domingo, 8 de março de 2015

O que Rosa Luxemburgo tem a ensinar para os ativistas do CPERS?*

Muito se ouve falar sobre Rosa Luxemburgo dentro do nosso sindicato nos dias 8 de março, mas pouco se sabe sobre o seu real papel histórico. Rosa foi a grande dirigente da ala esquerda da revolução alemã de 1918 e do combate sem tréguas ao reformismo da social-democracia. Viveu em um período de grandes comoções revolucionárias, mantendo-se fiel aos princípios do proletariado mesmo nas piores tormentas. Foi o oposto dos burocratas de partido ou dos sindicatos, preocupados unicamente com a máquina da qual dependem. Por tudo isso, é fundamental resgatarmos o seu legado teórico, que segue mais atual do que nunca.

Em fins do século XIX, Rosa compunha o Partido Social-Democrata Alemão (SPD), que naquela época era uma potência política. Ele dirigia um movimento sindical massivo; possuía uma forte bancada parlamentar (sendo maioria em muitas províncias do interior); influenciava centenas de milhares de pessoas através dos seus jornais, revistas e dos escritos de seus teóricos. Tornou-se o partido mais influente e mais admirado da 2ª Internacional Socialista. Edward Berstein era o seu grande teórico e dirigente. Militara ombro a ombro com Engels e, de certa forma, procurava capitalizar a sua autoridade. Em seu livro
“Fundamentos do socialismo e as finalidades da social-democracia”, Berstein queria normalizar a reforma em detrimento da revolução, revisando princípios essenciais do marxismo e teorizando aquilo que já tinha se tornado a prática do SPD após a morte de Engels.

Enquanto a maior parte do SPD engoliu seco e, cabisbaixa, aceitou passiva e acriticamente o que sua direção determinava, esta deturpação do programa revolucionário foi identificada e denunciada corajosamente por Rosa Luxemburgo, afirmando que Berstein visava dissociar a luta sindical da revolução socialista. Ou seja, segundo Berstein, o SPD deveria abdicar da luta pelo poder político, lutando apenas por reformas graduais e pacíficas dentro da ordem capitalista, elegendo deputados e aproveitando-se da suposta capacidade de “autorregulação econômica” e do crédito que o capitalismo proporcionaria à toda sociedade. Assim, o socialismo seria atingido pacificamente, ficando para um futuro indeterminado.

“Toda esta teoria
– escreveu Rosa – só tende a aconselhar a renúncia à transformação social, à finalidade da social-democracia, e a fazer, ao contrário, da reforma social – simples meio na luta de classes – o seu fim. É o próprio Berstein que formula de modo mais claro e mais característico o seu ponto de vista, quando escreve: ‘O objetivo final, qualquer que seja ele, não me importa; o movimento é que é tudo’”[1]. Era por trás deste sofisma teórico que estava escondido toda a falência política da social-democracia alemã. A sua obra “Reforma ou Revolução?”, de 1900, retrata toda polêmica e é leitura indispensável para todos os novos e velhos militantes, porque esta divisão em 2 campos marcou a esquerda durante todo o século 20 e ainda hoje é um divisor de águas.

Quem afinal venceu este embate? Rosa ou Berstein? Hoje, passado mais de 100 anos desta polêmica histórica, podemos constatar que Rosa sagrou-se vencedora. Demonstrou não apenas toda a inconsistência das posições de Berstein, mas também que a manutenção do capitalismo significa sofrimentos sem fim para a classe trabalhadora. A suposta “autorregulação” do capitalismo, teorizada por Berstein, é uma piada de mau gosto frente a toda atual crise capitalista iniciada em 2008 e o seu estopim: a especulação financeira. Rosa tinha razão, mais uma vez, quando dizia que uma das principais características do capitalismo é a anarquia incontrolável da produção. A sua célebre sentença “Socialismo ou Barbárie?” define bem o que vivemos hoje. Diariamente temos acompanhado as ações sanguinárias do imperialismo nos quatro cantos do planeta: guerras, bombardeios, subemprego, desemprego, mentiras institucionalizadas através da sua mídia venal, etc. Na sua condição de último rebento da classe exploradora, a burguesia imperialista ultrapassa em brutalidade, em cinismo e infâmia todas as suas antecessoras. Esta classe defende com unhas e dentes a barbárie criada por ela própria, pois disso depende o seu lucro e o privilégio da exploração. O desemprego, o analfabetismo, a miséria, são realidades constantes dentro deste sistema, que necessita destes mecanismos para controlar e aterrorizar os trabalhadores; inclusive nos países imperialistas.

Em 1898, antes da polêmica contra Berstein, Rosa já alertava sobre os desvios nascentes da social-democracia que tentavam apresentar o reformismo como sendo a “única política possível” e “realista”. A lógica oculta por trás deste raciocínio era a do oportunismo espontaneísta (muito comum no sindicalismo brasileiro atual). Rosa assim se expressou: “A questão fundamental do movimento socialista sempre foi como colocar sua atividade prática imediata em acordo com seu objetivo final. (...) [aquele que defende a política “do possível”] está sacrificando os princípios básicos da luta de classes por vantagens momentâneas, e suas ações estão baseadas no oportunismo”[2].

A burguesia exerce uma pressão permanente para a adaptação ao capitalismo, como comprova toda a história da social-democracia alemã. Uma das formas desta pressão é o reformismo, que tenciona a vanguarda do proletariado à abdicar de seus princípios em nome de uma “política realista”, isto é, que conquiste alguns ganhos econômicos e pequenas reformas sem chocar-se com os fundamentos do capitalismo. Segundo a lógica dos oportunistas, seria através destes “ganhos” que o SPD aumentaria a influência sobre os trabalhadores e, por conseguinte, cresceria numericamente. Então, eles diziam à ala de Rosa: “Vocês irão se privar de influências práticas se sempre e como uma questão de conduta disserem ‘não’”. A isto, ela respondia: “Em nosso ‘não’, em nossa atitude intransigente, encontra-se toda nossa força. É esta atitude que nos ganha o medo e respeito do nosso inimigo e a confiança e apoio do povo. Precisamente porque nós não concedemos nenhum centímetro de nossa posição, nós forçamos o governo e os partidos burgueses a nos conceder os poucos sucessos imediatos que podem ser ganhos. Mas se nós começamos a perseguir o que é ‘possível’ de acordo com os princípios do oportunismo, sem nos preocupar com nossos próprios princípios, e por meio de trocas como fazem os estadistas, então nós iremos logo nos encontrar na mesma situação que o caçador que não só falhou em matar o veado, mas também perdeu sua arma no processo”[3]. Quanta diferença havia entre Rosa Luxemburgo e a ala reformista do SPD! Não casualmente, este pensamento oportunista que Rosa combateu é o mesmo que impera hoje na maior parte da vanguarda “socialista” brasileira e dentro do CPERS.

A degeneração do SPD completou o seu curso. Em 1914, durante a deflagração da 1ª Guerra Mundial, votou a favor dos créditos de guerra, ajudando a burguesia alemã a se armar para disputar mercados na carnificina imperialista mundial. Por tudo isso, Rosa chamou a social democracia alemã de um “cadáver insepulto”. Cada vez mais adaptado ao capitalismo, teórica e praticamente, quando a monarquia alemã caiu durante a revolução de 1918, o SPD assumiu o poder junto com a burguesia, não apenas ocupando os principais postos de governo, mas aprovando todas as suas medidas repressivas contra os trabalhadores e patrocinando a participação da Alemanha na Guerra Mundial. Toda esta situação foi assim descrita por ela: “Em nenhuma parte a organização do proletariado foi colocada tão completamente a serviço do imperialismo. Em nenhuma parte (...) a luta de classes econômica e política da classe operária [foi] tão completamente abandonada quanto na Alemanha”[4]. Fazendo um paralelo entre a revolução russa e a revolução alemã, Trotsky se pronunciou em termos semelhantes: “Sem dúvida que, no caso de a revolução ter triunfado na Alemanha (e somente a social-democracia impediu seu triunfo), o desenvolvimento econômico da URSS, como da própria Alemanha, teria prosseguido a passos de gigantes, de tal modo que os destinos da Europa e do mundo se apresentariam hoje sob um aspecto muito mais favorável”[5].

Cumprindo o seu papel histórico, Rosa rompeu corajosamente com o SPD e fundou a Liga Espartaco (antecessora do Partido Comunista Alemão). Assim como fora uma ameaça ao revisionismo de Berstein do ponto de vista teórico, durante a tempestuosa revolução alemã tornara-se uma ameaça do ponto de vista político. Em 1919, Rosa foi presa, torturada e executada com total consentimento dos dirigentes do SPD.

A burguesia, através dos seus aliados no seio do proletariado – isto é, por meio do SPD –, derrotou a Liga Espartaco e assassinou Rosa, mas o seu exemplo e a sua contribuição teórica permanecem para guiar e incentivar as gerações futuras. Rosa nunca deu prioridade para as questões feministas, ainda que falasse delas esporadicamente. No seu “Folheto Junius”, escrito no auge da Guerra Mundial e no início da revolução alemã, exige – entre inúmeras outras medidas de cunho econômico – a imediata igualdade jurídica e social entre os sexos. A sua grande preocupação sempre foi a derrubada revolucionária do capitalismo e a superação de todos os seus entraves, tais como o oportunismo da social-democracia alemã. Ela sabia que a verdadeira emancipação da mulher só poderia se dar em uma sociedade socialista, pois não existe capitalismo sem machismo, patriarcalismo, prostituição e abuso sexual legalizado.

Em relação às polêmicas com Lenin, Rosa se equivocou no que diz respeito à organização do partido revolucionário. Muitos intelectuais burgueses exageram esta diferença pontual para obscurecer os inúmeros acordos existentes entre eles. Apesar disso, este equívoco de Rosa não a impediu de ser uma grande apoiadora da Revolução Russa de 1917, propagandeando-a e defendendo-a dos ataques do imperialismo entre os trabalhadores alemães, ao contrário de todo o SPD que se colocou abertamente contrário aos bolcheviques e aos trabalhadores russos sublevados; isto é, colocou-se no campo da contra-revolução.

“Venceremos desde que nós não tenhamos desaprendido a aprender”

Rosa sempre dizia que o proletariado perecerá se não souber aprender com os erros do passado. Ela dizia que seus erros são tão gigantescos quanto suas tarefas. O penoso caminho de sua libertação não é pavimentado apenas com sofrimentos imensos, mas também de inumeráveis erros e derrotas. Sua libertação, dizia Rosa, só será atingida se soubermos aprender com estes erros, pois não existe um talismã ou uma receita pré-fabricada. Para o movimento proletário, portanto, a autocrítica sem piedade, cruel, indo ao fundo das coisas, é o ar, a luz sem a qual ele não pode viver e se desenvolver.
           
A maior parte da vanguarda brasileira atual não quer aprender. Está satisfeita com o faz de conta. Hoje o PT é a reedição do SPD e a História se repete como farsa. As mesmas polêmicas sobre “reforma versus revolução” voltam ao centro do debate. Infelizmente, o berstenianismo continua vivo, apenas com novas máscaras. Por isso a obra de Rosa adquire tanta importância e atualidade, e precisa ser resgatada pelos autênticos revolucionários dentro e fora do CPERS.

Se hoje o PT cumpre este papel nefasto de serviçal da burguesia não foi por falta de advertências e de exemplos históricos. O PT optou conscientemente pelo programa reformista muito antes da eleição de Lula e Tarso. Isso significa renegar, dentre outras coisas, a cara experiência teórica que Rosa nos deixou e assumir, disfarçadamente, com novas justificativas, a mesma estratégia de Berstein. Da mesma forma, existem novos candidatos a SPDs brasileiros, portando-se como verdadeiras rêmoras, comendo os restos do governismo petista. Trata-se de PSOL e PSTU; partidos que mantém os mesmos métodos oportunistas da social-democracia alemã, tanto dentro dos sindicatos, quanto nos processos eleitorais burgueses. O PSOL mostra-se, cada dia mais, como o “novo PT”. Seu eleitoralismo burguês é gritante: recebe financiamento da burguesia e em menos de 10 anos de existência já fez alianças que vão desde o PT até o PSDB-DEM. O PSTU é o sócio menor do PSOL. Sempre implorando para se coligar eleitoralmente com o PSOL, o PSTU fala em “revolução”, mas é só da boca para fora. Além do PSOL, faz alianças eleitorais escandalosas com o PCdoB em nome do vale-tudo eleitoral. Nos sindicatos PSOL e PSTU agem da mesma forma, aliando-se ao governismo e vivendo do aparato da burocracia sindical. Ambos disfarçam-se com discursos radicais para esconder uma prática reformista-eleitoreira. Hoje o bersteinianismo mudou de forma: está totalmente degenerado; no passado era um pouco mais honesto. Os ativistas conscientes do CPERS devem se inspirar no exemplo de Rosa e lutar implacavelmente contra o berstenianismo brasileiro, expresso no PT, PSOL, PSTU e correntes políticas satélites que, não casualmente, ocupam a direção do CPERS em uma aliança emblemática.
           
Rosa viveu durante a última ascensão histórica do capitalismo, no início do século 20. Ainda era possível conquistar reformas limitadas e pontuais, o que causava a ilusão de que o reformismo era a saída. Hoje, porém, vivemos a época da decadência histórica do capitalismo, isto é, de um reformismo sem reformas, da retirada de direitos históricos, de um sindicalismo corrompido e adaptado totalmente às estruturas oficiais do Estado burguês. Qualquer partido “operário”, sindicato ou organização política que, após toda esta experiência histórica, não apenas da social-democracia alemã, mas de muitos outros reformismos fracassados mundo afora, pretenda falar em nome do proletariado, cantando uma canção no mesmo tom que Berstein e o SPD, estará cumprindo o papel de coveiro do socialismo e da revolução, tal qual o SPD. Por isso é fundamental tomar consciência da obra teórica de Rosa para identificar e desmascarar os velhos e novos farsantes.
           
Rosa tinha razão quando dizia que era na Liga Espartaquista que batia o coração da revolução e que o futuro lhe pertencia. Fora da revolução não há perspectiva de futuro. Somos os herdeiros desta cara experiência teórica do passado e temos que estudá-la para aplicá-la corretamente no presente. O reformismo significa a manutenção do passado em estado de putrefação, como bem nos demonstra a experiência do SPD na Alemanha e a do PT no Brasil. Precisamos ainda, em pleno século XXI, derrotar o reformismo e o espontaneísmo, que persistem nos sindicatos brasileiros e nas demais organizações operárias. Para isso, o otimismo e o entusiasmo de Rosa servem como um alento: nós não estaremos perdidos e venceremos desde que não tenhamos desaprendido a aprender. E se o guia atual do proletariado não mais souber aprender, então ele deverá ser derrubado para dar lugar àqueles que estarão à altura de um mundo novo.



* Texto publicado originalmente no livro "Essas mulheres - saúde e trabalho", editado pelo 39º núcleo do CPERS, em 2014.
[1] LUXEMBURGO, Rosa. Reforma ou Revolução? Editora Expressão Popular, 2010.
[2] LUXEMBURGO, Rosa. Oportunismo e a arte do possível. Texto disponível em www.marxists.org.
[3] Idem.
[4] LUXEMBURGO, Rosa. A crise da social-democracia (Folheto Junius), escrito em maio de 1915. Disponível em www.marxists.org.
[5] TROTSKY, Leon. A Revolução Traída. Editora Sundermann, São Paulo, 2005.

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