Minha
vida anda tumultuada, incerta; não sei o que o futuro me reserva para a vida
profissional. Isso é fantástico e assustador! As sensações se misturam e este é
o resultado inevitável de ser e existir.
Cumpri
o meu dever e pago por isso (quem se importa com “dever” hoje em dia?). Eis aí
o início dos pensamentos conflituosos: cumprir o dever ou não cumprir! Remar
contra a corrente ou boiar e ser levado por ela?
Por
volta das 6h da tarde, quando transitava com o meu cachorrinho pelos arcos da
Redenção, o medo se encontrou com a liberdade na arena do meu peito. Se entreolharam.
Se estranharam! E a luta começou. A poeira do chão começou a subir e embaçou os
outros sentidos, principalmente a capacidade racional. Com grande esforço
consegui entender alguma coisa ou outra entre o estalar metálico dos gládios em luta. Enquanto
isso, meu coração em um conflito de emoções clamava por congelar todas as
sensações boas e estáveis da vida. Gostaria, particularmente, de congelar as
minhas garantias profissionais e materiais do ano passado. Como seria doce
viver!
Uma
das vozes em luta bradou:
–
Queria que a certeza do meu emprego e do meu salário se congelassem! Que eu
pudesse receber tudo o que recebia “certamente” no ano passado! Pensar nessas
garantias dá um acalanto para o coração!
A
outra respondeu:
–
Isso é impossível! Como pode o mundo se congelar? Ainda mais na situação de um
trabalhador precarizado? É claro que é impossível! A situação piora se levarmos
em consideração a crise econômica do capitalismo, que assola o Brasil e o
mundo! A vida é incerteza e insegurança (se você não é um parasita explorador
de trabalho alheio, como um banqueiro, um mega empresário, é claro!). O que
dirá se optarmos levar uma vida de revolucionário?
A
primeira pergunta de novo:
–
Justamente aí é que está o pomo da discórdia! Não seria o momento de repensar
tudo, procurar um emprego rentável e estável, sentar juízo para casar e ter
filhos? Sem estes pré requisitos isso torna-se muito difícil; quase impossível
nos dias de hoje.
–
Pra começo de conversa, o que seria “sentar juízo”? Seria, por acaso, abdicar
da consciência que construímos, tornarmo-nos “mais do mesmo”, levar a vida
fingindo não ver que está tudo errado? Por acaso a culpa é minha por ter um
emprego precarizado e viver em uma sociedade que só se preocupa em “como melhor
te explorar”? Não seria o sistema econômico que ameaça permanentemente a minha
“estabilidade” e as minhas condições de vida, bem como as condições de vida da
massa trabalhadora como um todo?
–
Mas, mas... agindo dessa forma você acelera a possibilidade de piorar a sua
condição de vida e aumenta a probabilidade de perder o seu emprego!
–
Sim, é verdade. Você tem razão. Isso é assim porque vivemos em uma ditadura de
classe disfarçada, chamada eufemisticamente de “Estado democrático de direito”,
que não garante sequer o direito ao trabalho. Aliás, vivem nos chantageando
diariamente com a possibilidade de “perder o emprego”, “cortar nossos
salários”; enfim, de nos tirar os meios de vida. É o meio mais eficaz de fazer
“opositores” potenciais calarem a boca posando de democrático, pois a degola
ocorre de forma burocrática, se escondendo atrás de leis ou do “direito de
empregador” demitir “funcionário vagabundo”; ou simplesmente de “cortar
gastos”, afinal de contas, o lucro da empresa dele é mais importante que a fome
dos filhos do empregado (quem mandou fazer tantos filhos? Que se vire, não é
mesmo? Bem nesse momento o sadismo de uma mente reacionária chega ao orgasmo!).
É assim que o sistema funciona...
–
Reafirmar tudo isso, como um mantra, lhe dá uma espécie de segurança?
–
Sim! Não posso me dar ao luxo de esquecer isso em uma sociedade que vive em
amnésia permanente. Você queria que eu jogasse a culpa em quem? Nos familiares,
nos signos, nos búzios e tarô, em deus? Olhar a realidade de frente por mais
amarga que seja é a única forma verdadeira de levar a vida dignamente, de não
perder a essência humana. Eventualmente, em razão das chibatadas da realidade,
tornamo-nos mais agressivos e ríspidos; mas assim, penso eu, conseguimos
preservar a essência sensível humana até o final da vida. Quanto em casar e a
ter filhos, acredito que isso deve estar baseado única e exclusivamente no amor
“carnal” e “espiritual” do casal, que precisa levar a uma compreensão mútua,
também de “corpo” e “alma”. Chega de casamentos por conveniência, não é mesmo?
A humanidade, e as mulheres em particular, já sofreram muito com isso. Você não
acha?
–
Nunca pensei a respeito!
–
Pois é, foi o que eu imaginei... Ademais, é impossível “congelar” as condições
de vida do passado que nos são favoráveis e agradáveis. “Tudo o que é sólido se
desmancha no ar”.
–
Frase feita para impressionar!
–
Que seja! O fato continua sendo que a realidade modifica-se continuamente e que
não podemos fugir disso, a menos que morramos ou nos suicidemos (e ainda assim
continuaríamos a nos modificar)! Desde o útero materno somos colocados à prova.
Se congelar as coisas boas fosse possível voltaríamos ao útero materno e lá nos
congelaríamos eternamente, pois haveria situação mais favorável e agradável do
que esta?
–
Não seja estúpido! Quero poder me mover, andar, pensar, sentir! E por conta
própria!
–
Ok! Então você quer só garantias, sem riscos? Os únicos seres vivos que tem
este privilégio são os grandes capitalistas, seus bancos, agiotas,
investidores, acionistas, etc. Viver significa morrer; significa riscos,
enfrentamentos! Luta! Embate! Precisamos nos desapegar das coisas supérfluas.
Aprender a conviver mais com a natureza e o cosmos, com o seu movimento. Neste
aspecto muitas contribuições do pensamento budista são interessantíssimas! Você
conhece? Eles dizem que a fonte do nosso sofrimento está em se apegar às coisas
em um mundo que muda ininterruptamente. Viva e deixe viver...
–
Pare com essa lorota! Eu quero segurança, estabilidade! Quero garantir o meu
futuro! – gritou ensandecidamente a primeira voz.
–
Bebê, é preciso crescer! A vida dói, o novo dói! Monstros como a rotina, o
hábito e o senso comum, que matam e asfixiam a iniciativa, a alegria de viver,
a própria vida, se escondem atrás destes nobres “sentimentos” e “preocupações”.
–
No fundo você quer convencer a si mesmo de tudo isso!
–
Sim, quero nos convencer (afinal, somos um só) de que é possível viver o que se
prega, que podemos praticar a teoria que defendemos e que neste mundo cão
precisamos nos esforçar para dar o nosso melhor pelos outros, o que, no fundo,
é para nós mesmos.
(Silêncio...)
A
liberdade e o medo bufavam, estavam exaustas! A luta foi interrompida pelas
exigências da vida cotidiana. Mas acredito que ela não tardará a acontecer
novamente...
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