Quanto
mais nos aproximamos das eleições de outubro mais torna-se provável a eleição de Lula para um novo mandato presidencial, ainda
que nada esteja garantido – sobretudo se olharmos para as tropas de “fiéis
bolsonaristas” trabalhando incansavelmente para reverter o seu desgaste e
propagando ideias de golpe.
Contudo, o sinal verde já foi dado pela
imprensa estadunidense e pela CIA. A capa da revista Time traz Lula em seu “segundo ato”, sendo apresentado como o “líder mais popular do Brasil”. Já a
CIA, através do seu diretor Willian Burns, advertiu Bolsonaro para que cessem
os questionamentos “ao sistema eleitoral
do país antes do pleito de outubro”, segundo fontes de notícias da Reuters[1].
Os demais partidos da “esquerda
institucional” legalizada (falamos de PCB, PSTU e UP, uma vez que PCdoB, Psol e
PCO já declararam apoio à candidatura petista no primeiro turno) não tem
política consequente, nem força suficiente para quebrar a avalanche popular,
repleta de esperanças e ilusões, em prol da candidatura de Lula.
Desde
meados das décadas de 2000 e 2010, quando vivíamos o auge dos governos
petistas, nenhuma força de esquerda conseguiu arranhar tais ilusões eleitorais.
Até o momento, as candidaturas petistas eclipsaram e, por fim, fecham o espaço
para qualquer outra que esteja à esquerda e possa, por ventura, desenvolver influência de massas. Parte disso se
deve ao fato de que esta esquerda institucional repete consciente ou
inconscientemente os mesmos erros petistas, seja nos sindicatos ou nos
movimentos sociais; seja nas próprias eleições. Sua propaganda e agitação
estão, no geral, viciadas!
Ao longo destes anos, o “enfrentamento”
político-eleitoral às candidaturas e governos petistas – e à figura de Lula em
particular – não apenas não gerou nenhum tipo de crise entre a classe
trabalhadora e o messianismo petista, como, ao contrário, terminou por reforçar
a liderança lulista. Nunca se analisou o petismo e a “sua base de massas” à luz
da psicologia de massas. Simplesmente
se denunciava a principal fonte de ilusão da classe trabalhadora brasileira –
muitas vezes de forma equivocada –, sem tentar entendê-la[2].
Ou seja: não avançamos quase nada com as candidaturas da esquerda
institucional, ditas “socialistas” e de “oposição de esquerda” ao petismo, já
que elas não souberam estabelecer uma política de ponte com a base de massas
petista – e nem esta demonstrou interesse, porque não se sentiu tocada e porque
sofre de enfermidades imediatistas.
Para os partidos da esquerda
institucional bastaria apresentar uma “candidatura alternativa” ao petismo para
que este simples fato servisse de
“chamariz” à classe trabalhadora, superando suas profundas e graves ilusões a
respeito do petismo e das próprias eleições, desconsiderando totalmente sua
psicologia e a sua prática. Infelizmente, as
eleições ainda são vistas equivocadamente pelo povo brasileiro como o momento
chave de qualquer mudança social, uma vez que ele não percebe (não consegue
ou não quer perceber) suas armadilhas mortais – inclusive fechando os olhos
para a aliança com Alckmin e os jantares de Lula com parte da velha elite
nordestina, os caciques do MDB, etc. – muitos deles sendo parte ativa do golpe
contra Dilma em 2016 –, liderados por Renan Calheiros. Para a maior parte do
povo, infelizmente, “Lula sabe o que está fazendo”; por isso ouvimos dizer: “deixa o homem
trabalhar”!
Levando
tudo isso em consideração, se faz necessário avaliar dez pontos chaves do plano Lula de governo[3],
confrontando-o com a realidade e fazendo um exercício de análise de suas consequências
e inconsequências, para procurar abrir um diálogo com a sua base eleitoral por
entre o povo brasileiro. A grande questão não é simplesmente denunciar a
aliança com Alckmin e todos os desvios burgueses gravíssimos que o PT possui,
mas continua sendo entender por que a
massa o apoia independentemente de qualquer crítica
de esquerda, já que a “crítica” de
direita foi rapidamente assimilada por parte da classe trabalhadora. E não
menos importante: como romper com esta cegueira voluntária do povo, que se
reflete nesta sua busca permanente por um “pai superprotetor” que “vence na
vida”?
Análise geral do “plano Lula de governo”
O discurso presente no projeto de
governo apresentado pelo PT (e sustentado em diversas intervenções públicas de
Lula) usa e abusa de expressões como “distribuição
de renda, riqueza e poder”; além de propor “reformas estruturais” na
economia, na política e na sociedade[4].
Tais propostas não se constituem em uma verdadeira novidade na retórica
petista, embora tenham sido objeto de crítica preventiva por parte da mídia
burguesa, temendo algum possível “excesso”.
A grande “novidade” apresentada ainda no
programa eleitoral de 2018 talvez fosse a proposta de uma “assembleia nacional constituinte, livre, soberana e unicameral”[5],
com vistas a concretizar tais “reformas”. Porém, esta “novidade” nem sequer
está sendo cogitada para o plano de 2022.
Este ainda fala em uma “inserção
internacional soberana” a partir dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul)[6],
sem especificar ao certo como esta medida se daria – além de uma genérica
“integração com a África” (o que de fato seria positivo, embora muito vago);
além de propor uma reacionária reforma da ONU, procurando legitimar espaços
políticos de um órgão hegemonizado, no geral, pelo imperialismo estadunidense.
Por outro lado, não há nenhuma análise séria e crítica acerca do papel cumprido
por China e Rússia no mundo atual. Como nada é dito sobre isso, todas as portas
ficam abertas para uma simples troca de “centro de comando” internacional, dos
EUA para a China – ainda que a retórica chinesa seja mais branda e “inclusiva”
que a norte-americana[7].
Nesse sentido, é difícil esperar qualquer “soberania nacional”.
Há também declarações no sentido de
revogar reformas feitas pelos governos golpistas Temer (MDB e cia.) e Bolsonaro,
embora não tenhamos elementos que nos garantam concretude para tal proposta, dado
o arco de alianças fechado pelo petismo e a instabilidade política resultante
do jogo das instituições democrático-burguesas. O “centrão”, cujo MDB é um dos
principais atores, já mandou um papo reto
para Lula (amplificado com prazer pela mídia burguesa): “é melhor baixar a bola”[8]!
Sabemos
que o “centrão” é um lixo tóxico resultante de uma estrutura
político-institucional repleta de problemas que nunca foi enfrentada seriamente
– isto é, de forma revolucionária. O PT inclusive ajudou a fortalecê-la ao
longo dos seus governos. Poderia, então, o “centrão” ser varrido como foco de poder paralelo apenas existindo uma
“maioria petista” e “de esquerda” no parlamento, ou as bizarras tratativas de
alianças eleitorais em curso entre PT e os demais partidos burgueses tende a
perpetuá-lo contra si mesmo?
Dez pontos para reflexão acerca do “plano
Lula de governo”
Todo ativista que vai fazer campanha
eleitoral para Lula deveria refletir sobre o seu plano de governo. Esmiuçar
suas contradições no sentido de tentar entender as implicações concretas de
cada uma de suas propostas é o que tentaremos fazer a seguir.
1.
Não
há soberania nacional sem o controle sobre a própria economia. Isto é o básico:
o mercado interno deve ser controlado nos seus principais canais estruturais
pelo governo nacional, combatendo ingerências exteriores (o que tem sido a
regra na história do Brasil). Esta é a fonte principal de sua submissão neolocolonial. Os mandatos
petistas de 2002 a 2016 não mudaram nada de essencial nesta estrutura de
dependência. Por esta razão, devemos ter reservas e desconfianças acerca das
“boas intenções” do governo ao falar em soberania
nacional.
Na atualidade, a essência dos problemas
econômicos brasileiros é a sua dependência de tecnologia estrangeira, tal como
foi dependente de capitais imperialistas ao longo do século XIX e XX – e é
ainda hoje! A espinha dorsal é a mesma, embora convertida em termos modernos:
enquanto o Brasil exporta matéria-prima, importa produtos de alto valor
agregado, gerando um déficit permanente
que é atirado sobre as costas do povo; ao mesmo tempo em que os setores
agro-exportadores e financeiros se locupletam com lucros em dólares e com as
garantias dadas pelo Estado a partir de inúmeras isenções fiscais e perdões inaceitáveis de dívidas colossais,
que só se acumulam. Em última análise, a economia nacional está montada sobre a
funcionalidade dos interesses destes setores (o agronegócio e os bancos,
principalmente).
Há que se ter um projeto baseado em uma
perspectiva que tenha como eixo um plano de desenvolvimento de ciência e tecnologia próprias e,
consequentemente, de enfrentamento aos setores do agronegócio, dos bancos e das
transnacionais, que impedem e atrofiam estas áreas; e cuja fonte de
enriquecimento é justamente a atual estrutura sócio-econômica que submete a
economia ao mercado mundial e à tecnologia estrangeira. Lula e o PT propõe
“negociar” pacificamente com todos eles, acalmando apetites econômicos
insaciáveis que terminam, ao fim e ao cabo, sufocando toda a possibilidade de
mudança e de desenvolvimento econômico autônomo do país – até que o desgaste
político inevitável dos governos petistas possibilite novos golpes
protagonizados pela elite nacional e internacional, interessadíssima na
manutenção desta estrutura sócio-econômica.
Para além de um projeto independente de
desenvolvimento de ciência e tecnologia, é necessário criar um parque
industrial baseado num mercado interno e regional, que sejam o máximo possível autônomos
e rompam com as fontes de “investimento” exclusivamente dependentes do
capitalismo estrangeiro, seja ele estadunidense, europeu ou chinês. Em síntese:
é necessário tomar o controle da economia nas nossas próprias mãos, de forma
autônoma e soberana. Dificilmente, dado o plano de governo, o arco de alianças
e a estratégia política, o petismo será capaz de fazer isso – a não ser que
seja muito pressionado pelo movimento de
massas organizado (algo que no momento está fora de cogitação, dado que é
hegemonizado pela ditadura sindical petista contra oposições independentes).
***
Dentro desta perspectiva de buscar a soberania
econômica, é necessário enfrentar o autonomismo
desenvolvimentista da região sudeste em relação ao desenvolvimento geral do
país – em especial, enfrentar o problema da situação autônoma de São Paulo, que
se estende desde a revolução de 1930 e a contrarrevolução paulista de 1932.
O regime político que ficou conhecido
como República Velha garantia a São Paulo e à região sudeste um desenvolvimento
econômico a revelia da nação, concentrando investimentos e tendo vantagens
econômicas que atrofiam o desenvolvimento do restante das regiões do país[9].
No essencial, esta situação não se modificou. Um eventual governo Lula, se quer
ser sério no discurso de “soberania”, precisa ter uma política para superar este
problema, utilizando-se da riqueza de São Paulo para desenvolver economicamente
o resto do país e evitando que ela sirva de simples porta de entrada para o
imperialismo estrangeiro.
2.
Parte fundamental do controle sobre a
própria economia diz respeito a enfrentar o problema da dívida pública, que como
já ficou demonstrado, representa um vínculo escravista contemporâneo. É
imprescindível realizar uma auditoria da dívida pública, anular e não pagar os
valores fraudulentos e que foram contraídos a partir de negociatas do setor
privado.
O governo Dilma se negou a realizar tal auditoria e, provavelmente, um novo governo Lula, por sua própria natureza, não enfrentará o problema. Sem essa medida fundamental não haverá mudança, mas apenas a postergação de novos e piores golpes por parte da elite nacional e internacional. Uma vez que a sangria desatada da dívida pública seja estancada, os investimentos devem ser buscados nos bancos públicos e nos investidores internacionais que não chantageiem e imponham exigências draconianas de desmontes de cadeias produtivas nacionais, como fazem o Banco Mundial, o FMI, o “consenso” de Washington e a grande mídia burguesa, que é a porta voz dos primeiros (utilizar-se, talvez, da demagogia chinesa de “desenvolvimento multipolar” seria interessante). A moeda nacional deve buscar vincular-se com algum recurso energético fundamental, que tenha respaldo na produção econômica real, desvinculando-se do dólar, cuja principal finalidade tem sido especular com capital improdutivo para enriquecer a elite norte-americana.
3.
Um governo com projeto de
desenvolvimento econômico autônomo precisa utilizar-se dos bancos públicos para
intervir no mercado interno, visando baixar taxas de juros, controlar a usura e
a roubalheira desenfreada dos bancos privados, nacionais e estrangeiros – e do
mercado (sobretudo do mercado financeiro que o utiliza para especular, sem
nenhum retorno na economia real direcionado ao povo – afinal de contas, não é
apenas a “reforma tributária” que deve distribuir renda)!
Para isso, é importante combater abertamente
a ideologia neoliberal, que condena como pecado qualquer intervenção estatal na
economia privada. Sem isso não haverá a menor chance de desenvolvimento
econômico para o país, mantendo-se e aprofundando-se a espoliação do povo.
Nesse sentido, um futuro governo que almeje uma mudança real – como Lula e o PT
insinuam – precisa organizar o enfrentamento teórico e ideológico em um amplo
debate público nacional para desmascarar a ideologia neoliberal nos seus mais
íntimos detalhes e implicações – desmascarando, sobretudo, os perniciosos
discursos militantes da grande mídia burguesa de forma aberta e direta –, e não
continuar discursando radicalmente apenas
para consumo restrito de grupos de militantes e sindicalistas, mas voltar-se
para a massa do povo por todos os espaços possíveis: televisão, rádio,
internet, redes sociais, atos e debates públicos. Um futuro governo Lula
poderia cumprir este papel?
4.
Iniciar uma campanha de esclarecimento
popular sobre as concessões públicas para as empresas da grande mídia,
relembrando periodicamente o prazo em que expiram. É inaceitável que somente o
bolsonarismo tenha ameaçado a Rede Globo com a cassação da sua licença,
enquanto que o petismo concilia desavergonhadamente com este antro de golpes,
mentiras e dissimulações, orientadas pelos EUA.
O primeiro passo é demonstrar
publicamente o prazo em que expira tais concessões, seja da Rede Globo ou de
qualquer outra emissora. Após, reestabelecer parâmetros para um novo debate
nacional acerca de futuras concessões ao setor privado. Assim como é importante
utilizar os bancos públicos para intervir na economia, visando competir e
obrigar os bancos privados a baixarem suas taxas de juros e dividendos, é
fundamental criar uma emissora pública para todas as esferas da grande mídia
visando diminuir progressivamente a influência da Rede Globo e das demais
emissoras comerciais sobre o senso comum nacional, cuja finalidade é promover
todos os debates públicos que são censurados “democraticamente” pelo jornalismo
e demais programas destas emissoras, politizar o povo e criar a possibilidade
de uma opinião pública pensante e independente.
Um governo que almeja uma “mudança real
no país”, para além de controlar publicamente as concessões e criar emissoras
públicas de longo alcance, precisa apontar para a construção permanente de
debates públicos da programação e dos conteúdos veiculados na sua grade diária,
seja por congressos periódicos da classe trabalhadora, convocados e debatidos
com toda a sociedade, seja por debates em instâncias de base, como sindicatos e
associações da sociedade civil, transformando a TV de um instrumento de mera alienação,
publicidade, opressão e dominação, em um meio para a formação educativa,
cultural e social de todo o povo[10].
5.
Não haverá mudança no país sem o
enfrentamento direto a sua “elite do atraso”, a mesma que patrocina
inescrupulosamente golpes contra qualquer governo que expresse tendências
“minimamente populares”. No momento atual do país significa se enfrentar (inclusive
militarmente) com o agronegócio, que mata
ativistas sem terra, indígenas e pequenos proprietários. Portanto, não será
viável apenas uma negociação pacífica.
Se enfrentar com o agronegócio implica
o combate a todos os seus representantes e partidos no Congresso Nacional – bem
como ao seu poder extra-oficial, que conta com jagunços e ramificações
paramilitares. Conciliar com eles, tal como propõe Lula, deixará aberto todas
as portas possíveis para futuros golpes. Os fazendeiros do agronegócio,
acostumados a mandar e desmandar no país, raciocinam rápido. Sabendo habilmente
manter seus privilégios, eles acenam “trégua” com “negociações” onde só o governo realmente cede, esperam a
onda petista baixar e o povo se cansar de esperar, e então desfecham certeiramente
o contragolpe. Acreditar na sua bondade e conciliar com os seus representantes
é não querer aprender nada com a história.
Em um governo autenticamente popular, o
agronegócio deveria ser regulamentado pelos movimentos sociais e
ambientalistas, passando a pagar impostos progressivos e a cumprir leis. Caso
contrário, deveria ser expropriado sem indenização. Qualquer desastre ambiental
reincidente provocado por fazendeiros ou grandes empresas, bem como ataque a
órgãos fiscalizadores, deveriam ser punidos como crimes inafiançáveis e
expropriações (até mesmo Hamilton Mourão defendeu isso retoricamente[11]).
A reforma agrária precisa avançar, sem meias palavras, visando não apenas atacar o latifúndio improdutivo, mas integrando cada vez mais o campo às zonas urbanas para formar e consolidar o mercado interno. Dificilmente tais propostas poderão ser concretizadas de forma pacífica, através das “habilidades de negociação” de Lula e do PT. Como já foi debatido por este blog[12], será necessário avançar para métodos da ditadura do proletariado (algo que é totalmente descartado pelo programa petista, que prefere esperar por novos golpes).
6.
Quando falamos em ter o controle sobre
a própria economia em um país continental e cheio de recursos como o Brasil,
isso significa, forçosamente, ter o controle sobre a sua matriz energética, não
apenas pelo controle do preço dos combustíveis, mas pela autossuficiência
produtiva. A busca pela independência tecnológica significa também a busca por
novas matrizes energéticas capazes de fazer a economia andar de forma autônoma e
a sociedade ter capacidade própria de produzir. Enquanto não houver uma matriz
alternativa que supra as necessidades fundamentais, deve-se usar a grande
produção de petróleo da Petrobrás para investir em pesquisa, educação e
tecnologia; além disso, o Estado deve subsidiar sim, se necessário for, o preço
dos combustíveis, tal como fazem na maior parte dos países do mundo que querem ser soberanos.
Existem
bons projetos que apontam para a utilização de energia eólica e solar, não só
no Brasil, mas na América Latina (embora ainda muito incipientes). Outra
perspectiva muito importante já apontada por pesquisadores brasileiros e
exposta em uma ala do Museu do Amanhã,
no Rio de Janeiro, é a possível extração de energia dos oceanos. Como o Brasil
é um país com uma das maiores costas do mundo, investir neste tipo de pesquisa
pode render bons frutos para a sua autossuficiência energética. Uma vez que
obtenha êxito, pode ajudar outros países e criar uma malha independente da
imposta pelo imperialismo hegemônico aos países semicoloniais.
7.
Os projetos educacionais dos governos
petistas não questionaram currículos e práticas pedagógicas arraigadas na
educação pública brasileira. Garantiu o acesso para negros e negras nas
universidades federais – fato progressivo, embora contraditório e insuficiente
–, sem sequer questionar uma vírgula dos seus conteúdos pró-burgueses, nem do
modelo vigente até aqui.
Qual
é o projeto educacional do país? Nenhum! É formar indivíduos com base na
meritocracia para que conquistem o “seu lugar ao sol”, sem nenhum tipo de
soberania nacional e popular através de desenvolvimento de ciência e
tecnologia.
Não há sequer a preocupação com um
desenvolvimento humanista, de socialização da cultura geral, mas apenas a
reprodução autoritária do que vem de cima. Basta ver como foi a gestão petista
de uma secretaria de educação estadual (como a do RS) para se perceber o quanto
foi anti-freiriana, apesar do discurso em contrário; e como reproduzia as
práticas autoritárias de cima pra baixo, quase sempre desrespeitando a gestão
democrática da escola pública e sua (suposta) autonomia pedagógica prevista em
lei.
O mínimo que se poderia exigir de um futuro
governo Lula é um projeto educacional com liberdade pedagógica e direitos
garantidos de autogestão, linkados ao
projeto de desenvolvimento de ciência e tecnologia, procurando garantir a
autonomia da comunidade escolar e universitária. Tal autonomia deve,
evidentemente, buscar resultados por si mesma para ser garantida. Mas quem tem
que ter o poder de avaliar isso é a própria comunidade envolvida com sua
unidade de ensino, sendo capacitada para conseguir analisar os resultados de
sua produção científica e educacional.
Não poderia deixar de ser mencionado os
cortes de verbas públicas pelo governo Dilma que fazem os governos neoliberais
corar de vergonha. Não se pode tolerar nenhum centavo a menos na educação
pública, sobretudo se sustentamos no discurso que queremos a soberania nacional.
O investimento deve ser progressivo de acordo com o mínimo desenvolvimento
econômico do mercado interno.
8.
As instituições democrático-burguesas,
como o Congresso Nacional, as assembleias legislativas estaduais e as câmaras
de vereadores, são anti-democráticas por natureza e servem apenas para esfriar
a resistência popular. Vivem de conchavos de bastidores e da promoção
escancarada de ilusões, sejam eleitorais, sejam políticas.
O petismo fala apenas em “maiorias”,
sem falar na superação destas instituições. Ou seja, bastaria conquistar a
maioria nelas para se começar um “processo de mudanças sociais”. Estas ilusões
se arrastam, mesmo após 14 anos de governos federais petistas.
Seria uma casualidade não conseguir uma
“maioria petista” mesmo no auge da popularidade de Lula e Dilma? Seria uma mera
casualidade a existência do “centrão”, com seu enorme poder decisório que não
corresponde as suas bases sociais reais? Seria uma mera casualidade que as
maiorias sempre ficam com as bancadas da bala, da Bíblia e da soja?
O que fazer com as instituições
democrático-burguesas? O apelo popular do petismo deveria ser utilizado para
pressionar tais instituições até a sua destruição completa e substituição por
outras, de caráter popular, com mandatos curtos e revogáveis, que sejam o reflexo da classe trabalhadora organizada.
Sabemos que, infelizmente, o petismo é inimigo declarado deste projeto. Sendo
assim, não há nada a se esperar das suas propostas de “reformas políticas”, que
só podem versar sobre “listas de candidatos, partidos e frentes eleitorais”.
Com um Congresso Nacional dominado pelo
“centrão” e pelas bancadas reacionárias, Lula terá condições políticas reais
para “revogar o teto de gastos, a
política de preços da Petrobrás e a reforma trabalhista”, tapando os
ouvidos para o “mimimi do mercado”[13]? Muito
provavelmente não!
Reconhecer
isso não significa “torcer contra”, como agita grande parte da militância
petista. Trata-se, antes de qualquer coisa, de reconhecer que a preparação
política para o enfrentamento com a elite nacional e o seu “centrão” no
Congresso Nacional não é suficientemente forte, nem cria outros mecanismos políticos
e sociais capazes de derrota-los. A forma
de funcionamento das instituições burguesas, tal como o Congresso Nacional,
é precisamente a fonte da força do “centrão” e da elite nacional. Fechar os
olhos para isso e conciliar com esta forma de funcionamento é, precisamente,
renunciar a qualquer mudança real no país.
Muitos
ativistas e organizações advertem sobre a possibilidade de um possível golpe
militar em caso de eleição de Lula. Uma parte da burguesia já se colocou contra
isso, no entanto, como Bolsonaro é um capacho de Trump e cia., certamente preparará
uma cena deprimente com consequências imprevisíveis, tal como fez o seu amo no
final do seu mandato ao ocupar o Congresso estadunidense com sua tropa de
“confederados neonazistas”.
O
mais provável, contudo, talvez seja a ocorrência de um “efeito Getúlio”; isto
é, um movimento em que a elite nacional ligada ao bolsonarismo – que ainda
possui certo apoio popular – aja cotidianamente para impossibilitar a
governabilidade, tal como Carlos Lacerda e a sua trupe fizeram na época de
Getúlio para impedi-lo de governar, levando à paralisia completa do governo e
das instituições democrático-burguesas. Se a pauta dos BRICs avançar,
certamente a elite ianque trabalhará com a elite brasileira para acelerar o
boicote e a sabotagem.
Mensagem de uma militante petista nas redes sociais |
9.
Além do problema institucional
político, há o problema jurídico. A justiça brasileira também é burguesa e
fechada em castas que se autoprotegem desde o período imperial (1822-1889). É
burguesa porque além de procedimentos caros e ineficientes, que vedam absurdamente
o direito de se falar em nome próprio, também permitem que as principais
decisões sejam tomadas pelo peso econômico dos agentes envolvidos, direta ou
indiretamente, exercendo a pressão formal ou informal necessária para se vencer
um processo. O poder do dinheiro e da politicagem burguesa se impõe sobre as decisões
jurídicas – basta ver a fraude judicial da Lava-Jato.
Mudar a justiça não significa seguir
uma demagogia meramente identitária,
colocando rostos negros, femininos ou LGBTs na sua cúpula institucional para,
justamente, preservar toda a base podre do edifício inteiro. Significa, antes
de tudo, desburocratizar processos para resolução de conflitos, eliminar ou
diminuir custos, possibilitar autorepresentação, mudar radicalmente a “cultura
do direito” com custosos processos inúteis, tentando consenso via debates
públicos, transparentes, abertos; e, também, acabar com os privilégios
salariais e materiais de juízes, ministros e políticos, criando a necessidade
de eleição direta para juízes em cada comarca e região, com mandatos
revogáveis, tal como deveria ocorrer
em qualquer outro posto importante de comando público.
Este é apenas um primeiro passo
singelo para democratizar a justiça. Terá a militância petista aprendido
alguma coisa com a Lava-Jato e as decisões jurídicas contra inúmeras greves
Brasil afora?
10.
Parte da soberania nacional vai além da
economia: encontra-se no campo político. É fundamental que um eventual governo
petista mude a postura frouxa em relação à entrada e saída de estrangeiros
suspeitos no Brasil; sobretudo daqueles países que possuem um histórico de
golpes contra a América Latina, como é o caso dos EUA. Lula discursa apenas
“contra a fome”, despreocupando-se com questões militares e estratégicas fundamentais;
demonstrando, portanto, como entende as questões relacionadas à soberania
nacional.
A
essência do discurso lulista é “os EUA são ‘maus’, só pensam em guerra” e nós
somos “bonzinhos e estamos preocupados em vencer a fome”. Mas não se tem
soberania, nem se vence a fome sem estar preparado militarmente para isso –
inclusive para enfrentar os possíveis golpes de Estado que mantém o saque e a
exploração do povo, sem tecnologia militar e logística, sem controle rígido de
entrada e saída de infiltrados estrangeiros, sobretudo norte-americanos, que
sabidamente intervieram em inúmeros momentos da história do Brasil para dar
golpes, como intervém direta ou indiretamente em vários outros países do mundo
para sabotá-los.
O
caso da fraudulenta operação Lava-Jato parece não ter ensinado nada para a
militância petista. Recentemente o canal do Youtube,
Meteoro Brasil, publicou um vídeo
analisando o livre trânsito de membros do FBI no território nacional com a
clara finalidade de preparar a operação que deu o golpe contra o governo Dilma[14].
Frente aos pedidos de explicação do ex-ministro da justiça, os golpistas não
esclareceram nada e ainda fizeram troça do governo. Nem governo, nem grande
mídia cumpriram papel algum de combater tal ataque descarado à soberania
nacional.
Lembramos
ainda da frouxidão do governo Dilma frente ao grampo da Petrobrás e das
advertências que recebeu do governo russo sobre a tramitação nos bastidores
políticos internacionais do golpe em 2016. Para tentar demonstrar uma
indignação estéril, pateticamente Dilma fez um discurso “furioso” dizendo para
seus adversários irem “grampear o
presidente dos EUA para ver o que acontece”[15]. Esse
discurso encarna todo o vira-latismo nacional, sem nenhuma sombra de soberania.
Podemos interpretar o exato oposto: não acontece nada se se grampear o
presidente do Brasil! Medidas severas deveriam ter sido tomadas contra os
grampeadores estrangeiros e nacionais. Getúlio Vargas, por muito menos,
endureceu o regime do país. Temendo a acusação de “ditadura”, o petismo foi
conivente com os grampos e com a preparação do golpe contra si mesmo.
Com
este tipo de “fúria” de Lula e Dilma, teria o PT mudado sua postura? Tudo
indica que não. Assim sendo, trata-se de manter o país de joelhos, a mercê de
qualquer aventura golpista da elite nacional e internacional – aliás, esta
posição “pacifista”, baseada num discurso bonito apenas contra a fome é algo
que é esperado não apenas pelo imperialismo, mas pelos opositores de plantão no
parlamento e na grande mídia, que certamente saberão, no devido momento, tirar
todo o partido desta frouxidão.
***
A você, militante ou simpatizante do
movimento Lula-2022, que conseguiu ler até aqui, aí estão 10 elementos para a
reflexão, que trazem também sugestões de que pressão exercer no futuro governo em
caso de vitória eleitoral. Do contrário, é ficar passivamente esperando
mudanças que não virão – a não ser arremedos
de políticas compensatórias que serão retiradas na próxima esquina da
história, deixando sempre presente a possibilidade de novos e piores golpes –,
além de alimentar as próprias ilusões... e as ilusões do povo, o que é muito
pior!
Referências
[1]
Ver, respectivamente: https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/05/04/revista-time-divulga-lula.ghtml
; e: https://www.brasil247.com/mundo/diretor-da-cia-alertou-governo-brasileiro-que-bolsonaro-deveria-parar-de-questionar-integridade-das-eleicoes?amp=&utm_source=onesignal&utm_medium=notification&utm_campaign=push-notification
[2]
Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2021/11/por-que-classe-trabalhadora-brasileira.html
[3]
Ver: https://www.pt.org.br/wp-content/uploads/2018/08/plano-lula-de-governo_2018-08-14-texto-registrado-3.pdf
(este plano é de 2018, mas as suas bases fundamentais são as mesmas que
sustenta o petismo em todas as suas intervenções públicas ainda hoje).
[4]
Idem.
[5]
Idem (página 17).
[6]
Idem (página 11).
[7]
Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2022/03/russia-e-china-cumprem-um-papel.html
[8]
Ver: https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/o-recado-ameacador-do-centrao-para-lula-e-o-pt/
[9]
Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2022/05/sao-paulo-locomotiva-puxando-vagoes.html
[10]
Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2015/06/os-meios-de-alienacao-em-massa.html
[11]
Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2020/11/propriedade-sagrada-natureza-profana.html
[12]
Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2021/10/reflexoes-sobre-transicao-socialista.html
(ver tópico 8).
[13]
Ver: https://blogs-oglobo-globo-com.cdn.ampproject.org/v/s/blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/amp/gleisi-diz-que-lula-nao-fara-carta-ao-povo-brasileiro-nem-deve-atender-mimimi-do-mercado.html?amp_gsa=1&_js_v=a6&usqp=mq331AQIKAGwASCAAgM%3D#amp_tf=De%20%251%24s&aoh=16418284750304&csi=0&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&share=https%3A%2F%2Fblogs.oglobo.globo.com%2Fmalu-gaspar%2Fpost%2Fgleisi-diz-que-lula-nao-fara-carta-ao-povo-brasileiro-nem-deve-atender-mimimi-do-mercado.html
[14]
Ver: https://www.youtube.com/watch?v=RInN4KAm0kI&t=887s&ab_channel=MeteoroBrasil
[15]
Ver: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-rebate-comparacao-de-moro-a-escandalo-de-watergate--com-presidente-nixon-nos-eua,10000021992
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