quarta-feira, 20 de março de 2019

Tiros em Nova Zelândia

Me assusta a naturalidade com que meus alunos me mostraram o vídeo do terrorista de "supremacia branca" e de extrema direita assassinando os frequentadores da Mesquita da Nova Zelândia. Era exatamente como um jogo de vídeo game qualquer. O caso não é o primeiro e prenuncia que não será o último.
Me espantou ainda mais o fato de que eles não percebem o culto da violência e a cultura do assassinato nesses jogos, não casualmente utilizado como treinamento por soldados norte-americanos. Banalizaram as mortes ao ponto de confundir ficção e realidade. Mesmo ficando chocado e perplexo, eu sou condescendente com meus alunos porque são jovens; porque ainda precisam viver mais pra abrir os olhos e ver muita coisa.
Me assusta mesmo a tentativa da maioria dos eleitores do Bolsonaro tentando fechar os olhos para o discurso do ódio e do armamento, que só pode redundar em mais catástrofes como a que vivemos em Suzano. Pra esses, nada tem a ver com nada: foi um raio em céu sereno. Pra eles, o discurso do ódio é um mero acaso; como se não tivesse consequência alguma.
A sociedade está doente; e sabemos que não é de hoje. E ao invés de caminharmos no sentido da sanidade, nos vendam os olhos e nos fazem caminhar para o abismo afirmando que esse é o futuro, essa é a liberdade!
A grande mídia banaliza tudo: e tudo se torna "normal"! O caso de Suzano, da Mesquita da Nova Zelândia e tantos outros nos EUA, no Brasil e no mundo, nada tem a ver com a sanha assassina da direita e do capitalismo em decadência. Trata-se apenas de "loucos" alheios ao discurso do ódio, da xenofobia, da "supremacia branca", do armamento, das guerras, da indústria bélica. É tudo tão natural e auto explicável que nada tem a ver com a falta de perspectiva que o sistema nos impõe: os bancos nos saqueiam tudo (previdência, direitos trabalhistas, férias, 13º, o futuro); vemos aumentar escandalosamente os miseráveis que se proliferam por todas as ruas do país e do mundo, a indústria bélica e as guerras comerciais, híbridas e "quentes"; se legaliza a cultura do bullying, do estupro, a mercantilização de todas as relações humanas; mas o problema é apenas o "comunismo", o "ser-humano" in abstractum! E os zumbis repetem, cheios de orgulho de si mesmos, cheios de egocentrismos.
Estamos vivendo dolorosamente o esgotamento de um sistema econômico e a necessidade de um novo: tudo isso são sintomas. E a enxurrada ideológica é tão grande, tão baixa, tão nefasta, levada a cabo pelos Olavos, pelos Bannons, pelos "Bolonsaros", que condenam o politicamente correto e libertam as taras e o lado podre humano, que fica tudo embaçado. Resistir com lucidez é uma tarefa de Hércules.
Banalizar o desumano é tudo o que os governos da extrema direita precisam fazer para sustentar um sistema em decadência histórica. E a primeira medida para a resistência é não aceitar o desumano como banal.

Por Eduardo Cambará, ex-operador de call center e atual professor da rede pública.

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