A
condição para a paz no Oriente Médio pressupõe a cooperação do Estado de Israel
e da comunidade internacional com a criação de um Estado palestino. No entanto,
é tudo o que não quer o governo israelense, com total apoio dos EUA, já que
ambos precisam do caos permanente na região para justificar não apenas os
interesses dos seus respectivos complexos industrial-militar, mas a intervenção
política e militar autoritária.
Exigir “paz” na Palestina sem
reconhecimento mundial de um Estado soberano, que seja respeitado internacionalmente,
mas, sobretudo, seja reconhecido por Israel, é uma contradição. Essa é a
essência da questão. Sem a criação deste Estado, com suas respectivas instituições
e soberania territorial, que tenha crescente inserção econômica mundial, deixa
a população palestina à mercê de Israel. Para tornar um Estado palestino viável
econômica e politicamente, seria necessário vontade política tanto de Israel,
quanto dos EUA. Mas estes países estão interessados em manter uma zona de
guerra permanente no Oriente Médio, tanto para atender os interesses do seu
complexo industrial-militar, quanto para sabotar, sempre que possível, as
ligações geográficas entre a China e a Europa.
Na política interna israelense se notam
duas perspectivas: uma, que é moderada e reconhecia a necessidade de tratados
de paz com os palestinos, respeitando a necessidade da construção de um Estado
independente, representada pelos trabalhistas; e a outra, de caráter fascista
(chamada eufemisticamente de “extrema-direita”), que não apenas não quer nenhum
tipo de independência para os palestinos, como precisa desta situação
“indefinida”, inclusive com a tolerância tácita de “movimentações terroristas”,
para justificar sua política permanente de guerra, representada pelo Likud,
partido de Benjamin Netanyahu.
Cada vez mais o partido fascista ganha
terreno na política interna de Israel, seja através da propaganda ou da
manipulação do inevitável sentimento de insegurança da população. Tomado por um
fundamentalismo sionista, não há diálogo possível, uma vez que usam diversas
manobras políticas para se recusar a ouvir e promover o caos do desentendimento,
até a utilização de “esconderijos institucionais” de órgãos regionais e
internacionais, como a ONU. Na condição de um Estado tolerado e patrocinado
pelas potências Ocidentais, como os EUA e a Inglaterra, Israel pode promover
livremente uma política belicista ininterrupta que impede qualquer tipo de paz
na região.
O Ocidente e a sua
tolerância tácita com a política interna de Israel
A visão utilitarista Ocidental espera cinicamente
uma paz impossível que não enfrenta a política interna de Israel, nem seu
projeto geral. Depois cai num desânimo providencial que termina por “esquecer”
daquela situação sem procurar chegar às suas raízes. Tal visão é pautada pelo
extremo individualismo da sociedade capitalista, que consome o espetáculo
midiático, no mais das vezes, acriticamente, se “comovendo” seletivamente e se
assustando.
Como se viu, não é possível paz na
região se há uma fonte que tensiona permanentemente para ações de guerra, como
a política interna de Israel, que não reconhece nenhum tipo de soberania
política e sabota qualquer tratado de paz, agindo no sentido de ofender,
humilhar e massacrar permanentemente os palestinos.
A situação política e econômica
internacional, bem como a propaganda da grande mídia Ocidental (chamada
erroneamente de “jornalismo”), condiciona nossas mentes e a nossa visão sobre a
situação da Palestina. Somos obrigados a raciocinar dentro de estreitos limites
e fica fora da equação as questões decisivas da política interna de Israel,
abençoada e sustentada, às vezes secretamente, às vezes abertamente, pelo
imperialismo estadunidense.
E querer paz para região ignorando
essas questões decisivas é o mesmo que querer apagar fogo com gasolina. É como
se houvesse um curto-circuito que impede um desfecho positivo e sobressai-se perante
nossos olhos uma aparente situação sem saída. Há um permanente trabalho ideológico
neste “jornalismo” para nos impedir de chegar às verdadeiras raízes do
problema.
Escondem ou minimizam a política
fascista de Netanyahu e seu partido para permanecer no poder e manter intacta as
suas sucessivas manobras militares de limpeza étnica. No seu quinto mandato
consecutivo, ele sofria com processos de corrupção e promovia, seguindo a linha
do neofascismo internacional, uma série
de ataques políticos ao judiciário, alegando excessivo poder de interferência.
Por isso, tentava concretizar o que
chamou de “reformas” para diminuir o seu poder. Em resposta, enfrentou uma
sequência de protestos populares há meses, o que levou o seu governo a uma
semi-paralia. O ataque do Hamas lhe deu providencialmente a justificativa para
unificar o governo e o país em torno da guerra, criando, finalmente, uma
“aliança de governo”. Como declarou que a “guerra será longa”, o caminho, fica
livre, na prática, para “reformar o judiciário” por meio de poderes marciais.
Enquanto bombardeia Gaza diariamente,
vende cinicamente a ideia de que isto estaria justificado porque Israel é “a
única democracia do Oriente Médio”. As suas declarações são reproduzidas aos
quatro cantos pela mídia Ocidental.
A propaganda da grande
mídia e da extrema-direita e a sua relação com o egocentrismo humano frente à
causas complexas
A mídia Ocidental também sabe lidar
muito bem com o “seu público”. A população Ocidental é levada, através do
discurso político oficial e da grande mídia comercial, a esperar uma paz “do
nada”, por uma “boa vontade política de ambos os lados”, esquecendo-se das
situações objetivas e fechando os olhos para ações políticas que acontecem nas
sombras, permanecendo, assim, muitas vezes, em uma ingenuidade forçada que
procura não ver para não se incomodar.
Isto segue uma lógica da psicologia de
massas. Se os observadores ocidentais acham que alguma coisa é possível, então
gastam uma grande abundância de energia nessa “solução”, se empenham, se
empolgam e até se tornam ativistas. Mas se sentem que algo é impossível, como supostamente é a situação da palestina,
veem tudo como um grande desperdício de energia e se largam na correnteza do
que existe, das coisas como elas são, e, então, vivem caindo de armadilha em
armadilha.
E como é fácil cair em armadilhas da
grande mídia Ocidental e da extrema direita – especialistas em criar novas
armadilhas –, uma vez que o discurso de ódio, que justifica a violência e a
cultura de guerra é sempre muito sedutor para os seres humanos dominados pelas
atividades egocêntricas. A sociedade capitalista é individualista, utilitária,
e incentiva o egotismo como forma de dominação. A extrema-direita e a grande
mídia sabem disso e incentivam tais “qualidades” na massa humana.
Assim, como a maior parte das pessoas é
dominada por estas atividades e preocupações egocêntricas, se importando
superficialmente por assuntos que não lhe dizem respeito diretamente, vemos uma
enxurrada de posições messiânicas, equivocadas, parciais ou interesseiras sobre
a questão de vida ou morte da Palestina. Tais posições tendem a aprofundar o
caos e a perpetuar a situação de violência sem fim na Palestina e no Oriente
Médio.
Temos visto que a política oficial de
EUA e Israel, bem como o “jornalismo” da grande mídia Ocidental, alimentam na
massa humana tendências animalescas, que a desumanizam. Criam e naturalizam
xenofobias, genocídios e violências reais e simbólicas nas mais diferentes
esferas; isto é, com sua narrativa ajudam a manter hordas de massas fanatizadas
incapazes de pensar de forma abrangente e que nada veem nem ouvem além da voz
do seu caudilho de ocasião, a letra da sua cartilha, da sua “cultura”.
Em nome da imposição de um tipo de
civilização – a sua –, desmerecem outras e as atacam se tentam resistir de
alguma forma. Como pode uma mente confusa descobrir e entender qualquer coisa
que não seja a projeção de sua própria confusão?
Por que, afinal, não há
paz no Oriente Médio?
Não há paz no Oriente Médio porque
existe uma força tensionando permanentemente pela manutenção de uma linha
política. Esta linha visa a imposição de uma vontade sobre as demais pela
força; no caso, trata-se da força promovida pelo Estado de Israel – amparada
pelos EUA –, sob o tacão político da extrema-direita, o Likud, que não mede
esforços para sabotar acordos de paz e impor sua política de guerra sustentada
por um terrível discurso de ódio, minimizado, ou mesmo ignorado, pela mídia
Ocidental, que ressalta e salienta apenas o discurso de ódio do Hamas. O
governo do Likud é, portanto, um centro permanente de sabotagem de qualquer
autonomia para a Palestina e promotor de um terrorismo
de Estado ininterrupto – minimizado ou tornado “natural e justo” pela
grande mídia Ocidental.
Do outro lado temos um povo sem Estado,
sem soberania sobre o seu território, sem exército; massacrado e desesperado.
Como se fossem “criados em laboratório”, suas experiências políticas
desesperadas tendem a desenvolver formas de fundamentalismo, como o terrorismo.
Se não há possibilidade de se manifestarem de outra forma; e se no cotidiano de
sofrimentos incontáveis, são ignorados pela comunidade internacional, o que
lhes resta? Se podemos “condenar o terrorismo” do Hamas, um tanto generoso com
as intenções de Netanyahu e o Likud, dada a ausência da correlação de forças,
não podemos deixar de reconhecer que é um reflexo de uma força maior, no caso,
da opressão permanente do Estado de Israel. Qualquer ser humano que tenha um
pingo de sensibilidade sabe que o terrorismo do Hamas poderia ser evitado ou,
pelo menos, minimizado, se houvesse outra orientação política do lado mais
forte, o que não é o caso.
A visão da “esquerda”
sobre a situação da palestina
O Hamas também dissemina um discurso de
ódio, que é amplamente utilizado pelo governo de Israel e pela grande mídia
Ocidental para acionar o lado sádico e violento das massas humanas.
Como sofrer uma agressão e não revidar?
Para isso, criam uma narrativa que
esconde os fatos sobre a opressão histórica de Israel em relação à Palestina.
Mesmo quando, por ventura, alguém saiba dos fatos, tende a tomar o lado da
retaliação, uma vez que o ódio e a violência são forças incentivadas,
disseminadas e valorizadas pela sociedade atual. A violência é admirada por si
mesma como uma demonstração de força; e, assim, entendem que é legítimo que o
lado mais forte prevaleça. Não é mais ou menos assim que funciona a mentalidade
meritocrática?
Então, a “esquerda”, no geral, tende a
apoiar as ações do Hamas, acriticamente, o que só pode reforçar o círculo
vicioso de violência desencadeado e sustentado pelo Estado de Israel.
Mais do que isso!
O governo de Israel, os EUA e a sua
grande mídia contam com isso. E tudo fica ainda mais embolado a partir de um
discurso frenético que reproduz a “teoria marxista” um tanto dogmaticamente,
mas ignora a realidade concreta da disputa da luta de classes na região. Ou
seja, se avaliza e se reforça direta ou indiretamente o discurso do Hamas.
Assim, Israel desencadeia inúmeras ofensivas militares “amparada” no discurso
de “auto defesa”, “justiça”, “liberação de reféns” (como se a faixa de Gaza não
fosse uma região inteira que mantém 2 milhões de reféns) e “combate ao
terrorismo”.
Tudo isso gera uma espiral sem fim de
violência e de cultura de guerra. O que redunda em mais massacre e, agora, numa
política consciente promovida pelo Likud de limpeza
étnica. Não existiriam “guerras” hoje em dia sem o apoio ativo da grande
mídia, que conquista o “consentimento” do “cidadão médio” dos países do mundo,
mas, em especial, de Israel. A contra-narrativa da esquerda tem reforçado e
facilitado a política fascista do Likud, pois não há cuidado com a forma, nem
com a realidade concreta.
Compete a um lado sensato e lúcido
romper com esta espiral de violência. O fundamentalismo islâmico e político
beneficia a política do Likud e o ajuda a se disfarçar. O primeiro passo é
nunca desviar a atenção da política interna de Israel, bem como de seus
objetivos gerais, que só podem promover a guerra e a limpeza étnica. Estar
consciente dela, nunca esquecê-la, denunciá-la em qualquer circunstância, mesmo
frente à pior onda de desinformação propagandística promovida pela grande mídia
Ocidental.
Esta é a chave!
No momento atual, de total
desarticulação da esquerda a nível regional e internacional, cabe entender a
situação e renovar a análise e denúncia da situação palestina da melhor forma
possível, evitando a repetição de jargões e frases soltas que só podem ajudar politicamente
o Likud, o Estado de Israel e os EUA, em decadência histórica.