Escutamos
corriqueiramente na TV e nas ruas que o PT é de “esquerda” e o PSDB de
“direita”. Ou ainda: o governo Dilma é “esquerdista” e o de FHC “direitista”.
Estariam estas afirmações realmente corretas? Em razão da confusão que impera na
grande mídia e na sociedade em geral sobre o que é “esquerda” e “direita”, é
preciso um trabalho de esclarecimento entre os trabalhadores e a sua vanguarda.
Na
internet podemos encontrar as seguintes definições: “Esquerda: Basicamente trata-se de uma posição ideológica que defende
práticas voltadas a uma sociedade mais igualitária. Defende uma melhor
redistribuição de renda e respeito às diferenças e prega mudanças na realidade
socioeconômica em prol da coletividade. Direita: Basicamente trata-se de uma
posição ideológica conservadora e defensora, hoje, do Neoliberalismo Econômico.
Defende a meritocracia e a manutenção da realidade socioeconômica em prol da
individualidade” (Café com sociologia); ou ainda: “Há um consenso geral de que a esquerda inclui progressistas,
sociais-liberais, ambientalistas, social-democratas socialistas,
democrático-socialistas, libertários socialistas, secularistas, comunistas e
anarquistas; enquanto que a direita inclui fascistas, conservadores,
reacionários, neoconservadores, capitalistas, alguns grupos anarquistas,
neoliberais, econômico-libertários, monarquistas, teocratas (incluindo parte
dos governos islâmicos), nacionalistas e nazistas” (Wikipédia).
Estas
definições são genéricas e não fazem uma reflexão profunda acerca da confusão e
da subjetividade a que estes conceitos estão submetidos. Teoricamente, em
política, os termos “esquerda” e “direita” definem campos antagônicos que
expressam concepções de sociedade diferentes. Como estão sujeitos a diversas
interpretações e manipulações, eles podem ser utilizados para confundir ou
esclarecer; para definir uma posição política ou para obscurecê-la. Como
geralmente se fala em “direita” e “esquerda” de forma abstrata, sem nenhum
ponto de apoio e sem método, então a confusão se instala.
Este
texto pretende lançar um método de análise pela ótica proletária para se
compreender realmente quem está no campo da “direita” e quem está no campo da
“esquerda”. Para isso, é importante partir das raízes históricas destes termos
e chegar até as polêmicas da atualidade.
As origens
A
origem desta terminologia é controversa. A explicação mais difundida é aquela
que remete às comoções da Revolução Francesa. Segundo ela, os “deputados” da
Assembleia Nacional que sentassem à “esquerda” da mesa diretora eram
partidários de mudanças sociais (sem especificar ao certo quais seriam essas
mudanças, mas, provavelmente, ligadas aos movimentos desencadeados pela
revolução de 1789 e o republicanismo burguês que, naquela época histórica, era
muito progressivo); e os deputados que se sentassem à “direita” seriam
conservadores, isto é, resguardariam os interesses da ordem social vigente e os
privilégios de classe que ela acarreta (na época significava ser partidário da
monarquia e contra a revolução).
Por
extensão, os termos foram sendo aplicados seguindo a mesma lógica em outras
conjunturas políticas e históricas, em diferentes países. Por isso geralmente
terminam refém de uma grande subjetividade e servem mais para obscurecer do que
esclarecer.
O advento do movimento socialista
Com
o desenvolvimento da sociedade burguesa, logo se viu que os slogans da
Revolução Francesa de “liberdade, igualdade e fraternidade” eram limitados à
visão e aos interesses da grande burguesia. “Liberdade” significava “liberdade”
de comércio; “igualdade” era apenas nas condições de concorrência entre os
capitais (igualdade de comércio esta que foi totalmente abolida na atual época
imperialista); a “fraternidade” do lema revolucionário tomou corpo nas
deslealdades e na inveja da luta de concorrência, a opressão violenta cedeu
lugar à corrupção, e a espada, como principal alavanca do poder social, foi
substituída pelo dinheiro. Em suma, uma vez que a sociedade feudal foi
derrotada pela revolução, a burguesia, de força revolucionária, tornou-se
profundamente conservadora, interessada em manter o status quo e a nova estrutura social de classe criada pela
revolução de 1789, da qual provinha o seu sustento e a sua “máquina de fazer
dinheiro”. Aos trabalhadores, que lutaram bravamente junto à burguesia nas
revoluções dos séculos 18 e 19, restou a fome, a miséria e a exploração.
O
resultado disso foi que o movimento operário começou a se organizar nos
sindicatos e a questionar este estado de coisas; o proletariado, portanto,
transformou-se na força revolucionária e a burguesia tornou-se conservadora. O
marxismo apontou para a organização sindical e política, em partido
revolucionário. Naturalmente, o movimento socialista foi localizado no campo da
“esquerda” e recebeu como herança o termo da Assembleia Nacional da Revolução
Francesa. Devemos sempre partir desta dinâmica de classe para interpretar os
termos “direita” e “esquerda”.
Com
o surgimento do movimento socialista, a burguesia, sempre atenta ao seu
desenvolvimento, passou a influenciá-lo de diversas formas. Usa desde a
repressão policial até à influência política e ideológica. Tudo isso é feito se
escondendo atrás de palavras capciosamente selecionadas, tais como
“democracia”, “legítima defesa”, “neutralidade ideológica”, etc. As derrotas do
movimento operário e a influência burguesa deram a base para o surgimento da
aristocracia operária, que freia e sabota o movimento socialista. Atualmente
ela é conhecida como “burocracia sindical”.
A
aristocracia operária, mais interessada na calmaria do movimento operário e nas
gordas divisas que os sindicatos rendem, foi procurando se institucionalizar.
Neste processo deu origem ao que hoje o marxismo chama de “reformismo”; isto é,
querem substituir a revolução por pequenas reformas e melhoramentos do
capitalismo, feitos de forma pacífica e institucional, geralmente por meio das
eleições burguesas. Este processo foi amplamente analisado e desmascarado por
Rosa Luxemburgo no início do século 20. Sendo assim, a “esquerda” se dividiu
entre reformistas e revolucionários. É através da esquerda reformista que a
burguesia (a “direita”) influencia e controla os trabalhadores. A esquerda
revolucionária mantém acesa a chama da mudança social e luta contra as
armadilhas da esquerda reformista, que serve como carapuça perfeita para ser
usada pela direita.
A “direita” e a “esquerda” nos dias de
hoje
Após
a restauração do capitalismo e a experiência com o stalinismo (o que a mídia
burguesa chama de “socialismo”), bem como após a experiência com os partidos
reformistas – dentre os quais o PT foi uma das mais catastróficas –, a grande
mídia e os intelectuais burgueses (geralmente “pós-modernos”) afirmam que não
existe mais “direita” e “esquerda”. Como isso pode ser possível? Não existiriam
mais forças conservadoras e as que querem mudanças sociais? Seria possível
transformar forças antagônicas em um lamaçal comum? Tudo isso não passa de mais
um engodo ideológico. Eles querem fazer crer que não há saída e que os caminhos
da “esquerda” terminam sempre no leito da “direita”, pois esta é mais racional
e viável (ou seja, a mudança social seria impossível). Procuram levar os
trabalhadores a ignorar que houve toda uma adaptação teórica e política do PT
às bandeiras e práticas da “direita”, em razão da sua opção pelo reformismo. Em
poucas palavras: o PT abdicou das bandeiras da “esquerda” revolucionária – as
únicas que poderiam levar à mudanças reais e duradouras que beneficiassem os
trabalhadores – e aderiu conscientemente às bandeiras da “direita”, de
“governabilidade”. Portanto, aqueles que afirmam que “direita” e “esquerda” não
mais existem estão cumprindo o papel de obscurecer os fatos, servindo como uma
luva aos interesses da burguesia de manutenção da ordem social de exploração e
miséria.
“Direita”
e “esquerda” inevitavelmente continuarão existindo enquanto houver sociedade
dividida em classes; enquanto houver exploradores interessados na manutenção do
status quo social e trabalhadores
conscientes, que necessitam de outro tipo de sociedade, mais livre,
igualitária, e onde não haja a exploração de seres humanos por seres humanos. É
possível que “direita” e “esquerda” ainda existam em uma sociedade socialista
ou comunista, muito provavelmente com contornos políticos e sociais diferentes
e, esperamos, mais progressivos e honestos.
É preciso critérios para diferenciar
“direita” e “esquerda”
Em
razão da grande subjetividade presente nas análises disseminada pelas
universidades e pelos meios de comunicação, “direita” e “esquerda” podem
adquirir contornos profundamente amplos e confusos. Como são termos passíveis
de manipulação e de confusões subjetivas, é preciso um olhar sempre atento nos
debates políticos e, sobretudo, frente ao que é divulgado na grande mídia. Por
exemplo: é possível que um único partido possua uma ala “direita” e uma ala
“esquerda”, como o caso do PT, onde a Articulação Sindical é a sua ala direita
e o Movimento de Luta Socialista (ex-CUT pode mais) é a sua ala “esquerda”.
Porém, frente aos demais partidos e movimentos sociais o PT continua sendo uma
força de direita em razão do papel que vem cumprindo há mais de uma década. Da
mesma forma podemos analisar PMDB e PSOL, partidos que possuem muitas
tendências públicas. Dentro do próprio campo dos partidos de “direita” também é
possível delimitar o espectro mais à direita e mais à esquerda: PSC, PRTB, Dem
e PSDB são a “direita da direita” e PSB, PT e PCdoB são a “esquerda da
direita”. Critério subjetivo e impreciso como este também poderia ser aplicado
no campo da “esquerda”. Neste caso, tudo depende do ponto de vista de classe do
observador e, por isso mesmo, torna-se passível de fácil manipulação política e
midiática.
A
mídia burguesa usa os termos “direita” e “esquerda” de forma restrita, apenas
segundo o critério do sistema parlamentar burguês brasileiro. Por exemplo: PSOL
é a “extrema esquerda” (uma vez que PSTU e PCO não possuem representação no
Congresso Nacional) e o PP e o PSC a “extrema direita” (ainda que isto não seja
lembrado). Os movimentos sociais e os inúmeros agrupamentos políticos (sejam da
esquerda revolucionária ou da direita fascista) são sumariamente excluídos da
análise da mídia, legalista e institucionalista por “natureza”. É por isso que
a sua cobertura é tendenciosa e unilateral, servindo apenas para obscurecer a
consciência dos trabalhadores de acordo com as suas conveniências.
Algumas conclusões
Se
não há mais “direita” e “esquerda”, ou se ambas tornaram-se a mesma coisa,
conforme sustentam alguns intelectuais burgueses, então é evidente que aos
trabalhadores só resta a acomodação dentro do capitalismo, aceitando
passivamente a sua exploração, desmandos e arbitrariedades contra os
trabalhadores e o povo pobre. Ou seja, o caminho da “direita” seria o único
viável e aceitável. Porém, como foi dito, “direita” e “esquerda” ainda existem,
se encontram em campos sociais antagônicos e atuam através das forças políticas
que se expressam nos partidos, organizações e centenas de movimentos, ainda que
estes conceitos possam ser obscurecidos pela interpretação subjetiva a que
estão sujeitos.
Numa
sociedade dividida em classes, a “esquerda” será representada sempre por
aqueles que trabalham no sentido de avançar rumo ao fim das classes, do Estado,
das desigualdades, isto é, trabalham no sentido da construção do socialismo; e
a “direita” será representada sempre por aquelas forças políticas e sociais que,
de alguma forma, direta ou indiretamente, se beneficiam da sociedade tal como
ela é e trabalham no sentido de manter as suas estruturas de exploração. E,
dentro do campo da “esquerda”, o reformismo será sempre a porta de entrada para
a influência da classe dominante, a burguesia e, por conseguinte, da “direita”.
A autêntica “esquerda” é a revolucionária, que trabalha para a construção da
revolução socialista e, como tal, pela mudança profunda e radical da sociedade.
É
por isso que o PT, ao contrário de tudo o que é dito na grande mídia e em
alguns movimentos sociais, não é mais de “esquerda”. Rasgou suas bandeiras
históricas e assumiu as da “direita”, mesclando um discurso demagógico e
falando de “socialismo” nos dias de festa para o consumo das suas próprias
bases. Na verdade, o PT hoje aplica o mesmo programa que o PSDB (a “direita
clássica”): reformas neoliberais, retirada de direitos, pagamento religioso da
dívida externa/interna, nomeia banqueiros e latifundiários para os principais
ministérios e ainda ocupa o Haiti vergonhosamente em nome do imperialismo.
Toda
a estrutura eleitoral, com sua legislação restritiva e burocrática que reforça
as alianças eleitorais que conhecemos, regada com o dinheiro das empreiteiras,
bancos e grandes empresas, reduz a disputa eleitoral entre PT e PSDB, os únicos
que a grande mídia apresentam como “viáveis”. Querem reproduzir a lógica
eleitoral dos sistemas bipartidários inglês e americano, onde existe uma falsa
polarização entre “conservadores” (direita) e “liberais” (esquerda). Se
olharmos um pouco mais atentamente para tudo isso, concluiremos que se trata
apenas de um grande teatro, onde a “direita” sempre ganha se passando por
“esquerda”, vendendo-se como “mudança” para que nada mude. Para superar este
“beco sem saída” em que nos encontramos é preciso vencer o imediatismo que
impera na vanguarda dos trabalhadores, que vota desesperadamente no PT para
“evitar a volta da direita”, quando na realidade a “direita” e as suas práticas
nunca saíram do poder.