Um helicóptero militar estadunidense sobrevoando a embaixada dos EUA em Cabul em 15 de agosto - Photo: AFP / Wakil Kohsar |
O
presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou a retirada das suas tropas do
Afeganistão no dia 14 de abril numa operação que deve se encerrar na simbólica
data de 11 de setembro de 2021. Imediatamente se desencadeou uma escalada “meteórica”
de ascensão ao poder por parte do Talibã, que começou por tomar o controle de
várias cidades do país, culminando na rápida
tomada de Cabul em 16 de agosto.
A retirada das tropas estadunidenses
foi interpretada por alguns setores da “esquerda” como uma “vitória
anti-imperialista”, mas isso é um novo equívoco. Podemos observar o esgotamento
da hegemonia imperialista estadunidense no mundo, no qual se insere a
mudança de sua geopolítica no oriente. Porém, isso não é uma derrota.
A retirada das tropas norte-americanas do
Afeganistão tem mais a ver com um
reposicionamento dos EUA na disputa mundial com a China e Rússia do que com
uma suposta derrota militar. Isto é: trata-se de uma manobra política e
estratégica nas novas condições em que os EUA se encontram. O desenvolvimento autônomo
de uma zona euroasiática deixou os EUA marginalizados, acelerando a perda de
sua posição hegemônica no mercado mundial. A chamada “guerra contra o terror”,
desencadeada após os atentados de 11 de setembro de 2001, foi um pretexto para
uma ofensiva global do imperialismo estadunidense visando reverter a sua
decadência econômica e a perda gradativa de seu posto hegemônico.
A ocupação norte-americana do
Afeganistão, iniciada em 2001, visava vários objetivos: deter o enfraquecimento
da sua hegemonia mundial, criar uma cunha entre a Ásia e a Europa, evitando a
conformação de um bloco euroasiático, servir de apoio para a futura ocupação do
Iraque – cuja finalidade seria a mesma, além de apropriar-se das riquezas
naturais do Oriente Médio, como o petróleo.
Refletindo suas alianças locais firmadas no final do século XX com
Japão e China – reincorporada ao mercado mundial com um certo status privilegiado – os EUA deixavam livre a influência econômica japonesa no sudeste asiático, enquanto se
concentrava nas questões relacionadas à segurança (leia-se: controle militar). Naquele momento, dado a
relação estreita entre a economia norte-americana e chinesa, esta aliança foi um bom negócio
para ambos países, sobretudo porque o Japão, a despeito de alguns movimentos
que apontavam para uma busca de autonomia, estava sob controle indireto
estadunidense desde o final da Segunda Guerra Mundial. A “segurança” da região
visava, portanto, garantir a hegemonia do dólar e a tranquilidade comercial,
além de manter-se como uma cunha entre a Europa e a Ásia.
A correlação de forças, no entanto, foi
se modificando em favor da China, que passou gradativamente a assumir não
apenas a liderança econômica da Ásia, mas no mundo todo. O objetivo central da
retirada das tropas ianques do Afeganistão, portanto, cumpre a finalidade de
gerar o caos e a insegurança do mercado euroasiático em formação, com a visível
finalidade de sabotar a expansão da “Nova Rota da Seda”, cujas principais
estradas e ligações terrestres com destino à Europa passam pelo território
afegão, além de isolar a Rússia, aliada estratégica da China, e abrir flancos
contra o Irã[1].
Talvez tenha sido por isso que o
governo chinês classificou de “irresponsável” a retirada dos Estados Unidos do
Afeganistão. Pequim incluiu desde 2016 o Afeganistão em seu grande projeto de
infraestruturas da “Nova Rota da Seda”[2]. Os EUA, por sua vez, vêm
tentando conter a expansão econômica chinesa utilizando-se de diversos
estratagemas. A saída do Afeganistão é mais um passo nesse
sentido, o que denota a busca da Casa Branca por uma nova política que consiga
enfrentar a atual correlação de forças internacionais, que lhe é visivelmente desfavorável.
Um dos objetivos da burguesia
imperialista estadunidense é semear o terror e o pânico no mercado
internacional e na opinião pública ocidental através da grande mídia. O impacto
negativo desta propaganda também serve a finalidades internas, cujo objetivo é
gerar uma nova situação na política nacional visando angariar apoio para
sustentar a mentalidade de guerra contra o bloco chinês e russo. Redes de televisão
norte-americanas como a CNN, por exemplo, além de veicularem as imagens de
“guerra civil” e “caos” nas ruas e no aeroporto de Cabul – replicadas pelas
redes sociais –, já falam de novas possibilidades de atentados terroristas
contra os EUA por parte de organizações como o próprio Talibã.
No vácuo da desocupação, o “novo”
governo rapidamente afirmou que vai anistiar funcionários afegãos da OTAN e que
não interferirá nas atividades empresariais. Expressando os elementos da sua
tradicional diplomacia internacional, o governo chinês, por outro lado,
declarou ter interesse em relações amistosas com o “novo” governo, afirmando
que irá “respeitar a vontade do povo afegão”. Pequim também anunciou que está
planejando grandes negócios com o Talibã – declaração que foi amplamente
utilizada pela mídia ocidental.
Após a falácia da “guerra contra o
terror”, iniciada em 2001, com a retirada das suas tropas do Afeganistão, a provável
jogada de propaganda ideológica dos EUA se voltará contra o “novo eixo
do mal”, formado por Talibã, Paquistão e a China[3]! Estes serão os enredos
centrais na sua tentativa de apavorar a opinião pública ocidental contra
ascensão chinesa, que provavelmente será vendida como aliada dos terroristas. Acompanhemos
atentamente os próximos capítulos.
Já a classe trabalhadora continua
alijada do poder tanto num cenário, quanto no outro. Como agravante, vemos parte
da “esquerda” comemorando “vitórias” inexistentes sobre o imperialismo, o que
só pode manter a luta da classe trabalhadora – o que inclui a sua propaganda –
na confusão e na estagnação.
Referências
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