Estas reflexões surgiram a partir de um caderno que foi
repassado pelo supervisor pedagógico aos professores que faziam parte do grupo
do “Pacto Pelo Ensino Médio” da Escola Estadual Alcides Cunha. Foi solicitado a
eles que anotassem suas impressões sobre os textos e materiais do “Pacto” e, principalmente,
sobre suas práticas pedagógicas cotidianas. Indo além da intenção do
supervisor, estas notas são o resultado de algumas experiências e reflexões
acerca de uma prática pedagógica socialista, pautada pela ótica proletária e
condicionada pela ditadura dissimulada da sociedade capitalista, desenvolvida como
experiência entre os anos de 2009 e 2014.
I – Sobre a pedagogia
do “discurso em sintonia com a prática”.
A prática pedagógica só pode “dar certo” e atingir seus
objetivos se existe combinação e sintonia entre os atos e as palavras, entre o
que se propõe e o que se executa. A prática é o critério da verdade e a única
pedagogia verdadeira! A prática educativa deve partir desse pressuposto e
combater as outras que se distanciam deste propósito. Sob todos os pontos de vistas,
“educar” uma pessoa é uma tarefa de muita responsabilidade, que deve ser
cuidadosa e escrupulosamente pensada e executada.
Vemos seguidamente professores abusando de sua autoridade
sobre os alunos, mesmo sem ter razão. Usam-na apenas para manter o domínio e o
controle sobre a sala de aula, o silêncio, a disciplina vazia de conteúdo, em
suma, a obediência cega (e isto quando conseguem; quando não conseguem passam o
tempo todo tentando atingi-la, como um objetivo em si mesmo). Não percebem que
este método não funciona, pois esta autoridade é imposta e não conquistada. A
disciplina em sala de aula precisa ser conquistada pela amplidão cultural do professor,
pela sua demonstração de que o aluno pode aprender “algo novo” em sua aula e,
em última instância, por um “acordo” construído livremente entre ambos os
lados. Que autoridade real pode ter um professor cobrar leitura dos seus alunos
se ele próprio não tem o hábito da leitura; ou cobrar pontualidade se chega
atrasado; de “não mexer no celular” se ele próprio mexe no seu e fala à
vontade?
Portanto, a prática pedagógica deve ser um todo coerente,
onde o que se propõe e se combina democraticamente com o corpo discente é
cumprido escrupulosamente, seja no âmbito da sala de aula ou mesmo da direção
escolar. Quando os acordos não são mais possíveis de serem cumpridos (porque
caducaram ou por qualquer outro problema) é preciso dizê-lo abertamente e
repensá-los coletivamente, e não simplesmente passar por cima deles
utilizando-se da “autoridade” de professor ou de direção para “colocar o aluno
em seu lugar”.
A democracia construída dentro da escola é a condição sem a
qual não pode haver educação verdadeira. As direções autoritárias são um
verdadeiro aborto, aprofundando o caos e a desordem que já vem desde as
secretarias de educação e do MEC, que trabalham com um “ensino tradicional”
porque defendem a velha estrutura escolar, sem investimentos e liberdade pedagógica,
servindo apenas para arregimentar a força de trabalho para a burguesia. Um
exemplo desta falta de democracia é a forma como a Reforma do Ensino Médio
Politécnico foi imposta pelo governo Tarso.
“Toda esta proposta visa renovar a educação, acabar com o
autoritarismo das avaliações classificatórias e tentar despertar os interesses
dos alunos” – eles nos diziam –, mas não houve democracia alguma em sua
implementação, uma vez que esta reforma era um desígnio do Plano Nacional de
Educação (um plano do Banco Mundial para cortar gastos públicos e “investir” no
ensino técnico privado). Desde este momento está selado o divórcio entre
discurso e prática: como é possível “renovar a educação” se os métodos são
aqueles onde o discurso não se encaixa com a prática? Como é possível despertar
o interesse do aluno se ele não tem nenhuma participação nessa elaboração, e
nem é convidado a isso?
Esta concepção pedagógica visa criar um contraponto dentro
da escola capitalista, cujo objetivo não declarado é criar indivíduos dóceis,
submissos, obedientes. Certamente encontrará dificuldades em sua aplicação
devido a ruptura que representa com a pedagogia tradicional e, também, pela
resistência de muitos colegas, que não aceitarão “dividir” a autoridade do
professor e da direção com o aluno.
***
O processo educativo na atual escola pública já começa
comprometido porque não tem coerência entre discurso e prática. Orientado pela
SEDUC e inspirando-se em seu exemplo, não tem costume de decidir as regras
gerais da escola de forma democrática. Em geral, a forma de “administração” da
escola pública está alicerçada em manobras, em acordos de bastidores, onde
casos de violência, bullying ou de corrupção são abafados ao invés de serem
utilizados como forma de educação geral, visando elevar o nível intelectual,
político e moral de todos. Este tipo de conduta reflete, em escala reduzida, a
prática generalizada do capitalismo. Ao não procederem desta forma, ajudam a
jogar a “sujeira” para debaixo do tapete e deixam a porta aberta para que todos
estes problemas se repitam e se reproduzam infinitamente.
A “pedagogia do abafamento” confunde e destrói a consciência
de alunos e professores. Familiariza os alunos com o cinismo e a hipocrisia,
mostrando-lhes que elas são absolutamente “normais”, “aceitáveis”, que “não há
saída”. Os problemas não são enfrentados, mas tergiversados, enrolados,
minimizados, disfarçados.
***
Há uma ação comum tanto por parte de professores como de
diretores, de ir mudando a posição e a conduta quando sofrem críticas, mas sem
nunca reconhecê-las formalmente (esta conduta é muito comum em política também).
A autocrítica é fundamental. Não se pode mudar de posição sem se autocriticar,
simplesmente mudando disfarçadamente a conduta para deixá-la mais coerente com
a crítica que se sofria (seja por que motivo for – mas isso somente é válido
quando a crítica for honesta e correta, é claro). Fomos educados a não aceitar
críticas e, muito menos, a nos autocriticar. Somos sensíveis e suscetíveis a
elas! É preciso que os alunos saibam que se errou no passado, que se refletiu
sobre a situação errada e que se está pronto para uma mudança de conduta a
partir do reconhecimento deste erro.
A autocrítica é uma grande possibilidade de um aprendizado
coletivo e da elevação do nível geral. Da mesma forma, quando uma conduta
estava correta, é preciso reivindicá-la. Sobretudo quando esta conduta não é
reconhecida como correta pela maioria. Quando os alunos errarem, teremos
autoridade real, conquistada, para cobrá-los dos seus erros. Ensinamos postura
e virtudes mais pelo exemplo do que com palavras vazias.
II – O professor deve
ser um militante da ciência, da arte, da cultura e da educação pública
Aquela análise que diz que o professor da escola pública foi
“proletarizado” porque assumiu muitas turmas, alunos, cadernos de chamada,
segue padrões de qualidade externos – tipo ISO e INMETRO – e metas impostas que
são completamente alheias ao processo educacional, é correta. É natural que,
até certo ponto, todas as mazelas da produção em série capitalista sejam
sentidas pelo professor, sobretudo através da profunda alienação política e
social. Não é um verdadeiro crime lesa-humanidade um professor alienado
política e socialmente? Que tipo de aluno um professor deste tipo formará?
Esta alienação leva ao desprezo pelo estudo sistemático e
pela evolução das ciências, bem como ao apego ao “pensamento” religioso, que é
sempre mais cômodo. O desânimo por não conseguir atingir os alunos é
introjetado inconscientemente como culpa própria, pois não compreende que a sua
prática educacional está parada no século XIX em razão de diversos fatores: não
investimento em infraestrutura, falta de professores para atender toda a
demanda com qualidade, baixos salários, pouco tempo de estudo e preparação de
aulas, inexistência de hora atividade, etc. Não existe o acompanhamento de psicólogos
e psicanalistas que sirvam de suporte a alunos e professores. Pelo contrário. Às
vezes não existe sequer supervisão escolar.
O resultado é o esgotamento. Todos os governos sabem desta
realidade e nada fazem. Estão satisfeitos com o faz de conta. Apostam no
esvaziamento da profissão pelo cansaço, pelo “murro em ponta de faca” diário,
pelo atropelamento das práticas pedagógicas e democráticas das escolas. Porém,
é preciso fazer um esforço hercúleo para não desistir e cair em desânimo
letárgico. Não podemos nos conformar com a desorganização e a falta de
planejamento e investimento da educação pública. É tudo o que os governos
burgueses querem.
A atividade de um professor deve ser como a de um militante, que trabalha sempre no
sentido da mobilização, da participação em uma causa maior. No caso, seria um
militante da sua disciplina, da ciência e do conhecimento humano em geral. Deve lutar,
mesmo nas condições mais difíceis, para despertar o interesse e a paixão dos
alunos pelo conhecimento. Deve demonstrar incansavelmente que sem o
conhecimento humano desenvolvido e acumulado até aqui, não existiria sociedade
humana, nem tecnologia (luz elétrica, chuveiro elétrico, celular, computador,
carro, ônibus, vacina, comprimido, medicina...). Por mais aborrecedora e
equivocada pedagogicamente que seja, a escola pública precisa ser defendida e melhorada, sempre! Ela é a única
fonte direta de socialização deste conhecimento aos filhos dos trabalhadores e,
por isso mesmo, é desmontada através dos planos neoliberais e das diversas
“reformas” dos sucessivos governos burgueses. É preciso demonstrar aos alunos
que a sua desatenção e descaso para com as ciências e o conhecimento é um
absurdo inaceitável; que o seu apego a este “obscurantismo” reflete os valores
da sociedade do consumo, do “prazer imediato”, que é essencialmente falso e que
os cega perante a realidade. É preciso confrontar este “princípio do prazer”
com o “princípio da realidade”, do trabalho coletivo, da união de forças, da
inteligência na superação das dificuldades desse trabalho.
Este tipo de “militância” também requer coerência: o
discurso não pode ser diferente da prática. Ao professor é preciso querer
crescer, ler, estudar e descobrir coisas novas. Isso precisa tornar-se hábito,
parte da sua personalidade, e não algo imposto artificialmente de fora (ou
pior: algo inexistente). A elevação permanente do nível cultural de alunos e
professores precisa tornar-se um dever desta “militância”. Sabemos que existem grandes limitadores para isso
dentro do capitalismo; até certo ponto que, justamente por “proletarizar” o
professor, dificulta ao máximo esta prática. É por isso que a luta sindical
independente, o socialismo e a revolução devem sempre estar na perspectiva
docente, em sintonia com os interesses históricos dos trabalhadores. O
socialismo, além de querer socializar o conhecimento humano e as riquezas
produzidas pela economia, também é um grande impulsionador do pensamento
científico, anti-obscurantista e anti-medievalista.
***
O professor-militante, em um primeiro momento, deve
trabalhar no sentido de despertar e instigar o interesse do aluno através da
curiosidade. Precisa ser um provocador! Não pode simplesmente impor a rotina,
seus conteúdos sem nenhum tipo de intermediação, a “palo seco”. É importante
frisar a importância do assunto estudado para a classe, para o avanço do conhecimento
humano. Respeitar o nível de curiosidade, dentro da medida do possível. A
imposição burocrática de conteúdos só gera o afastamento. É preciso não ter
medo de demorar em alguns conteúdos, mesmo que isso prejudique o andamento do
“ano letivo” (as secretarias de educação e suas direções de escola fazem um
verdadeiro terrorismo psicológico a respeito disso). A curiosidade morta na
casca certamente distanciará o aluno da escola; talvez de forma irreversível.
Porém, sabemos que para um professor conseguir ter um bom desempenho nessa
atividade, é necessário que tenham menos alunos por turma e menos turmas por
professor. O importante é qualidade e não quantidade. O capitalismo quer o
inverso: quantidade em detrimento da qualidade. É por isso que o debate sobre o
investimento maciço em educação assume a preponderância se queremos falar
seriamente em melhorar sua qualidade. Mas, para isso, é preciso superar o
capitalismo, que é o principal entrave para isso.
***
Muitos professores fazem troça de
certas dúvidas elementares dos alunos. Alguns chegam até mesmo a ridicularizar suas
perguntas. Certa vez ouvi de uma professora: “o aluno era uma toupeira! Me perguntou porque não se podia ver as
estrelas em uma noite de chuva”. No seu baixo nível cultural e científico
ele não consegue entender o papel da atmosfera da Terra na astronomia. Por que
tratá-lo dessa forma arrogante? Esquecem da origem humilde de muitos deles, de
todas as defasagens sociais em sua aprendizagem e na sua cultura, inclusive na
defasagem emocional. Outras vezes vi professores fazerem críticas duríssimas a
alunos que não dominavam conceitos básicos de sua disciplina, sendo que muitos deles
próprios talvez não as dominem também. Param diante daquela consciência
atrasada de muitos alunos que não aceitam ser corrigidos no português por um
professor de geografia e não querem ir adiante na explicação de que é seu dever
fazê-lo crescer e compreender qualquer assunto que esteja ao seu alcance,
independentemente de sua disciplina.
Contudo, o “professor-militante” deve agir radicalmente
diferente deste modelo arcaico e arrogante de professor: qualquer dúvida, por
mais absurda ou elementar que pareça a uma primeira vista, precisa ser tratada
como um bibelô de frágil cristal. Um educador que age com arrogância perante
uma dúvida elementar e aparentemente “tola” de um aluno é um verdadeiro criminoso.
É como se um dentista fizesse piadas dos dentes de um paciente que é muito
pobre e não teve condições, nem orientações, para conservá-los. Como dizia
Paulo Freire: ensinar exige respeito aos saberes dos educandos; e, com muito
mais razão, devemos exigir respeito aos “não saberes” também. Educar é um
exercício de humildade e paciência.
III – Sobre o papel do
grêmio estudantil na educação e na disciplina dos alunos
Em muitas escolas públicas não existe grêmio estudantil
organizado. Este fato não é uma casualidade, mas a linha política de muitas
direções de escola, que são plenamente apoiadas pela SEDUC-RS. O intuito destas
direções é deixar os estudantes desorganizados, desmobilizados, inconscientes,
alienados. Sem oposição – por menor que seja – pode-se fazer o que bem entender:
aplicar qualquer tipo de programa político, baixar qualquer decreto, impor
calendários escolares, orientações ou leis, atacando a livre expressão. Fazem
isso por medo da oposição sistemática que um grêmio pode representar aos seus
“projetos” que, na verdade, são os mesmos do governo do PT (e de qualquer outro
governo que venha a assumir o controle do Estado).
Muitos professores são intimidados ou até mesmo removidos da
escola – como foi o meu caso – por ajudar os alunos a abrirem o seu grêmio
representativo. Milhões de empecilhos são criados: justificativas por “falta de
tempo”, intimidação, medo, terrorismo psicológico, até a perseguição política
nua e crua. Por tudo isso, em muitas escolas a situação é de terra arrasada. O
grêmio estudantil não é uma “opção” dos alunos, mas um direito deles; não é
apenas uma “opção” pedagógica, mas parte fundamental do seu aprendizado e da
sua relação entre si enquanto corpo discente.
Nas escolas onde impera direções ditatoriais (a maioria,
infelizmente), os processos de criação dos grêmios são abortados. Em outras,
com muito custo, se consegue abri-los, mas sempre com muitas dificuldades
criadas dia a dia por direções pouco interessadas na representatividade
estudantil e em todas as possibilidades pedagógicas que ela abre. Os
professores acomodados e desmobilizados (alienados ou egoístas conscientes) não
mexem uma palha para ajudar os alunos nesse sentido. Pensam, erroneamente, que
isso não é “tarefa sua” ou simplesmente tem medo de se ver frente a uma
oposição organizada por alunos ou por medo da própria direção autoritária, do
governo, da perda das “benesses” e dos acordões com as direções em troca de
alguma migalha (horários, folgas, turmas, etc.). O fato é que na minha prática
pedagógica sempre me deparei com muita disposição para abrir o grêmio por parte
dos alunos (alguns, inclusive, aumentando o seu desempenho e interesse pelo
estudo em geral) e pouco (ou nenhuma) por parte dos colegas professores.
Além das direções autoritárias, existem as direções
demagógicas, pseudo democráticas, simpatizantes do PT ou simplesmente
governistas, que ao mesmo tempo em que acenam com a abertura do grêmio, lhe
possibilitando simbolicamente a existência, pelas costas trabalham no sentido
de sabotá-los, tirando sua independência e a possibilidade que funcionem plenamente,
interferindo em seus assuntos internos, modificando ou coagindo sua atuação em
questões mínimas. Em sua maioria, estas direções de escola não queriam grêmio. Se
“querem”, é apenas para constar, para fingir para a sociedade oficial que
existe “democracia” dentro da escola e que os alunos são “respeitados”.
***
Em três escolas que lecionei me deparei com estes tipos de
problemas: primeiro no Ildo Menegheti, que é um “feudo” na Restinga[1],
de onde fui autoritariamente removido, com total apoio da SEDUC e da direção do
CPERS; e depois no Alcides Cunha e Protásio Alves, onde me deparei com o
segundo tipo de direção demagógica. Nestas duas últimas não houve perseguição
política a mim enquanto professor (pelo menos não diretamente), mas pequenas
sabotagens de bastidores às decisões e ações coletivas dos alunos, ao mesmo
tempo em que publicamente se declarava apoio a abertura do grêmio estudantil.
As possibilidades pedagógicas de um grêmio estudantil nunca eram levadas em
consideração e, sobretudo, a própria ação independente dos alunos.
Estas direções desautorizavam decisões importantíssimas
tiradas em assembleias gerais de estudantes, arrancavam cartazes quando
consideravam-nos ameaçadores pelas denúncias que continham, sonegavam salas e
espaços para a existência física do grêmio, negavam até mesmo a participação
dos alunos envolvidos com a abertura do grêmio nos conselhos escolares (quando
estes não faziam parte formal destes conselhos, mesmo querendo participar como
ouvintes e demonstrando interesse em ajudar). Faziam o caminho inverso:
trabalhavam no sentido de torná-los aceitáveis ao governo; deslegitimavam
representantes quando o grêmio se tornava realmente independente da direção. E
entenda-se bem: “independentes” não no sentido de fazer o que se bem entende
dentro da escola, mas no sentido de andar com as próprias pernas, ter suas
próprias posições políticas e “pedagógicas”, responder coletivamente por erros
e acertos.
Pensem o quão importante é uma assembleia estudantil no
processo educativo dos alunos: lições como democracia, responsabilidade,
respeito às decisões da maioria, aprender a ouvir e a falar no seu tempo. Tudo
isso pode ser trabalhado na prática e não na teoria de uma aborrecedora aula de
História ou Sociologia. A disciplina resultante de uma assembleia geral é um
momento precioso para se garantir a disciplina geral dos alunos, pois eles
mesmos se cobrarão e se organizarão para executar as suas deliberações e
encaminhamentos se sentirem que a construção foi realmente coletiva e
livremente assumida. Eles precisam sentir que ela emana deles próprios e que
não é algo imposto mecânica e autoritariamente de fora (o que acontece por
parte de quase todas as direções de escola). Que falta de tato e visão
expressam diretores e supervisores que esquecem, não valorizam ou sabotam as
decisões de uma assembleia geral estudantil. Que crime cometem quando dispõem
de alunos dispostos a construir grêmios estudantis, assembleias gerais e a
mobilização dentro da escola, e não os incentivam, não os ajudam a criar as
condições para que estas atividades aconteçam periodicamente até tornarem-se um
hábito e uma tradição escolar.
Na verdade, as direções que impedem a existência dos grêmios
estudantis, seja pela via autoritária ou demagógica, estão muito satisfeitas
com o governo e com a educação pública, por mais que jurem de pés juntos o
contrário. Elas aceitam a chantagem do governo; não querem incomodação alguma.
Pretendem que o processo educativo seja uma estrada floreada, sem conflitos e
contradições. Só por isso, não mereciam ser diretores de escola, pois estão na
contramão do processo de aprendizagem. São capatazes e algozes a serviço dos
governos. Que lamentável! Seria possível resistir a política de destruição da educação
pública dos governos se as direções de escolas se apoiassem nas suas
comunidades escolares (em especial nos grêmios estudantis). Mas fazem o oposto:
trabalham como agentes do governo no seio de sua comunidade escolar (seja por
medo ou por conveniência). Por este papel de serviçal, o discurso deixa de
corresponder a prática e aí começam todos os problemas já descritos
anteriormente.
Estes são mais alguns exemplos nefastos de como a “pedagogia
do abafamento” e do “discurso diferente da prática” destrói a educação pública
e deforma a consciência dos alunos. Esta prática não cria alunos conscientes e
participativos que lutem pelos seus direitos (como teoricamente preconiza a
LDB, a Constituição Federal e tantas outras leis de “faz de conta”). Pelo contrário:
cria alunos submissos, apáticos, sem iniciativa, temerosos e dependentes. Esta
é a verdadeira intenção do capitalismo e dos governos ao seu serviço (como é o
caso do governo Tarso, do PT, e de tantos outros). É por isso que essa prática
que destrói iniciativas, impede a existência de grêmios estudantis e
deslegitima as decisões de assembleias gerais não é questionada pela SEDUC; ao
contrário: ela é incentivada por suas próprias ações com muito empenho.
***
Apesar destas dificuldades, na Escola Estadual Alcides Cunha
se formou o Grêmio Estudantil Independente (GEI), que surgiu com este nome em
razão da decisão de não participar das entidades governistas, tais como UMESPA,
UGES e UBES. Mesmo com esta decisão soberana por parte dos alunos que fundaram
o GEI – decisão esta que constitui um elemento muito progressivo na conjuntura
das escolas públicas gaúchas –, a direção chamou alguns membros do GEI para
questionar-lhes o porquê da não participação naquelas entidades oficiais, ao
mesmo tempo em que lhes incentivava sorrateiramente a participação nelas.
A mesma direção foi conivente com as sucessivas vezes em que
os cartazes do GEI contra aquelas entidades governistas foram arrancados (sendo
que, em alguns casos, foi ela própria quem os arrancou). Durante muito tempo
lhes sonegou uma sala; lhes impediu a entrada nas reuniões do Conselho Escolar;
proibiu reuniões em “horários de aula”, desconsiderando totalmente a
importância pedagógica destas reuniões para o crescimento coletivo de seus
membros (reuniões que muitas vezes valem mais do que aulas repetitivas). Por
parte das supervisões pedagógicas também não houve entendimento e auxílio para
que os grêmios existissem e funcionassem. Pelo contrário: compartilhavam a
política do “medo da oposição organizada”. Resumidamente: o GEI – Alcides Cunha passou a existir
única e exclusivamente a partir do empenho e da decisão dos alunos, que, para concretizá-lo,
infelizmente, tiveram que ignorar e se sobrepor às orientações e vontades da
direção da escola e da supervisão pedagógica, que são totalmente apoiadas pela
SEDUC.
***
No Colégio Estadual Protásio Alves um processo semelhante
aconteceu. Houveram duas direções. A primeira era extremamente autoritária:
perseguiu e proibiu a abertura do grêmio. A segunda seguiu a linha demagógica.
Neste segundo caso, a direção desautorizou muitas decisões de assembleia geral
que tirou uma comissão eleitoral teoricamente soberana. Mudou arbitrariamente
datas (diminuiu os dias de votação de 3 para 2). Não respeitou a experiência
dos alunos, atropelando todo o processo. Tudo isso sem fazer uma nova
assembleia geral e sendo advertida pelos membros da comissão eleitoral de que a
sua proposta feria a decisão da assembleia geral. Colocou a sua autoridade e
“suposta experiência” acima da coletividade, esmagando a democracia e
contribuindo para abortar o processo.
***
Ambas direções fizeram tudo isso com grande naturalidade,
talvez até mesmo se achando com razão. Nenhum professor questionou tais
atitudes, com raríssimas exceções. Outros nem chegaram a saber porque não se
envolveram com este processo (e no geral não se envolvem com os alunos).
Sendo assim é muito comum vermos a desistência dos alunos na
tentativa de abrirem o seu grêmio. Quando rompem com a alienação política e
passam a lutar pela existência de sua entidade representativa, se chocam com
todo este autoritarismo demagógico e com estas aberrações pedagógicas, típicas
de uma sociedade capitalista anti democrática e decadente, que funciona da
mesma forma no processo eleitoral e na lida com os trabalhadores.
***
As atuais direções de escola – com raras exceções –,
justamente porque possuem uma concepção burguesa de ensino (concepção
inconsciente, na maioria dos casos) que é o resultado da sua formação acadêmica
burguesa, querem os grêmios estudantis na medida em que estes sirvam para
posarem para o governo e a sociedade como “executoras da gestão democrática”.
Aí o governo, cumprindo seu papel dentro deste grande teatro, libera algumas
migalhas a mais (chamadas de “verbas”). Todos juntos – direções e governos –
posam para a comunidade escolar e para a sociedade em geral como “democráticas”,
cumpridoras da lei, da moral e dos bons costumes. Mas isso não passa de
formalismo, de hipocrisia, de conversa fiada.
No Alcides Cunha, por exemplo, já se falou que “o grêmio só
se mete em política e não ‘faz coisas de grêmio’”. Por acaso “coisa de grêmio”
seria falar apenas trivialidades como “jogue lixo no lixo”, “alunos: estudem!”,
colocar som nos intervalos, promover festas e servir de “Office boys” da
direção? Sem uma atuação política livre dos estudantes é ilusão falarmos em
“grêmio estudantil”. Os alunos precisam aprender a autogerir os seus espaços,
reivindicações, propaganda, recursos, conflitos. Não há nenhum outro método que
desenvolva mais responsabilidade do que este. Toda a disciplina imposta de
fora, sem a possibilidade de questionamento e debate é autoritarismo.
A questão dos grêmios estudantis é mais uma demonstração de
que não existe “gestão democrática” alguma, mas apenas uma fachada que serve
para o governo promover-se propagandisticamente.
IV – Os conselhos
escolares
Os conselhos escolares, na maioria das escolas, são
simbólicos. Não decidem nada. Não fiscalizam nada. Não elaboram nada. Servem
fiel e docilmente, no essencial, aos interesses da direção e dos governos. Esta
passividade está alicerçada em uma consciência pequeno-burguesa da categoria – em
sua maioria, pelo menos –, temerosa de incomodações aos seus sacrossantos
“pequenos privilégios” ou ao seu princípio do prazer e o da “não incomodação”.
Também querem uma educação sem contradições e só com “obediência” passiva dos
alunos para que o seu “trabalho docente” não seja atrapalhado. Pensam que o
processo educativo não ocasiona trabalho ou suscita “incomodações”.
A baixa participação dos professores nos conselhos escolares
também “ensina” algo – pela negativa – aos alunos. Denota o desdém à
participação, à fiscalização das contas públicas, à tentativa de construir um
caminho de democracia de base para as escolas públicas. “Tudo isso é uma
incomodação e uma chatice”, eles dizem e os alunos reproduzem. Não sentem o
mínimo interesse nisso e também não são incentivados. Para os governos
burgueses essa baixa participação é um presente! Eles esperam esvaziar todos os
conselhos escolares de qualquer participação real. Querem criar uma
“cultura-geral” de alienação, onde a “participação política cidadã” é dizer
“amém” aos organismos superiores (diretores, gerentes, governadores, presidentes,
etc.).
***
Na maioria das escolas públicas os conselhos escolares
refletem todas estas contradições e são fantoches das direções, da SEDUC e do
governo. No Alcides Cunha, por exemplo, as contas da escola são uma caixa
preta. Não existe prestação de contas e decisões importantes de cunho político
ou pedagógico. Estes mesmos problemas também estão presentes no Protásio Alves.
As principais decisões político-pedagógicas são tomadas pela direção. Não se
cria uma cultura de participação, onde se veem as decisões coletivas serem
aplicadas. Outra vez vemos um menosprezo por uma poderosa forma de educação
coletiva, que é relegada pelo governo e pela SEDUC às direções, que,
consequentemente, também não se preocupam com este tipo de método educativo.
Pipocam casos de corrupção em pequenos níveis. Os alunos, novamente, assimilam
isso como sendo o “conselho escolar” e só podem concluir que realmente não
serve de nada participar destes organismos.
O compromisso, outra vez, é firmado com o governo e não com
a comunidade escolar. Os diretores tornam-se agentes dos governos por medo de
sofrerem represálias e se verem sem verbas; ou seja, cedem à chantagem política.
O resultado é uma reação em cadeia de desordem, desencontro de informações, “bate
cabeça” e indisciplina. Não existe democracia no ambiente escolar e a “gestão
democrática” é uma fraude, constituindo-se em mais uma lei “para inglês ver”.
Todo este descaso é um reflexo do sistema capitalista e da sua democracia
burguesa na educação pública. Em uma sociedade onde não existe liberdade para
decidir sobre as principais questões políticas e econômicas (dívida
externa-interna, taxa de juros, políticas públicas em geral, metas, aumentos de
tarifas) como poderíamos ter uma educação e uma escola diferentes?
Pelo contrário: precisam trabalhar no sentido de reforçar
estes mecanismos de dominação. Como não podem fazer e dizer isso abertamente,
apelam para métodos demagógicos, onde o discurso não encontra eco na prática, e
vice versa. Os governos do PT, longe de romper com esta lógica e com a política
educacional de PSDB-Democratas, a aprofunda em todos estes aspectos. É o preço
da estratégia reformista, que o petismo tenta vender como a mais acertada e a
única possível. Se esperaria de governos petistas maior participação da
comunidade escolar e, sobretudo, dos professores na gestão da escola pública.
Mas vimos exatamente o oposto: decretos, “reformas” impostas, retirada de
direitos, precarização do trabalho, assédio moral, intimidação, cerceamento das
eleições para diretor e adaptação ao cínico faz de conta dos conselhos escolares
e da “gestão democrática”. O “pragmatismo” em política (do PT e de tantos
outros partidos reformistas) significa o fim de qualquer princípio e o início
de toda a sujeira, cedendo cada vez mais, até perder completamente a essência e
tornar-se o seu oposto. A experiência com o PT é a prova cabal de tudo isso.
***
No que diz respeito ao discurso, as políticas educacionais
do PT se “diferenciam” das de PSDB, Democratas, PP, etc., por parecerem mais
progressivas, por aparentemente incorporarem bandeiras do movimento sindical
(avaliação emancipatória, interdisciplinaridade, escola democrática,
ensino-processo; todas muito ligadas à tradição freiriana). Este tipo de
discurso demagógico se repete na sociedade em geral, onde os petistas procuram
se vender como combatentes do neoliberalismo tucano.
Porém, todo este discurso está em frontal contradição com o
rumo concreto e com o conteúdo da política prática dos seus governos (Tarso,
Lula e Dilma). Esta confusão política causa um profundo estrago na consciência da
população e não é combatida na escola (justamente por estar a serviço do
capitalismo), senão que é reforçada através de toda a prática pedagógica descrita;
indo desde a relação com os grêmios estudantis até os conselhos escolares.
Partindo desta reflexão fica um pouco mais nítido o porquê
do caos instaurado na educação pública. Os educadores atuais não entendem estas
causas e, infelizmente, muitos nem procuram saber; querem se ver livres de
política e do sindicato.
***
Com este método de educação caótico e compreendendo todos os
desvios apresentados, fica nítido que a lei de “gestão democrática” e aquelas
que asseguram o direito à uma “educação pública e de qualidade” são simbólicas;
apenas para “inglês ver”. Significa que a Justiça, as SEDUCs e as instituições
oficiais “legalizam” a precariedade da aplicação das leis que teoricamente
beneficiam os trabalhadores. Na verdade, todas elas sabem que o único princípio
constitucional que é cumprido à risca é o “direito à propriedade privada”
capitalista, que está em frontal contradição com os serviços públicos (como
saúde, educação, transportes, etc.), seja da forma em que se apresentar:
liberalismo clássico, neoliberalismo, ditadura militar.
Então, a educação pública sofre duplamente. Por um lado se
vê refém da falta de investimento dos cortes orçamentários que arrocha o
salário dos professores (os transforma em operários de fábrica com várias
turmas com vários alunos), não investe em infraestrutura, na renovação dos
materiais (em suma, deixa a escola no século XIX); por outro, as práticas pedagógicas
do “abafamento” e do discurso diferente da prática, também destroem a
consciência dos alunos, os educando na hipocrisia, na letargia, na indiferença,
na dependência, na alienação política e na obediência cega.
A LDB e a Constituição Federal não cumprem sua “função na educação”
porque dão suporte ao funcionamento do capitalismo, que tem interesses opostos
ao dos trabalhadores (e dos seus filhos). Qualquer “reforma” ou “inovação” que
não levar este fato em consideração não resolverá nenhum problema da educação
pública (baixa qualidade, conflitos pedagógicos, desinteresse dos alunos),
senão que os aprofundará.
É evidente que o caminho para mudar estas estruturas é
árduo, ingrato e, até mesmo, cruel. Os governos – sobretudo os do PT – não
caminham no sentido da mudança como cinicamente alegam, mas trabalham no
sentido oposto, isto é, ajudam a consolidar e petrificar as estruturas arcaicas,
paternalistas, medievalistas – em uma palavra –, capitalistas, da educação.
V – As reuniões
pedagógicas
As reuniões pedagógicas geralmente são profundamente
aborrecedoras, vazias, descoladas da prática, repetitivas e sem sentido. Servem
para reproduzir a política oficial do governo, sem criatividade própria (e sem
condições para isso), sem sugestões surgidas do chão da escola, seja de
professores ou alunos. Muitos professores e supervisores se adaptam a lei do
menor esforço e fogem das “incomodações”. Não querem tentar o novo, o
“desconhecido”, lutar contra um monstro muito maior do que nós, que é o hábito,
a rotina, o senso comum.
Todo mundo sabe que isso é extremamente difícil, mas toda a
caminhada de 1000 Km
começa com um 1º passo. Talvez seja necessário um longo trabalho teórico,
debatendo e combatendo as concepções pedagógicas “quadradas”, mecanicistas e metafísicas
da educação tradicionalista.
***
As reuniões pedagógicas são massantes, estéreis e inúteis.
Não são espaços criativos para que haja um crescimento coletivo. As discussões
são viciadas, amarradas por toda a lógica atual da educação pública dentro do
capitalismo, bem como por sua falta de estrutura. Durante o governo Tarso estas
reuniões tem se caracterizado por serem apenas uma forma de adestramento dos
professores (“Pacto” e Ensino Politécnico), isto é, mera correia de transmissão
dos planos educacionais do governo.
Elas deveriam ser livres, instigando o debate, a produção
intelectual própria sempre em sintonia com a evolução da comunidade escolar, a
seleção de textos para o debate que atenda àquelas necessidades. O objetivo
pedagógico de cada período deveria ser escolhido pelos próprios professores,
acompanhando periodicamente a aplicação em sala de aula e a evolução dos
alunos, com equipes selecionadas de acordo com aqueles professores que
trabalham com as mesmas turmas. Outra vez é necessário reafirmar que as várias
turmas e períodos acumulados sobre os ombros dos professores – sem falar nos cadernos
de chamada, dentre outras funções – encurta o tempo hábil para reuniões
produtivas, aprofundando o seu formalismo. É preciso uma reformulação
estrutural das escolas, desde as salas de aula até a sua composição: menos
alunos por turma (entre 10 e 15) e menos turmas por professor (uma média entre
3 e 5 turmas, no máximo, a depender da disciplina), sem redução salarial. Os professores
precisam conhecer seus alunos e, para isso, é fundamental diminuir o número de
turmas. Cada escola necessita de um corpo especializado de psicólogos,
psicanalistas e pedagogos, que dariam o suporte necessário para este conhecimento
maior do professor sobre cada um de seus alunos, debatendo, periodicamente, a
melhor política de inclusão e do combate ao preconceito, bullying, depressão,
crises familiares (separações, abusos, brigas, etc.).
A hora atividade acaba sendo outra enrolação porque torna-se
o que os professores popularmente chamam de “hora-bunda”. Isto é, ficam
sentados na sala dos professores esperando o tempo passar ou se afundam
naquelas reuniões estéreis. É um círculo vicioso que precisa ser rompido. As
horas atividades deveriam ser respeitadas e ampliadas para a leitura, a escrita
e a melhor preparação das aulas (sem ser usada para aquela desculpa conformista
de que “não adianta fazer nada”). Também seria a melhor oportunidade de
conhecermos e estudarmos os nossos alunos. Para tudo isso é fundamental a
diminuição do número de alunos por turmas e de turmas por professor. Mas para
isso, é necessário mais investimento na educação pública e, assim, voltamos
para o velho tema já abordado.
VI – Sobre a
necessidade da análise psicológica e emocional dos estudantes
Cada ser humano tem o seu tempo de desenvolvimento
intelectual e emocional. Este tempo precisa ser respeitado e acompanhado. As
provas classificatórias, notas ou conceitos; períodos de 50 minutos, ano letivo
e séries, não levam a evolução emocional e intelectual em consideração, por
isso precisam ser superados. É preciso querer a mudança. O atual sistema econômico,
o capitalismo, e a sociedade burguesa, não querem mudança alguma em benefício
dos trabalhadores. “Mudança” é só pra cortar gastos, arrochar salários e
apertar os cintos.
A lógica capitalista se apropriou plenamente da educação
pública brasileira transformando-a em mercadoria (hoje mais do que nunca – e
setores do movimento sindical combativo resistem como podem à mercantilização
completa). Os atuais planos educacionais, dentre os quais a espinha dorsal é o
Plano Nacional de Educação (PNE – 2011-2021), trabalha no sentido de garantir o
dinheiro público para o setor privado: PRONATEC, ProUni, FIES, PPPs. Nunca se
proliferou tanto no Brasil (talvez mais do que qualquer lugar no mundo) a
“uniesquina”: verdadeiras fábricas de diplomas “aprovados pelo Inmetro”. Dentro
desta lógica os tempos individuais são esmagados, apagados. Quem não consegue o
objetivo esperado dentro de um trimestre ou semestre é “incompetente” ou
“inapto”; quem não é aprovado em uma prova ou no vestibular é um “incapaz”. As
“comemorações” alheias nas redes sociais e nas faixas públicas servem para
atestar aos reprovados o seu “fracasso” (uma espécie de “loser” dos
norte-americanos).
Mas como garantir a qualidade do ensino? – perguntarão os
práticos pequeno-burgueses. “Sem provas tudo se perderá; sem metas não
saberemos aonde chegar” – gritam alto nos nossos ouvidos. É certo que
precisamos nos certificar da aprendizagem de um indivíduo, se absorveu os ensinamentos
sobre uma língua, a lógica de um cálculo ou de um conceito, mas para tudo isso
é necessário tempo, o desabrochar semi-espontâneo, a evolução individual, que
não segue padrões rígidos pré-determinados. Estes pequeno-burgueses não nos
respondem os “porquês” das várias provas e métodos de avaliações classificatórias
(meritocráticas) não assegurarem a qualidade da aprendizagem dos estudantes?
Mesmo com o método meritocrático, os “vencedores” e “sábios” que passam nos
vestibulares ou em concurso nem sempre dominam um assunto ou um conceito
plenamente. Podemos encontrar, até mesmo, casos de profunda ignorância entre
eles.
Não se trata de se desfazer de uma hora pra outra dos
métodos tradicionais de avaliação, como as provas, mas de saber utilizá-los sem
terrorismo psicológico e social; muito menos como “índice indiscutível de
qualidade” para governos, mídia e empresas. Muito mais do que um reles diploma,
é preciso ensinar um método; ensinar a pensar, a raciocinar, a ser crítico, a
ler nas entrelinhas da sociedade e da natureza; em suma: a entender os métodos
científicos e filosóficos e aprender a usá-los com personalidade própria. O
indivíduo só desenvolve sua própria personalidade quando apreende os métodos científicos,
a ler e interpretar (lingüística, política e filosoficamente) um texto de
qualquer fonte; quando sabe se posicionar política e ideologicamente; quando
está em condições de questionar e interpretar fórmulas matemáticas. E,
novamente, para tudo isso leva tempo. A educação atual, sua estrutura, seus
“anos letivos”, suas séries, seus métodos, não contribuem para isso. Todas elas
entravam o processo! A escola deve ser sempre um meio e não um fim em si mesmo
(que dirá então o vestibular?).
Sobre esta evolução da personalidade e o despertar da
consciência os conflitos emocionais exercem pressões devastadoras e, por isso
mesmo, decisivas. Emoções e aprendizado andam de mãos dadas e, por isso mesmo,
precisam ser respeitados. Os adolescentes e as crianças possuem inúmeros
conflitos; e o colégio, ao invés de se preocupar com eles como quem cuida de um
bibelô de cristal, desenvolve vários novos conflitos evitáveis por não estar
preparado para eles: bullying, egoísmo, atenção, desatenção, amor, amizade,
educação sexual, etc.
Um professor que não presta atenção nestes “detalhes” é como
um astrônomo que quer observar o céu noturno sem levar em consideração a
nebulosidade do céu. Ele pode ter sorte algumas noites, mas terá inúmeros
problemas a longo prazo em razão do mal planejamento, do mal aproveitamento, do
desperdício de tempo. Para fazer uma boa observação é preciso que o céu esteja
o mais límpido possível. Da mesma forma, para que os alunos tenham uma boa
aprendizagem, com qualidade, é necessário que o “céu das emoções” não esteja
nublando o raciocínio, o interesse, a motivação.
A descoberta da psicanálise de Freud é uma grande ferramenta
a serviço deste objetivo. Todo educador deveria conhecê-la, estudá-la,
participar de grupos de estudos sobre ela, pautá-la nas semanas de formação
pedagógica. O que impera é o oposto: os professores de hoje são reféns da
alienação política, do pensamento religioso e encontram-se emaranhados numa
teia de confusões emocionais – alimentada pelos primeiros – que, muitas vezes,
não permitem se ajudar e ajudar os alunos. Até certo ponto isto é inevitável:
todos tem problemas emocionais, mas é preciso querer vencê-los, procurar um
caminho para neutralizá-los, compreendê-los e superá-los. Este caminho
subjetivo é desbravado pela Psicanálise (ciência esta que também deveria ser
ensinada aos alunos do Ensino Médio).
Por tudo isso é fundamental dar atenção a evolução emocional
dos alunos. É preciso levar em consideração as potencialidades futuras, o grau
de apreensão dos métodos, da lógica e da interpretação de cada aluno.
Evidentemente o esforço e a dedicação devem ser levados em consideração, mas
não para transformá-lo em instrumentos da obediência e da manipulação
autoritária, mas para que seja a alavanca da independência intelectual e da
iniciativa política e pessoal.
Respeitar o tempo de evolução emocional de cada um não
significa abstencionismo ao desenvolvimento de incentivos, instigações e
questionamentos. Mas isso não deve ser feito desconsiderando o estado emocional
e evolutivo de cada um e, muito menos, contra ele.
VII – O “vandalismo”
dos alunos contra o ambiente escolar
O “vandalismo” de alunos contra o ambiente escolar,
sobretudo das escolas públicas, é flagrante: classe, paredes e banheiros
pichados, quando não inteiramente destruídos.; vidros e maçanetas quebradas;
desperdício de folhas, de papel higiênico (quando existem nos banheiros), etc.
É certo que uma pequena parte deste “instinto vândalo” está localizado naquele
impulso da psique que se convencionou chamar, pela psicanálise, de “pulsão de
morte”, destrutivo e agressivo, que é, até certo ponto, intrínseco a todo ser
humano. Porém, grande parte deste “vandalismo” é causado pela percepção de que
o governo e a sociedade estão “se lixando” para a educação e para a escola
pública.
Os problemas infraestruturais (janelas, portas, alagamento,
falta de higiene, renovação de materiais, etc.) mandam um recado implícito para
alunos e professores: “não nos importamos com vocês”; “se virem”; “vocês
merecem o que tem”. O “vandalismo” resultante por parte dos alunos é uma
resposta até certo ponto inconsciente a este descaso, potencializado por outros
motivos de ordem psicológica, emocional e pessoal. E a manutenção das escolas,
sua aparência e infra estrutura também é uma questão pedagógica. A nossa
“segunda casa” é agradável ou um ambiente velho e sujo? Ou o que é pior: uma
prisão tipo Carandiru? Os alunos crescem enquanto indivíduos ou se sentem
oprimidos e aprisionados?
“Se o governo não cuida, não mantém, não melhora e não
investe, porque eu devo cuidar? (ainda mais se me sinto como um ‘prisioneiro’
neste lugar)” – algo parecido com este pensamento inconsciente deve passar na
mente de alguns desses alunos. Não cabe julgar se “está certo ou errado” por si
mesmo, mas apenas em seu contexto social. Um moralista incorrigível – que
geralmente serve apenas para justificar a sociedade tal como ela é – dirá que
“está errado”, que o “vandalismo não se justifica de maneira alguma” e que a
“única solução é castigo e repressão”.
O fato, contudo, é que o governo e as direções de escola que
são suas “testa de ferro”, estão educando os alunos no descaso, na falta de
critérios, no corte de gastos, na omissão. “Nós não somos importantes;
importantes são os estádios de futebol, os shopings, os bancos e as empresas” –
outra conclusão que se depreende da observação da realidade.
Existe a possibilidade de uma escola sem vandalismo? A
escola precisa educar os alunos a não destruir a sua estrutura física? Não
seria uma luta inglória e infrutífera colocar isso em primeiro plano,
esquecendo o mais importante? A compreensão deve ser o seguinte: para que o
“vandalismo” acabe (ou seja consideravelmente diminuído) é necessário que o
governo dê o exemplo, bem como a direção da escola, garantindo a democracia, a participação
e a prestação de contas, mostrando que a educação é valorizada na prática e a
sua defesa não é apenas um discurso vazio.
As direções de escola e grande parte dos professores
legitima e propaga a falsa ideia de que “não há verba para a educação”
(sobretudo os militantes petistas quando o PT está no poder), que o governo
iria “quebrar” se investir tanto quanto seja necessário para sanar os problemas
da educação pública. Esta justificativa serve perfeitamente para as
privatizações e para o desvio de verbas para o ensino privado, via PRONATEC,
ProUni e as demais propostas constantes no PNE. O “vandalismo” estudantil deita
raízes também sobre o autoritarismo da educação, que serve apenas para
obedecer, com normas e padrões que não são debatidos, mas impostos. Soma-se ao
autoritarismo as condições precárias da infra estrutura escolar, fruto da
destinação da verba pública para o serviço de pagamento dos juros das dívidas,
o desvio através da corrupção ou da conivência com ela, a isenção de impostos às
grandes empresas, shopings, estádios de futebol, etc.
***
A sujeira é uma lamentável realidade em todas as escolas
públicas. Os alunos não demonstram preocupação com a higiene do seu ambiente de
estudo. Isto, naturalmente, causa pavor por parte de professores e das direções
de escola. Porém, a concepção de limpeza das escolas públicas está equivocada.
Tudo é responsabilidade dos funcionários da limpeza. Ensinar a cuidar do nosso
ambiente, a ter respeito pelo trabalho de limpeza dos outros faz parte da educação.
Os alunos são erroneamente ensinados, desde muito cedo, que
a limpeza “é tarefa dos funcionários da escola”. Não são ensinados a trabalhar
coletivamente em um mutirão que assegure as condições de limpeza das salas de
aula e da escola como um todo. Cumprir este papel não só não tem “nada de
errado”, como possui grande valor educativo. A limpeza feita por um mutirão
cria uma rede de solidariedade para mantê-la limpa, uma vez que o conjunto do
grupo enxerga nisso um trabalho coletivo. Qualquer indivíduo que jogue algum
papel no chão será repreendido não apenas por um “superior” da escola (o que
muitas vezes é inócuo), mas pelos seus pares, pois estará estragando o
resultado de um trabalho comum. É a autogestão do próprio ambiente escolar. Os
próprios conflitos dentro da turma devem ser resolvidos por uma assembleia
comum, da própria turma, de um turno ou de toda a escola. A direção e o SOE
devem apenas (e literalmente) supervisionar, intervindo apenas quando as coisas
não vão para um bom caminho.
Desta questão da limpeza não deve se concluir que o Estado
está dispensado de enviar funcionários de escola para cuidar da limpeza e do
funcionamento geral da escola. A limpeza e a manutenção de uma escola não devem
ser de responsabilidade exclusiva ou principal da comunidade escolar. Tanto a
limpeza, quanto a manutenção são possibilidades pedagógicas de solução de
problemas cotidianos e de crescimento coletivo. Não podem ser usadas, sob
hipótese alguma, como forma de os governos “cortarem gastos com a educação pública”.
O papel dos funcionários de escola continua sendo imprescindível, podendo
servir como organizadores e auxiliadores dos planos de limpeza dos respectivos
mutirões de cada turma e de cada escola quando estes se fizerem necessários.
VIII – Educação em
tempo integral ou educação integral: quantidade ou qualidade?
No seu trabalho pedagógico o professor precisa conhecer as
suas turmas, a personalidade geral de seus alunos e, dentro da medida do
possível, suas relações familiares e círculos de amizade. Como se sabe, isso é
impossível em uma realidade em que os professores precisam assumir mais de 40h,
com mais de 10 turmas (às vezes mais de 20 ou 30). O processo de enturmação e
de cortes de gastos – que se expressa também no aumento de alunos de uma disciplina
atendidos por um único professor – torna esse “conhecimento” específico das
turmas e dos alunos quase impossível, a não ser alguns, de forma bastante
precária.
Na atual estrutura burocrática escolar (conteudismo,
períodos de 50 minutos, falta de inovação e de infra estrutura) é inviável
“educar” os alunos, seja em que campo for, respeitando suas idiossincrasias,
suas capacidades e limitações. Há apenas uma padronização em série, como a
produção em uma fábrica ou um conjunto de mercadorias numa prateleira de supermercado.
Para além da diminuição do número de alunos, de turmas e de liberalização de
horários, é fundamental um acompanhamento psicanalítico dos alunos, sobretudo
daqueles que apresentam maiores problemas de relacionamento. A partir daí deve se
desenvolver uma parceria entre o professor e o psicanalista, que pode fazer
parte diária do serviço de supervisão pedagógica da escola.
Logo se dirá que isso é impossível, pois o governo não pode
arcar com estas despesas. Rotula-se como “utopia” e assunto encerrado. O
capitalismo exige o dinheiro que deveria ir para os serviços públicos e do
Estado em geral para os “incentivos fiscais” aos empresários e para pagar as
dívidas impagáveis dos banqueiros e agiotas nacionais e internacionais. Sendo
assim, o capitalismo, a despeito de todos os discursos demagógicos em
contrário, só pode reservar para a educação os velhos métodos tradicionais de
ensino, tipicamente medievais, disfarçados sob frases modernizantes. Não vimos
as coisas se resolverem no sentido da “modernização” destas técnicas, mas da
utilização da “mão-de-obra” do professor como um “operário de fábrica”, que
recebe o maior número de turmas e de alunos possíveis para “render” da forma
mais utilitária possível. Mas a educação não pode ser utilitarista e formal. É
preciso investimento maciço em infraestrutura para criar as condições da verdadeira
libertação pedagógica do professor, quando ele poderá assumir um número
reduzido de turmas de, no máximo, 15 alunos.
Quando um aluno não se interessa pela aula será motivado
apenas por desatenção e indisciplina ou infelicidade momentânea, depressão,
problemas familiares? Como o professor pode fazer para atingir aquele aluno se
na escola pública do capitalismo não existe a possibilidade de um atendimento
mais personalizado? Se os professores fogem desse exército de alunos “indisciplinados”
que atrapalham suas aulas como o “diabo da cruz”? Muitas vezes um aluno com
grandes capacidades simplesmente não consegue controlar a sua ansiedade por
problemas de ordem emocional e pessoal. A padronização do sistema de ensino,
com seus tempos e métodos avaliativos tradicionais, simplesmente passa a
patrola sobre estes sentimentos.
O investimento em educação não é apenas uma necessidade para
melhorar o nível econômico, material e intelectual dos professores, mas é uma
necessidade pedagógica, pois precisa possibilitar a redução do número de alunos
por professor, bem como a redução do seu número de turmas. O investimento
maciço em educação deve prever um aumento remunerado extra classe para
preparação das aulas e trocas de informações com o corpo psicanalítico e
pedagógico da escola.
O tipo de “reforma” e de “investimento” que o governo
Tarso/Dilma faz é uma ficção. Em nada se diferencia dos governos de FHC. Não
servem em nada para construir esse tipo de perspectiva educacional, prevendo
uma real emancipação pedagógica. Pelo contrário. Trabalham no sentido de
perpetuar a noção de “professor sobrecarregado” de tarefas burocráticas e
alheias ao real processo educacional, além de atender muitíssimas turmas e não
ter direito real à “hora-atividade”. Os governos do PT deram um calote não
apenas no salário (Piso Salarial Nacional), mas, também, no cumprimento de uma
tímida “hora-atividade”.
IX – Sobre a educação
corporal, artística e linguística
A Educação Física deve ter um papel maior na educação dos
trabalhadores e dos seus filhos. “Mente sã em corpo são”, diziam os antigos.
Atualmente, esta disciplina é subaproveitada em razão da ausência de condições
materiais para a sua realização. Se constitui, portanto, em mais um formalismo.
Uma das melhores formas de aprender sobre o corpo humano é
praticando exercícios e esportes. É preciso profissionalizar os campeonatos
escolares e interescolares, diversificar os esportes e, sobretudo, tornar a
Educação Física uma prática cotidiana a ponto de tornar desnecessária a
inscrição de um aluno em uma academia. A prática esportiva deve ser séria e não
simbólica, apenas para constar em currículos formais.
A postura correta, o exercício físico, a circulação do
sangue contribuem não apenas para o desenvolvimento corporal, mas hormonal e
psicológico, sendo um suporte fundamental para o aprendizado. A “ansiedade” e
“hiperatividade” de muitos alunos – que são erroneamente tratadas com remédios
pesados de tarja preta – poderia ser controlada através de uma real participação
nas aulas de educação física, que também precisam de condições materiais, de
espaço e de tempo. Um corpo minimamente exercitado deve ter melhor desempenho
no raciocínio e no aprendizado.
O desenvolvimento corporal e mental é atribuição também da
educação artística, uma vez que contribui não apenas para o desenvolvimento da
sensibilidade intelectual, mas para a do corpo. Os festivais artísticos
precisam ser incentivados amplamente, pois é uma forma bastante exitosa de
envolver os alunos, uma vez que eles se reproduzem nas construções artísticas:
desenho, pintura, história em quadrinhos, filmes, teatro, música. Muitos alunos
já tocam algum instrumento; outros tem grandes aptidões para o desenho e para a
interpretação teatral. Bastaria um apoio logístico maior por parte da escola e
do governo para dar suporte a união e ao desenvolvimento de todos estes
talentos.
É claro que tudo isso depende de investimentos em
infraestrutura, em material esportivo, quadras, vestiários, aparelhos de
musculação, palcos, salas, tinta, telas, instrumentos musicais, etc. Então,
caímos de novo no problema das prioridades de investimento da sociedade
capitalista. É por isso que, sem acabar com a sociedade capitalista e construir
uma sociedade em bases socialistas, qualquer promessa de mudança na educação
“parece sempre impossível”.
***
Já é hora de vencermos a “gamatização” do ensino de línguas.
Devemos elevar o nível: partir da gramática para o ensino da linguística, que
reconhece a língua como um fenômeno vivo, em movimento, tal como toda a
natureza. Ensinar a ver que a língua se modifica junto com a sociedade e não
está parada, como as regras gramaticais fazem crer. A linguística deve servir
para auxiliar a comunicação – seja falada ou escrita – dos alunos e não a sua
padronização mecânica, feita de fora.
X – Sobre a
interdisciplinaridade
A interdisciplinaridade é uma necessidade da educação –
sobretudo nos anos finais da escola (ensino médio). Porém, como já foi dito,
toda a estrutura escolar atual (horários, forma de organização, formação
docente, infraestrutura, currículos) conspira para que ela não exista. Toda a
estrutura escolar trabalha no sentido metafísico, da divisão em “caixinhas” da
compreensão, de uma lógica classificatória, separando disciplinas e conteúdos
inseparáveis por natureza.
A própria lógica do capitalismo impede que haja
interdisciplinaridade, porque quer utilizar a “mão-de-obra” do professor em
várias turmas, mantendo os custos com a educação baixos, os horários
fragmentados, mesclando baixo investimento em infraestrutura e salários. Essa é
a única educação pública que o capitalismo pode assegurar aos trabalhadores.
Porém, apesar de tudo isso, existe um caminho para se iniciar a interdisciplinaridade, mas
cuja a plenitude só poderá ser atingida em uma sociedade socialista, que deverá
dar grande valor à educação social. Esta possibilidade pode ser explorada aumentando
os períodos de filosofia e incumbindo-lhe a tarefa de dar a linha teórica e
metodológica às demais disciplinas, levando todas as especificidades de cada
turma e aluno em consideração (guardada as devidas proporções das escolas).
A criação de uma disciplina fictícia e inútil como Seminário
Integrado em nada contribui para a interdisciplinaridade, porque não quer mexer
na infraestrutura das escolas e dos currículos, no baixo investimento, nos
horários, no número de alunos por turmas e de turmas por professor. Pior ainda:
não estabelece a conexão entre os conteúdos, mas os rebaixa ao espontaneísmo e
em certos casos os ignora completamente. A filosofia trabalha com a união de
conteúdos por excelência, por si própria, por sua natureza intrínseca. Como
disciplina unificadora deve partir da explicação da dialética e do
materialismo, ensinando um método de pensamento e de observação do movimento da
realidade. Deve combater também todo o tipo de obscurantismo medieval e
supersticioso.
***
Para que os alunos se tornem mais do que “pesquisadores”
(uma das teclas que todos os teóricos e pedagogos do “Pacto” batem
insistentemente), é necessário que a escola se preocupe em ensinar método
filosófico e científico. Instruí-los no ceticismo científico e não no
seguidismo e “obedientismo”; nem no niilismo. É preciso despertar a vontade de
estudar e de saber, e não de assassiná-la na casca, como acontece hoje, com
mecanismos burocráticos e metas descoladas do debate coletivo. Metas elaboradas
não apenas entre os professores, mas com toda a comunidade escolar.
***
A proposta de Seminário Integrado feita pelo “Ensino Médio
Politécnico”, do governo Tarso e Dilma, não serve para a unificação das
ciências e das áreas do conhecimento. Faz o contrário. Como já foi dito, ela
tem servido apenas para nivelar os conhecimentos por baixo. O documento do
“Pacto” diz: “contextualizar os conteúdos
escolares não é liberá-los do plano abstrato da transposição didática para
aprisioná-los na espontaneidade e na cotidianidade”. Mas é exatamente isso
que está acontecendo.
A filosofia deveria unificar as distintas áreas do saber
“fragmentado”, ensinando um método filosófico para isso: a dialética materialista.
Esta é a melhor ferramenta que dispomos para nos dar a visão conjunta de todo o
cosmos e de toda a natureza. Este método rompe com a alienação política e
social, que é a única forma de aproximar a ciência do “social” e da “realidade
humana”, bem como formar “cidadãos críticos e participativos”. Também rompe com
a hegemonia da matemática na escola, ajudando a aproximar a filosofia da
química, física, biologia; e vice-versa.
O documento do governo se exime de nos apresentar um método,
como o da dialética materialista. Fala timidamente em “matéria e
transformação”, mas sem nenhuma consequência e profundidade. Não quer se chocar
com a religião estabelecida, que é uma de suas bases políticas de apoio. O
documento afirma: “saber unitário que pode explicar o mundo natural”. Mas como
fazer isso se existe infiltração ideológica do pensamento religioso e esotérico
em cada uma das disciplinas e na estrutura escolar como um todo? Não é possível
explicar a unidade entre o “todo” e a visão do “mundo natural” se ocorre a
infiltração ideológica da religião na ciência? Para isso é fundamental o debate
sobre “a questão fundamental da filosofia”, isto é, o debate sobre o que
determina a realidade primordialmente: a matéria ou a ideia? A evolução da
noção de matéria é o “conteúdo” filosófico que pode ser o unificador de todas
as disciplinas; e o debate sobre a questão fundamental da filosofia o norte das
Ciências Humanas.
Este corte em relação à religião é fundamental e não pode
ser menosprezado (ou o que é pior: ignorado pelo medo que suscita). Isso é
literalmente fundamental porque a religião mantém seu poder e exerce sua força
avassaladora – inclusive sobre a própria educação (mesmo ela sendo supostamente
“laica”) –, a despeito de qualquer argumentação racional. E os alunos precisam
estar plenamente conscientes disso se queremos falar seriamente em “iniciação
científica”.
***
A Física e a Química devem expandir o seu campo para além da
matemática. Precisam de uma aliança com a Filosofia. A matemática deve ser uma
ferramenta à disposição daquelas disciplinas para mostrar a exatidão e a
expressão quantitativa da natureza, mas não deve ser a espinha dorsal, como é
atualmente. É preciso dar mais valor a explicação teórica, pensar e desenvolver
métodos de ensino que explorem este caminho.
A ciência avança periodicamente, mas a escola não debate
nenhum desses avanços. Praticamente ignora a evolução científica. Isso reflete,
por um lado, as condições de trabalho precária e de formação dos professores;
e, por outro, o baixo nível intelectual da sociedade em geral, que prefere
entretenimentos mais vulgares por servirem como válvulas de escape social. O
governo não contribui em nada com a iniciação científica dos alunos da escola
pública, a despeito do discurso em contrário. Não lhe interessa investir em ciência
e tecnologia, conforme podemos ver com os gastos do governo federal em
comparação com as dívidas interna e externa. Da mesma forma, a sociedade capitalista
gera uma mídia alienante, voltada unicamente para o consumo do supérfluo,
banindo da grade de programação programas voltados para a propaganda científica
e dando preferência a programas “idiotizantes”.
Se queremos falar seriamente em “desenvolvimento” e elevação
da qualidade da educação, deveríamos, por exemplo, criar as condições para o
ensino da matemática voltada para a informática (números binários, programação,
etc.), internet e economia (matemática financeira) – sem, é claro, excluir a
matemática básica. Da mesma forma, a Química e a Física, em algum momento das
séries supostamente mais “avançadas”, deveriam penetrar no mundo subatômico da
Física Quântica, pois é daí que provém a tecnologia da indústria de ponta
(lasers, microchips, semicondutores, etc.). Cerca de 30% do PIB dos EUA deriva
de indústrias com base quântica. Os governos Tarso e Dilma, com todo o seu
discurso “voltado para o trabalho”, esquecem desta elevação cultural e
científica para elevar o nível da nossa indústria e, consequentemente, do
trabalho. O seu ensino técnico é um reles curso profissionalizante de
tecnologia de segunda mão e a sua forma de tornar a escola “mais atraente para
os alunos” é rebaixando os conteúdos e tergiversando sobre as dificuldades.
Certamente que este discurso parece irreal, uma vez que
muitos alunos não sabem sequer as operações básicas da matemática (fruto de uma
conjunção de problemas). Porém, mesmo assim é preciso elaborar um plano ousado
para superar a mediocridade em que nos encontramos. Para isso, ter um norte é
fundamental. O “norte” que o governo quer subordinar a educação pública reflete
a condição de um país colonizado que não quer emancipar-se, ou seja, é a mesma
de um técnico de segunda mão que presta pequenos serviços aos países imperialistas.
XI – Sobre o
financiamento da educação pública
Nos últimos 30 anos, pelo menos, a educação pública vem
sofrendo golpe atrás de golpe; cortes de investimento atrás de cortes. Os anos
de neoliberalismo – primeiro com o PSDB e agora com o PT – tem criado um novo
“consenso” na opinião pública via grande mídia e a sua lavagem cerebral
institucionalizada sobre a “falta de recursos” e a “inevitabilidade da privatização”.
Naturalizou o desvio de verbas públicas para o setor privado. Isso – que em outros
momentos históricos causaria escândalo – é tratado como normal e aceitável. Mas
isso é, na realidade, um escândalo! É inaceitável! É um roubo legalizado do
dinheiro público, tratado cinicamente como natural. É como se em uma viagem de 1000 Km feita de carro, a
cada 10 Km
se parasse em um posto e, ao invés de abastecer, nos fosse sugado 1 litro de gasolina.
Evidentemente que o carro não chegaria ao seu destino final e entraria em
colapso por falta de combustível.
É isso que fazem com a educação, a saúde e todos os serviços
públicos. A cada “10 Km ”
sugam os recursos públicos ao invés de reabastecê-los; condicionam o seu
recebimento à aceitação implícita dos projetos do governo que, por sua vez,
visam cortar gastos. A verba de “autonomia” (que tem um belo nome, mas poderia
ser substituída pelo nome de “verba de dependência” ou “da pobreza”) vem sendo
enxugada pelo governo através de um “congelamento” não anunciado que acontece
há mais de 20 anos. As exigências e o número de alunos aumentam, mas a verba
continua a mesma de 10 anos atrás.
Um método utilizado pelos governos de PSDB e PT tem sido o
de vincular o recebimento de verbas (além da verba de “autonomia”) à aceitação
passiva dos projetos do governo: Mais Educação, Mais Cultura, PPDE, dentre
outros. O plano de metas do governo tem que ser cumprido e os seus planos
pedagógicos também. Esta é uma das chantagens dos governos petistas (seguindo o
exemplo dos tucanos) para concretizar os seus planos neoliberais e agradar os
organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial. Grande parte desta
verba sequer chega aos colégios e ainda estão sujeitos a não-aceitação por
parte do governo, se este achar que o projeto “não é bom”. Sendo assim, ou a
escola aceita as diretrizes do governo ou fica à mercê da verba de “autonomia”,
cada vez mais minguada.
Assim, o caos na educação pública se dá, em grande parte
pela seguinte causa: o não investimento na educação em razão desta submissão à
lógica empresarial. Escola não pode ser tratada como fábrica ou empresa. Os
professores, alunos e funcionários devem ter o direito de errar, de descobrir o
seu próprio caminho, a sua própria pedagogia aplicada à sua realidade específica;
preocupações essenciais estas que as “reformas” do governo, seu “ensino médio
inovador”, “pacto”, PNE, PEE, etc., não demonstram nem um pouco. Pelo
contrário. Estamos vendo o aprofundamento da contradição entre discurso e prática,
reforçando uma escola tradicional, classificatória, mal estruturada e pobre em
todos os sentidos, pois não é possível mudar toda uma prática pedagógica apenas
pelos professores se não lhe são asseguradas as condições materiais para esta
mudança. A falta de investimento e a necessidade de mudança estão em
contradição. É por isso que o “Ensino Médio Inovador” e o “Pacto” só podem
servir para facilitar a aprovação automática e trabalhar no sentido de garantir
os alunos como mão-de-obra barata para o mercado capitalista através de medidas
como o PRONATEC, que legaliza o desvio de dinheiro público para o ensino
técnico privado (Sistema S).
XII – Trabalho como
“princípio educativo” ou como princípio alienador?
O grande objetivo do “Pacto” e da Reforma do Ensino Médio
Politécnico é “preparar o aluno para o trabalho”. Isso fica claro em trechos
como “o ensino integrado com o trabalho” e “o trabalho como princípio
educativo”. Mas que tipo de “trabalho” e em qual sociedade?
Não há dúvida sobre o papel fundamental do trabalho na
sociedade e da relação que deve desenvolver com a educação pública. Porém, o
trabalho é um princípio geral, responsável pelo que se entende por “Prática
Social”. Esta prática foi a causadora de inúmeras descobertas científicas,
tecnológicas e metodológicas na História humana. Esta compreensão fica eclipsada
pela forma como o trabalho é entendido hoje (sobretudo pelos governos Dilma,
Tarso e pela Rede Globo-RBS), pela sua utilização prática que leva à alienação
política e social.
Existe um profundo desprezo pelo trabalho por parte dos
trabalhadores dentro da sociedade capitalista, pois ele não é utilizado como
uma forma de reprodução da essência humana, mas como uma nova forma de
alienação e opressão. Os trabalhadores não se reproduzem no trabalho, não
compreendem-no, detestam-no; querem se ver livres dele a qualquer custo justamente
porque não se reproduzem nele, porque lhes é imposto, aborrecedor, por vezes
cruel e desumanizador (o que não impede que boas relações de coleguismo se
desenvolvam nas categorias profissionais). Esta são as características
principais do mercado capitalista de trabalho.
A remuneração, além de ser injusta, insuficiente, é uma
forma profundamente limitada de conceber o trabalho. Marx foi exaustivo em
analisar o papel do trabalho, da sua relação com o patrão e com a sociedade em geral. Quanto mais o
trabalhador trabalha, menos recebe e menos se apropria da “sua criação”. A sua
miséria vai crescendo de acordo com as metas e com a quantidade de trabalho que
precisa despender para ganhar a vida. A competição entre os trabalhadores leva
à desunião, à competição voraz, à desumanização e é o oposto da evolução
científica, que está baseada no “trabalho coletivo” e social por excelência de
centenas de gerações humanas. A geração atual se apóia nas conquistas do
pensamento científico das gerações passadas.
O “trabalho como princípio educativo”, defendido pelo
governo federal e estadual não tem esta compreensão. Ignora esta condição
fundamental do trabalho na sociedade capitalista atual. Transforma o “trabalho”
em uma palavrinha solta, desprovida de relação com a sociedade real, com o
concreto. Faz isso intencionalmente, pois não pode reconhecê-lo, uma vez que se
sustenta e depende das atuais relações de trabalho e de propriedade, que
patrocina e propaga.
Mais do que isso. Traduz as necessidades econômicas atuais
da burguesia de “qualificação profissional e técnica” em uma falsa “Reforma do
Ensino Médio” e num suposto “Pacto pelo fortalecimento do Ensino Médio”.
Resumindo: trabalha no sentido da subordinação total e incondicional do
trabalho ao capital.
***
O “trabalho como princípio educativo” só pode ser
reconhecido como tal no momento em que se coloca a real situação do trabalhador
na sociedade. Ou seja: exploração do trabalho, o arrocho salarial, a extração
da mais-valia. Se não somos donos do resultado do nosso trabalho, da nossa
própria criação, da nossa própria produção, como podemos modificar a sociedade
de acordo com os “nossos interesses”, como cinicamente propõe os documentos do
governo? Como podemos educar os nossos alunos neste “princípio” omitindo este
pequeno “detalhe” sobre o trabalho na sociedade brasileira atual?
O trabalho na sociedade capitalista é aborrecedor e
alienador. As pessoas fogem dele – assim como os nossos alunos fogem da aula –
porque não se reproduzem nele. E por que isso? Porque o trabalho faz parte da
lógica do sistema de exploração, de opressão, de embrutecimento, do fim da
nossa liberdade criadora. A educação opressora, tradicional, é resultado da
sociedade de classe em que vivemos. O colégio-fábrica é a consequência deste
tipo de trabalho desumanizador. Como, então, modificar a educação sem mexer nos
pilares econômicos que orientam o trabalho para este caminho opressivo e
destrutivo? E partindo do reconhecimento daquele argumento governista de que
temos que “aceitar as bases estabelecidas”, como caminhar minimamente no
sentido da modificação da educação se os documentos apresentados pelo governo
omitem o caráter do trabalho da sociedade atual? Se omitem que o governo Tarso,
Dilma e suas SEDUCs trabalham no sentido de manter e aprofundar as bases do
trabalho alienante e desumanizador do capitalismo?
XIII – Sobre a
educação pública e a perspectiva do socialismo
A questão política e econômica da crítica ao capitalismo e
da necessidade do socialismo pode parecer alheia aos problemas da pedagogia e
da educação pública. Muitos acham que pode ser dispensado do debate, pois “não
tem nada a ver”. Mas isso é uma ideia profundamente equivocada. O capitalismo
tem uma linha geral para todos os setores sociais: educação, saúde, comunicação,
transporte, etc. Por isso, deve-se partir do geral e chegar ao específico (no
caso do nosso tema: na pedagogia e na educação). Além disso, o capitalismo –
bem como qualquer sistema econômico – tem ideologia própria que serve para
preservá-lo e mantê-lo funcionando. Estas ideologias são difundidas de diversas
maneiras. Uma dessas maneiras é a escola e a educação pública no geral.
Por tudo isso, a compreensão do funcionamento do capitalismo
– sobretudo do atual – é de suma importância. A precarização dos serviços
públicos, da relação de trabalho (contratos emergenciais, medidas para a
destruição dos planos de carreiras, etc.) os cortes orçamentários e a
subsequente falta de investimento na infraestrutura das escolas públicas criam
uma situação de extrema dificuldade para o educador cumprir plenamente a sua
função. Esta dificuldade soma-se às diversas outras já debatidas. Aliás, todas
elas – pedagogia da “prática diferente do discurso”, do “abafamento”, da falta
de investimento e da sabotagem à gestão democrática – são reflexos da sociedade
capitalista e das suas “políticas públicas” neoliberais.
Nesse sentido, a perspectiva do socialismo é fundamental.
Dentro do capitalismo os educadores devem, necessariamente, estar vinculados à
luta sindical e política por um outro tipo de sociedade. A educação precisa ser
revolucionária ou não educará. Em uma sociedade fundamentada sobre a
exploração, opressão, alienação e hipocrisia institucionalizada, a educação tem
que servir para questionar estes “valores” de deseducação com os quais os
alunos se deparam na sua vida, seja no trabalho, na mídia, nas suas relações
sociais em geral ou na escola (infelizmente). Se a educação não transpor os
limites do capitalismo dificilmente ajudará na emancipação política e
intelectual dos alunos. Pelo contrário: veremos o aprofundamento do caos e da
desilusão dos educadores em relação ao seu trabalho e dos alunos em relação à
escola. Infelizmente a grande maioria dos educadores não quer “incomodação” e
não se “mete em política”. E todos os problemas começam a se desenvolver a partir
daí.
***
Como pode a educação dar lucro? Não estaria algo
profundamente equivocado? Uma educação que dá lucros é uma “contradição
genética”, isto é, pedagógica, pois o ensino e o conhecimento devem ser
socializados e nunca privatizados. A descoberta científica foi e é coletiva;
portanto, o conhecimento não pode ser privatizado. Ser socializado é um pré
requisito para que a ciência e o conhecimento continuem avançando.
***
Todo o educador, se quiser cumprir um papel realmente independente
e de formador crítico, precisa situar-se no campo do socialismo revolucionário.
O termo “democracia”, comumente utilizado nas teorias pedagógicas brasileiras
(em especial na obra de Paulo Freire), é muito vago e impreciso, podendo ser
olhado pela ótica da burguesia (fato que corriqueiramente acontece). Na maioria
das vezes, não tomar partido na questão da disputa entre o projeto burguês
(capitalista) versus o socialista e
falar em “democracia”, significa apenas educar o aluno dentro da concepção
democrático-burguesa, chamada eufemisticamente de “cidadã”. Educamos para
deixá-lo refém da sociedade atual, cego e preso ao labirinto do jogo viciado
das eleições, onde impera o poder do dinheiro e da corrupção.
Não existe “democracia” no abstrato, dissociada de um modo
econômico de produção e de uma determinada sociedade histórica. Conhecemos a
democracia escravista, burguesa e socialista (ou operária). Para que haja
democracia de verdade é preciso mexer na propriedade privada e na estrutura
econômica da sociedade; em suma: é preciso uma revolução. Sem isso, qualquer
discussão sobre “escola democrática” é amputada, falsa e ilusória.
XIV – Sobre como os
neoliberais petistas tentam se travestir com as cores do marxismo para melhor
enganar os trabalhadores: análise do discurso do Secretário de Educação, José
Clóvis de Azevedo, na conferência sobre o “Pacto pelo fortalecimento do Ensino
Médio” no dia 21 de julho de 2014
O Secretário de Educação, José Clóvis de Azevedo, militante
do PT e, também, membro do CPERS, abriu a conferência de educação de Porto
Alegre fazendo uma explanação sobre a política oficial do PT: o “ensino
politécnico” e o “trabalho como princípio educativo”. Explicou brevemente,
segundo a sua interpretação, o materialismo histórico. Falou da comunidade
primitiva e da inexistência de propriedade privada nesta época histórica.
Depois, discursou longamente sobre a “evolução” social em outras sociedades até
desembocar na Revolução Industrial e na “acumulação capitalista”. Aí chegou
aonde queria: discorreu sobre o método fordista e taylorista, criticando o
sistema educacional atual por considerar um atraso o “Sistema S” não estar na
sala de aula cotidianamente.
Aqui fica evidente o real objetivo do governo: preparar
mão-de-obra barata para o grande capital e suprir as necessidades do mercado,
uma vez que não questiona a propriedade privada atual e o sistema capitalista.
Basta ver a atuação dos governos do PT. Querem maior “qualificação” oferecendo
salários cada vez mais arrochados e subordinados à chefia da fábrica e da empresa
(que não tem sua estrutura e propriedade questionada em nada pelos governos
petistas).
Então, o seu verdadeiro objetivo é adaptar a educação aos
interesses do capitalismo atual (escola técnica + educação pública) com um
discurso “progressista”, pseudo-socialista. Isto causa uma confusão intencional
na opinião pública, em alunos, professores e na comunidade escolar. É a
confirmação do que a nossa corrente sindical de oposição (Construção pela Base)
vem alertando desde 2011, durante o lançamento oficial da “Reforma do Ensino
Médio”. A antiga direção do CPERS (PT-CUT pode mais, PSOL, PSTU, CS e PSB)
nunca fez um trabalho sério, sistemático, de desmascaramento da Reforma e da
falsa “politecnia” do governo; muito menos propôs e consumou um projeto
pedagógico alternativo pela ótica dos trabalhadores. Agora que o sindicato foi
entregue para o governismo declarado (Articulação Sindical e de “Esquerda”, do
PT, junto com o PCdoB, que esteve presente na conferência e se colocou ao lado
do Secretário de Educação), ele trabalhará ininterruptamente para consolidar os
projetos do PT, que nada mais são que os projetos do grande capital. O seu
discurso de “formar alunos críticos”, de “avaliação emancipatória” e de
transformar a escola em um local mais atraente para os jovens, é a isca com que
o governo quer angariar apoio para concretizar os projetos do Banco Mundial de
cortes de gastos públicos.
***
Até a prática mais singela de governo demonstra a
contradição entre o discurso e a prática. A avaliação de professores e os
concursos públicos cumprem o papel de “educação tradicional”, onde não existe
“avaliação emancipatória”. O professor pode rodar no concurso público por uma
única questão de marcar, sem levar em consideração suas outras capacidades: preparação
de aulas, leitura, escrita, evolução da docência em sala de aula, relação com
os alunos, tempo de sala de aula e a sua relação com a evolução dos alunos.
Como tudo isso pode ser desconsiderado em troca de uma “única questão de
marcar” por um governo que se diz progressivo e que quer acabar com a educação
tradicional, com as “avaliações que julgam e punem” e que diz querer implantar
a “avaliação emancipatória”?
XV – O “Pacto” do
governo é com o Banco Mundial e contra a educação pública
O discurso do governo, tanto no Pacto quanto no Ensino
“Politécnico”, não condiz com a prática, pois o seu real objetivo é cortar os
custos com a educação pública. Por isso todas estas “reformas” estão rebaixando
a qualidade do ensino cada vez mais. Os nomes são pomposos: “Ensino Médio Inovador”;
“Ensino Politécnico”; “Pacto pelo Ensino Médio”! Mas não existe nenhuma
inovação real, apenas os mesmos objetivos do empresariado disfarçados com um
palavreado modernoso. Todos os “objetivos” traçados servem para garantir os
cortes de verbas públicas visando o pagamento dos juros e amortizações das
dívidas externa e interna. É por isso que nenhum desses programas irá mudar a
educação no sentido de atender as suas reais necessidades.
É dentro desta “realidade” que o governo propõe suas
“modificações para melhor”. Os verdadeiros objetivos, portanto, são garantir os
interesses do grande capital; e aí, as “exigências educacionais” se
enquadrariam dentro desses objetivos. Portanto, todos estes “projetos”,
“pactos” e “reformas” servem para enxugar a “verba de autonomia” da escolas,
que deveria ser aumentada gradativamente, garantindo a entrada permanente de
dinheiro. Mas o governo tem condicionado o “aumento” das verbas e até mesmo a
entrada de dinheiro ordinário à “projetos” e “programas” vinculados às suas
reformas, seguindo suas diretrizes e objetivos gerais (é o mesmo que faz o
Banco Mundial com os governos do mundo). Então, todo o discurso “inovador” cai
na hipocrisia e na mentira aberta. Fala-se em tecnologia, mas a escola vive
parada no século XIX. Tablets, quadro digital ou sala de informática são
privilégios para alguns e uma realidade definitivamente inexistente na escola
pública.
Outra artimanha ardilosa do governo é propor como “projeto”
o que deveria ser a “base natural” do funcionamento da escola e não
condicioná-los ao recebimento de verbas dos seus “programas”. Por exemplo:
iniciação científica; estudo da metodologia científica; leitura e escrita. Isso
deveria ser incentivado através da verba de autonomia no cotidiano da escola e
não por um “projeto” ou “reforma”. É o beabá do ensino público.
O documento oficial do “Pacto” afirma: “A organização do currículo em áreas de conhecimento não deve
substituir a especificidade de cada componente curricular”. Mas em toda a
prática dos 3 anos de “Ensino Politécnico” temos visto exatamente o oposto: o
nivelamento por baixo e a substituição de especificidades curriculares por
generalidades conjunturais, pelo “gosto espontâneo” dos estudantes.
***
Não existe um método dissociado de um conteúdo. A Reforma do
Ensino Médio Politécnico e o Pacto pelo Ensino Médio (bem como todo o Plano
Nacional de Educação) possuem um conteúdo neoliberal. Seu conteúdo está
blindado a tal ponto que não pode ser questionado no essencial. Por isso foi
imposto goela abaixo e não pode ser seriamente debatido.
***
Durante a campanha eleitoral de 2014, Dilma Roussef, em
distintas oportunidades, falou sobre a “necessidade” de acabar com disciplinas
como sociologia e filosofia. Esta proposta está em
consonância com tudo o que fez no governo e com o seu PNE. Tergiversou em
diversas oportunidades, afirmando que o “aluno não tem interesses por uma
escola com mais de 10 disciplinas”. Extermina disciplinas importantes com um
discurso de aproximar a escola da “realidade do aluno”: o mesmo que fez Tarso
no Rio Grande do Sul. Ironicamente, uma presidente perseguida pelos militares quer
acabar com as duas disciplinas que foram eliminadas durante a ditadura militar.
É exatamente por isso que os governos petistas defenderam a “interdisciplinaridade”:
não para resolver os problemas da relação entre a parte e o todo, mas para criar
as condições ideológicas perante a opinião pública para cortar gastos e enxugar
a máquina pública. O PSDB e o Banco Mundial agradecem!
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