terça-feira, 19 de julho de 2022

Seriedade e frações

O blog Consciência Proletária resgata e publica algumas das colunas O caos escritas pelo comunista, militante independente, cronista e cineasta italiano, Paolo Pasolini, ao jornal semanal O tempo, publicadas entre os anos de 1968 e 1970

Folheio L'Unità: não me deixo comover pelas grandes fotografias sobre a manifestação operária de Roma: essas coisas só comovem na realidade; e, sobre elas, ou se consegue escrever coisas verdadeiramente elevadas ou é melhor silenciar.

Detenho, ao contrário, em alguns artigos e notícias. Choca-me, em primeiro lugar, o artigo de Berlinguer ("Coerência do Partido") sobre a exclusão do PCI dos redatores de Il Manifesto. Não estou absolutamente de acordo com Berlinguer sobre essa coerência, que é uma coerência inteiramente oficial, burocrática e (que agora Berlinguer me permita, já que é possível trapacear com tudo, menos com o estilo, e é do estilo de seu artigo que extraio esta dedução) insincera.

Berlinguer coloca alguns pontos básicos como premissas para justificar a medida tomada pelo Comitê Central: "Jamais deixamos que pairassem dúvidas sobre o fato de que aplicaríamos, com a mais rigorosa coerência, princípios e regras de conduta que foram sempre enunciados com a maior clareza".

Isso tudo me parece fora da esfera humana, existencial e lógica: a "mais rigorosa coerência" é de uma desumanidade de arrepiar os cabelos; é a manifestação de uma linguagem própria de monges fanáticos, não de homens; e o mesmo pode ser dito da "máxima clareza"; para não falar dos terríveis "princípios e regras de conduta"! Só há coerência e rigor onde existe infração e contradição; só existe clareza onde há também obscuridade; e os princípios e regras foram feitos para serem violados. É uma coisa tão óbvia que me envergonho de dizê-lo. 

"Por que esquecer — continua Berlinguer — que, existindo um estatuto do Partido que proíbe as frações, isso quer dizer, precisamente, que não permitiremos que as frações sejam criadas? E nosso estatuto (...) é expressão de uma concepção geral que provém de uma elaboração teórica que extraímos de toda uma longa experiência de luta que não é apenas nossa, mas de todo o movimento operário, na Itália e no mundo".

Creio, ao contrário, que a experiência da luta do movimento operário na Itália e no mundo — ou seja, a luta que levou ao stalinismo na Rússia e a uma nova forma de stalinismo na China — deveria aconselhar os comunistas a reverem esta experiência teórica: e isso porque, se não estou enganado, essa experiência é a experiência de um fracasso, ainda que se trate de um fracasso grandioso e ainda que as premissas continuem justas e, permitam-me dizê-lo, neste contexto, sacrossantas.

Berlinguer continua afirmando, como no último congresso do PCI em Bolonha, que a vida interna democrática do Partido continuou a se desenvolver sob formas cada vez mais amplas e abertas. "Mas — prossegue — continuamos a insistir, também naquela oportunidade, em que o limite que separa do fracionismo era e é para nós um limite intransponível".

Ora, em que consiste uma real vida democrática senão no fracionamento?

"Então, por que o espanto quanto nós, como partido sério que somos, aplicamos de modo inequívoco os princípios que são a base da força, dos sucessos e do avanço de nosso Partido?".

A seriedade! Meu deus, a seriedade! Mas a seriedade é a qualidade de quem não tem nenhuma outra: é um dos cânones de conduta (aliás, o principal) da pequena-burguesia! Como é possível que alguém se vanglorie da própria seriedade? Sério é uma coisa que se deve ser, não dizer que é: e talvez nem mesmo aparentar ser. Ou se é ou não se é sério: quando a seriedade é enunciada torna-se chantagem e terrorismo! Será que o PCI é uma empresa comercial milanesa? Em suma: abaixo os homens sérios!

Cheguei até a metade do artigo de Berlinguer; a outra metade é apenas uma repetição e uma amplificação da primeira: incrivelmente ingênua, escrita evidentemente para os leitores que os dirigentes comunistas  com um insuprimível matiz racista — chamam de "homens simples" (expressão que faz parte daquela tendência eufemística da linguagem comunista oficial, segundo a qual — como observou Fortini — disse, por exemplo, crimes e não delitos).

Nº51, ano XXXI, 20 de dezembro de 1969

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