Eu não estou acima da
justiça.
Eu acredito na
justiça.
Se eu não acreditasse
na justiça eu não
teria criado um
partido político, eu teria
organizado uma
revolução”
(Discurso de Lula, em 7 de abril de 2018)
Prólogo
O Brasil é um país rico, repleto de
recursos naturais e possuidor de uma grande diversidade cultural. Apesar disso,
o povo passa fome e pesados grilhões econômicos e políticos impedem o
desenvolvimento do país. Urge uma mudança social que supere este regime de
exceção para o povo, baseado em uma “democracia” que funciona através da
corrupção e da manipulação midiática. Em síntese, o Brasil precisa de uma
revolução socialista. Esta conclusão aparentemente simples, sentida por largas
camadas populares, gera um problema complexo: qual é a estratégia da revolução
brasileira?
Este debate não é realizado aberta e
seriamente pela “esquerda” brasileira (principalmente expressa por PT, PCB,
PSOL, PSTU e PCO), que está falida em todos os sentidos. A tarefa recai sobre
os ombros das pequenas organizações de militantes, que rompem aqui e acolá, de
norte a sul do país, com todas estas organizações, mas terminam esbarrando no
mesmo problema de concretizar o programa, a filosofia e a estratégia da
revolução socialista.
Por que a “esquerda” brasileira está
falida? Dentre outros motivos históricos e ideológicos, porque se adaptou
totalmente ao jogo democrático-burguês, como a quinta coluna de sustentação do
regime e do sistema. Todas as maiores organizações partidárias e sindicais
referidas, através de uma política de adaptação comprometeram a sua
independência política e, consequentemente, sua independência de classe. A
adaptação não se deu somente no campo institucional político, mas foi precedido
por uma adaptação ideológica, que transformou a teoria política socialista e a
estratégia revolucionária em um palavreado estéril, tornando-se totalmente
aceitável para a burguesia e o imperialismo (ainda que estes o combatam de
diversas formas para não deixar que avancem e saiam de certos limites).
Duas teorias centrais se sobressaem
nesta adaptação teórica ao capitalismo, comprometendo definitivamente a
definição de uma estratégia revolucionária justa e coerente: I – a teoria do
nacional-desenvolvimentismo (que possui outras variantes, como a estratégia democrático popular,
defendida pelo PT e seus satélites), muito semelhante ao evolucionismo
social-democrata europeu, mas adaptado às condições latino americanas; II – a
“revolução democrática” (uma degeneração da Teoria da Revolução
Permanente, formulada pelo trotskismo na sua luta contra o stalinismo, cujos
principais expoentes são do PSOL e do PSTU, mas também estão em correntes do PT
e do movimento sindical em geral). Ambas teorias se assemelham e são uma
espécie de adaptação (consciente ou inconsciente) da teoria da revolução por
etapas defendida pelo stalinismo. Em síntese, elas comprometem a independência
de classe dos trabalhadores os subordinando à direção política da burguesia, de
uma forma ou outra.
Assim, a teoria destas organizações
de esquerda as leva a uma prática conciliadora, reformista e etapista. Em
nenhum caso pode ajudar a promover e a organizar uma revolução socialista no
Brasil e na América Latina.
***
Os seres humanos fazem a história.
Graças à contribuição teórica marxista (dentre outras), o fazem de forma cada
vez mais consciente, embora com inúmeras dificuldades. Assim como os seres
humanos, a sociedade também é contraditória, pois reúne em si diversas forças,
culturas, tendências, interesses, paixões, facetas auto excludentes, como
expressão da sua evolução tortuosa. Estas contradições, como sugerem muitos
intelectuais burgueses, não possuem caráter absoluto. Podem ser compreendidas e
minimizadas. Mas todo e qualquer trabalho político necessita levá-las em
consideração sob pena de cair no doutrinarismo e na abstração.
Aqueles que esperam encontrar
explicações lógicas, cartesianas, em linha reta, dos fenômenos sociais e
psicológicos, cairão em insolucionáveis contradições. O trabalho político
revolucionário não fluirá e poderá resultar em deformações e, por fim,
naufragar no desânimo. Os trabalhadores conscientes, suas organizações
sindicais e políticas, não podem mais ignorar os efeitos devastadores do
irracionalismo na estrutura humana das massas. Idealizar a massa, esquecendo-se
destas contradições intestinas é um erro muito grave que gera diversos
empecilhos para a emancipação do proletariado. A psicanálise de Freud nos
demonstrou que os seres humanos não são apenas seres racionais, mas, também,
seres irracionais. Sabemos hoje que na nossa mente, bem como em toda a
realidade, existem elementos e fenômenos conflitantes que tem efeitos
devastadores e paralisadores. Adoramos o prazer, mas também cultuamos
(geralmente) de forma inconsciente a dor. Exaltamos o amor, mas também o ódio.
Buscamos a liberdade, mas cultivamos medos inconscientes em relação às suas
consequências. Além disso, há na nossa psique aquilo que os antropólogos chamam
de “misoneísmo”: um medo profundo e supersticioso do novo.
A estrutura da psique humana, então,
debate-se na contradição entre o desejo intenso de liberdade e o medo dela. Apesar
de todas as contradições presentes na nossa mente (amor e ódio; desejo e culpa;
busca por libertar-se, mas medo das consequências; necessidade de uma rotina e
aborrecimento com o tédio), também há intrinsecamente no nosso ser um profundo
desejo de revolta, de colocar para fora as humilhações, limitações e opressões
da vida, resultado de uma sociedade dividida em classes. É este instinto que
viveu nas gerações passadas (revolta de Spartacus na antiguidade, rebeliões
camponesas na Europa medieval, o Quilombo dos Palmares de Zumbi no Brasil
colonial, a Revolução Francesa de 1789, a Revolução Russa de 1917, etc.); é
este instinto que embalará as gerações futuras, mesmo com todas as contradições
psíquicas e os esforços das classes dominantes para deter a roda da história.
Cabe a vanguarda das lutas ter
paciência e perseverança neste caminho. A necessidade do trabalho ousado, de
não ceder ao canto de seria da acomodação, da passividade, daquele sentimento
dócil de não querer bater de frente com os exploradores e os seus capitães do
mato, do suposto “caminho mais fácil”. Deve saber a hora de avançar ou recuar e
buscar a melhor forma para isso. Os intelectuais ao seu serviço precisam
estudar e conhecer todos os campos humanos; não apenas o político, mas o
científico, cultural, o psicológico, o sentimental.
Esboçar uma estratégia para a revolução
brasileira, levando tudo isso em consideração, é uma das principais
preocupações deste texto.
1) O
desenvolvimento do capitalismo no Brasil
I
A resposta à pergunta sobre “qual é a
estratégia da revolução brasileira?” requer uma retomada da história do
desenvolvimento do capitalismo no mundo e no Brasil. Os teóricos marxistas
concluíram por duas passagens das formações econômicas pré-capitalistas para o
capitalismo: a via clássica e a via prussiana. A via clássica teria suas principais expressões nas rupturas
revolucionárias da Inglaterra em 1628-1688, na França em 1789 e nos Estados
Unidos em 1776, a partir de uma transformação violenta em que a grande
propriedade agrária é fracionada, se convertendo em pequena propriedade
burguesa, gerando, assim, um mercado interno e as condições para a
industrialização; proclamando uma república “democrática” ou, pelo menos, uma
monarquia constitucional. A via prussiana,
por sua vez, teria como exemplo a transição do feudalismo para o capitalismo na
antiga Prússia (atual Alemanha), onde as transformações da propriedade agrária
medieval se processaram de forma lenta e gradual, isto é, de forma “reformista”,
se adaptando a rotina, à tradição e se transformando lentamente em fazenda de Junkers (antigos nobres que passaram a
explorar suas terras a partir de uma perspectiva capitalista).
Resumidamente podemos afirmar que a
“via clássica” implica uma radical transformação da estrutura agrária: a antiga
propriedade pré-capitalista é destruída, convertendo-se em pequena exploração
camponesa; isto é, ocorre a reforma agrária e a mudança das instituições
políticas. Já a “via prussiana” conserva a dimensão da velha propriedade rural,
se tornando gradativamente empresa agrária capitalista, mas no quadro da
manutenção de formas de trabalho fundadas na coerção extra econômica, em
vínculos de dependência ou subordinação que se situam fora das relações
“impessoais” de mercado. É evidente que isso permite a conservação ou até mesmo
o fortalecimento do poder político do velho tipo de proprietário rural, que
continua a ocupar postos privilegiados no aparelho de Estado da “nova ordem”
capitalista.
O desenvolvimento do capitalismo no
Brasil seguiu a “via prussiana”. As transformações ocorridas na história
brasileira não resultaram de autênticas revoluções burguesas, de movimentos
independentes provenientes de baixo para cima, envolvendo o conjunto da
população e abrindo o caminho para o capitalismo; mas se processaram através de
“acordões” de bastidores entre as elites, de uma conciliação entre os
representantes de grupos opositores dominantes economicamente. Conciliação esta
que se expressa sob a figura política das “reformas pelo alto” e se sintetiza
na expressão clássica de um político mineiro durante a guerra civil entre elites, que ficou conhecida como “Revolução de 1930”: “façamos a revolução antes que o povo a faça”. O desenvolvimento do capitalismo no Brasil preservou não apenas o latifúndio introduzido pelos portugueses, como a escravidão, que durante o Império conviveu com formas de trabalho assalariado.
No Brasil, portanto, não houve
nenhuma grande revolução que tenha mudado a estrutura do atraso, mas apenas
acordos entre as elites para acalmar os movimentos de descontentamento popular,
gerando uma “modernização conservadora”. Assim, as tarefas históricas que a
burguesia brasileira não realizou, tais como a reforma agrária (fim do
latifúndio), a criação de autênticas instituições democrático-burguesas (isto
é, uma república democrático-burguesa), o fim do domínio dos monopólios
imperialistas internacionais, a industrialização, a criação de um forte mercado
nacional, a luta contra o obscurantismo religioso e medieval, ficaram como
resquícios dos regimes econômicos e políticos anteriores. O latifúndio foi
incorporado pelo mercado internacional (através do agronegócio e de outras
formas); as instituições democrático-burguesas padecem pelo clientelismo,
paternalismo e patrimonialismo (todos estes alheios ao espírito “meritocrático”
do capitalismo), sem falar no voto a cabresto; a Igreja não apenas não perdeu
poder e influência, como controla grande parte da educação privada, de canais
de televisão e, tal como o antigo regime francês, não paga impostos,
influenciando, pelo poderio econômico e ideológico, o poder político.
Em síntese, a burguesia dos países
que não atingiram o capitalismo através da via clássica terminou por se amoldar
ao mercado mundial como apêndices, serviçais e vassalos da burguesia
imperialista, totalmente dependente dos centros imperialistas internacionais, seja
por razões tecnológicas, financeiras ou ambas. A burguesia russa terminou como vassala
do czarismo. A brasileira viveu à sombra de uma monarquia decrépita e
escravista, que, como reflexo das condições políticas e econômicas do país, ajudou
a desenvolver uma mentalidade agrária, de simples exportadora de
matérias-primas (café, borracha, soja, suco de laranja, carne, petróleo, minérios,
etc.). A formação de um mercado interno e o desenvolvimento industrial no
Brasil ocorreram apenas na virada do século XIX para o XX – sobretudo com a
“Revolução de 1930”. A contradição básica entre a classe dominante brasileira se
dá entre o seu setor agrário exportador (representado pelos latifundiários) e
uma esquálida burguesia urbana industrial, que teve seus interesses expressos
ao longo da República Velha por uma “classe média progressista”, que sempre
lutou por maior participação política e por modos de vida modernos. Em 1930
esta classe média ajudou a levar ao poder Getúlio Vargas e um setor da
burguesia que tinha um interesse confuso no desenvolvimento de um mercado
nacional.
Quem patrocinou a industrialização foi o
Estado a partir da “Revolução de 1930”. A indústria nacional já nasceu tímida e
restrita a certos limites. Quem ousasse ultrapassá-los sofreria com a oposição
dos latifundiários-exportadores, os tradicionais aliados do imperialismo, a
desestabilização política internacional e golpes de Estado. Sendo assim, a
burguesia brasileira (seja a urbana, mas, sobretudo, a agrária) se amoldou a
esta condição semicolonial, investindo na produção de comoditties e na desvalorização monetária (a burguesia agrária, que
tem sua produção voltada ao mercado internacional, prefere receber em dólares,
uma vez que a conversão para moeda nacional lhe concentrará ainda mais renda).
A burguesia semicolonial agro-exportadora não quer ouvir falar em
desenvolvimento científico e tecnológico ou em industrialização, a não ser, é
claro, para as técnicas da qual depende a sua produção econômica. Para
industrializar um país atrasado, como o Brasil, a burguesia semicolonial
inevitavelmente entra em choque com os interesses da burguesia imperialista,
cuja indústria é muito mais forte. Sendo assim, a burguesia brasileira nunca
teve interesse em industrializar o país, a não ser em ramos muito secundários,
pois teme à morte se chocar com os interesses imperialistas.
A burguesia brasileira – a que alguns setores
da “esquerda” chamam de “elite nacional” – tem como seu único projeto manter o
país como uma plataforma de exportação de produtos primários (comoditties) para o mercado mundial, do
qual ficará sendo sempre um setor periférico e subordinado. Este projeto tem
como características: não industrializar o país, subsidiar o empresariado
brasileiro que produz comoditties a
partir do incentivo fiscal do Estado e às custas do subdesenvolvimento em todas
as demais áreas sociais (inclusive da fome de largas camadas populares), câmbio
flutuante e desvalorização monetária, inflação (pois esta serve como um
subsídio financeiro indireto para o capital do país), mercado desregulamentado
(sobretudo o financeiro, o que possibilita a especulação dos grandes
capitalistas e a obtenção de lucros estratosféricos, enquanto impossibilita o
reinvestimento na diversificação da produção econômica), manutenção do
latifúndio para a exploração do agronegócio e escusas relações com os
monopólios industriais dos países imperialistas. Esta estrutura explica o
atraso do país, a corrupção infindável e a fome de grande parte da população
brasileira.
II
Foi no final do século XIX e no início do XX
– durante o período que se convencionou chamar de República Velha (1889-1930) –
que a classe dominante brasileira se dividiu nas duas alas que dariam a
dinâmica da vida política “moderna” do país: a agroexportadora (os
latifundiários ligados ao imperialismo e ao agronegócio) e a burguesia urbana (que
tinha os interesses expressos, naquela época, por uma atuante classe média preocupada
com o desenvolvimento urbano, novas instituições políticas e um novo sistema
eleitoral, cujos movimentos mais radicais se manifestaram no tenentismo). A nascente
pequena-burguesia urbana, que expressava os interesses da grande burguesia
vacilante, visava o desenvolvimento de um mercado nacional, o que poderia
diversificar a produção, incomodando e ameaçando o poder econômico da burguesia
agroexportadora, ligada ao mercado mundial e, naquela época, ao imperialismo
inglês. Ao contrário do que apontou o stalinismo e outros teóricos reacionários,
esta disputa entre a burguesia não representava a luta de uma burguesia
retrógrada contra outra progressista, que teria um projeto revolucionário de
nação, tal como tinham as burguesias que seguiram a via clássica. Ambas frações visavam e visam o controle do botim
estatal e das verbas públicas, portanto, da chave do cofre que garante o
benefício de sua própria produção às custas da maioria da população. Esta
disputa polarizou o país e continua polarizando ainda hoje. No passado se
expressou na luta entre a elite cafeicultora, de um lado, contra a burguesia
urbana e grande parte da classe média (principalmente aquela que apoiou o
varguismo), de outro. Como sabemos, a elite agrária perdeu parcialmente o poder
durante a era Vargas, mas voltou com tudo após as sabotagens políticas que
levaram o caudilho ao suicídio. O setor agroexportador se impôs novamente e
escancarou as portas ao imperialismo ianque, seja através dos governos
“democráticos” entreguistas, ou, sobretudo, a partir da ditadura militar.
Hoje a disputa inter-burguesa se dá – com
mudanças consideráveis uma vez que a população cresceu de cerca de 41 milhões,
em 1930, para mais de 209 milhões, em 2018 – entre o setor agrário exportador
(ligado, sobretudo, ao agronegócio) liderado pelo PSDB, o seu séquito de
partidos burgueses e uma classe média alta extremamente reacionária; em
contraposição a uma classe média mais “progressiva”, uma burguesia supostamente
nacional (sobretudo as empreiteiras e os setores ligados à exploração estatal
do petróleo e do minério) e as organizações dos trabalhadores controladas por
uma forte burocracia sindical, liderados pelo PT e o seu séquito de partidos
reformistas e burgueses. A ala do PSDB é apoiada pelo imperialismo
norte-americano e europeu, enquanto que a ala liderada pelo PT é apoiada por
China, Rússia e uma pequena parte vacilante dos países europeus. Os
trabalhadores historicamente não tiveram uma direção que formulasse uma política
revolucionária capaz de organizar o proletariado de forma independente. Esta
lacuna ainda permanece em aberto, por isso o país segue polarizado entre estes
dois campos burgueses.
III
A teoria marxista convencionou
chamar as revoluções burguesas de “revoluções democráticas” (ou
democrático-burguesas), justamente por lutarem contra os restos do feudalismo e
das demais formações pré-capitalistas, tal como a sociedade colonial
escravocrata brasileira (que não era feudal, mas que tampouco era capitalista,
apesar de ter sido peça chave para a acumulação primitiva de capital na
Europa). Desde a experiência revolucionária russa em 1917 ficou bastante
evidente que a burguesia não mais cumpriria um papel revolucionário de ruptura
com os resquícios dos regimes econômicos pré-capitalistas. A rigor, esta
conclusão é ainda anterior, desde a revolução europeia de 1848, a partir da
qual Marx e Engels concluíram que a burguesia não cumpriria mais nenhum papel
revolucionário independente; ao contrário, como já tinha atingido o posto de
classe dominante, passava a ver o proletariado como inimigo. Incitá-lo contra
os resquícios dos regimes feudais europeus – tal como havia feito em 1789 e
1830 – poderia voltá-lo contra si própria. As tarefas das revoluções burguesas
inconclusas recaíam agora sobre os ombros dos trabalhadores, que precisavam
lutar com total independência política para poder realizá-las; isto é, eram
integradas ao programa do proletariado em sintonia com as tarefas da revolução
socialista. Porém, a “esquerda” brasileira não via as coisas desta forma.
2) A
estratégia democrático-popular ou o nacional-desenvolvimentismo
I
A estratégia democrático-popular é uma
adaptação do reformismo à realidade latino-americana. Ela é uma reedição
disfarçada da estratégia da “revolução democrática nacional” do PCB, formulada
durante o auge da influência stalinista na III Internacional. As teses da
Revolução Permanente de Trotsky foram redigidas para combater esta concepção
stalinista, que já tinha comprometido a revolução na China de 1925-1927, a
“Revolução de 1930” no Brasil, a revolução espanhola de 1936 e tantas outras pelo
mundo. Partindo de conclusões corretas nos seus primeiros congressos, aonde
chegou a afirmar que seria grave criar ilusões “na possibilidade de uma nova fase do capitalismo”, a qual
denominou “uma fase democrática popular”
(documento do 5º Encontro Nacional, de 1987) o PT passou, como acontece
seguidamente em sua história, a teorizar e praticar aquilo que antes criticava.
Um dos principais teóricos do PT e
da estratégia democrático-popular é Tarso Genro. Em 1992, apenas 5 anos após o
5º Encontro Nacional do PT, ele escreveu: “a
saída reformadora passa
evidentemente por setores da burguesia brasileira, ligados às necessidades
internas de um mercado brasileiro”[i]. Qualquer outra saída que
não esta era criticada por ele como utópica e irrealista. O socialismo estava
definitivamente fora da sua estratégia política; ou, como disse um militante de
base desiludido com os rumos do partido no final do II Congresso, “foi parar no
anexo”.
Após um terrível processo de
adaptação e cooptação, que o levou a distorcer e tornar aceitável para
burguesia termos como “revolução” e “socialismo” nas resoluções do seu 7ª
Encontro Nacional, em 1990, o PT passou a sustentar abertamente a necessidade
de uma “etapa democrática” de “acumulação de força”, em que seria fundamental
uma aliança política com setores “progressistas” da burguesia para ajudar a
cumprir a transição de um Estado híbrido, formado por camadas ligadas às
antigas relações de produção pré-capitalistas (agrárias, semifeudais,
pré-capitalistas, etc., em suma, um país que se funda no domínio das “velhas
elites tradicionais”) em um Estado burguês moderno, apto, segundo Tarso, a
realizar a mediação entre os indivíduos e preparado para “distribuir renda”. Os
entraves a esta transição seriam a burguesia agro-exportadora, o latifúndio, a
inexistência de um mercado interno regulamentado (isto é, um pleno
desenvolvimento de uma economia capitalista). Sendo assim, seria fundamental
buscar aliança com esta burguesia, que se traduzia em acordos espúrios e sem
critérios que permitiriam a chegada ao poder e, a partir daí, alianças que poderiam
garantir a governabilidade. Uma vez
no governo, a estratégia democrático-popular sustentava que o PT podia e
deveria conquistar o poder Executivo, a presidência da República, pois, assim,
inauguraria “um novo período no qual, com
a posse do governo – portanto, parte importante do poder de Estado –, a disputa
pela hegemonia se dar[ia] em outro
patamar. Estará colocado para o PT e para as forças democráticas e populares a
possibilidade de iniciar um acelerado e radical processo de reformas
econômicas, de lutas políticas e sociais. Tudo isso criará as condições para a conquista da hegemonia política e de
transformações socialistas” (Resoluções do 6º Encontro Nacional, de 1989 –
grifos nossos).
Neste pequeno trecho fica visível
que as transformações socialistas dependeriam de condições que ainda precisavam
ser criadas. As condições para a “transformação socialista”, curiosamente,
seriam criadas a partir desta aliança com “setores da burguesia brasileira” e
dos seus partidos tradicionais; e isso tudo no final do século XX e início do
XXI! Todo o esforço teórico do petismo deste período se baseou em sustentar que
esta “etapa democrática” de aliança com setores “progressivos da burguesia” e o
“início da construção socialista” (nunca indicado quando exatamente ocorreria)
seriam elos de um mesmo processo.
Todo este malabarismo teórico e
político tinha como finalidade sustentar seu “novo” programa (o colocado em
prática após a primeira eleição de Lula em 2002), que afirmava ser possível a
partir desta aliança com a “burguesia progressista” aplicar as seguintes
medidas: regulamentar o mercado a partir de “instituições democráticas” (isto
é, instituições “democrático-burguesas”, como o muy democrático Congresso Nacional); imposto progressivo sobre a propriedade
para reutilizá-los nos serviços públicos e na infraestrutura geral; consolidar
e manter as regras sobre o mercado de trabalho, com sindicatos organizados e
disciplinados por esta lógica democrático-burguesa;
realizar a reforma agrária, fortalecer o mercado interno em detrimento do setor
agro-exportador, “democratizar” o Estado brasileiro e o mercado. Em síntese,
estas seriam as diretrizes gerais do programa democrático-popular, sustentado
inicialmente pelo PCB e, com estas ligeiras modificações e atualizações,
incorporado pelo PT.
II
Tal como a atual “esquerda” do tipo
PSOL e PSTU faz hoje, o PT passou por um longo processo de mistificação da
“democracia”. Sustentado por teóricos como Carlos Nelson Coutinho (CNC) que, a
partir de Gramsci, defendem alianças entre o proletariado e “setores
progressistas da burguesia” e da classe média, expressos na tática de frente popular, o PT caiu no canto da
sereia do imperialismo. A “democracia” transformou-se num valor universal,
dissociado de uma sociedade de classes! Ignorando as severas admoestações de
teóricos como Lenin, que diziam reivindicar, “esqueceram” que a democracia
possui uma base econômica, tal como tinham a democracia escravista grega,
romana ou do império brasileiro do século XIX. Simplesmente excluem uma das
principais contribuições teóricas do marxismo à compreensão da sociedade,
conquistadas a duras penas ao longo dos séculos XIX e XX. Tudo isso, é claro,
com a evidente finalidade de relativizar princípios e possibilitar alianças pragmáticas
que facilitariam a vitória em uma eleição dentro da democracia burguesa. Em
síntese, partindo das formulações teóricas de CNC e Tarso Genro, esta só pode
ser vista como a “revolução passiva” (ou via
prussiana) na versão do proletariado. O erro, contudo, é que uma “revolução
passiva” exige uma transição entre elites (qual elite aceitaria uma transição
para outro regime que resultaria no fim do seu “direito sagrado” à propriedade
e ao poder?); a revolução proletária autêntica só pode significar o fim das
elites, por isso é incompatível com uma “revolução por etapas”.
Então, muitos teóricos, dirigentes e
militantes do PT passaram a esconder o objetivo socialista atrás da palavra
“democracia”. Iniciou-se com o “socialismo democrático” (para corretamente se
diferenciar dos regimes stalinistas), mas degenerou na “radicalização da
democracia”, o que, dentro de todo o contexto, só tem um significado:
radicalizar a democracia burguesa. Ora, defender o capitalismo e o Estado
democrático (burguês não declarado) e, ao mesmo tempo, a “distribuição de
renda” é uma contradição absurda. A lógica central do “Estado democrático”
assentado em uma economia capitalista é justamente possibilitar que uma classe
concentre renda, e não distribua: quem não entendeu isso não entendeu nada ou
está conscientemente iludindo os trabalhadores e o povo pobre.
Os programas sociais petistas (Bolsa
Família, ProUni, Minha casa Minha
vida, e outros) distribuíram uma pequena parte da renda, para uma parte pequena
da população (as favelas continuaram existindo, muitos jovens pobres, negros e
brancos, fora das universidades, subempregados e sem nenhum tipo de renda). A “burguesia
progressista” e a agro-exportadora toleraram sempre de muito má vontade tais
programas assistencialistas (que eram quase uma caridade cristã) e o equilíbrio
do seu próprio regime “democrático” enquanto o “bom momento” da economia
internacional permitia que, nas palavras de Lula, “os bancos ganhassem dinheiro
como nunca”. Ou seja, a alta taxa de lucro satisfazia momentaneamente a gula
destes setores da burguesia. Bastou, contudo, mudarem as condições econômicas a
partir do seu epicentro nos EUA e na Europa, para que ela desestabilizasse o
governo, o impeatchimasse, e passasse
para uma ofensiva política e econômica brutal se utilizando dos seus
tradicionais métodos fascistas.
Tal como ficou provado pelas experiências com
os governos petistas e como já alertou Trotsky a mais de 60 anos atrás, esta
“etapa democrática” seria apenas uma “derrota ‘democrática’ da revolução
proletária”; ou seja, ambas se anulariam reciprocamente, restando, na prática,
apenas a parte que fala em “aliança com setores progressivos da burguesia” que
não querem nenhum tipo de progresso real, apenas manter a sua taxa de lucro e,
portanto, o atraso econômico, científico-tecnológico e cultural do país.
III
Uma das formas teóricas que o petismo
usou para enganar os trabalhadores era sobre a diferenciação entre o
“capitalismo” (que seria, segundo dava a entender, um “capitalismo
democrático”) e o “capitalismo neoliberal”. Para os teóricos petistas, como
Tarso Genro, seria uma opção política
das burguesias nacionais seguir uma versão “democrática” ou “neoliberal” do
capitalismo. O neoliberalismo não seria, portanto, a forma concreta que
adquiriu o capitalismo, seguindo suas tendências centrífugas inatas, no período
de sua decadência histórica, isto é, durante o seu período imperialista.
Um capitalismo diferente do
neoliberal significaria pressupor que a “liberdade de mercado” não é uma ficção
– isto é, uma mera forma retórica dos grandes monopólios imperialistas para
controlar preços e ramos inteiros do mercado –, mas uma realidade. Ou seja,
para os teóricos petistas, seria possível regulamentar o mercado sem o poder
dos trabalhadores, apenas constituindo-se maiorias nos parlamentos burgueses.
Para isso, teríamos que partir do pressuposto de que a burguesia toleraria a
regulamentação do mercado. E por que ela não toleraria? Ora, por um motivo
muito simples: porque regulamentar o mercado significaria diminuir sua taxa de
lucro, que, na atual fase de decadência do capitalismo, só pode se manter e
aumentar com a desregulamentação do mercado e os generosos subsídios do Estado.
O próprio Tarso reconhece que o neoliberalismo representa a regulamentação do
movimento espontâneo do capital, que nada mais é do que a norma espontânea do
mercado e da propriedade privada[ii].
IV
Tarso Genro, reivindicando o legado
teórico menchevique, defende a implantação de uma estrutura política que fosse
compatível com o desenvolvimento capitalista, da cultura, da indústria e da
produção do Brasil. Para ele, a estratégia deveria ser apostar em uma aliança
com a “burguesia progressista” que permitisse um desenvolvimento capitalista
“pleno” no país, o que geraria um desenvolvimento cultural, político e
econômico favorável ao desenvolvimento socialista[iii]. Os 13 anos de governos
petistas nos permitem analisar qual foi o resultado prático desta estratégia.
Ainda que muitos pobres tenham
comido e muitos negros tenham entrado nas universidades, seguiram inúmeros
moradores de rua passando fome, desempregados ou subempregados, e centenas de
milhares de negros sendo chacinados nas periferias das grandes cidades; além
disso, as universidades continuaram produzindo um conteúdo pós-moderno e,
portanto, essencialmente burguês, incentivador do individualismo, voltado
exclusivamente para a subjetividade e não para o universal. Frente aos
programas sociais, que consumiam uma reduzida parte do orçamento público e
representaram apenas o exercício de um paternalismo estatal (com o que é
impossível criar autonomia nos trabalhadores e, sem esta autonomia, não se pode
“construir o socialismo”); os programas sociais criaram bolsões de reprodução
ideológica do populismo, enquanto os bancos e as multinacionais lucraram “como
nunca”; além de poços de petróleo, portos e aeroportos serem colocados a leilão
para privatização. Os direitos trabalhistas começaram a ser ameaçados e alguns
retirados (a precarização no serviço público seguiu correndo frouxa). A
indústria nacional (representada, sobretudo, pelas empreiteiras) tinha projetos
de enriquecimento individual, não nacional. A tática de desenvolver o país com
base nas empresas estatais e os bancos públicos foi totalmente sabotado e
desmontada pela direita, através dos partidos aliados de ontem. Os transportes
seguiram nas mãos das multinacionais automobilísticas e dos trustes das
empresas de ônibus, sem projeto alternativo algum (como a malha ferroviária ou
o metrô nas grandes cidades). O mercado seguiu desregulamentado, com os ricos
pagando menos impostos que os pobres, e o setor financeiro especulando
desenfreadamente às custas do reinvestimento em setores produtivos. As
instituições democrático-burguesas (tal como o Congresso Nacional) não se
abriram para as massas, tal como queria CNC. Ao contrário: se fecharam ainda
mais ao povo, consolidando bancadas evangélicas, ruralistas, das armas, etc.
(os únicos que continuaram sem bancada foram os trabalhadores conscientes). A
grande mídia seguiu desregulamentada, totalmente monopolizada, distorcendo,
mentindo e sendo um dos principais centros de disseminação de terrorismo
psicológico (bem como da peste emocional). Um movimento sindical burocratizado,
institucionalizado, acomodado, passivo e contendor do descontentamento dos
trabalhadores, impediu que lutas tencionassem a burguesia por direitos e
mudanças estruturais. Os valores culturais se associaram ainda mais ao
consumismo, ao hedonismo, ao imediatismo, à passividade frente à democracia
burguesa e suas eleições de cartas marcadas.
O período dos governos petistas, portanto,
não criou uma nova cultura que preparasse as bases para o socialismo (muito
timidamente ajudou a introduzir o debate sobre uma nova forma de família,
contra o machismo, o racismo e a LGBTfobia), mas apenas reforçou os vícios centrais
do capitalismo, revigorando a consciência burguesa e pequeno-burguesa na classe
média, em setores dos trabalhadores e no funcionalismo público. Em síntese:
fortaleceu a direita que os golpeou. Para jogar o jogo do inimigo, o PT teve
que fazer caixa 2 para campanha eleitoral e imiscuir-se no jogo da corrupção
burguesa.
Por tudo isso, há que se reconhecer
que toda esta experiência com a frente popular petista teve como início o seu
abandono das posições de esquerda para poder selar os pactos com a “burguesia
progressista” e o seu esgotamento com o golpe do impeachment. Experiências históricas que alertavam sobre esse possível
desfecho não faltaram; os teóricos petistas preferiram fazer vistas grossas. Se
não superarmos a estratégia democrático-popular para o próximo período não
avançaremos um centímetro na luta dos trabalhadores no verdadeiro sentido do
socialismo. Ao contrário, tendemos a retroceder.
3) A
“revolução democrática”
I
A “revolução democrática”, defendida por PCB,
PSOL e PSTU tem, fundamentalmente, a mesma estratégia descrita acima, embora
com mais floreios teóricos. PCB reivindica em parte o legado stalinista e em
parte se envergonha dele, terminando, no fim, por reafirmar a mesma estratégia
de “revolução democrática” e “frente popular”, apenas se utilizando de uma nova
linguagem. PSOL e PSTU, por se dizerem trotskistas, precisam embaçar o discurso
e confundi-lo um pouco mais, justamente por ficarem em franca contradição com a
teoria da Revolução Permanente. O PSOL, por ser um partido de tendências,
possui correntes que reivindicam a mesma estratégia petista já descrita
anteriormente e outras correntes que, tal como o PSTU, reivindicam a teoria de
Nahuel Moreno, um “trotskista” argentino. Em todos os casos, a estratégia
baseada na “revolução democrática” padece dos mesmos males que a
“democrático-popular”: mistificação, em algum momento, da democracia burguesa,
etapas e alianças temporárias ou totais com setores da “burguesia progressista”
ou da “pequena-burguesia” através de frentes populares.
Um dos principais legados do
pensamento trotskista foi a teoria da Revolução Permanente, que surgiu como o
resultado do embate entre a oposição de esquerda e os rumos que a burocracia
stalinista queria imprimir ao jovem Estado soviético. Esta teoria fez o
problema sair “definitivamente do domínio
das recordações de velhas divergências entre os marxistas russos, para
apresenta-lo em ligação com o caráter, os laços internos e os métodos da revolução internacional”[iv]. Em síntese, a teoria da
Revolução Permanente representa para os países de desenvolvimento burguês
retardatário e, em particular, para os países coloniais e semicoloniais, que “a solução verdadeira e completa de suas
tarefas democráticas e nacional-libertadoras só é concebível por meio da
ditadura do proletariado”[v], o que, evidentemente,
excluiria qualquer tipo de aliança com a burguesia, ainda que apontasse a busca
por aliados sociais, como a pequena-burguesia e as massas camponesas. Para
isso, a teoria trotskista alertava que “a
aliança revolucionária do proletariado com os camponeses só é concebível sob a
direção política da vanguarda proletária organizada como partido
revolucionário. Isso significa, por outro lado, que a vitória da revolução
democrática só é concebível por meio da ditadura do proletariado”[vi]. Em contraposição a esta
concepção, a teoria stalinista dissociava a revolução democrática da revolução
proletária (isto é, da ditadura do proletariado), o que acarretaria na “decomposição do proletariado nas massas
pequeno-burguesas, criando, assim, condições favoráveis à hegemonia da
burguesia nacional e, por conseguinte, à
falência e ao desmoronamento da revolução democrática”[vii]. Assim, sob a liderança
dos trabalhadores organizados e conscientes, juntando as tarefas
democrático-burguesas não realizadas às tarefas socialistas em um único e mesmo
programa, o curso do seu desenvolvimento transformaria a revolução democrática “diretamente em revolução socialista,
tornando-se, pois, uma revolução permanente”[viii].
A “esquerda” brasileira que
supostamente reivindica o legado teórico de Trotsky, tal como PSOL e PSTU,
desfiguraram completamente a teoria da Revolução Permanente (que é a principal
base teórica do pensamento trotskista), chegando a transformá-la no seu exato
oposto. Esta desfiguração tem implicações diretas sobre a sua prática política
e, sobretudo, em relação à sua estratégia para a revolução brasileira. O
principal teórico que revisou e praticamente rasgou a teoria da Revolução
Permanente é Nahuel Moreno (caro tanto ao PSTU, quanto à correntes do PSOL como
MES e CST, bem como a organizações socialistas menores, que são independentes
dos partidos majoritários). A partir de um oportunismo latente, Moreno destruiu
a teoria da Revolução Permanente, ao mesmo tempo em que dizia reivindicá-la. No
seu livro que surgiu a partir de um curso para os jovens militantes do partido
argentino, conhecido como "Escola de Quadros" (publicado em 1984),
Moreno sustenta que: “Nós acreditamos que
nestes últimos 40 anos produziram-se fenômenos distintos aos que Trotsky viu,
que nos obrigam a começar a elaborar entre todos (...) uma nova formulação, uma nova forma de escrever a teoria da revolução
permanente, tomando todos os problemas. Temos que formular que não é obrigatório que seja a classe
operária e um partido marxista revolucionário com influência de massas quem
dirija o processo da revolução democrática para a revolução socialista. Não
é obrigatório que seja assim. Ao contrário: aconteceram e não está descartado
que aconteçam, revoluções democráticas, que no terreno econômico, se
transformam em socialistas. Quer dizer, revoluções que expropriem a burguesia sem ter como eixo essencial a classe
operária – ou tendo-a como participante importante –, e não tendo partidos
marxistas revolucionários e operários revolucionários na sua frente e sim,
partidos pequeno-burgueses”[ix].
Ao contrário do que afirma Moreno,
não houve, desde a Revolução Russa de 1917, nenhuma revolução democrática
vitoriosa que tenha se tornado vitoriosa dissociada de um partido
revolucionário ou de um movimento operário com consciência de classe. O
resultado desta teoria nefasta, melhor expressa no seu livro conhecido como
“Teses para a atualização do Programa de Transição”, é que os partidos e
organizações socialistas de orientação morenista descambaram totalmente para o
apoio político à regimes democrático-burgueses e, direta ou indiretamente, a
uma ou outra fração da burguesia. Partindo de uma compreensão de que é
necessário ou inevitável uma nova fase que se expressaria através de um “regime
democrático-burguês” (tal como o PT defendeu a partir da sua estratégia
“democrático-popular”), o morenismo compreendeu que as quedas de ditaduras
latino-americanas (como na Argentina em 1984 ou no Brasil em 1985) foram
“colossais revoluções democráticas”, mesmo que elas não tenham resolvido nenhum
problema “democrático” (reforma agrária, regime democrático, independência
nacional, industrialização, criação ou regulamentação de um mercado nacional,
etc.) e se constituindo de um mero acordo entre os partidos burgueses e a oligarquia
militar. Ou seja, nenhuma tarefa democrática histórica é solucionada: somente
isso caracterizaria uma revolução democrática, coisa que as burguesias
semicoloniais (como a brasileira) não estão mais em condições históricas de
cumprir. O mais agravante é que, diferentemente da estratégia
democrático-popular petista, a teoria da “revolução democrática” morenista se
caracteriza por deixar os trabalhadores e suas organizações de fora, como meros
expectadores que, no máximo, podem pressionar governos que estariam à cabeça
deste novo “regime democrático”.
Como já alertavam os setores
minoritários, excluídos e mais conscientes da esquerda brasileira: “uma revolução democrática distingue-se
também pela mudança na composição das classes, ou setores de classes, no poder.
As revoluções democráticas morenistas não preenchem nenhuma dessas condições.
Moreno inventa uma revolução democrática inexistente e, para tanto, rebaixa as
suas tarefas ao nível de um regime democrático reacionário dirigido pela grande
burguesia. Faz passar as pretensas revoluções de regime – a substituição de uma
ditadura por um regime democrático – como o programa revolucionário. Na atual
fase do capitalismo as revoluções democráticas não existem mais. As tarefas
democráticas históricas continuam atuais, mas atualmente o caráter da revolução
é dado pelas tarefas socialistas – a expropriação dos monopólios – que se
colocam na ordem do dia desde o primeiro momento”[x].
II
A influência etapista na concepção de
“revolução democrática” morenista fica evidente na seguinte citação: “Para abrir caminho para a revolução
socialista, devíamos, antes de mais nada, destruir o obstáculo do regime
burguês contra-revolucionário. Porém, a partir da vitória da revolução
democrática, da queda desse regime, as palavras de ordem anti-capitalistas
passam a ser centrais. Se antes chamávamos os trabalhadores a concentrar suas
mobilizações para derrubar a ditadura, agora os chamamos para que concentrem
forças para liquidar o sistema capitalista imperialista”[xi].
Na teoria da “revolução democrática”
morenista, a dialética marxista é substituída por uma metafísica barata, o que
redunda na defesa de uma nova vertente da “revolução por etapas”, que exigem
“fases anteriores” e jogam a ruptura revolucionária e o socialismo para um
futuro indeterminado, tal como fez o PT com sua estratégia
“democrático-popular”. As consequências são a desorganização e a desorientação
nos trabalhadores. A oportunidade de transformar a luta dos trabalhadores
contra uma ditadura militar burguesa (isto é, um regime fascista) numa luta
pelo socialismo é desperdiçada em nome de colocar no poder uma fração burguesa
que supostamente preparará as bases para a construção socialista futura. A
experiência histórica nos demonstra que os regimes democrático-burgueses não
apenas não preparam as condições para a revolução socialista, como aprofundam a
barbárie e ameaçam retornar à ditadura fascista para contornar as inevitáveis
crises que o capitalismo sempre gera.
Nesse sentido, a confusão apenas aumenta,
pois esta “esquerda” forma teoricamente sua militância para compreender a
“revolução democrática” como a luta em defesa de “liberdades democráticas” aos
trabalhadores dentro da sociedade burguesa. Defender as liberdades democráticas
mínimas dentro de um regime democrático-burguês jamais pode se confundir com a
defesa da "revolução democrática" como uma estratégia para a
revolução.
O resultado prático desta autêntica teoria de
conciliação de classes tem sido que esta “esquerda” fica refém do que o regime
democrático-burguês tem a oferecer – as viciadas eleições burguesas –,
investindo todas as suas fichas no processo eleitoral, formando e consolidando
novas e antigas frentes populares. Não que os revolucionários não possam
participar do processo eleitoral burguês, mas a política eleitoral de PSOL e
PSTU ultrapassam todos os limites, reforçando ilusões nas frentes populares
“mais à esquerda”, se aliando a partidos burgueses e, inclusive, como é o caso
do PSOL, recebendo financiamento de grandes empresas.
III
Recentemente, por influência dos
acontecimentos da chamada “primavera árabe”, este setor da “esquerda”
brasileira considerou as rebeliões populares contra as ditaduras no Egito, na
Líbia e na Síria como “colossais revoluções democráticas”. Nestes processos a
burguesia, o imperialismo e os seus monopólios não perderam nem por um momento
o poder, apenas pactuaram uma transição política entre a ditadura militar e um
regime democrático-burguês (que hoje mais parecem ditaduras não declaradas); tampouco
as tarefas “democráticas” foram solucionadas. Sendo assim, ela se colocou
vergonhosamente como base de sustentação de uma ala burguesa (a ala
supostamente “democrática” ou “progressista”) contra outra ala burguesa (a
ditatorial), deixando, novamente, os trabalhadores egípcios, líbios e sírios
sem uma estratégia pautada pela independência de classe.
IV
Outro setor da “esquerda”, mesmo se dizendo
contra o morenismo e a “revolução democrática”, aposta permanentemente na
bandeira de Assembleia Constituinte.
O maior expoente desta consigna – quase como um samba de uma nota só – é o MRT,
organização que edita o Esquerda Diário.
A defesa permanente da Constituinte é, precisamente, a sua forma de apoiar uma nova
vertente de “revolução democrática”. Qualquer proposta de Assembleia
Constituinte dissociada de um poder dos trabalhadores é apenas mais uma
promessa vazia, fadada a ficar submetida aos ditames da burguesia, que possuirá
inevitavelmente maior poder econômico e político para ditar seus rumos.
No passado, quando países como China, Rússia
e mesmo o Brasil não tinham tradição democrático-burguesa, esta palavra de
ordem conservava algum valor. Atualmente, esta proposta partir de organizações
de “esquerda” apenas pode significar uma nova forma de derrotar “democraticamente”
a revolução proletária. A Assembleia Constituinte só resultará em benefício aos
interesses dos trabalhadores se estiver sustentada por um poder proletário, que
somente poderá surgir de uma revolução socialista. Outra perspectiva que não
essa é apenas uma nova forma de continuar subordinando os trabalhadores à
direção política da burguesia.
4) As
lições da história e as novas táticas daqui para frente
I
O Brasil nunca passou por uma revolução
burguesa profunda, que equivalesse a uma “reforma protestante”, nem se preparou
ideologicamente para ir além das religiões e do misticismo, tal como o
movimento iluminista fez na França. Também não se industrializou no sentido de
se elevar acima dos interesses particulares de indivíduos e formular um projeto
de desenvolvimento nacional, capaz de colocar o Brasil na luta pela tecnologia
de ponta, tal como a burguesia inglesa e norte-americana fizeram. A burguesia
brasileira é um exemplo típico da adaptação de uma elite nacional às condições
de um mercado estruturalmente estreito e periférico. Aceita ser de bom grado
uma sócia menor da burguesia imperialista. Assim, o povo trabalhador do Brasil
tem o seu fardo redobrado, ficando submetido a uma dupla exploração. Os
problemas da burguesia brasileira não se resumem ao não cumprimento das tarefas
democráticas retardatárias; ela incorporou elementos medievais na sua
mentalidade e na sua política: cultiva o misticismo, o obscurantismo, o
preconceito, a intolerância, a ignorância travestida de modernidade e de
cultura. Um país fundado pela exploração internacional e com sofrimentos
iníquos seculares, não pode mudar as bases econômicas e sociais profundamente
arraigadas sem uma ruptura revolucionária, planejada e radical.
Como vimos, a estratégia
“democrático-popular” e a “revolução democrática” não podem orientar o programa
e as tarefas da revolução proletária brasileira. Muito se fala que a “esquerda”
precisa se unir, tal como um mandamento. No entanto, defender que a “esquerda”
tem que se unir sem levar em consideração as profundas diferenças estratégicas no
seu interior é o mesmo que afirmar que para o bom resultado de um time de
futebol basta “jogar junto”, não sendo necessário um esquema-tático. Trocando
em miúdos, significa dizer que se em nome da “unidade da esquerda” nós nos
alinhamos à estratégia democrático-popular, seguindo o bloco liderado pelo PT;
ou então nos alinhamos à “revolução democrática” morenista, seguindo PSOL ou
PSTU; estaremos, assim, abrindo mão de lutar por um projeto de independência de
classe. No campo econômico e político é somente na união em torno de um
programa de independência de classe, dando ênfase à expropriação do grande
capital, que poderemos resolver os graves problemas do subdesenvolvimento do
país. Mas ainda existem outras “urgências” a serem incorporadas no programa da
revolução brasileira.
A concretude deste programa e da realização
destas tarefas deve ser o resultado de um esforço militante de todo o movimento
sindical e social que está comprometido com o socialismo. Aqui só poderão ser
apontados alguns indicativos para esboçarmos esta estratégia revolucionária.
II
O socialismo real terminou colapsado, segundo lemos e ouvimos através
da grande mídia e das universidades. Ambos os termos – socialismo real e colapso
– foram criados e são utilizados amplamente pela burguesia. Este “colapso”, na
verdade, é uma isca para a intelectualidade, pois tem duas raízes mais profundas
que nunca são abordadas: 1 - a burocracia stalinista, que se formou, se
desenvolveu e, por fim, dominou todo o aparato do estado soviético de 1930 até
1991; e 2 - uma política aplicada por esta burocracia entre 1989 e 1991,
chamada de Perestroika, que teve a
finalidade consciente de restauração do capitalismo, utilizando-se, para isso,
de um discurso de “aprofundamento do socialismo”[xii].
Após a restauração do capitalismo na
URSS, leste europeu, China e Cuba, se abriu uma ofensiva ideológica que colocou
o “socialismo” como algo irrealizável e indesejável, tal como se fosse um
projeto de lunáticos. Por um lado, esta ofensiva se utilizava dos crimes
stalinistas e das demais burocracias políticas de outros países “socialistas”
como forma de assustar os trabalhadores (tal como fazem até hoje); por outro
lado, procuravam manipular sentimentos, informações e, se utilizando do
irracionalismo de amplos setores das massas, afirmava que o socialismo só pode
“ser isso”. Ignoravam conscientemente experiências fundamentais que serviriam
pra resolver inúmeros impasses da sociedade capitalista. Para citar alguns: a
industrialização da Rússia e a legislação dos primeiros anos da revolução (isso
seria impensável caso ela permanecesse como uma semicolônia de Inglaterra e
França); a unificação da China (que juntou os seus inúmeros territórios
independentes, explorados por diversos imperialismos, a quem interessava deixar
a China dividida sem uma unidade nacional); a saúde e a educação em Cuba; o
governo partilhado democraticamente entre os países do leste europeu durante a
existência da Iugoslávia liderada por Tito. Por seguirem uma cópia do governo
stalinista da URSS, de uma forma ou de outra, acabaram repetindo vícios
nefastos, que foram utilizados pela grande mídia burguesa para jogar os
trabalhadores contra o socialismo. Ainda haveriam outros problemas, como o
“medo à liberdade” intrínseco a todos os seres humanos, que precisa ser analisado
com mais detalhes e com o qual não houve plena consciência ou mesmo preocupação
por parte dos revolucionários socialistas durante o século XX.
Esta vitória ideológica conjuntural
da burguesia com a restauração possibilitou que os trabalhadores seguissem
anestesiados contra a ideia de “socialismo”, tornando-os reféns da barbárie
criada pelo capitalismo. A crise da sociedade capitalista é vista e sentida
como um beco sem saída, que tende a reforçar os sentimentos niilistas no campo
ideológico e pessoal. O capitalismo gera a corrupção de todos os governos, a
miséria e a violência social sem limites. Quando eles olham para o socialismo
não se sensibilizam com as agitações das organizações e partidos de esquerda,
que tendem a lhes soar como utópicas ou como a possibilidade de uma repetição
mecânica do que foram os regimes stalinistas (além, é claro, dos defeitos
oportunistas e equívocos dessas agitações). Os partidos reformistas procuram a
linha de menor esforço, que na verdade apenas reforça o beco sem saída: a
conciliação de classes por dentro do sistema.
A esquerda precisa se reinventar
permanentemente, saber desenvolver crítica e autocrítica pessoal e coletiva;
lutar contra os seus próprios dogmas e contra a tendência inata de transformar
o “socialismo” numa nova forma de messianismo e de religião. Um passo
importante para isso é que ela saiba combater o seu próprio irracionalismo, o
seu próprio medo à liberdade e o medo do novo. Não ter medo aos questionamentos
e às novas gerações de militantes, que entram nas organizações exigindo espaço
e ar puro que a educação capitalista, as religiões e as burocracias políticas e
sindicais lhes negam.
Precisam reciclar a sua agitação e
propaganda, acompanhando as redes sociais; indo do imprescindível debate teórico
entre a esquerda, até as polêmicas contra correntes de opiniões mentirosas da
grande mídia e da burguesia. Entre estas cabe destacar as que afirmam que o
“socialismo gera pobreza” e só quer “pegar o dinheiro dos ricos”, ou “é
ditadura” e “não dá certo”. Estes pensamentos falaciosos e de má fé são
disseminados de distintas formas, entre escritores universitários, jornalistas,
apresentadores de TV e correntes de internet. Os trabalhadores conscientes
comprometidos com a revolução precisam reconstruir o edifício do socialismo
tijolo por tijolo. O primeiro passo nesse sentido é dar ênfase para uma
propaganda sistemática que tenha dois focos principais: 1 - a massa em geral
(atingindo-a como for possível, dada a situação atual de cruel isolamento da
vanguarda consciente dos trabalhadores); 2 - a vanguarda de “esquerda” ou que a
orbita (PT, PCdoB, PCB, PSOL, PSTU, PCO, centrais sindicais, sindicatos e
movimentos sociais). Para a massa em geral é fundamental a defesa racional do
socialismo contra o irracionalismo burguês, que só pode sustentar a barbárie
capitalista recorrendo à distorções teóricas e literárias grosseiras, quase uma
institucionalização da mentira, do terrorismo psicológico e da idiotice; sobre
a vanguarda de “esquerda” é necessário debater profundamente qual a sua
estratégia ao socialismo, desmascarando aonde nos leva tal ou qual caminho, e
levantando a bandeira da revolução (partindo da Revolução Permanente), sempre procurando sustentá-la com uma sólida
e lúcida análise da realidade que se reavalie e se autocritique permanentemente.
Ressalta-se a importância de sempre
manter uma crítica ao capitalismo com um pé na realidade, reconhecendo nossas
limitações, sabendo extrair tudo o que há de bom em todas as teorias e críticas,
mesmo as muito opostas e diferentes, porém honestas (isto é: saber usar a
dialética e evitar o dogmatismo), uma vez que esta acusação é usada, às vezes
com razão, pela direita e mesmo pela “esquerda” reformista visando desmoralizar
a autêntica luta pelo socialismo. Analisar as críticas e saber respondê-las à
altura e com sabedoria é uma importante fonte de formação teórica para uma
organização revolucionária. Em todos esses casos é preciso desenvolver
segurança própria individual e, sobretudo, coletiva. Chamar as coisas pelo seu
nome; dizer a verdade, por mais amarga que seja, é fundamental, pois a verdade
é revolucionária e reconhecê-la quando está diante de nosso nariz deve ser um
exercício cotidiano.
III
Qualquer discurso, política ou
bandeira que afirme “distribuir renda” mantendo o capitalismo (ou sem ser claro
em relação a ele) faz o jogo da burguesia. Enquanto houver capitalismo, haverá
concentração de renda e de uma forma cada vez mais brutal e gananciosa. O
mercado, contudo, assim como o Estado, não pode ser suprimido da noite para o
dia; nem seria possível, tal como extinguir qualquer forma de Estado de um só
golpe também não o é. Somente mudando a estrutura estatal e a psicologia das
massas a partir da criação de mecanismos de controle proletário, popular,
formados através de uma política consciente de associação das organizações da
sociedade civil (sobretudo as de caráter proletário), será possível controlar
não apenas o Estado, com vistas a extingui-lo, mas também o mercado capitalista.
É possível a criação de um mercado não
capitalista? Tudo leva a crer que sim. Lenin e os autênticos bolcheviques o
perceberam a partir da NEP (1921). Quando a burocracia assumiu totalmente o
poder político, a partir de 1929, saltou de uma política totalmente permissiva
aos camponeses ricos (o chamado: “enriquecei-vos!” de Bukharin) para a
imposição autoritária dos Planos Quinquenais (que foram cópias caricatas dos
projetos da Oposição de Esquerda). A construção da economia socialista deve ser
uma mescla de medidas de planejamento central e de liberdade de mercado, embora
essa “liberdade”, obviamente, não possa ser compreendida da perspectiva burguesa
(que quer a total liberdade de mercado para si e os seus produtos, enquanto que
defende todo o tipo de protecionismo para subjugar os seus concorrentes).
Ora, o que é tudo isso senão
regulamentar o mercado? Mas “regulamentar o mercado” sem tomar o poder e
instaurar a ditadura do proletariado
através de uma revolução é uma ilusão, tal como nos provou a experiência dos
governos do PT. O mercado capitalista é filho do caos e dele necessita para
existir. Isto gera a necessidade da burguesia cultivar o irracionalismo nos
meios filosóficos, acadêmicos e culturais. Somente a ditadura do proletariado (entendida como a Comuna de Paris e não como o stalinismo)
pode regulamentar o mercado e transformá-lo em um elemento para o
desenvolvimento das relações econômicas, sem nenhum tipo de “messianismo mercadológico”
que consiga estabelecer o valor das mercadorias em sociedades complexas,
instáveis, diversificadas e em transição. O mercado capitalista começa a se
dissolver na medida em que o capital for socializado, fazendo com que os meios
de produção sejam coletivizados. Mas esta socialização, mesmo a partir de uma
revolução, não pode ser total e de um só golpe. Haverão inúmeras formas de
economias mistas, onde o capital não pode ser socializado imediatamente e,
também, nem será conveniente fazê-lo. Este é um mecanismo importante para saber
jogar com a pequena-burguesia, concedendo-lhes vantagens econômicas ou não, a
depender da finalidade da sua produtividade ou serviço. Em contraposição, os
grandes monopólios que hoje controlam com mãos de ferro grande parte do
mercado, o que inclui os bancos, certamente deverão ser socializados
plenamente. É preciso, ainda, incentivar a criação de cooperativas de
trabalhadores independentes do Estado, que misturem práticas produtivas de
ambos os sistemas, no sentido de fomentar a produção e a capacidade
empreendedora e administrativa dos seus operários, levando-as a competirem
sadiamente entre si e servindo de base ao “mercado socialista”.
Mas, por acaso, a burguesia aceitará
esta ingerência sobre o seu mercado? É claro que não, tal como ela não aceita
perder o poder político estatal e o seu poder sobre o capital. Ela desencadeará
guerra política e civil contra a revolução, e ao mesmo tempo desencadeará
guerra comercial e econômica pra asfixiar as economias socialistas e o surgimento
de um “mercado não capitalista”. Ela utilizará, tal como se utilizou durante o
século XX, de toda a sorte de maldades e venenos (sobretudo do veneno nazi-fascista),
visando manter o seu poder político e econômico que não condiz mais com o
desenvolvimento da sociedade. Toda a lógica racional nos demonstra que a
economia está plenamente socializada, uma vez que todos os membros da sociedade
precisam trabalhar pra sobreviver, embora os frutos do trabalho social no
capitalismo sejam absurdamente roubados por apenas 1% da sociedade, que paga
muito bem os melhores escritores, universitários, jornalistas e midiáticos para
afirmar que isso é absolutamente certo, justo e inevitável.
Assim como o Brasil nunca passou por
uma autêntica revolução burguesa, também não desenvolveu um movimento
iluminista, que criticasse impiedosamente o regime de exploração e opressão. Os
intelectuais daqui importaram de fora as críticas iluministas ao antigo regime
francês, não sabendo aplica-las criativamente à situação brasileira. Tal como a
luta dos iluministas burgueses era contra o antigo regime, autoritário e
retrogrado do absolutismo monárquico europeu; a luta do “iluminismo moderno” precisa
acertar contas contra o irracionalismo das relações capitalistas, seja no
âmbito cultural, econômico ou social. O mercado capitalista e o seu setor
totalmente desregulamentado – a especulação financeira – exercem toda a sua
tirania, sem nenhum tipo de controle, difamando, prendendo ou mandando matar
todos aqueles que se levantam contra esta ausência de controle, tal como os
reis absolutistas governavam antigamente sem nenhum tipo de Constituição. Saber
formar teoricamente os trabalhadores em uma crítica política e filosófica viva,
sagaz e revolucionária, porém, não-dogmática, da realidade do país e do mundo,
é parte indissociável do programa da revolução brasileira no sentido de
superação das tarefas não realizadas pela burguesia nacional. A têmpera
necessária à intelectualidade revolucionária que será capaz de se pôr à frente
da revolução brasileira apenas será concedida àqueles que não sucumbirem à
pressão e capitularem ideologicamente ao poder econômico do capital.
IV
Alguns setores do reformismo sempre lembram
que a burguesia tornou-se classe dominante na economia antes de se tornar
dominante no poder do Estado. Falam isso para reforçar o argumento que defende
uma etapa prévia à revolução socialista, na qual a cultura teria o papel de
criar as condições futuras para o socialismo. Ainda que seja verdade que a
burguesia já era economicamente dominante antes de o ser politicamente, ela,
uma vez no poder, utilizou-se do Estado para desfazer amarras que a cultura
sozinha não teria condições: foi necessário o terror jacobino, as guerras
napoleônicas e mesmo a “revolução” norte-americana para destruir bastiões do
feudalismo. Tarso, como um lúcido teórico
do reformismo, dá a entender que o proletariado precisa desenvolver sua
cultura antes de chegar ao poder, tal como a burguesia o fez. Por um lado é
certo que o proletariado precisa desenvolver a sua cultura por todos os meios
(buscar a hegemonia, no linguajar gramsciano);
por outro, deveria tentar ser
economicamente dominante antes de o ser politicamente, se isso fosse, em geral,
possível.
O proletariado, brutalizado pelo capitalismo,
não tem essas condições (na maioria das vezes não tem sequer educação) e, mesmo
que o tivesse, deveria basear sua “dominação” em outros alicerces, que busquem
a ética, a igualdade social e a aplicação dos seus princípios; mas, indo ainda
mais longe, o proletariado, suas organizações e os seus partidos precisam,
acima de tudo, fazer com que o discurso bata com a ação, a teoria o mais
próximo possível com a prática. Quem tem a chance de lutar pela hegemonia
proletária sobre a sociedade é a sua vanguarda mais consciente, através da luta
política, filosófica, ideológica, cultural e artística. Isto gera inúmeras
contradições que hoje temos consciência. O aumento da hegemonia proletária, contudo,
caminha inevitavelmente para a ruptura institucional burguesa; isto é, caminha
para a revolução. O reformismo, ao contrário, trabalha por manter esta
hegemonia dentro de limites toleráveis à burguesia. Sendo assim, ficamos refém
de um círculo vicioso que teme à morte romper com a sociedade burguesa. Por
isso suas consequências são tão nefastas para a luta de libertação dos
trabalhadores.
A luta proletária tem uma
dificuldade a mais, não enfrentada pela burguesia na sua ascensão histórica:
além de lutar contra o autoritarismo econômico e político (tal como a burguesia
lutou contra o antigo regime), os socialistas precisam lutar contra os desvios
gananciosos e egoístas dos seres humanos, além dos demais desvios emocionais
irracionais (estes desvios são alimentados e incentivados pela burguesia,
constituindo-se como um de seus pilares), ao mesmo tempo em que precisam
incentivar a autonomia, o senso de responsabilidade
social e a satisfação real da sua vida sexual e cultural. Só assim poderá
criar uma nova cultura que permita alçar ao poder centenas de milhares de
indivíduos. O projeto político de PT, PSOL, PSTU e PCB não apenas não se
aproximam ou se aproximaram disso, como são inimigos desta perspectiva. Lutar
por esta responsabilização social e
por autonomia não é uma tarefa popular, não rende influências eleitorais, nem
um rápido crescimento político.
V
Parte fundamental da estratégia
revolucionária está na luta contra o sindicalismo oficial, hoje expresso pelo
controle hegemônico de centrais sindicais ligadas ao PT ou aos partidos de
direita. O sindicalismo brasileiro está totalmente burocratizado e imobilizado
pelas grandes centrais como CUT e Força Sindical (dentre outras menores), que
servem como braços do Estado para conter as lutas. Elas não geram consciência
de classe e não se preocupam com a organização autônoma por local de trabalho.
Buscam construir “feudos sindicais” de organizações e partidos de estratégia
burguesa, gerindo os sindicatos como se fossem empresas. A tática permanente da
burguesia é atrelar o movimento sindical ao seu Estado; fez isso na Itália, com
o fascismo; na Alemanha, com o nazismo; e no Brasil, com o varguismo e o lulismo. O
chamado “sindicalismo cidadão” da CUT nada mais é do que o atrelamento dos
sindicatos ao Estado burguês, limitando-os ao que é aceitável à burguesia.
Qualquer coisa que vá além é visto como “irresponsável” ou “utópico”. A
burocracia sindical trata qualquer setor consciente do movimento operário como
“esquerdista”, sentindo-se ameaçado no seu modo de vida, uma vez que para ela é
da carreira sindical – e, portanto, do hábito, da rotina, dos títulos – que provém
a sua fonte de sustento.
Para o reformismo, esta estrutura
sindical é parte indispensável da estratégia democrático-popular ou da
“revolução democrática”. Quem pretende administrar
a sociedade capitalista, seja com que desculpa for, não pode abrir mão do
controle sobre o movimento sindical. Estas estratégias se utilizam e reforçam
uma compreensão paternal entre base e direção, destruindo os laços de responsabilidade social e autonomia nos trabalhadores. A
burocracia sindical é incapaz de gerar consciência de classe, reforçando apenas
a mentalidade pequeno-burguesa. Não há como destravar o movimento sindical da
sua total apatia e alienação e pensar em revolução sem lutar contra esta
burocratização que emperra e esteriliza os sindicatos. Algumas organizações
reformistas que seguem a estratégia da “revolução democrática” (como PSOL e
PSTU) chegam a propor a ruptura com o sindicalismo oficial do PT. Por exemplo:
o PSTU propõe a ruptura com a CUT e a filiação dos sindicatos à CSP-Conlutas.
Contudo, apesar da ruptura formal, a política sindical desta central segue, no
essencial, a mesma linha do “sindicalismo cidadão” cutista e não rompe com a
tutela do Estado sobre os sindicatos. Uma das principais tarefas da estratégia
da Revolução Permanente é conscientizar os trabalhadores sobre a necessidade de
expulsar a burocracia dos sindicatos e tornar os trabalhadores de base os
verdadeiros protagonistas.
Nesse sentido, a conscientização
política não basta. É preciso compreender e utilizar a psicologia de massas
reichiana para demonstrar as profundas raízes que operam nesta relação paternal
entre a burocracia e os trabalhadores de base, além, é claro, dos interesses
econômicos desta “aristocracia operária” e da própria burguesia, que tem os
seus negócios salvaguardados. Sem desnudar as contradições e os medos gerados pela liberdade na mente
humana, não seremos capazes de derrotar a burocracia sindical e política, que
se aproveitam destas mazelas.
Realizar todas estas tarefas dificílimas só
será possível casando-as com a luta por um novo
ser-humano (esta luta se dará antes, durante e depois da revolução, que é
apenas um processo lógico e irreversível de toda a situação social): a busca
pela autonomia de decisões, pela responsabilidade
social e pela real satisfação sexual (a realização do amor, seja entre que
sexos for) deve ser incorporada na teoria, na prática e no programa das organizações
e partidos socialistas. É preciso saber
politizar todas as exigências da vida
cotidiana com sabedoria.
A experiência com os regimes stalinistas foi
uma catástrofe, pois é utilizada até hoje pela burguesia para associar
“socialismo” à “ditadura”. Todas as pessoas honestas reconhecem que houve um
grande desvio do caminho socialista. Somente os fanáticos, medrosos
incorrigíveis ou indivíduos de má fé podem associar o socialismo ao que foi o
stalinismo. Toda a degeneração e desvirtuação do regime “socialista” em regime
stalinista está muito bem retratado em duas grandes obras: A Revolução Traída, de Leon Trotsky, escrita em 1937; e A Revolução Sexual, de Wilhelm Reich,
escrita em 1936. Nestas duas obras estão condensadas os principais desvios
políticos, econômicos, sociais e morais que selaram o destino da URSS e abriram
o caminho para a restauração capitalista.
Para além das questões econômicas e sociais
que definiram o destino de uma revolução feita em um país atrasado em todos os
aspectos, com uma grande tradição autoritária e burocrática, pesaram também os
desvios humanos que, graças ao esforço de muitos psicanalistas e
revolucionários pioneiros, tomamos consciência hoje. Ao invés do incentivo à
autonomia individual e, a partir desta, da construção da autonomia coletiva,
foi incentivado prioritariamente a obediência
cega à supostas autoridades infalíveis, o que nada pode ter em comum com o
verdadeiro socialismo. A interpretação mecânica do marxismo e dos “interesses
da revolução” criaram militantes que não passavam de ovelhas clamando por um
pastor. Tal como o capitalismo, o regime stalinista criou trabalhadores dóceis
e submissos, seja pela ameaça de demissão, tortura e medo da morte, ou pelas
bajulações e subornos. Estas duras lições precisam ser agora incorporadas pela
vanguarda socialista no sentido de trabalhar pela sua superação desde antes da
revolução e, sobretudo, depois dela. O movimento sindical é um grande
laboratório para isso.
VI
A revolução socialista propõe-se,
dentre outras coisas, a socializar as grandes empresas, as fábricas, os bancos,
os transportes, os latifúndios, etc. Isso significa que os trabalhadores serão
os responsáveis por controlar a sua produção econômica. Nesse sentido,
precisam, mais do que tudo, desenvolver noções de autonomia e de responsabilidade social, sem o que não
existe a menor possibilidade de controle operário da produção (apenas a
reprodução das ordens vindas de cima). Sabemos que a União Soviética teve
dificuldades insolucionáveis para desenvolver este controle dos trabalhadores.
Se tivesse conseguido desenvolvê-lo, isto teria se chocado decisivamente contra
a burocracia stalinista e teria podido, então, resolver-se positivamente. Mas
não foi o caso.
Só teremos trabalho revolucionário nas
bases – sobretudo nas grandes empresas e fábricas – se, além de um real
movimento sindical que não sofra com a burocratização sindical, consigamos
despertar o interesse do trabalhador pela administração da empresa, chamando-lhe
a atenção gradual e progressivamente para as questões administrativas da
produção econômica, no sentido do seu controle social. Para que ele venha a
adquirir este interesse fundamental depois da revolução (interesse este que foi
inviabilizado na União Soviética pelo stalinismo) é preciso que a vanguarda
socialista comece a trabalhá-lo desde já, no capitalismo, desenvolvendo ideias
e uma propaganda que desperte curiosidade e interesse sobre o seu próprio
trabalho, como se a empresa lhe pertencesse, no sentido da autonomização e da
responsabilização social do conjunto dos seus trabalhadores. Um sentimento de
desamparo infantil e de dependência paterna é amplamente favorável à manutenção
da sociedade capitalista, uma vez que ele trata os trabalhadores como gado,
como eternos dependentes de um patrão, líder sindical, político ou de
“paizinhos”, que digam o que devem ou não fazer. Sem um sentimento de autonomia
e de responsabilidade social não se pode construir o socialismo.
VII
A chamada República Nova do Brasil é uma excelente demonstração do que o
estágio “democrático-burguês” conseguiu criar: um regime que se utiliza de uma
retórica “democrática” e “ética”, mas que é refém de uma lógica inexorável que
reflete o funcionamento da economia. O atual regime democrático-burguês é muito
semelhante ao antigo regime francês
derrotado pela revolução de 1789. O absolutismo monárquico é exercido hoje pelo
sistema financeiro, que não respeita nenhuma Constituição. A propaganda
eleitoral enganosa é legalizada. Os governos são eleitos, mas não podem
governar sem estar de acordo com os interesses dos bancos e das grandes
empresas. Para isso, são obrigados a construir uma coalizão política, chamada governabilidade, que destrói qualquer
tipo de programa de governo. A legislação é feita com base na corrupção
institucionalizada dentro do Congresso Nacional e dos parlamentos estaduais. O
poder judiciário reflete a estrutura dos tempos do Império brasileiro
(1822-1889), sendo constituído por instituições aristocráticas, totalmente
antidemocráticas, hegemonizadas por uma camarilha que se auto protege há
séculos.
Um dos pilares desse regime nefasto
é a grande mídia, que surgiu a partir de um generoso regime de concessão que
não atende sob nenhum ponto de vista o interesse público. A mídia cumpre o
papel que a Igreja cumpria no antigo
regime francês e na Idade Média europeia, manipulando, distorcendo, criando
novos e piores misticismos acéfalos; em suma: ajuda a sustentar o regime
político e econômico, do qual é uma grande beneficiária. Além de controlar
parte da grande mídia, as igrejas não pagam impostos. Isto está assegurado na
Constituição Federal de 1988. Sendo assim, só podem se proliferar
incontrolavelmente. As que mais cresceram foram as igrejas evangélicas, que se
aproveitam do caos social e da total falta de perspectiva do povo para
aumentarem a influência, que já é grande graças a sua propaganda diária na TV e
à isenção de impostos. Não é casual que muitas igrejas sejam donas de meios de
comunicação de massas, o que ajuda a sustentar o regime, tal como a Igreja
Católica sustentava o antigo regime
francês. A isenção de impostos para as religiões é algo impensável para um
Estado que se diz laico. Este “privilégio feudal” deve ser revisto sem a menor
sombra de dúvidas. Mas as igrejas evangélicas não estão no controle apenas de
TVs, rádios e jornais: possuem partidos políticos e bancadas no Congresso
Nacional.
O atual “regime democrático”
brasileiro sustenta a ideia de que vivemos num “Estado democrático de direito”,
tal como os países europeus vivenciaram após a Segunda Guerra Mundial. Nele os
trabalhadores teriam suas necessidades atendidas por um sistema de previdência
e uma legislação que supostamente os protegeria da exploração dos patrões.
Nesse sentido, o “socialismo” seria não apenas dispensável, mas mesmo um
estorvo, que fala em revolução e violência para arrancar certos tipos de benesses
sociais que poderiam ser conseguidas da burguesia de forma democrática. O fato,
contudo, é que com a restauração do capitalismo na ex-União Soviética e a crise
econômica internacional iniciada em 2008, a farsa do “Estado de bem estar
social” começou a escorrer pela latrina. O ajuste fiscal foi aplicado em quase
todos os países (inclusive na Europa) para liquidar com este “bem estar social”.
Durante o século XX o “Estado de bem estar social” foi usado como forma de
desviar a atenção dos trabalhadores da luta pelo socialismo. A burguesia imperialista
fingiu uma bondade econômica que não era verdadeira e que, evidentemente, não
poderia sustentar. Como já não existe mais a União Soviética, a farsa deste tipo
de Estado pode ser abandonada. Para permanecer dentro da ordem capitalista
mundial em decadência, sustentada pelos EUA, há que se entrar num regime social
sem previdência, sem direitos trabalhistas mínimos; em suma, há que se destruir
o chamado “Estado de bem estar-social”.
Sem o contra peso da União Soviética,
a burguesia imperialista se sente suficientemente forte para avançar contra os
direitos dos trabalhadores e realizar o seu sonho de um capitalismo sem nenhum
tipo de controle e com um mercado totalmente desregulamentado. O resultado
disso tudo só pode ser o aumento da miséria, do desemprego e das guerras; numa
palavra: o Estado da barbárie social!
VIII
A tônica central da estratégia revolucionária
brasileira deve ser trabalhar pela conscientização da expropriação dos
monopólios, do seu controle pelos trabalhadores, organizados em conselhos
populares por empresa e por cooperativas que se tornem empresas estatais,
embora sempre abertas a avaliação e reavaliação permanente dos trabalhadores,
da sociedade e de consumidores com novo tipo de consciência, com eleições
permanentes para gerência administrativa e outros cargos (medida democrática impensável
para a sociedade capitalista). Atualmente não pode haver revolução alguma sem a
expropriação dos monopólios imperialistas, pois sem isso não haverá
independência nacional verdadeira (hoje todos os países coloniais e
semicoloniais estão sob o jugo dos grandes monopólios imperialistas), nem a
solução dos problemas sociais, como o desemprego e a miséria.
Desde meados do século XX o único caráter
possível para a revolução é o caráter socialista,
que leve à expropriação dos monopólios. Todos os outros tipos de revolução já
caducaram e não passam de formas de
enganar e confundir os
trabalhadores. É preciso, portanto, pensar e repensar sobre os meios e
possibilidades de expropriação e de administração coletiva de empresas e da
economia em geral. As tarefas burguesas não realizadas entrarão como medidas a
serem cumpridas pelos trabalhadores no poder, ao mesmo tempo em que realizam as
tarefas socialistas, como a expropriação e o controle operário e popular da
produção. Para além da expropriação dos monopólios, há que se expropriar os
bancos, tornar nulo todos os contratos fraudados das dívidas públicas e
regulamentar o sistema financeiro, denunciando todas as suas resistências,
acordos secretos e sabotagens no mercado nacional e mundial. De todas as
atividades econômicas capitalistas a mais visivelmente parasitária é a
especulação financeira praticada pelos bancos. Por tudo isso, é fundamental uma
propaganda voltada permanentemente a desmascarar estes rendimentos feitos de
forma escandalosa. A propriedade privada dos bancos deverá ser a primeira
proibida, seguida pela da grande mídia.
É preciso reciclar e reparar os anos de
propaganda petista sobre o movimento sindical brasileiro, fazendo aparecer
claramente que o verdadeiro proprietário do capital e dos meios de produção não
devem ser os empresários e os banqueiros, mas os trabalhadores e a sociedade.
Do ponto de vista psicológico há uma grande diferença entre dizer: “nós
expropriamos os grandes capitalistas” e “nós tomamos posse da nossa propriedade
legítima”. Na sua propaganda cotidiana, não deve uma organização revolucionária
fazer compreender aos trabalhadores de uma determinada empresa que eles são os
seus donos legítimos e fazê-los interessar-se, desde já, pelas suas tarefas de
administração?
IX
Cabe perguntar agora por que a Revolução
Russa degenerou em stalinismo? Além de todos os motivos políticos e econômicos
já debatidos e demonstrados, dentre outros, por Trotsky, está a questão de que
não houve um esforço consciente para
mudar o ser-humano; sobretudo um esforço que levasse em consideração as
questões de psicologia de massas e uma verdadeira luta pela autonomia
individual dentro da coletividade. Não há auto gestão sem autonomia individual;
mas a autonomia individual não deve se sobrepor ao coletivo, senão reproduzirá,
querendo ou não, a sociedade capitalista.
Nenhuma organização revolucionária ou
sociedade socialista poderá menosprezar novamente os seguintes debates: o
universo, a sexualidade e a natureza (todos estes tópicos estão interligados à
economia e à política). Tudo isso foi menosprezado no passado porque não se
sabia ao certo por onde começar. Mecanicamente se pensava que o ajuste da
economia socialista iria criar automaticamente o ser humano novo. Sabemos hoje,
no entanto, que isto é apenas o princípio, pois já compreendemos alguns
problemas traçados pela psicologia de massas. Uma das bases da “reforma” do ser
humano foi lançada por Reich: amor, trabalho e sabedoria – estes três
elementos, totalmente destruídos cotidianamente pela sociedade capitalista,
precisam ser sustentados por um governo e uma sociedade socialista, para além
da socialização dos meios de produção.
Devemos considerar que um sério problema na
psicologia das massas é que elas podem agir contra os seus próprios interesses,
desenvolvendo um comportamento irracional. Nesse sentido, o movimento
revolucionário não tem que insinuar, mas dizer tudo às massas (mesmo que isso
nos faça perder influência política e votos em um primeiro momento), procurando
decifrar e formular o seu desejo baseando-se na vida das suas largas camadas
populares (e mesmo desnudando e denunciando os interesses inconscientes que
fazem as massas sustentar uma política reacionária). Por tudo isso, é muito
importante aprender e estudar as questões pessoais cotidianas (interesses sexuais,
educacionais, consumistas, culturais, etc.) e não simplesmente eliminá-las, mas
politizá-las. É preciso também golpear a rotina e os hábitos incentivando troca
de profissões e mesmo de cargos dentro de uma mesma empresa. Sair da rotina é
fundamental pra se criar um novo ser humano, principalmente para desenvolver
novos hábitos artísticos e culturais que serão decisivos para a construção do
socialismo.
X
Outra tarefa central da revolução é
preparar o trabalho ideológico e político para substituição da família
patriarcal pela família livre.
Reconhecer o direito à igualdade civil entre os sexos, ao aborto, ao divórcio é
parte indissociável da família socialista, que deverá atribuir a criação dos
filhos à sociedade (embora, ao contrário do que afirmam alguns
sádico-religiosos, isso não signifique eliminar os vínculos amorosos entre
pais, mães e filhos). O estupro ou qualquer outra forma de violência
psicológica contra a mulher deve ser punido da forma mais severa, além de ter o
devido acompanhamento psicológico. A educação sexual precisa ser um currículo
obrigatório para as escolas, universidades, centros comunitários e para a
grande mídia.
A luta contra o racismo, a LGBTfobia
e a xenofobia necessitam também se expressar antes e depois da revolução. Não
existirá real igualdade sem reconhecer o direito à igualdade de negros e
negras, LGBTs e dos imigrantes. A revolução deverá trabalhar para abolir as
fronteiras, esta vergonhosa herança de discriminação do período burguês de
desenvolvimento histórico. Porém, há que se estar duplamente atento contra a
tentativa de aburguesamento destas pautas. Amplos setores da classe dominante
já perceberam o potencial de mobilização das mulheres, do movimento negro, LGBT
e dos imigrantes, procurando mantê-los nos marcos da sociedade capitalista e tornando-os
direita ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, omissos em relação à
estratégia socialista.
Na luta contra a família patriarcal,
no entanto, as organizações revolucionárias encontrarão adversários de peso,
não apenas na Igreja Católica e na grande mídia, além, é claro, do pensamento
conservador da classe média (alimentado pelas duas primeiras), mas, sobretudo, nas
inúmeras igrejas evangélicas. Certamente uma das bases do fascismo está
presente nas religiões organizadas, que incentivam o conservadorismo, dentre
outros meios, através da família patriarcal. Não são apenas as centrais sindicais
burocratizadas que contêm, controlam e manipulam os trabalhadores. A religião
evangélica, que não casualmente, cresceu muito no Brasil nas últimas décadas, é
uma grande força contendora das lutas sociais. O movimento sindical
burocratizado e as forças evangélicas estão numa frente única informal contra
os trabalhadores conscientes e a independência de classe. Nenhuma destas
igrejas pode viver sem o capitalismo e jamais deixariam suas bases econômicas
serem questionadas, pois é destas bases que advém o seu poder.
XI
A destruição da natureza é uma
realidade palpável neste início do século XXI. O consumismo desenfreado, a poluição
de rios e mares, a emissão de gases pela indústria e pelos transportes não pode
diminuir seu ritmo sem levar o capitalismo ao colapso. É deste ritmo que se
garante a produção e é do aumento desta produção que a burguesia extrai seu
lucro. Todos os acordos internacionais entre os países constituem-se em
promessas cínicas, que nunca são cumpridas e não preveem nenhum tipo de punição.
A destruição da natureza significa, sobretudo, a destruição da nossa espécie.
Dentro deste contexto, o socialismo possui uma vantagem sobre o capitalismo:
desde que livre das amarras burocráticas, pode solucionar o problema ambiental
através de uma nova economia e de uma nova cultura. Para isso, as organizações
revolucionárias devem traçar uma propaganda e uma agitação bastante claras
sobre isso desde já. Não se trata de uma opção e, muito menos, de uma forma
oportunista de ganhar influência, tal como acontece hoje. Precisa se traduzir
numa mudança de postura de sua militância também, propondo debates e ações
práticas entre os trabalhadores.
Não é apenas a indústria, a
mineração, o agronegócio e a poluição oriunda dos transportes que destroem a
natureza, mas, também, a indústria da carne, que realiza um verdadeiro
genocídio animal. A morte planejada de milhares de espécies de animais por dia
é outra forma grave de destruição da natureza. No passado, a humanidade não
tinha opção alimentar e a caça era quase a única fonte para se obter proteína.
Atualmente, com o avanço da ciência, sobretudo da nutrição e da medicina, é
possível adquirir proteínas por outros meios que não o genocídio animal. Dentro
do capitalismo, contudo, é praticamente impossível frear a sanha de lucros da indústria
da carne e do agronegócio. Além da base econômica, há que se mudar a educação e
a cultura alimentar.
Outra forma do capitalismo destruir
a natureza (neste caso a nossa natureza humana) é através da aceleração e
escravização do tempo. Os trabalhadores são submetidos a ritmos de produção e a
compromissos compulsórios que os desumanizam, enquanto que uma massa de
desempregados vive vegetando no subemprego. Os progressos técnicos nas
comunicações e nos transportes propiciaram uma revolução científica, mas em
contrapartida escravizaram os trabalhadores, que não podem se reproduzir no seu
tempo livre (a não ser como uma forma de recriar a alienação do trabalho). Os
ritmos da produção devem se adaptar à natureza humana, e não o contrário. Seria
possível dividir o trabalho entre toda a população trabalhadora empregada e
desempregada, garantindo o verdadeiro direito ao trabalho e, simultaneamente, o
tempo livre necessário à humanização e ao desenvolvimento cultural, intelectual
e físico, respeitando também os ciclos da natureza.
XII
Os estratos da classe média merecem
uma atenção especial da estratégia revolucionária, dada a sua quantidade
populacional e influência social. Do ponto de vista da propaganda é preciso
demonstrar à ela que o socialismo não significa a supressão da pequena
propriedade privada imediatamente (isso pode levar décadas ou séculos), muito
menos da sua moradia e pertences individuais (como cinicamente a burguesia e os
seus ideólogos propagandeiam). Há que se combater os preconceitos morais tão
típicos do “indivíduo médio” sem ataques pessoais, mas demonstrando a sua falta
de método, de princípios e o total irracionalismo de suas posições políticas.
Se faz necessário a atuação junto à
associações da sociedade civil no sentido de esclarecer a política proletária
em seu seio e não pequeno-aburguesar
a política revolucionária. Há inúmeras formas de demonstrar como a política da
burguesia ameaça permanentemente as condições de vida da classe média, bem como
torna impossível a concretização de qualquer uma de suas reivindicações (fim da
corrupção, moralização das instituições públicas, taxação das grandes fortunas,
regulamentação do mercado). Uma vez no poder, os trabalhadores conscientes
precisam acenar para políticas econômicas que, num primeiro momento, ajudem a
manter o pequeno empresário, facilitando financiamento para aqueles que se
comprometem com metas sociais gerais, elevando e incrementando o mercado
interno, e que sirvam para o empreendedorismo social, não meramente ao
enriquecimento individual. Confrontando com as mentiras ininterruptas contra o
socialismo e a tentativa permanente de associá-lo aos regimes stalinistas, é
preciso que se diga incansavelmente para todos os setores honestos da classe
média e às suas organizações na sociedade civil através da propaganda e outros
meios, que existem dogmas econômicos do neoliberalismo muito piores que não
podem ser questionados, além do fato de não existir mais “livre” mercado desde
o advento do capitalismo imperialista.
Para além do debate econômico, há
que se combater também a moral autoritária em que a classe média foi criada e na
qual cria seus filhos. A libertação sexual é parte importante dessa luta, uma
vez que a vida social hipócrita e a mentalidade reacionária se desenvolvem a
partir de um autoritarismo moral que é, na verdade, uma consequência da moral
religiosa e, em essência, totalmente anti-natural.
Em uma sociedade dominada, dentre outras, pela repressão sexual oriunda da
estrutura patriarcal, o recalque e a angústia se exercem como fatores
dominantes da construção dos caráteres, encontrando alívio no sadismo e criando
uma estrutura que está satisfeita consigo própria. Evidentemente que todos os
casos devem ser olhados na sua relação concreta, não existindo uma fórmula
pronta que autorize qualquer aliança, mas a política proletária que ignora a
classe média, igualando-a à burguesa (por mais reacionária que seja grande
parte dessa classe média), não ajuda a causa revolucionária, apenas joga a
pequena-burguesia nos braços da burguesia imperialista.
XIII
A educação e a mídia de massas tem
papel fundamental na construção do socialismo. Enquanto são controladas pela
burguesia através das suas empresas e do Estado, não passam de instrumentos da
alienação e da subordinação dos trabalhadores ao capital. É por isso que
enquanto o capitalismo existir as organizações revolucionárias precisam
desenvolver uma luta sem tréguas contra a “educação bancária” (voltada à
alienar estudantes para que se tornem dóceis e submissos operários em série) e
a manipulação midiática.
O primeiro pré-requisito para a
existência de liberdade de imprensa, como foi bem definido por Marx, é que ela
não seja um negócio. E como sabemos, uma empresa midiática é um dos negócios
mais lucrativos, conformando monopólios que influenciam e alienam milhões de
seres-humanos, seguindo, unicamente, o que o mercado capitalista entende por
“liberdade de imprensa”. A política do PT de regulamentação da mídia (repetida
por setores do PSOL e outros satélites) não resolve o problema real de censura
e manipulação, pois não questiona a propriedade. Esta política apenas cria
novas ilusões de que é possível controlar os monopólios midiáticos dentro do
capitalismo e de competir com a grande mídia a partir das mídias alternativas.
O objetivo final da revolução deve ser a expropriação dos grandes monopólios
midiáticos, colocando-os sob controle das organizações proletárias e populares.
Somente estas condições poderão permitir o debate da programação e dos
conteúdos por congressos periódicos de trabalhadores, convocados e debatidos
com toda a sociedade, transformando a TV de um instrumento de alienação,
opressão e dominação, em um meio para a formação educativa, cultural e social
de todo o povo.
A sua principal função deverá ser a
divulgação artística e científica, casada com a educação pública e a instrução
geral, além de trazer a tona os principais debates sociais, esclarecendo
divergências e não abafando-as através do poder do dinheiro. A grande mídia
burguesa dificilmente se deixará ser regulamentada. O caminho revolucionário
indica que se deve expropria-la, colocando-a sob controle popular, com
avaliação permanente dos conteúdos, e transformando-a numa ferramenta de
divulgação científica, artística, de repórteres populares, com prestação de
contas permanente dos governos, repartições públicas, empresas, bancos, etc.,
feitas por auditorias independentes de economistas, contadores e jornalistas
ligados ao movimento dos trabalhadores e com amplo espaço de fala nos meios de
comunicação. Enquanto não é possível expropriar as empresas da grande mídia, um
dos principais deveres das organizações revolucionárias é denunciar as suas manobras
e manipulações por todos os meios que lhes forem acessíveis e apresentar o
programa socialista à sociedade. Deve-se tornar prática comum do trabalho
revolucionário atual desmascarar uma a uma as notícias falaciosas e
tendenciosas veiculadas pela grande mídia (a campeã de fake news). O tempo não tardará a confirmar as denúncias.
No campo educacional, as organizações
revolucionárias devem lutar por uma educação pública laica, que defenda a
autonomia real dos estudantes e combata a alienação, possibilitando o
questionamento crítico das regras estabelecidas sempre que assim se fizer
necessário, colocando os alunos na obrigação de ajudar a gerir o espaço escolar
(debate de conteúdos curriculares, prestação de contas da direção, crises,
brigas, bullying, limpeza, reposição
e gestão de materiais, etc.) e se preparando para assumir as suas
responsabilidades sociais e de trabalho na perspectiva socialista[xiii]. Em síntese, o educador
socialista deverá sentir as qualidades de vida em cada criança e reconhecer
seus atributos específicos para fazer com que eles possam ser desenvolvidos.
Ele se familiarizará com as qualidades emocionais naturais que varia de uma
criança a outra e aprenderá a levar em conta as influências sociais que se
opõem a estas qualidades vivas. A reestruturação do caráter humano por uma
transformação radical da nossa maneira de educar as crianças, em todos os
aspectos, diz respeito à vida como ela é. É preciso, desde cedo, ajudar as
massas a vencer o seu medo da liberdade e da vida através da educação, buscando
a emancipação intelectual, sexual e moral (todas sendo elos de uma mesma
repressão).
5)
Seria possível socialismo só no Brasil?
I
A resposta para esta pergunta é não! A experiência com a União Soviética
nos demonstrou que é impossível o socialismo em apenas um só país. Ele precisa
expandir-se para outras nações, pois o capitalismo e o seu mercado são
internacionais, o que aponta a necessidade de sua superação também no campo
internacional. Assim como a época do desenvolvimento burguês é marcada pela
formação dos Estados Nacionais (os países), a época de desenvolvimento do
socialismo só poderá se resolver no plano internacional.
Nesse sentido, é evidente que se
fará necessário uma conexão internacional entre os trabalhadores, tal como a
Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), a II, a III e a IV
Internacional procuraram estabelecer. Porém, em princípios do século XXI, dada
a profunda crise de direção revolucionária que vivemos, não será possível impor
uma direção internacional, que deverá surgir a partir da luta, principalmente
como resultado de um triunfo revolucionário. E, mesmo assim, será difícil crer
que conquistará adeptos impondo sua direção. Vai ser necessário uma troca
produtiva de experiências e um intercâmbio permanente entre trabalhadores de
distintos países, respeitando as peculiaridades de cada nação, para podermos
desenvolver uma nova associação internacional, pautada mais pela autoridade
moral do que pela imposição do aparelho. Apesar das dificuldades, que hoje
parecem intransponíveis, é preciso tentar sempre, buscar contato, não se
acomodar. No entanto, há que se levar em consideração o doloroso histórico da
III Internacional stalinista e das inevitáveis sequelas e desconfianças que
deixou – repetidas quase mecanicamente pela maioria das organizações de
“esquerda”. A atuação da III Internacional foi um amontoado de incoerências,
que tinham a principal finalidade de manter a correlação de forças
internacionais para poder sustentar o poder soviético sob hegemonia stalinista.
Nada contribuiu, portanto, para a construção do socialismo e a derrubada do
capitalismo, tal como almejavam seus fundadores em 1919. Toda a sua experiência
serve para nos demonstrar como não atuar!
Os seres humanos do início do século
XXI são em sua maioria céticos e niilistas. Refletem as derrotas da luta dos
trabalhadores no século XX: a restauração do capitalismo e a desmoralização do
“socialismo”, que nada mais foram do que o resultado do regime stalinista. A
sociedade capitalista joga, cotidianamente, trabalhador contra trabalhador,
sendo extremamente difícil construir as pontes entre eles numa mesma categoria
profissional, que dirá a nível internacional. O sentimento anti-partido, que
nada mais é do que a anti-organização,
foi cuidadosamente cultivado pela burguesia e a sua mídia de massas. Impera um
sentimento individualista e hedonista, pautado pelo imediatismo e o
espontaneísmo, que não podem servir de base para um forte movimento de massas.
II
O atraso e o subdesenvolvimento do
Brasil só são inteligíveis quando entendidos como parte do sistema capitalista
mundial. A economia e a política do país compõem o mercado mundial e só podem
ser compreendidos na sua interação dialética com ele. Este é o método errôneo
em que incorrem as análises midiáticas, dos partidos burgueses e reformistas.
No caso da mídia burguesa e dos seus partidos trata-se de uma forma de esconder
e confundir os problemas; no caso dos partidos reformistas, uma forma de
capitulação aos primeiros. O imperialismo capitalista, como um sistema
internacional, não permite que nenhuma de suas “províncias” rompa impunemente
com a lógica da sua dominação. Asfixia, isola e destrói qualquer experiência
política independente, ao ponto de fazer parecer que qualquer outro sistema não
“dá certo”, como se fosse sua própria culpa. Depois disso, organiza um
bombardeio ideológico no sentido de culpabilizar o país pelo seu próprio
atraso, como se o imperialismo não tivesse nada a ver com isso. O isolamento e
a sabotagem política e econômica só podem ajudar a acelerar a degeneração e,
muito dificilmente, um país sozinho conseguirá se desenvolver em uma estrutura
mundial dominada por tal tipo de monstruosidade. Nesse sentido, a teoria do
“socialismo num só país” ou de “coexistência pacífica com o imperialismo” são
utopias reacionárias, geralmente usadas para iludir os trabalhadores. Há a
necessidade imperiosa de um esforço dos países que se libertam através de uma
revolução socialista contra o monstro imperialista. A revolução precisa se
espalhar para outros países ou ela terminará derrotada.
Sabemos, pela mais amarga experiência
histórica, que uma revolução engendra uma contra-revolução.
Nenhuma classe dominante abandona a cena da história sem oferecer uma dura
resistência. Se ela não existisse, atingir os objetivos da revolução seria
muito mais fácil. Mas a vida e a natureza não são assim. Todos aqueles que se
frustram facilmente, reclamando permanentemente “da maldade inata do ser
humano” e outras preciosidades do gênero, não querem compreender que a
contra-revolução exerce uma pressão avassaladora sobre as tentativas
revolucionárias; e que ela sobrevém precisamente de fora do país. Foi assim com
a Reforma Protestante, que gerou a Contra-Reforma católica; foi assim com as
monarquias europeias, que de diversas formas tentaram esmagar a Revolução
Francesa de 1789; foi assim com os 14 exércitos imperialistas que invadiram a
Rússia entre 1918 e 1921 para esmagar o governo bolchevique; foi assim em Cuba,
com a invasão da Playa Girón, em
1961, e em tantos outros momentos da história.
Portanto, resistir, inclusive
militarmente, é um dever se queremos falar verdadeiramente em revolução. O
endurecimento de uma revolução engendra perigos de degeneração, pois inúmeros
setores das massas não possuem plena clareza de tudo o que se passa e serão
presas fáceis da contra-revolução nos momentos seguintes. Enquanto precisamos
cultivar os valores elevados que uma sociedade socialista exige, a
contra-revolução joga com os sentimentos baixos que não precisam ser
cultivados, mas apenas despertados: o egoísmo, o sadismo, o ódio, o instinto de
sobrevivência contra o próximo, etc. O burocratismo da União Soviética e de
Cuba nasceu deste enfrentamento, além, é claro, da pressão do isolamento
internacional. Romper este isolamento é uma tarefa muito difícil, que requer um
conjunto de métodos econômicos, políticos e militares. Todos eles – sobretudo
os militares – deixarão sequelas inevitáveis, não por culpa dos
revolucionários, mas por culpa da classe dominante nacional e internacional,
que não deixa alternativa.
Acusam os revolucionários de
violentos, mas não acusam de violentos os contra-revolucionários, que além de
matarem a população mundial de fome nos tempos de calmaria, se utilizam das
piores sabotagens políticas, econômicas e militares nos tempos de revolução. A
violência revolucionária é, antes de tudo, autodefesa. Renunciar a luta militar
é, portanto, renunciar à revolução. A violência não é uma opção, mas uma
resposta inevitável à natureza social das classes dominantes.
III
Sabendo desta inevitável resistência
que a contra-revolução oferecerá a qualquer processo revolucionário que ameace
a sua dominação, é preciso tentar prever os inconvenientes, indo desde a
burocratização, até a impossibilidade de atingir determinados fins de forma
imediata e direta. Não existirá perfeição na revolução: ela será, precisamente,
o resultado da luta entre as forças revolucionárias e contra-revolucionárias.
Isso não significa que devemos abrir mão da teoria e do estabelecimento de metas
mais altas e avançadas. O fato, contudo, é que não será possível atingi-los
todos sem perturbações que provém das sabotagens e da intervenção militar da
contra-revolução. É preciso estar consciente sobre estas sabotagens desde já e
procurar intervir nelas com sabedoria e lucidez, sempre demonstrando aos
trabalhadores de cada país através da diplomacia revolucionária, da agitação e
da propaganda. A burguesia imperialista, muito hábil e ardilosa, saberá se
utilizar do medo da liberdade intrínseco ao ser humano e do irracionalismo das
massas, manipulando-os contra a revolução.
As sabotagens da contra-revolução
mundial na Rússia revolucionária custou a vida dos operários mais avançados,
isto é, daqueles que possuíam consciência de classe. Nos anos seguintes, de
1921 até 1931, sobreveio o vácuo irreparável, que acabou sendo ocupado por uma
gananciosa e medrosa camada de burocratas, que não participaram de nenhum
processo revolucionário e estavam na retaguarda (ou debaixo da cama) durante a
revolução de 1917 e a guerra civil de 1918-1921. A rotina – na cabeça do
indivíduo médio da massa – é uma suposta garantia de paz e tranquilidade. Uma
revolução social traz, consciente ou inconscientemente, o medo da mudança, do
novo, do fim da rotina. O imperialismo e a grande mídia tem sabido como ninguém
jogar com este medo, ao mesmo tempo em que a “esquerda” não tem vontade
política para vencê-lo, insuflando-lhe coragem e uma propaganda coerente. Este
medo, apesar de tudo, é abalado nas crises que precedem as revoluções, mas está
sempre apto a retornar no momento seguinte.
Como nos demonstram as experiências da
Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Russa de 1917, após a estabilização da
crise revolucionária, as pressões, as traições políticas e o cansaço voltam a
jogar os trabalhadores de volta na zona de conforto e, a depender do governo
que sagrou-se vencedor, no medo. A zona de conforto e o medo são realidades
biológicas intrínsecas a todos os seres vivos, que agora precisam ser melhor
estudadas e compreendidas se queremos tentar superar os erros das experiências
do passado. Para além das traições políticas e do cansaço, existem razões
vinculadas à estrutura psicológica humana (moral, caráter, neuroses, medos,
etc.) que explicam também os retrocessos de uma revolução.
A grande dificuldade da revolução é que a sociedade
e as massas não são um corpo homogêneo, mas composto por muitas classes e
grupos sociais, de diferentes matizes e etnias culturais. Estas classes e
grupos não convivem em harmonia, principalmente porque são incitados a divisão
pelo caos do mercado e do regime imperialista. Seus interesses são
conflituosos, sendo que, muitas vezes, há diferenças dentro de cada classe e de
cada grupo social. Na maior parte do tempo cada ser humano ou família segue os
seus próprios interesses pessoais que, em muitos casos, está em confronto com
os interesses sociais. Uma das tarefas mais difíceis de um governo
revolucionário será propor um fio condutor político e econômico que seja capaz
de unificar todas estas diferenças, sem suprimi-las completamente, criando um
novo equilíbrio social.
Cada vez mais amplamente sabe-se que a vida
na natureza é um sistema solidário,
infinitamente complexo e frágil, de inúmeros equilíbrios, os quais são
igualmente delicados e instáveis. Com a sociedade, que está dentro da natureza,
não é diferente. Cabe aos revolucionários começarem a tomar consciência destas
peculiaridades.
IV
Saber usar a tribuna internacional para
fazer propaganda e agitação revolucionária sobre os povos do mundo será
determinante. Os bolcheviques souberam usar os tratados secretos que o czarismo
mantinha com o imperialismo da Europa Ocidental para mostrar aos trabalhadores
do mundo o que lhes aguardava. Souberam incitar corretamente os trabalhadores à
luta no sentido da construção de Conselhos Populares, tal como tinham se
desenvolvido na Rússia. Os cubanos também usaram muito bem a tribuna da ONU e
os encontros internacionais para demonstrar a incoerência e as mentiras do
imperialismo e da politicagem burguesa. A diplomacia internacional do
stalinismo, em contraposição, foi catastrófica, derrotando e desmoralizando
revoluções pelo mundo e servindo para criar partidos comunistas dóceis e
submissos aos interesses de Moscou. Aqui, novamente, não poderia ter existido
nada que fosse tão avesso aos princípios do socialismo e servisse tão bem aos
interesses da burguesia imperialista. Tanto é assim que a Internacional
Comunista foi dissolvida à mando de Stalin em 1943 e o capitalismo terminou
restaurado na União Soviética. O fato, contudo, é que a revolução precisa se
espalhar como uma onda crescente pelo mundo se se tem o firme propósito de
fazer o socialismo triunfar efetivamente; a começar pela região do entorno.
O impacto de uma revolução
brasileira sobre o mundo será grande, mas facilmente contornável por parte do
imperialismo norte-americano, dado o papel subserviente que o nosso país cumpre
no mercado mundial. Na América Latina, ao contrário, será avassalador, não
apenas pelo peso econômico do Brasil, mas pela extensão geográfica, pela
influência política e, sobretudo, pelas condições miseráveis em que se
encontram os demais países do nosso subcontinente, esmagados pelo imperialismo.
Se uma ilha do Caribe teve um impacto profundo sobre toda a América Latina,
obrigando o imperialismo a desencadear furiosas ditaduras militares para conter
a onda, o papel do Brasil pode ser decisivo, tal como foi o da Rússia nos
países da Ásia e no leste europeu. Para isso é preciso pensar em estratégias
econômicas, políticas e de resistência cultural, ideológica e militar. Uma delas
é casar a diplomacia revolucionária com a propaganda e a agitação, criando uma
psicologia de massas favorável à revolução. Devemos deixar a ofensiva militar
para a burguesia, embora tenhamos que estar sempre preparado para a autodefesa,
ao ponto que fique bem claro aos olhos dos trabalhadores do mundo de quem parte
a agressão. Uma vez que uma revolução triunfe em vários países, seria possível
instigar e impulsionar a revolução em outros a partir da diplomacia
revolucionária.
V
Como pudemos ver com a experiência russa, o
dinheiro não pôde ser extinto tão rapidamente quanto se supunha (na URSS não se
chegou nem perto disso). Se fará necessário uma longa transição entre a
utilização de dinheiro casada com outras formas de retribuição do trabalho, que
na sociedade socialista deverão ser bem diferentes do reles incentivo material.
Esta diferenciação de mercados nacionais, com moedas próprias e a tentativa de
valorização de umas em detrimento de outras, sem falar na absurda especulação
monetária, que gera lucros astronômicos para os bancos e a fome para centena de
milhares de pessoas no mundo inteiro, é um grande empecilho para a expansão da
revolução pelo mundo e uma excelente forma que a burguesia encontra para se
defender.
Disputar o mercado no terreno econômico,
principalmente a partir da cooperação entre os trabalhadores de diferentes
países, da venda de produtos a preços mais baratos, da tentativa de usar as
leis do mercado em uma perspectiva socialista para desenvolver países
atrasados, bem como instigar o desenvolvimento regional, a partir de juros
baixos e reinvestimento permanente na produção, são armas que os governos revolucionários
deverão usar (tanto quanto os recursos militares). Inclusive o investimento
para subsidiar produção em países atrasados, como a Bolívia e o Paraguai, por
exemplo, incentivando indústrias que são sistematicamente destruídas pelo
imperialismo visando manter seu monopólio. Utilizar métodos econômicos na luta
contra a burguesia será, também, de vital importância. Sabemos que ela jamais
tolerará tal política econômica, não se restringindo apenas a este campo, e se
utilizará de todo o seu arsenal de sabotagens políticas, ideológicas e
militares para destruir tal projeto. Neste sentido, a defesa militar e a
utilização de métodos militares infelizmente se farão necessários, não por
iniciativa da revolução, mas sempre, como é evidente pela experiência
histórica, da contra-revolução burguesa.
6) O
problema da organização: como construir-reconstruir o partido revolucionário?
I
O que a experiência nos demonstra é que as
revoluções necessitam de uma direção e uma estratégia; e que construir o
partido revolucionário não pode ser o resultado de um tantra, que de tão
repetido, irá se materializar do nada, como se não levássemos em consideração
às condições objetivas para a sua construção. Na Rússia pré-1917 as condições
em que os bolcheviques erigiram o partido revolucionário eram outras (tais
como: forte movimento operário, a IIª Internacional existia em quase todos os
países da Europa e do mundo, a luta ideológica anterior que fez os
revolucionários russos debaterem a sua estratégia revolucionária à exaustão, o
partido bolchevique sempre teve a possibilidade de possuir bancadas
parlamentares sem contra exigências mortais e mantinha grande influência nos
movimentos sociais, que não possuíam entraves do próprio movimento, como as
burocracias sindicais). A autêntica esquerda encontra-se hoje numa situação
radicalmente diferente: não existe internacional socialista reconhecida, a
institucionalização dos partidos para a participação eleitoral praticamente os
colocam numa situação totalmente adaptada e desvantajosa (isto é, legaliza-los
leva-os a “vender a alma”), há um desgaste antipartido
muito difícil de desmascarar e de se lutar contra, o movimento sindical está
totalmente controlado.
Irá cumprir o papel de vanguarda
revolucionária quem conseguir unificar a maioria das organizações e dos
trabalhadores em torno de um programa de independência de classe. Seja qual for
a sua forma: partido, movimento, organização. Uma organização ou mesmo uma
guerrilha puderam cumprir o papel de direção, mesmo que depois da tomada do
poder tenham se degenerado ou não possuíssem originalmente organismos de base para
a formação teórica e o debate democrático. Mesmo os melhores partidos
revolucionários desenvolvem seu grau de conservadorismo e afastam, em um dado
momento, a base da direção, engendrando formas de conservadorismo (é possível
ver burocratismo até mesmo em organizações anarquistas). Há certamente fenômenos
no capitalismo que levam a isso.
Os partidos (incluso os de “esquerda”) estão
desgastados; sobretudo em razão do oportunismo latente (especialmente o
eleitoral), por um lado, e do sentimento equivocado de dependência paterna das
massas, por outro. Estes problemas geram dificuldades extras na propaganda e no
debate sobre a construção do partido revolucionário. Isso não significa
menosprezar o papel das eleições burguesas e dos espaços institucionais, que
podem e devem ser utilizados como palanque para agitação, mas que jamais podem
ser um instrumento para a institucionalização dos partidos, tal como acontece
hoje com a “esquerda” que está organizada em partido legalizado (PSOL, PSTU,
PCB, PCO; PCdoB e PT). O fato, contudo, é que o movimento revolucionário pode
ser desencadeado por outras formas de organização, embora só possa ser
coerentemente dirigido por um órgão ideológico que é, por natureza, um partido
(indivíduos organizados em torno de um programa e de um projeto político).
Ficarmos martelando a construção de um partido como um tantra hinduísta, desconectado da realidade concreta, nada poderá
fazer efetivamente pela sua construção. Ao contrário, pode se transformar numa
espécie de “religião” que afasta ao invés de agregar.
Há que se buscar a aglomeração social de
todas as formas possíveis: oposições sindicais, grupos de estudo e debate,
participação não sectária em atividades consideradas inúteis, como associação
de moradores, de debate pedagógico sobre a criação dos filhos, assembleias
sindicais, sociais, atividades culturais, reuniões de escolas e de todos os
tipos nos locais de trabalho, até mesmo a participação em atividades de
organizações políticas consideradas oportunistas ou sectárias. Num primeiro
momento nenhum tema de discussão deve ser proposto: há que se perguntar,
simplesmente, aos militantes ou aos participantes quais são suas dificuldades
atuais. No decurso do debate é preciso ter muita paciência e um fio condutor
para se chegar a algum lugar. A crescente participação e, principalmente, a vivacidade das discussões devem tornar o
caminho uma realização feliz, que aponte para algo maior e, principalmente,
para a autonomia individual respeitando a coletividade. É necessário um contato
vivo entre uma direção e as massas: a teoria deve ser recriada a partir da vida
delas. O partido revolucionário e as massas progridem pelas recíprocas
contribuições: só desta íntima fusão e, ao mesmo tempo, desta seleção de
quadros dirigentes a partir das massas e da sua proximidade com os intelectuais
comprometidos com a estratégia revolucionária, que se cria o partido
revolucionário. Não existe receita de bolo, há que se colocar a mão na massa com consciência de
classe. Aliás, quem espera por receitas nunca faz nada.
Se é um desserviço a lógica burocrática do PT
e da CUT de atribuírem a autoridade de “direção da classe trabalhadora”
simplesmente ao peso numérico, também o é os pequenos partidos, grupos e
organizações revolucionárias que se proclamam constantemente como as únicas
direções do proletariado. É preciso combater a autoproclamação e a reprodução
do messianismo, por mais razões que elas tenham para agir assim. Isso não
invalida, é claro, as necessárias críticas programáticas ao reformismo e à
conciliação de classe. Mas estas críticas devem se dar, sobretudo, no concreto
e nos momentos propícios (instâncias sindicais, congressos, debates, crise
sobre qual caminho seguir, propaganda, etc.) e, ainda assim, devem ser
refletidas e principalmente honestas, sem quebrar ou diminuir a resistência na
luta contra o capital. Não se pode apropriar-se, nem reivindicar, muito menos
monopolizar a direção revolucionária. A direção definitiva não constitui uma
pretensão, muito menos um direito, mas unicamente o resultado de um processo.
Para isso, os revolucionários devem, antes de tudo, destruir em si próprios a
fé na autoridade. Devem avaliar e reavaliar permanentemente a política mais
justa, de acordo com a realidade e não com dogmas pseudo-revolucionários (na
verdade, religiosos).
O proletariado
dotado de consciência de classe é de longe minoritário em todas as nações.
Mesmo sendo verdade que a direção lhe pertence, tem, contudo, necessidade de
aliados (muitos dos quais, serão temporários, mas infelizmente, há que se
estabelecê-los). Talvez seja necessário o incentivo a unidade entre as várias
organizações revolucionárias desfragmentadas, uma vez que a unificação total
seja impossível. Isto é válido, claro, às organizações revolucionárias de
esquerda, e não como incentivo à unidade com qualquer organização ou partido. É
importante buscar aproximação com outras organizações políticas e de base, nos
bairros, nas escolas, nas fábricas, no interior das empresas, com os
trabalhadores subempregados e desempregados; mesmo com as massas ainda
desorganizadas e sem consciência que estão nestes locais, bem como nas
associações da sociedade civil. É preciso também buscar um diálogo com a
pequena-burguesia “progressiva”, que hoje apoia o PSOL e, até bem pouco tempo
atrás, apoiava o PT. Dialogar não significa “aliança política”, nem confusão ou
rebaixamento de programa; é, antes de tudo, estar atento às demandas, aos
debates e às ilusões: propor algumas ações comuns, que podem surgir de
necessidades comuns. Por exemplo: intensificar a campanha na internet, nas
redes sociais, nos sindicatos e movimentos sociais, unificando as denúncias de
comum acordo, sobretudo na luta e no desmascaramento do atual fascismo
brasileiro, que tem crescido lenta e perigosamente. A aliança pra lutar
pressupõe inclusive a unidade com os anarquistas, que, desde que tenham uma
política combativa e classista (não niilista ou individualista), servem como um
grande contrapeso à tendência a institucionalização total (o próprio pensamento
marxista deve muito às contribuições e polêmicas com o anarquismo). O debate
programático e de estratégia precisa ser debatido com todos estes setores e
ainda outros, desorganizados. É preciso ainda não desanimar e procurar formas
de organização e influência quando as pessoas não se interessarem pela
militância, negando-se a ingressar em uma organização revolucionária. Nesse
caso, pode-se impulsionar associações culturais, artísticas, científicas,
filosóficas, esportivas, etc. Nestes casos é importante deixar as pessoas
livres, embora buscando uma influência saudável e propositiva.
A partir de todas estas reflexões,
cabe perguntar se devemos fundar imediatamente uma organização ou, a partir de
encontros com militantes que se disponham a dar os primeiros passos, deixar a
ideologia e o programa fermentarem e se difundirem por todos os lados, só
realizando a união organizativa mais tarde, sobre uma base mais ampla? No
momento em que vivemos, de profunda crise de direção e de uma forte tendência à
burocratização, talvez seja melhor uma organização preparatória mais flexível,
que apresenta algumas vantagens: não implica uma delimitação prematura, nem o
perigo de auto-fechamento sectário em si mesmo, melhorando a possibilidade de
penetração em outras organizações. Trata-se, antes de tudo, de compreender a
situação atual da “esquerda” e as suas perspectivas de evolução, sem abrir mão
de princípios, de programa e da estratégia revolucionária.
II
A grande maioria dos partidos e
organizações de “esquerda” – entre as quais algumas que se dizem trotskistas –
reproduzem o autoritarismo e a relação de obediência cega dos partidos
stalinistas. Há nisso tudo, certamente, algumas tendências na psique humana,
conforme já se alertou. Contudo, a questão fundamental que ainda permanece é:
por que os operários preferem o reformismo e a burocracia ao invés da luta pela
sua emancipação plena em um partido revolucionário? Podemos esboçar algumas
tentativas de resposta: I – a ignorância dos trabalhadores acerca da história
do movimento operário, da diferença entre o programa reformista e o
revolucionário, além de serem pouco versados nas questões de programa político,
o que contribui, sem dúvidas, para esta “preferência”; II – o sentimento de
desamparo frente à realidade, que busca soluções paternalistas e “mais fáceis”,
alimentadas pela própria sociedade capitalista e muito bem manipuladas pelas
burocracias políticas e sindicais. Assim, é comum vermos casos de profundo
autoritarismo, vigilância de militantes, supressão de liberdades democráticas
básicas e de um preocupante dogmatismo, que faz qualquer partido ou sindicato
parecer com uma igreja ortodoxa. Ao invés do combate à moral e aos métodos
burgueses, há a reafirmação de todos eles, feitas (tal como fazia o stalinismo)
através de um linguajar “socialista” e “marxista”.
Os militantes de um novo movimento
revolucionário devem ter uma nova relação com o marxismo (libertando-o de todo
o dogmatismo). Eles precisarão trabalhar sobre a herança cultural da sociedade
de classes e não simplesmente coloca-la de lado como coisa inútil e sem valor.
Há que estuda-la e compreendê-la muito bem, digerindo-a a partir de uma
perspectiva revolucionária e socialista, sempre com método e sagacidade,
abrindo novas possibilidades dialéticas de superação do passado a partir da
integração dos seus pontos fortes e negação dos seus pontos reacionários,
caducos e absurdos. Um novo movimento comunista não pode mais criar ou tolerar
seres humanos sem personalidade. Colocar a “causa” acima das vontades pessoais
de forma mecânica e irrefletida é um contrassenso que cobra o preço de todo o
movimento, cujo objetivo final é lutar pela emancipação humana.
Nesse sentido, é preciso desenvolver uma
forma de partido que não asfixie as divergências, combata a obediência cega e
incentive os seus militantes à autonomia total de posições, respeitando as
decisões coletivas (mas, ao mesmo tempo, sabendo criticá-las para fazê-las avançar,
pois a maioria também erra). Qualquer mudança de política deve ser feita às claras, demonstrando o erro passado
no sentido de apresentar uma honesta autocrítica. Nenhum partido ou organização
de esquerda procede assim atualmente. É fundamental ainda se questionar
permanentemente sobre os problemas de burocratização: por que um simples
operário ou trabalhador se torna pretensioso quando é promovido à dirigente
político ou sindical?
Muitos destes problemas já são conhecidos e
estas propostas, apesar de já formuladas, encontram empecilhos pra se
concretizarem. Um dos principais problemas a ser considerado é que as massas
podem agir contra o seu próprio interesse, o que constitui um comportamento
irracional. É preciso, antes de tudo, aprender e não eliminar estas questões,
mas compreendê-las e torná-las racionais (seja dentro do partido, organização,
sindicato ou nos locais de trabalho). A
energia revolucionária está condensada na vida cotidiana. Apesar de todas estas
dificuldades, se pode identificar as características de um autêntico militante
revolucionário: simplicidade do porte, capacidade de contato, atitude natural no
campo sexual, ausência de verborragia, adesão não só sentimental, mas
intelectual ao socialismo; comportamento simples quando em funções de dirigente
ou cargos de responsabilidade; respeito às críticas, com capacidade de trabalho
racional e disposição ao diálogo. Aquele que dissimula as suas opiniões não é
um revolucionário! O que distorce, mente ou modifica opiniões para supostamente
vencer um debate é um stalinista! Se
não houver um envolvimento sincero e honesto por parte dos militantes de uma
organização revolucionária com o seu local de trabalho, tentando, desde antes
da revolução, modificar ou combater estruturas e pensamentos reacionários
arraigados, certamente a sua militância será deficiente, talvez, até mesmo,
interesseira e voltada a buscar algum tipo de privilégio pessoal.
As organizações revolucionárias não devem
insinuar ou “adivinhar” os desejos confusos das massas, mas ajuda-las a
compreendê-los e a formulá-los e, principalmente, dizer tudo à elas. Há que se
abolir completamente a diplomacia secreta do nosso meio. Os partidos burgueses
se diferenciam do partido revolucionário, dentre outros motivos, pela questão de
como lidam com a massa: se de forma secreta, através de conchavos e acordos de
bastidores, ou abertamente, falando a verdade, mesmo que isso signifique a
perda de votos ou de influência política sobre o senso comum. A política
revolucionária distingue-se da política burguesa porque a primeira joga às
claras, defendendo e estando a serviço da satisfação das necessidades das
massas, denunciando tudo o que se opõe a isso; e a segunda, constrói suas
práticas sobre a renúncia desta satisfação, tal como nos demonstra toda a
história do capitalismo, resolvendo, por isso mesmo, apenas as necessidades da
burguesia. Em síntese: a primeira não se utiliza de diplomacia secreta,
incentivando uma política de esclarecimento das massas; a segunda se baseia,
por natureza, na diplomacia secreta e nos acordos de bastidores.
Um exemplo de política revolucionária é a
praticada pelos bolcheviques durante os primeiros anos da Revolução Russa
(1917-1924); um exemplo de política burguesa é a praticada por Stálin, quando
este se apossou irremediavelmente do partido bolchevique e do poder. Quem quer
construir o socialismo não tem opção que não seja falar abertamente com as
massas, prestando satisfação dos seus passos e demonstrando suas reais
intenções.
III
Na sua tentativa de justificar o
reformismo (e ao mesmo tempo se vender como “marxista”) Tarso Genro afirma que
o proletariado nunca gerou uma cultura própria e nem um partido proletário (estes
sempre tiveram que ser criado pelos intelectuais pequeno-burgueses ou mesmo
burgueses de fora da classe operária). Mais uma vez Tarso dá provas do seu
cretinismo, pois conhece a obra marxista e sabe que as condições sociais do
proletariado são bem diversas da burguesia. Esta surgiu na cena histórica
habitando as altas esferas do poder, próximo, inclusive, dos reis. O
proletariado surgiu em condições adversas, explorado, educado para servir, ser
explorado, humilhado e ainda pensar que vive bem. É submetido a um processo de
embrutecimento pela alienação e pelas exigências cotidianas do trabalho. O fato
é que a existência física do proletariado
possibilitou o seu estudo e a sua compreensão por intelectuais que num primeiro momento estavam fora dela, mas
que ao compreenderem o processo assumiram
o seu ponto de vista e as suas necessidades. Tarso pretende dizer com isso
que o fato dos partidos operários e da cultura proletária não terem surgido
genuinamente do proletariado não teríamos ainda vivenciado uma plena
experiência vinda diretamente da classe. Sendo assim, o PT estaria autorizado a
cometer as suas alianças programáticas e políticas.
Nós não damos este salvo conduto!
Tarso e o PT renegaram a dolorosa experiência de mais de 200 anos de movimento
operário. Fizeram troça deste sofrimento e o perverteram pra justificar o seu
oportunismo político. Além do reformismo, da falta de estratégia por parte da
esquerda e da restauração do capitalismo nos ex-Estados operários, os
principais empecilhos para o desenvolvimento de um partido revolucionário atualmente
são:
-
O falso apartidarismo: as pessoas
estão catatônicas; dentro deste estado passivo não veem (e não querem ver)
alternativas, se voltando para as novas religiões, aceitando os engodos da
grande mídia e dos intelectuais burgueses de forma totalmente acrítica. Se por
um lado as traições históricas dos partidos (como a degeneração stalinista e
petista) fizeram as pessoas pensarem assim, por outro reforçou sentimentos imediatistas
e pragmáticos. Isto é, ao mesmo tempo que condenam a traição dos partidos
operários, não querem entender suas causas e se atiram nos braços de qualquer
candidato “messias” ou líder sindical (“esquecendo” o fato de que na maioria
das vezes eles possuem partidos burgueses
por trás). Sendo assim, este apartidarismo acaba se voltando apenas contra os
trabalhadores na medida em que dificulta a organização política do proletariado
em forma de partido revolucionário e impede o desenvolvimento da independência
de classe. Em síntese, ele beneficia amplamente a própria burguesia, que
continua organizada em partido e utilizando-se de todos os seus poderes.
-
O niilismo: parte deste apartidarismo
se traduz naquele sentimento niilista de que nada adianta. Alguns chegam a
desabafar irracionalmente que só o fim de tudo e da espécie humana podem
representar uma saída. Os seres humanos do século XXI estão cansados de tudo.
Preferem acreditar que os “ismos” são todos iguais (capitalismo é igual a
socialismo, e etc.) e que o problema é mesmo o “ser-humano”. Isto é, defendem
um salvo conduto para não fazer nada e degustar as suas mágoas. O fato é que acabam
defendendo o capitalismo, pois não existe neutralidade. Quem se abstém de um
posicionamento político na sociedade atual está, quer queira ou não, sempre do
lado mais forte; isto é, da classe dominante. Mesmo que as experiências
“socialistas” tenham degenerado, fruto de condições históricas bem determinadas
e, também, dos problemas tipicamente humanos, o aumento da barbárie social, a
destruição da natureza e a destruição da sociedade pela exploração e pelas
guerras não são obra de “mentes malévolas” que pairam no ar: todos estes
problemas são consequências diretas do modo de produção capitalista, que
necessitam de uma solução urgente e exigem, por bem ou por mal, um
posicionamento político. O niilista olha esquivamente pra esses problemas, como
se não tivesse nada a ver com eles e fosse simplesmente a sua vítima.
Estes dois problemas não surgiram do
nada: são o reflexo da fase histórica que vivemos, de restauração do
capitalismo e da desilusão com as trágicas experiências políticas do século XX.
Nenhum ser humano emocionalmente frágil perdoa a frustração de suas esperanças.
Ao invés de procurar as causas desta frustração, ele faz como o avestruz: enfia
a cabeça na terra.
IV
Ainda que o apartidarismo seja nefasto para o
movimento socialista e possa ser considerado claramente como um problema que
apenas beneficia a burguesia (que seguirá organizada, enquanto que os
trabalhadores estarão completamente desorganizados e desarmados), há que se
reconhecer que nem todos os indivíduos que querem se manter independentes são
niilistas ou reproduzem preconceitos burgueses. Muitos trabalhadores podem ter
ou desenvolver consciência de classe mesmo não estando em um partido operário
e, mais do que isso, desenvolvem uma sadia desconfiança de determinadas
estruturas viciadas. Neste papel, servem de contrapeso à força centrífuga dos
partidos burgueses e do burocratismo político e sindical.
Dentro desta lógica, desde que não expressem
um partido ou um programa burguês, qualquer pessoa deveria ter o direito de se
lançar como candidato independente à representação popular em um sindicato,
assembleia constituinte ou mesmo a um cargo político (ao contrário do que
preconiza a Constituição de 1988, que defende que somente uma pessoa filiada a
um partido político pode fazê-lo). Na contramão do que defende CNC, a única
forma de “democratizar” uma instituição como o Congresso Nacional seria
abrindo-o, pela força, à população
trabalhadora, que se elegeria a partir dos seus organismos de base. A
remuneração deve ser igual à do seu trabalho antes de eleito (sem nenhum tipo
de benesse material). Para permitir essa mudança representativa, há que se
mudar as instituições democrático-burguesas, criando novas, verdadeiramente
representativas e, principalmente, o sistema econômico. Isso seria uma condição
básica para uma república socialista alicerçada em sovietes ou conselhos populares, que, obviamente, também deveria
estar aberta a eleição de representantes de partidos operários.
V
Outro problema que merece a máxima
atenção dos revolucionários é sobre o atual funcionamento da produção econômica
no Brasil. A reestruturação produtiva na indústria automobilística no ABC
paulista no final da década de 1980 e durante a década de 1990 teve efeito
bombástico sobre o PT, podendo ser apontado como uma estratégia política da
burguesia para desarticular a combatividade do movimento sindical daquele
período. A modificação na economia facilitou a burocratização sindical e
dificultou a unidade política para a luta. Até hoje não conseguimos superar
este grande golpe de mestre. Por tudo isso há que se estudar como está o
proletariado hoje em dia? A resposta para esta pergunta não deve ser dada
apenas por uma organização política, mas pelo conjunto do movimento sindical e
social brasileiro que reivindica o legado do socialismo marxista.
Podemos esboçar uma resposta
indicando o aumento do “precariado” (isto é, do proletariado que não possui os
direitos trabalhistas elementares). Ele existe nas diversas categorias
profissionais e no funcionalismo público, tendendo a aumentar com o
aprofundamento da terceirização. Este setor do proletariado, na maioria das
vezes, está fora de qualquer tipo de representação sindical e política; em
muitos casos está fora de qualquer tipo de legislação. É exatamente isso que
quer a burguesia para o capitalismo do futuro! Em muitos ramos da produção faz
trabalho temporário, demonstrando alto grau de rotatividade, o que
impossibilita um trabalho sindical e político prolongado. A organização destes
trabalhadores requer novos métodos sindicais e um novo olhar teórico, que as
burocracias sindicais e políticas criminosamente se negam a realizar. Qualquer
organização que se proponha a fazer uma revolução deverá levantar e defender
suas bandeiras, além de organizar os subempregados e desempregados, no sentido
de desenvolver sua consciência de classe, mesmo no desemprego.
Além disso, é preciso salientar que
o sujeito social do processo revolucionário deverá ser mais amplo que o
proletariado industrial. Todos os trabalhadores
assalariados com consciência de
classe devem, em algum momento do processo revolucionário, cumprir uma
função de direção no sentido de quebrar a hegemonia e as estruturas do poder da
burguesia. Isso se passa dessa forma porque atualmente muitos mecanismos
econômicos decidem a produção desde fora da indústria, além do fato da
burguesia ter trabalhado para diminuir consideravelmente o número do
proletariado industrial, mantendo-o em uma redoma dupla através da alienação política
e do controle das suas mafiosas burocracias sindicais. Os trabalhadores
assalariados em geral, numericamente superiores, deverão ajudar a quebrar estas
barreiras desde fora da fábrica. Porém, o socialismo só se tornará uma
realidade quando as trabalhadoras e os trabalhadores conscientes estiverem no
controle total da produção econômica, o que perpassa, necessariamente, pelo
proletariado industrial.
VI
Em 2013 vivemos no Brasil uma
ascensão do movimento de massas, conhecida como Jornadas de Junho, que refletiu as lutas internacionais, como a
primavera árabe no norte da África e no Oriente médio, bem como as mobilizações
da Europa contra o ajuste fiscal da Troika
e o Occupy Wall Street nos EUA. Todos
estes movimentos, por não possuírem uma direção, um programa e uma estratégia clara,
terminaram reféns de uma ou outra ala da burguesia. No Brasil não foi
diferente. Os defensores da estratégia democrático-popular – os petistas –
foram os seus algozes, reprimindo os atos de rua com uma virulência sem igual e
sabotando seus passos seguintes. Os defensores da “revolução democrática”
cultuaram o espontaneísmo das massas e não foram capaz de fazer o movimento
avançar um único centímetro. Viram a primavera árabe como “colossais revoluções
democráticas” e, no Brasil, não tiveram condições de forjar nenhuma direção ou
estratégia para o movimento, ficando absolutamente reféns da sua falência
programática e política. Além destes, a maior parte das organizações
anarquistas também cultuaram o espontaneísmo das massas, incentivando a ação
vanguardista dos black blocs, que
sabidamente foi utilizada pela polícia para se infiltrar e destruir o movimento
por dentro.
A estratégia revolucionária, por sua
vez, não teve condições de se alçar ao seu papel, dado o fato de que as
pequenas organizações estavam isoladas e também perdidas. Ninguém conseguiu
prever este ascenso e, muito menos, dirigi-lo. Os movimentos de 2013 ainda hoje
são uma esfinge que precisam ser decifrados pelas organizações comprometidas
com a estratégia socialista. Apesar de terem pontos convergentes e palavras de
ordem contra o regime (o que denotava o desgaste da democracia burguesa e suas
instituições), as grandes capitais brasileiras em que os movimentos de rua se
desenrolaram ficaram isoladas, sem uma articulação ou um projeto comum, o que demonstra
que não houve direção política reconhecida. Para o próximo período, este
problema precisa ser resolvido. A vanguarda consciente deve, antes de tudo,
vencer o espontaneísmo preponderante, que é cultivado de forma nefasta pelo
reformismo que impera no movimento sindical brasileiro, dentre outros desvios.
Portanto, uma conclusão já é possível tirar desde já: precisamos combater o
apartidarismo burguês e a ojeriza à qualquer tipo de organização política e
programática, bem como o espontaneísmo, que não pode criar nenhuma alternativa.
Há que se estudar – se é que já podem ser estudadas – as formas de organização
que a massa apontou (ou vai apontar) para substituir as já caducadas e
ultrapassadas instituições políticas da democracia burguesa brasileira.
Ou deciframos a esfinge de 2013 ou
ela nos devorará! Caso aconteçam movimentos como estes novamente será
fundamental apontar para uma estratégia revolucionária, que supere
definitivamente a estratégia democrático-popular petista e a “revolução
democrática” morenista. Só assim estaremos aptos a decifrar esta esfinge.
VII
Sabemos agora que a construção e a
vitória final do socialismo não poderá ser medida unicamente pelos seus índices
econômicos e políticos, por mais importantes que sejam. É a educação
autoritária de crianças, ensinando-as a serem obedientes, medrosas e submissas,
que assegura aos políticos oportunistas e demagogos, aos pastores e a um führer, a obediência e a fé de milhões
de trabalhadores. Esta obediência é um dos principais alicerces da exploração
capitalista e tem como reflexo a frustração pessoal, geralmente incompreendida
e atribuída a causas falsas.
Para derrotar o capitalismo
definitivamente é necessário que as organizações proletárias se debrucem
honestamente sobre os problemas da repressão sexual, da família patriarcal, da
moral neurótica, da educação repressiva, castradora e autoritária; ao mesmo
tempo em que devem procurar mobilizar os trabalhadores contra a exploração e a
opressão econômica da burguesia e do imperialismo no sentido de superá-las.
Todos estes processos devem ser vistos como faces de uma mesma moeda.
Sendo assim, a vitória mais
verdadeira e duradoura da sociedade socialista sobre a capitalista somente pode
ser avaliada pelo grau de autonomia e confiança que gera nos seus indivíduos e
na psicologia sadia que criar na massa em geral. A evolução socialista deve ser
medida, então, pela capacidade educacional e social de criar indivíduos
independentes, críticos e autônomos, aptos a gerirem a sua própria produção
econômica e a sua felicidade em ligação com a sociedade. A principal vitória do
socialismo – para além da industrialização, da eliminação do analfabetismo, do
desenvolvimento de condições materiais básicas para o proletariado – estará na
sua capacidade de formar adultos socialmente autossuficientes do ponto de vista
intelectual e emocional (mas sempre ligados entre si pelos interesses gerais da
sociedade), para que estes possam educar as suas crianças no mesmo sentido;
isto é, no sentido da responsabilidade
social que, dentre outras coisas, garanta que sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.
Isso tudo, no entanto, só será possível mudando radicalmente as bases econômicas da sociedade, libertando a massa trabalhadora do jugo opressor e brutalizador do capitalismo. A única forma social capaz de ter estas preocupações políticas e psicológicas é a autêntica sociedade socialista. Nesse sentido, a estratégia revolucionária, embasada pela teoria da Revolução Permanente, precisa ser levada à prática pela esquerda, superando definitivamente as outras estratégias pró-burguesas que apenas fazem perpetuar a agonia e a barbárie capitalista.
Bibliografia
-
“A Revolução Permanente”, de Leon Trotsky. Expressão Popular, São Paulo, 2007.
-
“A Revolução Traída”, de Leon Trotsky. Editora José Luís e Rosa Sundermann, São
Paulo, 2005.
-
“O Programa de Transição”, de Leon Trotsky. Editora José Luís e Rosa Sundermann,
São Paulo, 2004.
-
“Cultura e Sociedade no Brasil – ensaios sobre ideias e formas”, de Carlos
Nelson Coutinho. Expressão Popular, São Paulo, 2011.
-
“Na contra mão da pré-história”, de Tarso Genro. Editora Artes e Ofícios, Porto
Alegre, 1992.
-
“As metamorfoses da consciência de classe – o PT entre a negação e o
consentimento”, de Mauro Luís Iasi. Expressão Popular, São Paulo, 2012.
-
“O que é consciência de classe”, de Wilhelm Reich. Textos exemplares, Porto –
Portugal, 1976.
-
“Cem flores para Wilhelm Reich”, de Roger Dadoun. Editora Moraes, São Paulo,
1991.
-
“A revolução de 1930 – historiografia e história”, de Boris Fausto. Editora
Brasiliense, São Paulo, 1972.
-
“O ponto de mutação. A ciência, a sociedade e a cultura emergente”, de Fritjof
Capra. Editora Cultrix, São Paulo, 1982.
Sites,
blogs e cartilhas
-
“O desenvolvimento do capitalismo no Brasil”, do blog:
http://conscienciaproletaria.blogspot.com.br/2016/07/o-desenvolvimento-do-capitalismo-no.html,
2016.
-
“O irracionalismo das massas”, do blog:
http://conscienciaproletaria.blogspot.com.br/2016/12/o-irracionalismo-das-massas.html,
2016.
-
“O socialismo é a mais alta forma de humanismo”, do blog:
http://conscienciaproletaria.blogspot.com.br/2016/10/o-socialismo-e-mais-alta-forma-de.html,
2016.
-
“A imagem do marxismo e do Brasil na obra de Carlos Nelson Coutinho”, do blog:
http://conscienciaproletaria.blogspot.com.br/2016/02/a-imagem-do-marxismo-e-do-brasil-na.html,
2016.
-
“Conceitos políticos escandalosos – crítica aos conceitos políticos básicos de
Nahuel Moreno”, da organização Luta Marxista, Porto Alegre, 2009.
-
“Conceitos políticos básicos”, de Nahuel Moreno e Mercedes Petit. Cadernos de
formação do PSTU, 1989.
-
“Escola de Quadros”, de Nahuel Moreno. Cartilhas do PSTU, 1984.
NOTAS
[i] GENRO, Tarso. Na contra mão da pré-história.
Editora Artes e Ofício, Porto Alegre, 1992 (página 12 – grifos nossos).
[iv] TROTSKY,
Leon. A Revolução Permanente. Editora Expressão Popular, São Paulo, 2007
(página 205 – grifos nossos).
[vii] Idem (página 207 – grifos nossos)
[ix] MORENO, Nahuel. Escola de Quadros. Buenos Aires,
Argentina, 1984. Publicado pelas cartilhas do PSTU (grifos nossos).
[x] LUTA MARXISTA. Conceitos Políticos Escandalosos –
crítica aos “Conceitos Políticos Básicos” de Nahuel Moreno. Cartilha da LM
publicada em Porto Alegre, agosto de 2009.
[xi] MORENO, Nahuel & PETIT, Mercedes. Conceitos
Políticos Básicos. Caderno de Formação 7 do PSTU, outubro de 1989.
[xii] Isto é exaustivamente analisado no texto “O sentido da Perestroika”, escrito, em
1989, pelo NIP (Núcleo de Independência Proletária), mas foi publicado
posteriormente pela Luta Marxista, no site www.lutamarxista.org em 5 de
novembro de 2008).
[xiii]
O debate sobre a grande mídia e a educação
pública são melhor desenvolvidos nos seguintes textos: I – Os meios de
alienação em massa (disponível em: http://conscienciaproletaria.blogspot.com.br/2015/06/os-meios-de-alienacao-em-massa.html)
e II – Reflexões pedagógicas sobre a escola pública (disponível em: http://conscienciaproletaria.blogspot.com.br/2014/12/reflexoes-pedagogicas-sobre-escola.html)