A família Brasil é composta por seu José, dona Maria, Ritinha e Joãozinho. Todos vivem do salário do pai, de cerca de R$1.100. Em razão dos empréstimos bancários, R$600 são consumidos pelos juros, sobrando apenas R$500. Há, ainda, um fato curioso: quanto mais seu José Brasil paga a "sua" dívida, mais ela aumenta, sem nenhuma contrapartida para a vida dos seus filhos e sem prazo pra conseguir quitar.
Seu José Brasil se condena por ter chegado a esse ponto, reclamando da "gastança da família", mas jamais questionou a idoneidade da cobrança bancária, tão justa, segundo ele, quanto os julgamentos do Rei Salomão. Seu José Brasil defende a privatização de tudo, pois só as leis do mercado podem resolver as bandalheiras do Estado e o seu "cabide de emprego". Seu José e dona Maria comemoraram a prisão de Lula, o "chefe da quadrilha", como o início da limpeza que Bolsonaro e Sérgio Moro iriam fazer.
O resto da "limpeza" não veio. Ao contrário. Novas mamatas surgem e, de quebra, os juros da sua dívida não param de aumentar: no próximo mês chegarão a R$650; e no outro, a R$700; enquanto o seu salário permanecerá exatamente o mesmo. Seu José despeja seu ódio contra os "políticos" (à exceção de Bolsonaro, que "não seria um político"), mas não vê nenhum problema no sistema financeiro, o centro de toda a corrupção. Reclama da roubalheira dos políticos (com destaque especial aos petistas), mas não reclama dos assaltos por mecanismos de mercado, tido por ele como natural e necessário.
Pelo quê Lula deveria ser condenado? Sem dúvida por sua relação escusa com o sistema financeira, que "fez os bancos lucrarem como nunca na história desse país"; e não por um Triplex e um sítio questionáveis que qualquer juiz, empresário ou banqueiro tem, no mínimo, 10. Mas se ele fosse condenado por sua relação com o sistema financeiro - o que, sem dúvida, seria justo -, com mais razão ainda Bolsonaro, o seu PSL, o PSDB, o Democratas e tantas outras quadrilhas políticas deveriam ser condenadas e presas.
Mas seu José Brasil é um tolo. Sua inteligência foi roubada voluntariamente. Sua capacidade de aprendizado é zero. Seu José ensina a família Brasil a ver a corrupção tal como ele: apenas nos políticos e no Estado, tornando invisível a elite do mercado. Inverte causa e efeito, tornando insuspeito o assalto real feito pelo sistema financeiro e o Banco Central, distorcendo sistematicamente a realidade. Pensa que os seus reais inimigos são o feminismo, os negros, os pobres, os LGBTTs, o "kit gay".
Assim, ele ajuda a estabelecer o seu próprio saque: a corrupção legalizada que condena mais da metade do orçamento público federal através da "dívida pública", que é, na verdade, uma extorsão. Qual seria o problema de seu José? Se hoje em dia metade das empresas brasileiras (sobretudo as de pequeno porte) e a maior parte da população (como o próprio seu José) está endividada até o pescoço, isso não provoca reação nem rebelião organizada de grande parte delas. Ao contrário, acreditam que a "revolução" ao contrário de Bolsonaro vai "colocar as coisas em ordem".
E de fato vai: salvará os bancos e o sistema financeiro na sua sanha insaciável e incontrolável por lucros e juros altos (os maiores do mundo). Seu José e dona Maria continuarão pagando suas "dívidas" justas, respeitando a humilhação diária que nos é imposta pelo sistema financeiro, acreditando em qualquer bode expiatório da conjuntura e, assim, comprometerão o futuro de Ritinha e Joãozinho. Seu José, mesmo que não diga, compreende que tem uma "corrupção boa" e outra "ruim". O sistema financeiro acredita que só existe um idiota bom: o que acredita nestes contos de fada!
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