer que somos vira-latas, enquanto os estadunidenses e os europeus são de pedigrees mais refinados.

A violência social é causa ou consequência dos problemas econômicos do país?
        Para muitos intelectuais e ideólogos da grande burguesia o principal problema do país não seria a roubalheira institucionalizada dos bancos, das grandes empresas, do agronegócio, do empresariado nacional e internacional, como, por exemplo, o serviço de pagamento da dívida pública, que quanto mais se paga, mais se deve; mas o crime e a violência urbana. A desregulamentação do mercado e do setor financeiro geram estas monstruosidades, que legalizam a corrupção e os superlucros, levando, consequentemente, à miséria social e à ausência de investimentos nos serviços públicos.
        As demais mazelas do capitalismo, como o desemprego, o subemprego, a falta de perspectiva política, econômica, cultural e artística, contribuem para que muitas pessoas busquem uma “saída” no tráfico de drogas e no crime organizado. É uma questão de vida ou morte. Poucos resistem e sobrevivem a toda a lógica social, que leva a isso.
        Os programas policiais que são transmitidos no horário nobre da televisão brasileira ajudam a reforçar a ideologia de que o principal problema do país é a violência social, simplificando uma realidade extremamente complexa, criminalizando a pobreza e ajudando a despertar o ódio nas camadas mais bem remuneradas dos trabalhadores e da classe média contra os favelados e os pobres em geral, como se o grande (e único) problema do país fosse policial; isto é: polícia x bandido e tráfico de drogas. Assim, eles doutrinam cotidianamente centenas de milhares de mentes a “combater” as consequências e não as causas. Aram o campo para se plantar a semente do bandido bom é bandido morto, visando sempre defender a propriedade acima de tudo e os privilégios da elite.

Ordem e progresso para mantermo-nos como uma semicolônia eterna
        Outra ideologia burguesa transformada em senso comum versa sobre a ideia de que a ordem e o progresso do capitalismo podem nos fazer avançar ao desenvolvimento dos países imperialistas da Europa e dos EUA. Este raciocínio raso afirma que: “basta que o povo trabalhe certinho, não cometa nenhuma pequena corrupção, vote ‘corretamente’, evite o tráfico de drogas, invista na ‘ordem e no progresso’ trabalhando para o seu patrão sem questioná-lo, não o importune com reivindicações salariais ou de condições de trabalho, e o Brasil alcançará os países desenvolvidos (reparem o termo capciosamente criado para nos fazer acreditar neste conto de fadas: países desenvolvidos x países subdesenvolvidos).
Ou seja, incutiram no povo a partir de uma longa doutrinação de que a sua grande tarefa é continuar fazendo o que está fazendo – ser brutalmente explorado –, bem como o Brasil sendo o que é – periferia do mercado mundial, produtor de comodities e matérias-primas a preço de banana, devedor eterno de juros recordes aos banqueiros –, que conseguiremos atingir o nível de um país desenvolvido, como os EUA ou algum europeu. Não há nada mais falso! Esta ideologia serve como um dique de contenção de qualquer raciocínio sério e independente sobre os reais problemas do Brasil.
O povo brasileiro e latino-americano (e, em especial, a sua classe média) cria uma imagem idealizada dos países da Europa e dos EUA. Esta falsa visão dicotômica redunda na ideologia de que os povos europeus e os EUA são destinados à liderança do mundo por suas virtudes intrínsecas, enquanto que os povos latino-americanos e dos demais continentes são predestinados à submissão servil e escravocrata. O grande fato ocultado por esta ideologia é que a exploração histórica do nosso continente propiciou as condições para o surgimento de sociedades avançadas na Europa e na América do Norte. Essa exploração não cessou com as “independências nacionais” das repúblicas da América Latina; apenas mudaram sua forma. Em síntese: a vida boa e o alto desenvolvimento da Europa e dos EUA estão assentados sobre o subdesenvolvimento e a miséria dos demais continentes.
Sendo assim, nenhuma ordem e progresso, boa educação ou imparcialidade da Justiça podem ser garantidoras de um desenvolvimento social. Não que a nossa educação pública e a justiça (dominada por uma camarilha da época imperial) não tenham muito o que melhorar e contribuir para o desenvolvimento do país, mas o fato, porém, é que mesmo que elas “funcionassem” como as nossas ilusões esperam, não poderiam romper com a nossa estrutura do atraso e com a periferia do mercado mundial – motivo pelo qual não funcionam como deveriam. Apenas a ruptura com o capitalismo periférico e dependente será capaz de criar as condições para que o povo saia da sua condição subumana e possa desfrutar das próprias riquezas que produz e das quais o país dispõem em abundância.
Um dos passos fundamentais nesse sentido é passar um pente fino crítico em todas estas ideologias que servem como uma forma de escravidão mental.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

4 notas sobre a ascensão do fascismo no Brasil

A vitória do fascismo no Brasil não é propriamente uma surpresa. Já há muito tempo ele vem se gestando lentamente. É bastante comum analisarmos o papel cumprido pelo PT nesta ascensão fascista, indo desde a conciliação de classes e a estratégia reformista até a contenção dos movimentos sociais através da CUT e outros movimentos. Em relação a isso não há nada a acrescentar ou se objetar.
Porém, existem outras mazelas que dizem respeito a toda a esquerda, inclusive àquela que queria ocupar o mesmo lugar que o PT. Os monstros cresceram livremente (quando não foram deliberadamente alimentados por esta mesma "esquerda"). Seguem algumas notas a respeito:
i) O fascismo está sempre latente na sociedade capitalista. Já se afirmou que nos períodos "democráticos" o capataz de fábrica é o fascista em potencial. Ele está ali, rangendo os dentes e esperando o melhor momento para estalar o seu chicote com todo o apoio social.
ii) As igrejas evangélicas cresceram sem nenhum controle e sem intervenção de nenhuma espécie. Continuaram o trabalho nefasto da igreja católica sob um selo muito mais radical, manipulando emoções infantis e contendo ideologicamente revoltas e descontentamentos sociais, fazendo com que os trabalhadores aceitem a falta de perspectiva que o capitalismo lhes impõe, legitimando a competição do mercado para os pobres e a meritocracia que lhes condena a uma luta inglória. Envolvendo emoções infantis com misticismo religioso, preparando os fiéis para serem jogados contra quem quer que lhes convenha. Em resumo: torna corpos em seres "obedientes servis dos imperativos funcionais do capitalismo" (extraído de "A ralé brasileira", de Jessé Souza).
iii) Os programas "policiais" da TV, que quase em horário nobre simplificam ainda mais a realidade, criminalizando a pobreza e ajudando a despertar o ódio nas camadas mais bem remuneradas dos trabalhadores e da classe média contra os favelados e os pobres em geral, como se o grande (e único) problema do país fosse policial; isto é: polícia X bandido e tráfico de drogas. Doutrinam cotidianamente centenas de milhares de mentes a "combater" as consequências e não as causas. Arou o campo por décadas para se plantar a semente do "bandido bom é bandido morto", visando sempre defender a propriedade acima de tudo!
iv) O filme "Tropa de Elite" foi divulgado como parte deste grande elo, que reúne todas essas mazelas, as joga em um caldeirão fervendo e, depois, despeja de volta na população, educada dentro do senso comum, que não leva nenhum raciocínio seriamente até o final. O filme resume bem a mentalidade que a elite nacional queria doutrinar o povo: a luta contra um "sistema" que não se define bem o que é. Era o tráfico de drogas? A corrupção da polícia? Dos políticos? A falta de pulso firme dos governos? Assim, a atenção é desviada com todas as forças do verdadeiro problema: o capitalismo e o seu funcionamento.
Onde entrava a roubalheira escancarada e legalizada do sistema financeiro, dos bancos, do agronegócio, da grande mídia? Os principais corruptores de políticos e de "leis", provindo diretamente do mercado, são capciosamente escondidos. Com este truque de alienação, iludindo o senso comum com uma mão de um lado, e tapando toda a podridão com a outra, os nossos atuais "mágicos" não apenas abriram as portas do fascismo, como transformaram vítimas em culpados e o capitalismo, falido historicamente e em crise permanente, num objetivo de governo que deve ser defendido pelo "povo brasileiro", inclusive com métodos militares...

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

O absolutismo burguês e a sua luta contra o iluminismo

Mais doloroso do que ficar sem salário até sabe-se lá quando, é perceber que o analfabetismo político domina o cenário atual. Esta pobreza e destruição ideológica do debate político nacional vai cobrar um preço absurdo no futuro. A burguesia nacional de hoje não é apenas incapaz de desenvolver o país, mas cumpre o papel que a monarquia absolutista cumpriu no século 17 combatendo o iluminismo.
O projeto do governo Bolsonaro (PSL e comparsas) é o aprofundamento da colonização do país, a desindustrialização e o fim dos serviços públicos; tudo em nome da subordinação total e irrestrita ao sistema financeiro, ao agronegócio e ao imperialismo ianque.
O governo Sartori (MDB e comparsas) dilapidou o patrimônio público, humilhou e empobreceu os servidores públicos, aumentou impostos e endividou o Estado pelos próximos 30 anos. Os salários dos servidores continuam sendo parcelados e o Estado AINDA continua com um SUPOSTO rombo de R$3 bilhões. Todo o nosso empobrecimento e humilhação, como já era sabido, não serviram de nada, apenas para justificar a violência simbólica contra nós (é precisamente isso que eles chamam de "responsabilidade das contas públicas").
Certamente este "rombo" será a justificativa para a destruição final dos serviços públicos (SUS, escola pública, etc.) no Estado. Os empresários da agenda 2020 agradecem! Os governos de Bolsonaro (PSL) e Leite (PSDB) - conjuntamente a todos os seus eleitores - serão os responsáveis pelo empobrecimento geral do povo que se avizinha e pela dilapidação internacional e empresarial do país. Não apenas a corrupção se aprofundará, como a dependência internacional e todas as nossas mazelas sociais já muito bem conhecidas.
É a destruição total do Brasil aos gritos de "viva o Brasil!"; é a subjugação imperialista do país escondido sob justificativas "patrióticas"; é o fim de qualquer empreendedorismo e a subordinação aos monopólios empresariais imperialistas disfarçados de defesa do "livre mercado".

sábado, 10 de novembro de 2018

Sobre a forma de "educar" a psicologia de massas do povo sob o fascismo

"Quanto maior a mentira, mais facilmente se acredita nela".
Adolf Hitler.

O filósofo com o livro aberto

O filósofo com o livro aberto é uma pintura do holandês Rembrandt, confeccionada em 1663.


Apesar de o ser-humano julgar ter dominado a natureza, Jung chama a atenção para o fato de ele ainda não ter conseguido controlar a sua própria natureza. A mente consciente, decididamente, parece incapaz de nos ajudar. Seja o que for o inconsciente, sabe-se que é um fenômeno natural que produz símbolos provadamente relevantes.
Nesse período da história humana, dedica-se pouquíssima atenção à essência do ser-humano (sua psiquê), ou quando a dedicam procedem de forma errada; enquanto multiplicam-se as pesquisas sobre as suas funções conscientes. O estudo do simbolismo individual e coletivo do inconsciente é tarefa gigantesca e que ainda não foi vencida. Nele encontramos todos os aspectos da natureza humana: a luz e a sombra, o belo e o feio, o bom e o mau, a profundida e a tolice.
Este velho - o filósofo com o livro aberto -, parecendo estar voltado para dentro de si mesmo, exprime bem a convicção de Jung de que cada um de nós deve explorar o seu próprio inconsciente. Ele não pode ser ignorado, pois é natural, ilimitado e poderoso como as estrelas.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A viseira

As pessoas olham o mundo
Mas com uma viseira nos olhos
Acham que esta às protege
Quando, na verdade, limita a sua visão

Prejudicando, assim, a sua liberdade
Pois sem a percepção total
Há a falta de interpretação
Gerando uma falsa conclusão

Não fundamentam seu pensamento na razão
Nem na lógica e no sentimento
Mas, sim, na ignorância e na superstição 
Que as guiam até então

Acham que pensam essas criaturas
Que se intitulam conscientes da verdade
Mas estas não sabem nem a metade
Portanto deixam que a falsa racionalidade seja a sua viseira

Vitor Leônidas

sábado, 3 de novembro de 2018

O fascismo dos bichos

1.
            Era uma vez uma fazenda chamada Pindorama. Ela se estendia por terras grandes e férteis, tendo por principal atividade a suíno e avicultura. Criava animais de genética apurada, com bichos desenvolvidos para a produção de carnes nobres. Durante décadas foi administrada por uma união entre os proprietários humanos, os cachorros e os porcos mais fortes, chamados de “aristocratas”. A grande prosperidade para os humanos e os porcos aristocratas, no entanto, despertou a revolta nos porcos pobres e nos perus.
            Eles passaram, então, a desafiar essa autoridade. “Faremos uma revolução dos bichos!”, gritavam os porcos pobres e os perus. Para tentar controlar esse descontentamento, se criou uma nova administração entre os humanos, os cachorros, os porcos aristocratas e a união dos porcos pobres. Tudo se acalmou durante um tempo. Os humanos continuaram comendo bacon e lucrando, os cachorros os ossos e os porcos aristocratas as melhores rações, à base de milho e soja. Os porcos pobres, que se contentavam apenas com a lavagem e os restos, agora ganhavam a “bolsa ração”, implementada pelos representantes dos porcos pobres na nova administração.
            “Somos uma fazenda feliz, próspera e humana”, diziam os proprietários, repetiam os cachorros e os porcos. E a fazenda realmente enriquecia e centenas de milhares de reais afluíam de Pindorama, somado aos caminhões que saíam de lá levando carregamentos de bacon e de peito de peru.

2.
Sobreveio então uma crise econômica e o caos geral se instaurou. Os humanos se atolaram em dívidas com suas diversas fazendas de outras regiões e se esquecerem de Pindorama. A grama se transformou em mato alto; as máquinas enferrujaram; o ambiente das instalações se tornou insalubre e muitos porcos e perus morreram de fome, frio ou de doenças. Pra piorar, lobos ferozes passaram a atacar a fazenda, saqueando e devorando os porcos que sobreviveram. Apesar disso, Pindorama era resistente e tinha grande potencial natural. Por mais destruída e saqueada que fosse, sempre estava lá, de pé e pujante.
Como viviam na “casa grande”, os cachorros e os porcos aristocratas escapavam de todos os ataques dos lobos; ou mesmo da fome, do frio e das doenças. Mas como a ração começou a escassear lá também e por se verem totalmente desamparados pelos humanos, cachorros, porcos aristocratas e porcos pobres começaram a brigar entre si. Os cachorros e os aristocratas afirmavam que toda a culpa era dos porcos pobres na administração, que roubavam ração e estavam envolvidos nos escândalos de desvio de bacon.
Por mais que se esforçassem em dizer o contrário, a união dos porcos pobres tinha sido definitivamente excluído da “casa grande”.

3.
Os porcos pobres das pocilgas e dos chiqueiros e os perus começaram a se desesperar e a expressar certo descontentamento. Os porcos pentecostais rezavam e eram incitados pelos porcos pastores à acusar a união dos porcos pobres como o responsável pela situação. Nisso eram seguidos pelos porcos leigos e pelos perus, que tentavam encontrar alguma explicação em meio àquele caos.
Os porcos proletários, contudo, conscientes de toda aquela situação terrível e inconciliáveis com a união dos porcos pobres, procuravam alertar toda Pindorama: “Temos que fazer como na Granja do Solar: tomar o controle da administração, expulsar os humanos, os cachorros e os porcos aristocráticos”. Insistiam ainda que um dos grandes problemas era o consumo de carne dos humanos: “Enquanto forem carnívoros e quiserem apenas lucrar com a nossa carne, a nossa situação só vai piorar!”.
Muitos porcos imediatistas ficavam aflitos: “Como mudar tudo isso?”, diziam uns; “O melhor mesmo seria continuar levando a nossa vida, ganhando a nossa lavagem que, afinal de contas, estava garantida”, afirmavam outros. Os porcos pentecostais ganhavam terreno, pregando o paraíso no post-mortem, onde a lavagem jorraria como água desde que se trabalhasse e se aceitasse esse mundo tal como ele era.

4.
            Subitamente os humanos reapareceram e exigiram a mudança de toda a forma de organização e administração de Pindorama. Decretaram uma austeridade profunda visando um rendimento maior da fazenda: “Somente assim poderemos sair do vermelho e ter prosperidade novamente”, eles se justificavam. Tencionaram os cachorros para que começassem o trabalho, mas estes estavam velhos e cansados. Exigiu que os porcos aristocratas expulsassem os porcos pobres da administração: “Eles desviaram ração e bacon, ora bolas, onde já se viu uma coisa dessas?”.
            Então a união dos porcos pobres, depois de longos e profundos serviços prestados aos proprietários humanos, foram expulsos como porcos imundos e infames. Toda Pindorama falava sobre eles: “Roubaram ração e bacon, que absurdo”! “São ateístas, deus nos livre!”, diziam os porcos pentecostais. “Foi o maior escândalo de corrupção de Pindorama; talvez de todas as fazendas do mundo!”, diziam os porcos aristocratas.
            Os ventos estavam mudando. Os porcos proletários perceberam e denunciaram: “Estão sendo expulsos da ‘casa grande’ porque não servem mais; querem nos explorar de outras formas!”. A maioria dos porcos das pocilgas e dos chiqueiros ouvia tudo aquilo, mas não queria entender. Percebendo a agitação no meio dos porcos e dos perus, os humanos compreenderam que precisavam fazer algo urgentemente.

5.
            “Eu sou a mudança”, disse o lobo de cima do palanque improvisado, “os cachorros não servem mais e os porcos que estavam na administração estão totalmente corrompidos”. Parte dos ouvintes levantaram as orelhas e começaram a prestar atenção.
            Os porcos proletários, percebendo para onde as coisas estavam se encaminhando, interviram: “Este lobo não pode representar mudança alguma; até ontem estava nos atacando e devorando nossos irmãos”. Parte dos ouvintes ficou desconfortável. Um porco se levantou e disse: “O que vocês propõem, então?”.
            “Nós temos que tomar o poder dentro de Pindorama, tal como na Granja do Solar e criarmos um governo dos porcos, para os porcos, junto dos seus aliados perus; que cesse totalmente a carnificina animal; libertemos os porcos e os perus das suas prisões; proibamos a venda de carne”. Alguns porcos mais a frente ficaram completamente desnorteados. Um princípio de vaia começou a se ouvir.
            “Vocês são loucos”, um daqueles porcos da frente começou a falar, “isso não deu certo em lugar nenhum; olhem para a Granja do Solar; se lembram de como ela terminou?”. “Isso mesmo”, gritaram outros que nem sabia do que se estava falando, “Fora comunistas! Precisamos retomar Pindorama como ela era”. Um porco subiu num balde e proclamou: “Pindorama acima de tudo!”.

6.
            “Um dos grandes problemas foi que os cachorros e os porcos que administraram Pindorama estavam comendo bacon e peito de peru, enquanto que vocês passavam fome, com uma lavagem racionada”, disse o lobo, no comício do dia seguinte. Parte dos porcos começou a ovacioná-lo. “Em nome de deus, eu digo a todos vocês que vamos superar essa crise e fazer Pindorama voltar a ser grande!”, exaltou-se o lobo, abraçando um porco pentecostal.
            Os porcos proletários tentavam panfletear, conversar, alertar. Porém, foram esmagados por uma massa de porcos que estavam em torno do lobo, quase o cultuando. “Queremos bacon também!”, gritou um porco que estava do lado do lobo. “Sim, votem em mim e vocês terão bacon; muito bacon!”, falou o lobo com uma voz grave de locutor. “Chega dessa roubalheira aqui”, prosseguiu o lobo, “vamos transformar Pindorama num lugar humanizado e decente; não podemos mais tolerar gorgolejada desses perus”, bradou o lobo. “Sim, é isso mesmo!”, disseram os porcos quase em uníssono, para desespero dos porcos proletários, que estavam olhando tudo escanteados.
            Liderados pelo lobo, eles saíram com suas tochas medievais, adentraram a zona das gaiolas dos perus, que ficaram felizes em ver aquela rebelião, mas quando foram soltos começaram a ser mortos sem piedade e, logo a seguir, desossados. Foi uma grande carnificina de aves que encheu Pindorama com rios de sangue.

7.
            “O que vocês querem?”, gritava o lobo, observado pelos humanos da janela da “casa grande”. “Queremos bacon!”, os porcos gritavam, “É isso que vocês terão!”, ele respondia. Os cachorros foram definitivamente dispensados da “casa grande”, passando a morar na rua. Os porcos aristocratas tentavam se aproximar do lobo, para ver se conseguiam alguma função na nova administração. O lobo, por sua vez, os ignorava. Estava em êxtase; era o senhor de toda a situação. Já existiam quatro lobos em volta daquela assembleia, como sentinelas do lobo líder. “Vamos desossar toda essa peruzada”, já gritava o lobo líder para delírio dos porcos, que pulavam e clamavam por ele.
            “Vejam só”, alertavam os porcos proletários, “já temos mais quatro lobos a nos espreitar; vão nos devorar aqui mesmo”. “Calem a boca”, gritavam parcelas significativas de porcos, que estavam vidrados na figura do lobo líder. Outra parcela dos porcos começou a exigir a saída deles daquela assembleia: “fora daqui seus porcalhões; do jeito que Pindorama tava não dava mais”.

8.
            Então o lobo líder foi eleito com uma grande margem de votos, para o grande júbilo dos porcos de Pindorama e dos seus proprietários. Os mercados já acenaram com a alta das ações na bolsa. Pindorama voltaria aos seus tempos gloriosos.
            “Finalmente teremos bacon agora”, disse um porco para o outro na fila do matadouro.
“É bacon o que vocês querem?”, falou o lobo líder de cima da máquina que fazia a esteira do matadouro andar, sob o olhar atento dos humanos e dos porcos aristocráticos.
            “Siiiiiiiim!”, eles responderam em uníssono e cheios de admiração.
            “Pois então é bacon que vocês terão!”, disse o lobo líder apertando o botão.

FIM