Todos os países ricos do mundo possuem bancos de fomento à exportação, geralmente patrocinados pelo dinheiro público. Podemos perceber qual é a estratégia de cada país a partir do exame da projeção de sua política externa e para onde se direcionam seus investimentos a partir destes bancos.
No caso dos EUA, de diversos países da Europa e da China, se percebe a intenção de expansão e dominação global, uma vez que compram ou investem em empresas de energia e matérias-primas em diversos países periféricos, visando o desenvolvimento de sua hegemonia econômica. EUA, Alemanha, China, Coréia do Sul e Japão criaram tais tipos de bancos com os mesmos propósitos de incentivar o desenvolvimento econômico, integrar regiões que lhe interessavam, criar infraestruturas para o comércio internacional e projetar suas empresas nacionais no mercado mundial.
O banco de exportação dos EUA, por exemplo, assume riscos de crédito que o setor privado é incapaz de assumir ou simplesmente não deseja aceitar, pois conta com a credibilidade conferida pelo governo estadunidense. Geralmente cada governo aponta quais são as suas intenções, quando compra empresas petrolíferas (energia), de matérias-primas (para garantir a base de sua indústria nacional) ou tecnologia; ou se simplesmente pretende garantir a exportação dos produtos primários de sua elite agroexportadora.
O Brasil, por exemplo, enquadra-se no segundo caso.
Os bancos de fomento ao desenvolvimento no Brasil, como é o “nosso” BNDES, visa apenas a garantia da produção e do escoamento da elite do agronegócio e de outros produtos secundários. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi fundado em 1952, por Getúlio Vargas, e tinha como objetivo o financiamento estatal de longo prazo da indústria pesada, cujo amadurecimento levava vários anos. A princípio voltado para a sustentação das empresas estatais, às quais, por volta de 1964, dedicava quase 90% dos seus recursos, e, já em 1975 – ou seja, mais de dez anos de ditadura militar –, inverteu o mesmo percentual para empresas privadas. De modo geral, por exigência da própria iniciativa privada, alargou-se acentuadamente a atuação do Estado na esfera financeira.
O BDNES não tem visão ampla para financiar projetos que aprofundem as relações comerciais do Brasil com os países vizinhos, apostando no desenvolvimento e no crescimento comum. Por isso, sua visão, mesmo dentro da lógica capitalista, é limitada e tacanha. Mantém o atraso do país, pois privilegia exclusivamente a venda dos seus produtos primários em detrimento do resto da nação, sem nenhum tipo de inserção internacional de um país tão cheio de promessas e potencialidades como é o Brasil. O seu projeto de país é uma espécie de projeto colonial de novo tipo: garante a sua prosperidade individual em detrimento do desenvolvimento do país.
É por isso que vigia as atividades financeiras do BNDES sem nenhum escrúpulo, recorrendo à mentira ou mesmo à distorção. É só ver as manchetes dos grandes jornais do país, que ecoam suas vozes: “Lula volta a oferecer o BNDES para promover crescimento de vizinhos” (O Estado de SP, 24 de janeiro de 2023), se referindo a relação entre o governo brasileiro e o então presidente da Argentina, Alberto Fernández. E sem nenhuma vergonha ou escrúpulo, acrescenta: “presidente diz que o banco de fomento tem de ‘ajudar empresas brasileiras no exterior’; financiamento de obras esteve no centro de escândalos de corrupção em gestões passadas” (idem).
Como sempre, utilizando o espantalho da corrupção, o Estadão tenta destruir o financiamento de projetos de desenvolvimento e integração do continente latino americano, deixando o banco como instrumento preferencial da elite agroexportadora neocolonial.
Além disso, reanima o fantasma da operação lava-jato, sabidamente uma farsa, que serviu como ante-sala para o golpe do impeachment de Dilma Roussef. Tentando uma “conclusão”, o Estadão reduz a questão ao seguinte tópico: “apesar da resistência do empresariado brasileiro e do mercado financeiro à política de financiamento de bancos públicos a obras no exterior, Lula já tinha citado o BNDES ao falar em formas possíveis de financiar o gasoduto Néstor Kirchner” (idem).
Que o sistema financeiro (este sim um antro de corrupção e das mais distintas formas de roubalheira e de saque dos recursos do povo) seja contra a política de financiamento de bancos públicos não restam dúvidas. É este sistema que financia e propaga – dentre outros – os dogmas neoliberais que estigmatizam o financiamento público de qualquer coisa, deixando o povo e a sociedade reféns do mercado e do setor privado. Porém, o Estadão não chama as coisas pelo seu verdadeiro nome. Omite que a “resistência do empresariado brasileiro” tem nome e endereço: trata-se do agronegócio, que é o único beneficiado em detrimento do restante do país.
Se tivéssemos, por exemplo, gás natural mais barato, por uma obra financiada em conjunto com a Argentina, quantos empresários, pequenos e grandes, poderiam se beneficiar dos baixos custos para a sua produção? Se olharmos criticamente a matéria do Estadão, perceberemos a disjuntiva de que a elite do país (em especial, o agronegócio e o sistema financeiro) quer um Brasil voltado à condição periférica de exportação de produtos primários, o que está em contraposição à edificação de um mercado integrado na América Latina que possui enormes potencialidades próprias, já que isso demandaria cooperação econômica e investimentos públicos e privados que ameaçariam a preferência econômica pela sua produção.
Uma mão lava a outra: a elite do mercado mundial – os EUA e os países da Europa Ocidental – agradecem o servilismo, compram as suas commodities, enquanto que os povos latino americanos vegetam no desemprego e passam fome! Nada de sistema energético, de aviação ou de ferrovias integrados. Muito menos colocar o sistema financeiro a serviço do desenvolvimento de variados tipos de indústrias nacionais – em especial a de tecnologia, que é praticamente inexistente no país.
A única integração nacional que a elite brasileira e o Estadão propõem é a dos sistemas de loterias, do campeonato de futebol, dos blocos de carnaval, das redes de televisão e de “transportes” que ficam à mercê das petroleiras e das grandes montadoras estrangeiras. Nada mais! Que o povo viva tentando a sorte e se vire, já que as fontes de riqueza deste país têm donos, defendidos como grandes empreendedores nacionais pela grande mídia! É o único “empreendedorismo” que conhecem.
Já o petismo, que hoje dirige a presidência da República e, consequentemente, dá a linha política mestra para o Estado nacional, está numa aliança comprometedora que, como sempre, lhe paralisa a ação estratégica necessária. Ainda que diga quase diariamente que vai fazer o “país crescer”, não enfrenta o problema real da sabotagem da elite nacional, nem é capaz de denunciar e polemizar publicamente com o Estadão e com esta nefasta visão econômica e ideológica sustentada pelo agronegócio e pela grande mídia comercial visando esclarecer e mobilizar a opinião pública nacional.
Se torna parte, portanto, do problema que cria uma camisa de força sobre o desenvolvimento econômico, político e social do Brasil. Administra o capitalismo dependente dando o tempo necessário para a elite nacional e norte-americana prepararem o próximo golpe de Estado. É nestes setores econômicos e sociais não-combatidos que o bolsonarismo – ou outros setores de direita que surgirão a partir das “sementes” plantadas por ele – se esconde e se fortalece para continuar mantendo o Brasil como periferia do mercado mundial e parte da manutenção do capitalismo internacional.
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