O senso comum das pessoas pensa, com certa razão, que o
poder pode solucionar todos os problemas da sociedade. Os marxistas e os
leninistas das mais distintas tendências lutam pelo poder, afirmando, também
com certa razão, que “fora do poder, tudo é ilusão”, o que corrobora com a
ideia geral do senso comum no âmbito da militância.
Se queremos
mudar a sociedade e, sobretudo, conservar essas mudanças, certamente teremos
que enfrentar o problema do poder. No
entanto, até para que possamos usá-lo da maneira mais eficaz e saudável
possível, evitando os erros e os vícios do passado, que ainda sobrevivem dentro
da inércia histórica, é importante refletir sobre sua natureza e seus limites.
Para o
comunista, cineasta e pensador italiano, Paolo Pasolini, "estar no poder significa dispor dos instrumentos do poder".
Correto. É por isso que a militância socialista luta pelo poder, cuja
finalidade é remodelar e reestruturar a sociedade de acordo com novos
princípios. Porém, não significa apenas dispor dos instrumentos do poder.
Significa, também, enfrentar os problemas
e os limites do poder, como, por exemplo, disciplinar a massa,
enfrentado-se com o seu senso comum mais atrasado e com a sua ausência de
interesse por seus deveres, uma vez que, ultimamente, só tem se lembrado de
exigir os direitos.
Muita gente,
dentro e fora da militância de esquerda, pensa que basta chegar ao poder para
que a mentalidade e as ações da massa se readequem espontaneamente e “se
resolvam por si mesma”, pelo simples fato do surgimento de um “novo poder” –
supostamente de caráter proletário. As experiências revolucionárias do século
XX não demonstraram isso. Grande parte dos militantes de esquerda insinua, de
uma forma ou outra, que pode existir um trabalho de base perfeito, ou a
construção de alianças que redundem numa tomada do poder que seja a expressão
acabada e universal dos desejos e anseios da massa — como se a massa não fosse
contraditória e repleta de problemas internos. Os métodos da “ditadura do
proletariado” precisam ponderar onde e quando atuar e intervir, pois a depender
de determinados métodos e ações pode dificultar o seu desenvolvimento ou até
mesmo jogá-la nos braços da burguesia, uma vez que a sua mentalidade alienada a
faz desejar, grande parte do tempo, o mesmo que a classe dominante.
As camadas
mais populares da massa também precisam amadurecer, demonstrando algum tipo de
vontade coerente e progressista, por menor que seja, aprendendo a se colocar no
lugar do governo para também desenvolver a capacidade de pensar dentro da
lógica dos "problemas de poder". Caso contrário, viveremos eternamente
como crianças dependentes, que são acostumadas a exigir sem ter em
contrapartida algum tipo de dever para com esse poder ou, no mínimo, para com a
sociedade.
Quando o
governo tem um caráter de classe — no caso, quando se tratam de governos burgueses
— há uma direção política e econômica bem nítida que termina segregando a
sociedade e contribuindo para a manutenção da pobreza, mesmo em meio a algum
tipo de fartura. No caso de um governo socialista, que pretende mudar o sistema
e fazer o oposto, cabe refletirmos sobre os limites do poder.
Os governos,
no geral, não agem no vazio. Escolhem sempre entre alternativas e, portanto, estão
submetidos a restrições que são decorrentes, muitas vezes, de escassez de
recursos, de valores sociais incompatíveis com certas escolhas, com interesses
de outros países e de grupos sociais, de flutuações do nível de atividade
econômica mundial, de mudança nos padrões de produção e de avanços
tecnológicos, dentre outros.
A ação de
governo (e de poder) consiste, essencialmente, em tomar decisões, em escolher
entre alternativas reais, e toda a
escolha inevitavelmente cria descontentamento. Mesmo entre a classe
trabalhadora, que em razão de inúmeras heranças da sociedade capitalista, pode
não entender tais escolhas e até mesmo se colocar politicamente contrários a um
possível governo revolucionário em distintas oportunidades. A simples repressão
a estes possíveis descontentamentos gera consequências desfavoráveis e danosas
— às vezes irreversíveis.
É necessário
educar a mente popular — o senso comum — sobre os problemas do poder. Tratá-lo
como mágico ou místico, capaz de resolver todos os problemas com uma varinha de
condão, é o que faz com que as pessoas sejam presas fáceis do rebaixado e
conveniente discurso político que reduz tudo à corrupção. É muito importante demonstrar
que os governos não agem no vazio, mas que existem condições e limites, mesmo
para os governos mais bem “equipados” e posicionados.
A postura
infantil só critica, exige tudo e desconsidera todos esses problemas. Ela não
pode criar uma massa com uma consciência realista, que seja base de apoio e
sustentação de uma profunda mudança social, como um governo socialista, por
exemplo. É muito importante levar tudo isso em consideração para podermos desenvolver
um novo trabalho político e social de base que seja correspondente aos limites reais
do poder, para que este não seja mais uma fonte de ilusões, nem de espera por “soluções
milagrosas”.
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