segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Houve vitória anti-imperialista no Afeganistão?

Um helicóptero militar estadunidense sobrevoando a embaixada dos EUA em Cabul em 15 de agosto - Photo: AFP / Wakil Kohsar

O presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou a retirada das suas tropas do Afeganistão no dia 14 de abril numa operação que deve se encerrar na simbólica data de 11 de setembro de 2021. Imediatamente se desencadeou uma escalada “meteórica” de ascensão ao poder por parte do Talibã, que começou por tomar o controle de várias cidades do país, culminando na rápida tomada de Cabul em 16 de agosto.

         A retirada das tropas estadunidenses foi interpretada por alguns setores da “esquerda” como uma “vitória anti-imperialista”, mas isso é um novo equívoco. Podemos observar o esgotamento da hegemonia imperialista estadunidense no mundo, no qual se insere a mudança de sua geopolítica no oriente. Porém, isso não é uma derrota.

         A retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão tem mais a ver com um reposicionamento dos EUA na disputa mundial com a China e Rússia do que com uma suposta derrota militar. Isto é: trata-se de uma manobra política e estratégica nas novas condições em que os EUA se encontram. O desenvolvimento autônomo de uma zona euroasiática deixou os EUA marginalizados, acelerando a perda de sua posição hegemônica no mercado mundial. A chamada “guerra contra o terror”, desencadeada após os atentados de 11 de setembro de 2001, foi um pretexto para uma ofensiva global do imperialismo estadunidense visando reverter a sua decadência econômica e a perda gradativa de seu posto hegemônico.

         A ocupação norte-americana do Afeganistão, iniciada em 2001, visava vários objetivos: deter o enfraquecimento da sua hegemonia mundial, criar uma cunha entre a Ásia e a Europa, evitando a conformação de um bloco euroasiático, servir de apoio para a futura ocupação do Iraque – cuja finalidade seria a mesma, além de apropriar-se das riquezas naturais do Oriente Médio, como o petróleo.

         Refletindo suas alianças locais firmadas no final do século XX com Japão e China – reincorporada ao mercado mundial com um certo status privilegiado – os EUA deixavam livre a influência econômica japonesa no sudeste asiático, enquanto se concentrava nas questões relacionadas à segurança (leia-se: controle militar). Naquele momento, dado a relação estreita entre a economia norte-americana e chinesa, esta aliança foi um bom negócio para ambos países, sobretudo porque o Japão, a despeito de alguns movimentos que apontavam para uma busca de autonomia, estava sob controle indireto estadunidense desde o final da Segunda Guerra Mundial. A “segurança” da região visava, portanto, garantir a hegemonia do dólar e a tranquilidade comercial, além de manter-se como uma cunha entre a Europa e a Ásia.

         A correlação de forças, no entanto, foi se modificando em favor da China, que passou gradativamente a assumir não apenas a liderança econômica da Ásia, mas no mundo todo. O objetivo central da retirada das tropas ianques do Afeganistão, portanto, cumpre a finalidade de gerar o caos e a insegurança do mercado euroasiático em formação, com a visível finalidade de sabotar a expansão da “Nova Rota da Seda”, cujas principais estradas e ligações terrestres com destino à Europa passam pelo território afegão, além de isolar a Rússia, aliada estratégica da China, e abrir flancos contra o Irã[1].

         Talvez tenha sido por isso que o governo chinês classificou de “irresponsável” a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão. Pequim incluiu desde 2016 o Afeganistão em seu grande projeto de infraestruturas da “Nova Rota da Seda”[2]. Os EUA, por sua vez, vêm tentando conter a expansão econômica chinesa utilizando-se de diversos estratagemas. A saída do Afeganistão é mais um passo nesse sentido, o que denota a busca da Casa Branca por uma nova política que consiga enfrentar a atual correlação de forças internacionais, que lhe é visivelmente desfavorável.

         Um dos objetivos da burguesia imperialista estadunidense é semear o terror e o pânico no mercado internacional e na opinião pública ocidental através da grande mídia. O impacto negativo desta propaganda também serve a finalidades internas, cujo objetivo é gerar uma nova situação na política nacional visando angariar apoio para sustentar a mentalidade de guerra contra o bloco chinês e russo. Redes de televisão norte-americanas como a CNN, por exemplo, além de veicularem as imagens de “guerra civil” e “caos” nas ruas e no aeroporto de Cabul – replicadas pelas redes sociais –, já falam de novas possibilidades de atentados terroristas contra os EUA por parte de organizações como o próprio Talibã.

         No vácuo da desocupação, o “novo” governo rapidamente afirmou que vai anistiar funcionários afegãos da OTAN e que não interferirá nas atividades empresariais. Expressando os elementos da sua tradicional diplomacia internacional, o governo chinês, por outro lado, declarou ter interesse em relações amistosas com o “novo” governo, afirmando que irá “respeitar a vontade do povo afegão”. Pequim também anunciou que está planejando grandes negócios com o Talibã – declaração que foi amplamente utilizada pela mídia ocidental.

         Após a falácia da “guerra contra o terror”, iniciada em 2001, com a retirada das suas tropas do Afeganistão, a provável jogada de propaganda ideológica dos EUA se voltará contra o “novo eixo do mal”, formado por Talibã, Paquistão e a China[3]! Estes serão os enredos centrais na sua tentativa de apavorar a opinião pública ocidental contra ascensão chinesa, que provavelmente será vendida como aliada dos terroristas. Acompanhemos atentamente os próximos capítulos.

         Já a classe trabalhadora continua alijada do poder tanto num cenário, quanto no outro. Como agravante, vemos parte da “esquerda” comemorando “vitórias” inexistentes sobre o imperialismo, o que só pode manter a luta da classe trabalhadora – o que inclui a sua propaganda – na confusão e na estagnação.

 

Referências

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