segunda-feira, 16 de março de 2015

O que é direita e esquerda?

Escutamos corriqueiramente na TV e nas ruas que o PT é de “esquerda” e o PSDB de “direita”. Ou ainda: o governo Dilma é “esquerdista” e o de FHC “direitista”. Estariam estas afirmações realmente corretas? Em razão da confusão que impera na grande mídia e na sociedade em geral sobre o que é “esquerda” e “direita”, é preciso um trabalho de esclarecimento entre os trabalhadores e a sua vanguarda.

Na internet podemos encontrar as seguintes definições: “Esquerda: Basicamente trata-se de uma posição ideológica que defende práticas voltadas a uma sociedade mais igualitária. Defende uma melhor redistribuição de renda e respeito às diferenças e prega mudanças na realidade socioeconômica em prol da coletividade. Direita: Basicamente trata-se de uma posição ideológica conservadora e defensora, hoje, do Neoliberalismo Econômico. Defende a meritocracia e a manutenção da realidade socioeconômica em prol da individualidade” (Café com sociologia); ou ainda: “Há um consenso geral de que a esquerda inclui progressistas, sociais-liberais, ambientalistas, social-democratas socialistas, democrático-socialistas, libertários socialistas, secularistas, comunistas e anarquistas; enquanto que a direita inclui fascistas, conservadores, reacionários, neoconservadores, capitalistas, alguns grupos anarquistas, neoliberais, econômico-libertários, monarquistas, teocratas (incluindo parte dos governos islâmicos), nacionalistas e nazistas” (Wikipédia).

Estas definições são genéricas e não fazem uma reflexão profunda acerca da confusão e da subjetividade a que estes conceitos estão submetidos. Teoricamente, em política, os termos “esquerda” e “direita” definem campos antagônicos que expressam concepções de sociedade diferentes. Como estão sujeitos a diversas interpretações e manipulações, eles podem ser utilizados para confundir ou esclarecer; para definir uma posição política ou para obscurecê-la. Como geralmente se fala em “direita” e “esquerda” de forma abstrata, sem nenhum ponto de apoio e sem método, então a confusão se instala.

Este texto pretende lançar um método de análise pela ótica proletária para se compreender realmente quem está no campo da “direita” e quem está no campo da “esquerda”. Para isso, é importante partir das raízes históricas destes termos e chegar até as polêmicas da atualidade.

As origens
A origem desta terminologia é controversa. A explicação mais difundida é aquela que remete às comoções da Revolução Francesa. Segundo ela, os “deputados” da Assembleia Nacional que sentassem à “esquerda” da mesa diretora eram partidários de mudanças sociais (sem especificar ao certo quais seriam essas mudanças, mas, provavelmente, ligadas aos movimentos desencadeados pela revolução de 1789 e o republicanismo burguês que, naquela época histórica, era muito progressivo); e os deputados que se sentassem à “direita” seriam conservadores, isto é, resguardariam os interesses da ordem social vigente e os privilégios de classe que ela acarreta (na época significava ser partidário da monarquia e contra a revolução).

Por extensão, os termos foram sendo aplicados seguindo a mesma lógica em outras conjunturas políticas e históricas, em diferentes países. Por isso geralmente terminam refém de uma grande subjetividade e servem mais para obscurecer do que esclarecer.

O advento do movimento socialista
Com o desenvolvimento da sociedade burguesa, logo se viu que os slogans da Revolução Francesa de “liberdade, igualdade e fraternidade” eram limitados à visão e aos interesses da grande burguesia. “Liberdade” significava “liberdade” de comércio; “igualdade” era apenas nas condições de concorrência entre os capitais (igualdade de comércio esta que foi totalmente abolida na atual época imperialista); a “fraternidade” do lema revolucionário tomou corpo nas deslealdades e na inveja da luta de concorrência, a opressão violenta cedeu lugar à corrupção, e a espada, como principal alavanca do poder social, foi substituída pelo dinheiro. Em suma, uma vez que a sociedade feudal foi derrotada pela revolução, a burguesia, de força revolucionária, tornou-se profundamente conservadora, interessada em manter o status quo e a nova estrutura social de classe criada pela revolução de 1789, da qual provinha o seu sustento e a sua “máquina de fazer dinheiro”. Aos trabalhadores, que lutaram bravamente junto à burguesia nas revoluções dos séculos 18 e 19, restou a fome, a miséria e a exploração.
           
O resultado disso foi que o movimento operário começou a se organizar nos sindicatos e a questionar este estado de coisas; o proletariado, portanto, transformou-se na força revolucionária e a burguesia tornou-se conservadora. O marxismo apontou para a organização sindical e política, em partido revolucionário. Naturalmente, o movimento socialista foi localizado no campo da “esquerda” e recebeu como herança o termo da Assembleia Nacional da Revolução Francesa. Devemos sempre partir desta dinâmica de classe para interpretar os termos “direita” e “esquerda”.
           
Com o surgimento do movimento socialista, a burguesia, sempre atenta ao seu desenvolvimento, passou a influenciá-lo de diversas formas. Usa desde a repressão policial até à influência política e ideológica. Tudo isso é feito se escondendo atrás de palavras capciosamente selecionadas, tais como “democracia”, “legítima defesa”, “neutralidade ideológica”, etc. As derrotas do movimento operário e a influência burguesa deram a base para o surgimento da aristocracia operária, que freia e sabota o movimento socialista. Atualmente ela é conhecida como “burocracia sindical”.

A aristocracia operária, mais interessada na calmaria do movimento operário e nas gordas divisas que os sindicatos rendem, foi procurando se institucionalizar. Neste processo deu origem ao que hoje o marxismo chama de “reformismo”; isto é, querem substituir a revolução por pequenas reformas e melhoramentos do capitalismo, feitos de forma pacífica e institucional, geralmente por meio das eleições burguesas. Este processo foi amplamente analisado e desmascarado por Rosa Luxemburgo no início do século 20. Sendo assim, a “esquerda” se dividiu entre reformistas e revolucionários. É através da esquerda reformista que a burguesia (a “direita”) influencia e controla os trabalhadores. A esquerda revolucionária mantém acesa a chama da mudança social e luta contra as armadilhas da esquerda reformista, que serve como carapuça perfeita para ser usada pela direita.

A “direita” e a “esquerda” nos dias de hoje
Após a restauração do capitalismo e a experiência com o stalinismo (o que a mídia burguesa chama de “socialismo”), bem como após a experiência com os partidos reformistas – dentre os quais o PT foi uma das mais catastróficas –, a grande mídia e os intelectuais burgueses (geralmente “pós-modernos”) afirmam que não existe mais “direita” e “esquerda”. Como isso pode ser possível? Não existiriam mais forças conservadoras e as que querem mudanças sociais? Seria possível transformar forças antagônicas em um lamaçal comum? Tudo isso não passa de mais um engodo ideológico. Eles querem fazer crer que não há saída e que os caminhos da “esquerda” terminam sempre no leito da “direita”, pois esta é mais racional e viável (ou seja, a mudança social seria impossível). Procuram levar os trabalhadores a ignorar que houve toda uma adaptação teórica e política do PT às bandeiras e práticas da “direita”, em razão da sua opção pelo reformismo. Em poucas palavras: o PT abdicou das bandeiras da “esquerda” revolucionária – as únicas que poderiam levar à mudanças reais e duradouras que beneficiassem os trabalhadores – e aderiu conscientemente às bandeiras da “direita”, de “governabilidade”. Portanto, aqueles que afirmam que “direita” e “esquerda” não mais existem estão cumprindo o papel de obscurecer os fatos, servindo como uma luva aos interesses da burguesia de manutenção da ordem social de exploração e miséria.
           
“Direita” e “esquerda” inevitavelmente continuarão existindo enquanto houver sociedade dividida em classes; enquanto houver exploradores interessados na manutenção do status quo social e trabalhadores conscientes, que necessitam de outro tipo de sociedade, mais livre, igualitária, e onde não haja a exploração de seres humanos por seres humanos. É possível que “direita” e “esquerda” ainda existam em uma sociedade socialista ou comunista, muito provavelmente com contornos políticos e sociais diferentes e, esperamos, mais progressivos e honestos.

É preciso critérios para diferenciar “direita” e “esquerda”
Em razão da grande subjetividade presente nas análises disseminada pelas universidades e pelos meios de comunicação, “direita” e “esquerda” podem adquirir contornos profundamente amplos e confusos. Como são termos passíveis de manipulação e de confusões subjetivas, é preciso um olhar sempre atento nos debates políticos e, sobretudo, frente ao que é divulgado na grande mídia. Por exemplo: é possível que um único partido possua uma ala “direita” e uma ala “esquerda”, como o caso do PT, onde a Articulação Sindical é a sua ala direita e o Movimento de Luta Socialista (ex-CUT pode mais) é a sua ala “esquerda”. Porém, frente aos demais partidos e movimentos sociais o PT continua sendo uma força de direita em razão do papel que vem cumprindo há mais de uma década. Da mesma forma podemos analisar PMDB e PSOL, partidos que possuem muitas tendências públicas. Dentro do próprio campo dos partidos de “direita” também é possível delimitar o espectro mais à direita e mais à esquerda: PSC, PRTB, Dem e PSDB são a “direita da direita” e PSB, PT e PCdoB são a “esquerda da direita”. Critério subjetivo e impreciso como este também poderia ser aplicado no campo da “esquerda”. Neste caso, tudo depende do ponto de vista de classe do observador e, por isso mesmo, torna-se passível de fácil manipulação política e midiática.

A mídia burguesa usa os termos “direita” e “esquerda” de forma restrita, apenas segundo o critério do sistema parlamentar burguês brasileiro. Por exemplo: PSOL é a “extrema esquerda” (uma vez que PSTU e PCO não possuem representação no Congresso Nacional) e o PP e o PSC a “extrema direita” (ainda que isto não seja lembrado). Os movimentos sociais e os inúmeros agrupamentos políticos (sejam da esquerda revolucionária ou da direita fascista) são sumariamente excluídos da análise da mídia, legalista e institucionalista por “natureza”. É por isso que a sua cobertura é tendenciosa e unilateral, servindo apenas para obscurecer a consciência dos trabalhadores de acordo com as suas conveniências.

Algumas conclusões
Se não há mais “direita” e “esquerda”, ou se ambas tornaram-se a mesma coisa, conforme sustentam alguns intelectuais burgueses, então é evidente que aos trabalhadores só resta a acomodação dentro do capitalismo, aceitando passivamente a sua exploração, desmandos e arbitrariedades contra os trabalhadores e o povo pobre. Ou seja, o caminho da “direita” seria o único viável e aceitável. Porém, como foi dito, “direita” e “esquerda” ainda existem, se encontram em campos sociais antagônicos e atuam através das forças políticas que se expressam nos partidos, organizações e centenas de movimentos, ainda que estes conceitos possam ser obscurecidos pela interpretação subjetiva a que estão sujeitos.

Numa sociedade dividida em classes, a “esquerda” será representada sempre por aqueles que trabalham no sentido de avançar rumo ao fim das classes, do Estado, das desigualdades, isto é, trabalham no sentido da construção do socialismo; e a “direita” será representada sempre por aquelas forças políticas e sociais que, de alguma forma, direta ou indiretamente, se beneficiam da sociedade tal como ela é e trabalham no sentido de manter as suas estruturas de exploração. E, dentro do campo da “esquerda”, o reformismo será sempre a porta de entrada para a influência da classe dominante, a burguesia e, por conseguinte, da “direita”. A autêntica “esquerda” é a revolucionária, que trabalha para a construção da revolução socialista e, como tal, pela mudança profunda e radical da sociedade.

É por isso que o PT, ao contrário de tudo o que é dito na grande mídia e em alguns movimentos sociais, não é mais de “esquerda”. Rasgou suas bandeiras históricas e assumiu as da “direita”, mesclando um discurso demagógico e falando de “socialismo” nos dias de festa para o consumo das suas próprias bases. Na verdade, o PT hoje aplica o mesmo programa que o PSDB (a “direita clássica”): reformas neoliberais, retirada de direitos, pagamento religioso da dívida externa/interna, nomeia banqueiros e latifundiários para os principais ministérios e ainda ocupa o Haiti vergonhosamente em nome do imperialismo.

Toda a estrutura eleitoral, com sua legislação restritiva e burocrática que reforça as alianças eleitorais que conhecemos, regada com o dinheiro das empreiteiras, bancos e grandes empresas, reduz a disputa eleitoral entre PT e PSDB, os únicos que a grande mídia apresentam como “viáveis”. Querem reproduzir a lógica eleitoral dos sistemas bipartidários inglês e americano, onde existe uma falsa polarização entre “conservadores” (direita) e “liberais” (esquerda). Se olharmos um pouco mais atentamente para tudo isso, concluiremos que se trata apenas de um grande teatro, onde a “direita” sempre ganha se passando por “esquerda”, vendendo-se como “mudança” para que nada mude. Para superar este “beco sem saída” em que nos encontramos é preciso vencer o imediatismo que impera na vanguarda dos trabalhadores, que vota desesperadamente no PT para “evitar a volta da direita”, quando na realidade a “direita” e as suas práticas nunca saíram do poder.

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