*Por Rafaela Lima
Este
trabalho busca entender e explorar, a partir de entrevistas, os significados
que são atribuídos ao termo cidadão.
Foram entrevistados, para isso, três homens de semelhante perfil e a cada um
deles foi feita a seguinte pergunta: O
que é ser cidadão? Com o objetivo de perceber as semelhanças, diferenças,
as aproximações e afastamentos entre as respostas dadas, faremos o exercício de
análise dessas concepções à luz de suas dimensões políticas, humanísticas e
filosóficas. Com isso, verificaremos que por mais que partamos da mesma
indagação, as respostas entre si, são bem amplas e com diferentes
abordagens/ênfases – todas igualmente enriquecedoras. A partir dessas
percepções poderemos chegar em uma ideia mais sucinta do que expressa esse
conceito.
O que é ser cidadão? Um
conceito, muitas facetas.
Apresentando as entrevistas
Num
primeiro momento, foi entrevistado um homem branco, heterossexual de 38 anos.
Graduado em História pela PUCRS, é professor contratado da rede estadual de
ensino público e militante independente de partidos, que constrói resistências
políticas dentro do CPERS Sindicato:
Eu acho que ser cidadão deve nos remeter a Revolução
Francesa de 1789, porque é um conceito que surgiu pela aquela época e havia um
ideal de… de… de ser humano que seria a encarnação de “citoyen” que é o cidadão dentro da lógica francesa e que… significa
ser uma pessoa atuante no ponto de vista político e social: que exige seus
direitos, cumpre seus deveres, dá o exemplo – um habitante da pólis que cumpre,
teoricamente com suas obrigações. Então, do ponto de vista mais genérico, era isso
que se esperava que o cidadão ou “citoyen”,
né, francês, fizesse/ representasse a partir da Revolução Francesa. Mas com o
passar do tempo se viu que esse era um conceito um tanto abstrato e aí se… a
partir do século dezenove, se… se colocou uma outra questão que seria:
cidadania ou classe? (ou classe social né) é, então, ficou um pouco abstrato.
Em termos resumidos, me parece que ser cidadão é ser atuante na sociedade. É
tentar cumprir seus deveres e exigir os seus direitos, ser atuante em todas
esferas quando julgar que tenha alguma coisa errada, fora da ordem, alguma
injustiça, enfim…
Eu acho que o conceito de cidadania como eu falei antes se
tornou muito abstrato e na realidade principalmente nos países periféricos do
capitalismo, a cidadania se tornou um conceito vazio de significado, porque, na
verdade, a população só tem deveres e praticamente não tem mais nenhum direito
ou têm poucos direitos. E quando reivindica ou avança para além de algum limite
imposto pela sociedade é reprimido, é caluniado, enfim. E o sociólogo
brasileiro Jessé Souza escreveu um livro a respeito chamado “Subcidadania
brasileira”*, eu acho que define bem. A cidadania hoje é uma, uma… um conceito
desprovido de concretude porque a sociedade como a gente conhece hoje, a
sociedade capitalista, no caso, ela é um tanto… ela subtraiu a cidadania da
maior parte dos seus membros.
Após
essa primeira entrevista, foi questionado um homem branco (mestiço) de 26 anos,
heterossexual com ensino superior incompleto, sendo seu ingresso anterior no
curso de Pedagogia, pela UFPel, onde permaneceu por um ano e meio. Nascido em
Porto Alegre, socializado dos 4 aos 10 anos em Salvador, ele entende “O que é
ser cidadão” da seguinte forma:
Então, pra mim, eu fui pesquisar né, o que queria dizer
literalmente a palavra cidadão e fala que quer dizer o… habitante de um …
Estado que tem… de um Estado/cidade, que tem direito a voto, que usufrui dos
direitos pautados na lei né. É… então, mas pra mim o cidadão, assim, ele é
muito mais do que cumprir um papel né, esse papel de cumprir a lei, ele é usar o bom senso para a comunhão da
cidade poder ser gerada de maneira mais eficaz, né. É… que a cidade possa
evoluir de uma maneira que as pessoas ganhem com isso, saiam ganhando com isso,
tipo: ninguém ganhe mais do que ninguém. É
usar o bom senso, a empatia. Isso pra mim é o cidadão íntegro.
Eu não quis dizer “ninguém ganhe mais que ninguém”, né, eu
quis dizer: ninguém pisa em cima de ninguém, sabe? As pessoas, elas, tão
ganhando algumas mais que as outras, mas que o básico disposto pra todo mundo.
E.. um cidadão íntegro, ao meu ver, ele vive de acordo com isso, tipo: buscando
essa equidade. E a ideia de “ninguém ganha mais do que ninguém” é ninguém
ganhar mais oportunidade do que ninguém, só por ter mais influência, mais
dinheiro… (Grifos nossos).
O
último entrevistado, é também um homem branco (mestiço), de classe média, com
igualmente 26 anos, bissexual, nascido e crescido em Salvador, que cursa LLCER
Anglais (Línguas, Literaturas, Civilizações Estrangeiras e Regionais Inglês) na
faculdade Rennes 2 Université Alta Bretanha, em Rennes, na França. Esse, quando
perguntado, respondeu:
–“Para mim, cidadão, antes de mais
nada, para poder pensar[rrr] a ideia de
ser cidadão, é necessário pensar[rrr] no século vinte e um… hã… uma série de
problemáticas, uma série de… de toda maneira, uma série de pontos de vista…
(Éinn). Inicialmente, penso do ponto de vista sociológico, né… da consciência, da necessidade de um
cidadão ser consciente das questões
sociológicas, dos grupos sociais que se encontram dentro da sociedade, dos
grupos, das chamadas minorias e das… das questões que estão ligadas a termos de
injustiça dentro da sociologia, as, as… por exemplo, as disparidades entre um
bairro rico e bairro pobre, como na cidade de São Paulo, estando eles colados
um ao outro. Em seguida, há a necessidade, ao meu ver, de pensar a cidadania
também como uma questão de… de ser… Vamos assim dizer:
"paisagística", né. Digo isso no sentido de que, ser cidadão é também
poder ter o direito de poder incrementar, de poder criar novas coisas para a
cidade, sem que necessariamente você seja um profissional da área da
arquitetura, ou que seja, eu quero dizer: paisagístico, eu quero dizer a
capacidade de poder inovar a dimensão paisagística. Então eu acredito que tenha
essa questão… Vou, vou continuar já para a próxima etapa:
Depois da perspectiva, vamos dizer,
entre aspas: "paisagística e arquitetônica" aonde eu queria só abrir
um parênteses e dar exemplo: (seria por exemplo, a possibilidade de você criar,
de você desenvolver projetos de muros, de muros sustentáveis, você pudesse
plantar comida, você pudesse plantar frutas, ou não frutas, mas legumes, né… É…
tipo: cheiro verde, coisas comestíveis nos muros de prédios, de forma que
pudesse ter comida pra todo mundo né. Por exemplo, se você quisesse plantar uma
árvore frutífera no meio da cidade, que você pudesse tipo, mandar uma
requisição pra cidade podendo dizer: “Pôh! Eu quero plantar tal árvore aqui” e
você poder fazer isso… em termos de cidadania).
Em seguida, passando para o lado da…
vamos assim dizer… acho que da moral né, porque acho que isso acaba sendo
sempre uma questão moral: ter como
princípio a comunicação para qualquer litígio, para qualquer “désagrément”,
para qualquer momento onde você não consegue encontrar um ponto comum ou uma
base comum com quem você conversa e de aprender a conceder, no sentido de que é
necessário que todo cidadão tenha os utensílios da retórica. Eu digo por aí, a
capacidade de entrar em diálogo com outras pessoas, indiferente de diálogos,
por exemplo: um debate sobre um assunto mais abstrato, ter essa possibilidade
de ter discussão. Mas também, no momento onde não houver, onde as pessoas não
estiverem de acordo, elas assumirem o princípio, a ideia de sempre encontrar
uma maneira de negociar, sabe? tipo… ter como princípio a negociação como
maneira de resolver as coisas, e não… partir para a violência, né. De ver o que
cada um quer naquele momento e encontrar maneira de não deixar o ego se aflorar
e querer provar algo ao outro ou querer se mostrar viril, por exemplo, e
encontrar uma maneira de se dizer: “Poxa, a outra pessoa que tá na minha frente
quer algo e eu também quero algo diferente do que a pessoa que tá na minha
frente quer”, e seguir isso a partir dos princípios,
das leis, do quadro legal vigente, né. No sentido de que algo como transmitir
falsas informações ou discurso de ódio, isso não tem nem aonde começar a se
defender, aonde começar a falar… porque é um crime né.
Fora isso, fora essa perspectiva
moral, que acaba se encaminhando para a parte mais legal, acho que também tem
uma questão climática, uma questão
de toda a mudança nos ecossistemas que está acontecendo e que, para mim, [que
sou um cidadão] cidadão, significa ter uma consciência do seu impacto e da
necessidade que nós temos como cidadãos de aceitar mudar nossa maneira de
viver. Quando eu digo isso, sobretudo, países como a França, como os EUA onde as
pessoas consomem muito e muitas coisas: uma vida em torno do consumo, né… mudar
os paradigmas que se atrelam a esse consumismo e por em prática coisas mais
sustentáveis, né. Coisas que possam/maneiras de viver em sociedade que possam
ser mais verdes, por exemplo… realmente, ter… viver… ter a possibilidade de
viver em cidades aonde haja a possibilidade de andar mais de bicicleta, de
utilizar menos o carro, até mesmo ter mais a possibilidade de fazer percursos a
pé. Assim… ter a possibilidade de viver em cidades de um tamanho mais humano…
de quebrar com esse princípio das megalópoles/das grandes cidades e talvez de
construir mais uma… um sistema de redes, né. Onde as cidade sejam menores,
claro que as grandes não vão deixar de ser grandes, mas, no sentido de que
possa haver uma descentralização das grandes cidades e que se possa ter por
exemplo todo um sistema de internet e até mesmo nos interiores possa ter acesso
a internet e que as grandes cidades deixem de ser…. deixem de ter a lógica que
elas têm. Porque como há uma necessidade/uma carência de, muitas vezes… da
natureza nas grandes cidades, é algo que
eu acredito que causa um impacto na vida dessas pessoas que vivem nessas
cidades em termos de saúde mental, de bem
estar, né. Porque se a gente for considerar, se poxa!... Todo mundo, se as
pessoas têm acesso a condições mais agradáveis de vida e condições mais humanas
de vida, onde você pode se sentir melhor, há muito menos problemas sociais, né
– quando todo mundo é respeitado.
Então acho que tem essa perspectiva aí também que talvez seja um pouco
misturada. (eu sei que eu devo ter misturado um pouco as coisas…). fora isso
eu, eu penso também que, que ser cidadão, acho que tem uma parte também ligada
com a língua, com uma, uma, um
objetivo de trazer uma mudança na língua, criar, assim: um ideal de reciclagem
das línguas, sabe?... de mudança das línguas. Porque se você for pensar as
línguas são… a mudança quando eu digo são as incorporações de novas palavras,
menos formalidade, menos forma na linguagem também, eu acho que seria ser
cidadão, no sentido de que você não
precisa mais ter todo um aparato formal para poder se expressar em público… uma
evolução mais para a simplificação das formas, e da consideração do fundo,
porque no final das contas o mais importante é o conteúdo. Então, assim,
cidadania é também não julgar o outro porque
ele não utiliza determinados termos elaborados ou (como eu digo isso?) ou
utilizar termos rebuscados para dizer alguma coisa. Acho que cidadania também é
isso, né, a linguagem simples.
E acho que tem uma última aí, não
sei se a gente… Pode botar aí!: ahhh, uma dimensão
filosófica. Pra mim, a cidadania ela é/tem uma perspectiva filosófica humanista, aonde o humano ele tem de
estar no centro né, já que... vivemos o que vivemos hoje graças aos vários
humanos que existiram no passado e que a lógica financeira, a lógica que “ cada
um tem seu dinheiro”, de “cada um batalhar pelo seu”, tem seu certo nível de
validade, mas que a desproporcionalidade
de que vive, na que vive, né, parte do mundo… é um desequilíbrio que acaba
impactando com a vida do outro. Então, tem esse lado também de equilíbrio.”
Desbravando o tema
Pouco se discute publicamente sobre esse tema. Nos dicionários formais, como no Oxford Language, o significado jurídico atribuído ao conceito de cidadania significa a “condição de pessoa que, como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida política”. Nesse mesmo dicionário, a definição de cidadão[1] abrange dois significados formais, o primeiro designado como “habitante da cidade” e o segundo como o “indivíduo que, como membro de um Estado, usufrui de direitos civis e políticos por este garantidos e desempenha os deveres que, nesta condição, lhe são atribuídos. Em suma, cidadão, formalmente, diz respeito ao indivíduo que participa de um Estado ou cidade e que cumpre com seus deveres e usufrui de seus direitos civis e políticos.
Mas, hoje, o conceito de cidadania, enfrenta nesse sistema econômico, as dificuldades de sua própria realização, tendo em vista fatores basilares e socioeconômicos, como a separação da sociedade em classes e a consequente distribuição desigual de renda. Mesmo o Brasil sendo um país com grande território e possibilidade de desenvolvimento econômico, na conjuntura mundial, cumpre ainda o papel de colônia dos países “desenvolvidos”. Isto é, assim como os outros países da América Latina ou como a África, sofre com um período de intensa exploração de recursos e da classe trabalhadora, caracterizado pelo aumento da jornada de trabalho e perda de direitos mínimos antes previstos em lei, em detrimento da promoção de privilégios para a classe burguesa nacional e da garantia de privilégios, como a diminuição da carga horária, somado ao aumento salarial, em países “desenvolvidos”, a nível mundial. Um bom exemplo disso é a Holanda, que segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a média de trabalho é 5,8 horas por dia – ou 29,2 horas semanais e o salário correspondente em reais é de, em média, R$ 17.155 por mês[2]. Com isso, a realidade social, política e
econômica brasileira nos leva
ao seguinte questionamento: existe, realmente, cidadania no Brasil? Esta ideia
é posta na mesa para a reflexão quando o primeiro entrevistado nos diz: “Eu acho que o conceito de cidadania como eu
falei antes se tornou muito abstrato e na realidade, principalmente nos países
periféricos do capitalismo, a cidadania se tornou um conceito vazio de
significado, porque, na verdade, a população só tem deveres e praticamente não
tem mais nenhum direito ou têm poucos direitos. E quando reivindica ou avança
para além de algum limite imposto pela sociedade é reprimido, é caluniado,
enfim. [...] uma, uma… um conceito desprovido de concretude porque a sociedade
como a gente conhece hoje, a sociedade capitalista, no caso, ela é um tanto…
ela subtraiu a cidadania da maior parte dos seus membros”.
Essa pergunta é intrigante, pois estamos
acostumados com a ideia de que “porque votamos somos cidadãos”. Essa relação de
causa e consequência, pelas concepções apresentadas sobre cidadania, não
contempla a inteireza da palavra e do ato de ser cidadão ou cidadã. Como nos
mostra esse entrevistado, o direito à cidadania está constantemente sendo
atacado pelo projeto político e ideológico neoliberal de retirada de direitos
dos trabalhadores. Essa contradição entre ideal de cidadania e como ela se dá
na prática, para esse professor, anula o sentido e razão de ser desse termo.
Pois deixa de ser uma realidade para a classe trabalhadora e passa a ser um
ideal – esperamos que não utópico – na medida em que nos privam dos direitos. A
verdadeira cidadania só existe se for assegurada na prática. Mas acho que a
questão aqui não é se existe ou não. A pergunta que deve ser feita é: Existe
para quem? Seguida pela consciência de que enquanto os direitos forem retirados
e não assegurados praticamente, é um dever de classe lutar por cidadania.
Além
da questão sócio-política mencionada acima, outros argumentos surgiram nas entrevistas,
como, por exemplo, a necessidade de valores como equidade, bom senso e empatia
para a construção de uma sociedade que seja pautada pela coletividade como
forma de estruturação, e não pelo individualismo. Esses são elementos que
caracterizam, para o segundo entrevistado, um cidadão íntegro ou que busca
integridade. A integridade para este, deve ser inerente ao cidadão. A nível
individual e profundo isso significa ter ética, mas a nível social isso exige
uma nova cultura que modifique a moral vigente – e essa deve ser
permanentemente construída.
Posteriormente,
outros valores surgem no terceiro relato como fundamentais às intervenções
desse cidadão-protagonista no mundo. Suas ações serão mediadas por valores éticos/virtudes como o respeito (tanto às
pessoas, quanto aos animais, meio ambiente, etc…), o não julgamento, a
amorosidade, a escuta e a maturidade (emocional, intelectual, etc.). Nesse
sentido, parece que ambos os relatos se complementam, pois “integridade”, nesse
contexto, diz respeito a um conjunto de valores que medeiam as intervenções dos
indivíduos dentro das relações humanas, na mesma medida em que ela é percebida
através das atitudes desses agentes.
Agora,
veremos um pouco mais sobre esses valores e o aspecto consciencial mencionado nas
entrevistas.
A consciência
A
necessidade de consciência foi expressa de alguma forma em todos relatos.
Geralmente, como pré-requisito para atuação na realidade social. Por não
vivermos isolados no mundo, a coletividade tem papel extremamente importante na
concepção de consciência, pois nós não somos/ o Eu não é sem os outros. O ego
não se desenvolveria historicamente e nem se desenvolve sozinho. A consciência
também foi trazida na última fala no sentido de maneirar o ego, de equilibrar
as relações para que as pessoas possam ser.
Por isso, também, é promovida a ideia de uma comunicação mais simples.
Não no sentido de empobrecer o vocábulo, mas no sentido de aprendermos a ser
humanos humanizados e sensíveis uns com os outros. Pois, dentro dessa
concepção, são os princípios e valores que garantem uma comunicação efetiva, um
diálogo verdadeiro, assim como relações humanas saudáveis.
Como
vimos, também, a consciência sociológica (das desigualdades, das minorias, ou
seja, essa consciência social), é colocada como fator fundamental para ser um
cidadão. Saber que nem todos temos, nessa sociedade, nossos direitos
fundamentais, direitos humanos, respeitados e concretizados. E, que, dessa
forma, devemos lutar para garantir tanto os nossos direitos como os dos outros,
que quanto a privação dos direitos fundamentais devemos lutar, não é uma opção,
é uma necessidade para recuperarmos a totalidade de nossa cidadania ou
desenvolvê-la (lato-sensu).
Pensando também em termos de coletividade, a
totalidade de pessoas não existiria sem o ambiente, o que nos leva a uma
conclusão última sobre a importância da consciência dentro da noção de
cidadania e do que é ser cidadão/cidadã. É necessário o desenvolvimento de uma
consciência de si, do outro e do meio em que vivemos para intervir na
sociedade. Na coletividade o sentimento de empatia é valioso, porque nos faz
pensar em ideais como equidade.
O
capitalismo, infelizmente, não é compatível com o ideal de coletividade, muito
pelo contrário, se baseia no individualismo e tende a mercantilizar todas as
coisas. A lógica da acumulação do capital que fortalece a “meritocracia”, outro
conceito problemático se compararmos teoria e realidade, criou uma problemática
que veta a evolução da consciência, na medida em que os valores valorizados são
o inverso dos que almejamos para o amadurecimento individual e social/coletivo.
Essa lógica individualista e mercantilizadora que o terceiro entrevistado
rebate e tenta reverter ao abordar a cidadania pela dimensão filosófica
humanista – fazendo o movimento reflexivo de retirar do centro a mercadoria e
enfocar novamente o ser humano, pelo menos em raciocínio – atrapalha o
desenvolvimento de valores reais e da função sentir, sendo, realmente,
fundamental criticá-la e debater sobre.
Em suma…
O
conceito de cidadania pode ser interpretado por várias perspectivas que
geralmente se misturam. Nas entrevistas tivemos bons exemplos de como se
articulam essas áreas em conjunto para formar as interpretações subjetivas de
cada um sobre o conceito. Como vimos, ser cidadã/ão envolve direitos e deveres,
mas não apenas isso, as apreensões vão além do âmbito jurídico, perpassando o
histórico, político, sociológico, filosófico, humanista, ético, moral, etc. As
respostas dadas demonstram a ligação direta ou indireta com a questão chave:
"Que tipo de sociedade queremos?" uma vez que se compreende que o
cidadão teria poder de atuar e intervir na construção da mesma.
A
cidadania, sendo assim, está entre o mundo que se apresenta concretamente e o
mundo que queremos viver – e pensando bem, ela talvez seja, nessa composição,
um ponto de interrogação, pois, se só quem pode mudar a realidade são os
agentes, a pergunta que fica é: Que tipo de atitude estou tomando hoje para
atingir o ideal de mundo que desejo e
sonho? uma sociedade mais avançada: humana, ética e política, etc.
E
no que tange a dialética entre direitos e deveres, não podemos nos esquecer da
luta para garantia dos direitos quanto classe, luta essa fundamental para nossa
existência. A cidadania, no Brasil, é atacada todos os dias conforme atacam os
nossos direitos e lutar por ela é uma necessidade. À cidadania e aos cidadãos é
necessária a consciência para fazerem funcionar a dinâmica dos direitos e
deveres, mas essa não é uma consciência instantânea ou imediata – uma cultura
diferente precisa ser fortalecida todos os dias. Pois como vimos, a conjuntura
atual ajuda no esvaziamento do conceito de cidadania, uma vez que não consegue
garantir o funcionamento e dinâmica, pois na prática esbarra em limites que
fazem parte da própria base do sistema capitalista.
Referências:
*SOUZA, Jessé. Subcidadania
brasileira: Para entender o país além do jeitinho brasileiro. 1. ed. rev. Rio
de Janeiro: Casa da palavra/Leya, 2018. 287 p. ISBN 978-85-441-0728-7.