A "reconstrução" de Porto Alegre e do RS deixa visível muitas contradições para quem tiver coragem [e honestidade] para ver:
>> Lucros privatizados, prejuízos socializados: o aeroporto Salgado Filho foi privatizado (inclusive com o apoio e incentivo do governo Dilma); após a enchente a empresa beneficiada fala em relaxamento do pagamento de suas parcelas junto ao governo. Ou seja, nos momentos de crise depende do Estado para a sua reconstrução. O que pode beneficiar um país de dimensões continentais a privatização de um ponto chave da infraestrutura de seus transportes tão importante quanto um aeroporto?
>> A "onda de solidariedade" não comove a propriedade privada e a especulação imobiliária: vemos vários imóveis vazios e centenas de desabrigados. Muito se fala da solidariedade das pessoas e do Brasil com o povo atingindo. Mas isso tem um limite bem evidente: a propriedade privada e o lucro do mercado imobiliário são insensíveis às imagens dramáticas que vemos todos os dias nas redes sociais e intocáveis; portanto, são mais importantes que as vidas humanas atingidas, que as lágrimas e as emoções filmadas e disseminadas pelos quatro cantos do país e do mundo. Por que a tragédia das enchentes e a suposta solidariedade que despertam não é capaz de sequer arranhar e colocar em questão a propriedade privada? Não seria isso a demonstração de que a solidariedade é seletiva e vai até certo ponto?
>> A seletividade da solidariedade também se dá no caso dos animais: muitos foram encontrados mortos nas lojas no centro de Porto Alegre e no shopping Praia de Belas. Enquanto se exaltou o resgate de pets na grande mídia (incluindo o do cavalo caramelo, em cima de um telhado), a busca pela explicação deste fato gravíssimo — um verdadeiro crime ambiental — passa quase despercebido.
Por que um dos resgates prioritários de pets não se deu no arrombamento das portas dessas lojas para os libertar com a maior urgência possível? Seria respeito e medo das consequências de "violar uma sagrada propriedade privada"? Por que os próprios comerciantes (que foram avisado previamente sobre a possibilidade de alagamento de suas lojas) não exigiram ajuda para resgatar estes animais? Ou eles estariam calculando no seu íntimo que talvez "suas mercadorias" pudessem sobreviver e, depois que a água baixasse, o comércio poderia ser retomado?
>> A dependência e a falta de soberania até mesmo para a reconstrução do país: a prefeitura de Porto Alegre e o governo do Estado anunciaram a contratação de uma empresa ianque para a suposta reconstrução do pós-alagamento. A empresa é a Alvarez & Marsal, que já atuou na reconstrução de New Orleans após a passagem do furacão Katrina. Basta dizer que nesta cidade todo o sistema educacional público foi privatizado, com as orientações e bênçãos da Escola de Chicago.
Certamente já podemos ver a influência dessa empresa na nomeação do novo secretário de educação do município, que era ex-diretor da Carris (empresa de transporte) e responsável pelo início do seu processo de desmonte privatista. Ele não entende nada de educação, mas é expert em privatização e gestão neoliberal. Há muito tempo os projetos educacionais públicos no Brasil vêm sendo geridos e propostos por pessoas assim.
Se um país e um Estado não possuem capacidade, projetos, recursos e instituições capazes de promover e incentivar a sua reconstrução e, portanto, depende de uma intervenção de uma empresa estrangeira, como podemos falar em soberania? Como poderemos nos preparar para outros desafios climáticos?
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