I
O mundo acompanhou os protestos da
juventude e dos trabalhadores de Hamburgo contra a realização da reunião do
G-20 (o grupo de governos das 20 principais economias do mundo). Mais de 100
mil pessoas participaram dos atos em repúdio à reunião, com palavras de ordem
claramente anticapitalistas. A grande mídia, como era de se esperar, tratou a
cobertura dos protestos com frieza, sendo praticamente forçada a fazê-lo. As
suas palavras chaves foram “tumulto” e “confronto”. Embora tenha sido obrigada
a reconhecer que o caráter da manifestação fosse anticapitalista, não noticiou
que muitas delas falaram em “socialismo” e “comunismo”.
Em quase todas as suas antigas reportagens
ou artigos sobre o “socialismo real” no leste europeu e na antiga URSS apenas se
destacava o que ela classifica como os “horrores do comunismo”: falta de
liberdade de expressão, espiões, torturas, etc. Seguidamente mostrava imagens
ou descrevia habitantes da Alemanha Oriental querendo pular o muro de Berlim
para fugir do suposto “comunismo”. Nada de bom surgido daquele “regime” poderia
ser passado para a opinião pública ocidental. Porém, houveram fatos notáveis e
importantes na maioria dos países ditos “comunistas”, em especial, na Alemanha
Oriental. Segundo Luiz Alberto Moniz Bandeira: “A República Democrática Alemã fora o estado do Leste Europeu onde a
população alcançara o mais alto e melhor padrão de vida [dos países
“comunistas”]. Embora possuísse terras
menos cultiváveis do que a URSS, a RDA lograra resolver o problema da
alimentação, tanto que inclusive exportava carne e manteiga e seu programa de
construção de moradias se constituíra um êxito”[i].
Como se pode ver, a Alemanha
Oriental (RDA) conseguiu resolver problemas sociais básicos que o Brasil
capitalista, em pleno século 21, ainda não conseguiu, tais como: fome, miséria,
analfabetismo e moradia. Isto, contudo, não foi capaz de impedir os grandes
meios de comunicação e o senso comum conservador de classe média de salientar
repetida e exclusivamente o fato de muitas “pessoas comuns” pularem o muro para
“fugir do comunismo”. Querem vender o inferno da barbárie capitalista como mais
aceitável do que os graves problemas de burocratismo e autoritarismo dos
primeiros “Estados Operários” da história, como se estes não fossem superáveis.
A ideia de socialismo precisa ser condenada radicalmente!
O
descontentamento popular em relação ao autoritarismo vigente na Alemanha
Oriental – o que a grande mídia chama de “socialismo real” ou “regimes
comunistas”, mas que na verdade deveríamos chamar de regime stalinista – e a ausência de uma política classista a
seguir, somado à crise econômica da URSS e do leste europeu, levaram à queda do
muro de Berlim, à restauração do capitalismo e à subsequente propaganda
ideológica contra o “comunismo”, que dura até hoje.
Manifestação em Hamburgo, 2017 |
II
Longe
de querer esconder os graves problemas sociais do regime stalinista, tal como
os ideólogos burgueses e a sua imprensa fazem com o capitalismo, o autêntico
pensamento marxista desnuda a essência da conjuntura da época: no final da
Segunda Guerra Mundial a Alemanha e toda a Europa estavam arruinadas. A partir
da Conferência de Yalta Potsdam,
realizada em 1945, os vencedores da guerra encontraram-se para decidir como
administrar a Alemanha. Nenhum dos abutres estava disposto a ceder seu
território aos adversários. O resultado foi a sua divisão em zonas de
influência, com a construção posterior de um muro na capital, a partir de 1961.
Stalin, interessado apenas na Alemanha como zona de influência e área
fronteiriça de defesa militar, pensando exclusivamente na estabilidade interna
do seu regime na URSS, aceitou a divisão do país. Desta forma, a doutrina
oficial do stalinismo, que defendia a absurda “viabilidade” da construção do
“socialismo em um só país”, agora incorporava empiricamente uma nova aberração
teórica: a possibilidade de “construir o socialismo em meio país”. Todos os dogmas oficiais e práticas autoritárias da
URSS foram transferidos mecânica e acriticamente para a Alemanha Oriental, que
passou a perseguir opositores, a condenar o “trotskismo”, a elevar ao posto de dirigentes
os fantoches acéfalos do stalinismo alemão ou qualquer arrivista útil. Também
esconderam e abafaram problemas de ordem econômica, social e política para
sustentar a falsa imagem de um regime inabalável.
O muro de Berlim |
Em compensação, a Alemanha Ocidental
foi beneficiária da política econômica dos EUA, conhecida como Plano Marshall, que significou o
investimento maciço de capitais norte-americanos para a reconstrução dos países
europeus no pós-guerra, à exceção dos países ditos “comunistas”, do leste
europeu à URSS, dentre os quais, estava a Alemanha Oriental. Os EUA foram o
país vencedor da Segunda Guerra, que praticamente ficou intacto durante todo o
conflito, e agora estava pronto para reconstruir o mundo à sua imagem e
semelhança. Durante esse período, algo em torno de US$ 13 bilhões foram “investidos”
em assistência técnica e econômica (equivalente a cerca de US$ 143 bilhões em
2017) na Europa Ocidental, com baixos juros, para ajudar na recuperação dos países
europeus; enquanto que o leste europeu, a URSS e a Alemanha Oriental (a
despeito de toda a política catastrófica da camarilha stalinista no poder)
tiveram que tirar leite de pedra para reconstruir suas economias, sofrendo,
ainda por cima, o boicote internacional no mercado mundial.
III
A queda do muro de Berlim, em 1989,
foi celebrada pelos países imperialistas e passada para o inconsciente do senso
comum como o “fim do socialismo”. As universidades publicaram inúmeros livros a
respeito, formaram intelectuais e teorias com esta tese central, enquanto que a
grande mídia divulgou este pensamento à exaustão de diferentes formas; sempre
misturando propositalmente “socialismo” ou “regime comunista” com stalinismo. Uma parte da “esquerda”
(como o PT; embora não seja o único) incorporou a ideologia do “fim do
socialismo” e a levou ao movimento dos trabalhadores. Anos de terrorismo
psicológico associou o imaginário do senso comum sobre “comunismo” ao que é, na
verdade, um regime stalinista. Dentro desta lógica, qualquer outra tentativa de
se construir o comunismo teria mecanicamente o mesmo resultado.
As zonas de influência na Alemanha pós Segunda Guerra |
Contudo, passados quase 30 anos da
queda do muro de Berlim, vemos as ruas de Hamburgo protestar contra o
capitalismo. Estes protestos partiram justamente de uma cidade que fez parte da
Alemanha Ocidental (capitalista). Naturalmente, não poderíamos esperar da
grande mídia uma cobertura que demonstrasse os trabalhadores e a juventude da
Alemanha atual querendo pular o muro de volta ao “comunismo”.
Certamente
os trabalhadores conscientes alemães não defendem um regime político tal como
foi o stalinismo. O papel da grande mídia neste processo é, portanto,
obscurecer as bandeiras da mobilização dos trabalhadores e da juventude de
Hamburgo para não arranhar o discurso oficial de que o “socialismo morreu para
sempre”. A juventude que organizou os atos falou claramente contra o
capitalismo, repudiando a reunião do G-20 e, principalmente, Donald Trump (que
é a encarnação da barbárie capitalista). Embora ainda seja um movimento
regionalizado, na atual conjuntura reacionária em que vivemos, isto não é pouca
coisa. Soma-se a isso o fato de a Alemanha estatizar universidades, enquanto
que nos EUA temos a crise dos financiamentos universitários e no Brasil a
ameaça de privatização das universidades públicas.
IV
Os
trabalhadores com consciência de classe sabem que não podemos deixar a roda da história voltar para trás. Não queremos o regime stalinista restaurado; mas tampouco
queremos a manutenção do capitalismo, que a despeito de avanços tecnológicos
concentrados e monopolizados, caminha no mundo todo para a barbárie.
Estes defensores da “civilização da
barbárie” (dentre os quais o que mais se destaca é Donald Trump) ressaltam
através da grande mídia os muros construídos pelo suposto “comunismo”, as
“fugas de Cuba”, a “ditadura da Coréia do Norte” (como se aquilo fosse
“comunismo”), mas relativizam ou escondem os muros construídos pelo capitalismo
contra o povo: muro de Israel contra a Palestina, dos EUA contra o México, da
Europa contra os imigrantes do Oriente Médio; em suma: das ilhas de riqueza
contra os oceanos de pobreza. O capitalismo concentra riqueza e cria um “mundo
de oportunidades” nos grandes centros urbanos dos principais países
imperialistas, mas impede através da imigração, dos passaportes, da xenofobia
fascista, das guerras, da miséria, a migração e a interação dos povos. Faz tudo
isso hoje criticando o suposto “comunismo” e disfarçando-se de “democracia”. Recria
a “cidade proibida” da China imperial: somente os aristocratas podem habitá-la;
para os miseráveis ela é inatingível.
Por
mais importante e aparentemente inabalável que seja, o capitalismo é um sistema
econômico transitório na história, tal como foram os outros. O futuro pertence
ao socialismo e ao comunismo, mesmo que estes também sejam regimes sociais
transitórios. Precisamos tirar as lições das primeiras experiências “comunistas”,
compreender e superar seus erros e, sobretudo, livrar a consciência dos
trabalhadores desta erva daninha disseminada pela grande mídia e pela
intelectualidade burguesa que quer fazer terra arrasada da sociedade e
sustentar a aceitação da barbárie capitalista na consciência dos trabalhadores.
Os
ventos soprados em Hamburgo ainda são tímidos, mas nos mostram um caminho. Os
trabalhadores e a juventude da Alemanha estão acertando contas com o passado...
e com o presente!
Manifestação em Hamburgo, 2017 |
[i] BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel, a
Revolução Cubana e a América Latina. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,
1998.
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