Em analogia ao que a esquerda e
a grande mídia convencionaram chamar de “primavera árabe”, podemos dizer que no
Brasil estamos vivendo um “outono neoliberal”. Os protestos contra o governo
Dilma (PT), impulsionados principalmente pela oposição de direita (PSDB,
Democratas, Solidariedade), apóiam-se, sobretudo, nas camadas da
pequena-burguesia, ainda que contem também com o apoio de setores dos
trabalhadores.
Este “movimento” defende um
programa neoliberal, mas usa como disfarce para angariar mais apoio entre a
população o “combate à corrupção” (dentre outras demandas reacionárias, vagas e
confusas). Ele conta com o apoio dos aparatos da mafiosa Força Sindical
(dirigida majoritariamente pelo partido Solidariedade) e da grande mídia, que manipulou
assustadoramente números, bandeiras, consignas e tem dado gigantesco destaque
para estas “manifestações” e para a operação lava-jato, visando desmoralizar o
PT, não pelo que ele é hoje, mas pelo que foi um dia. O “anti-petismo” destas
“mobilizações” está sendo usado para destilar ódio e preconceito contra toda a
esquerda, principalmente a revolucionária. A intenção deste “movimento” é se apoiar
no descontentamento popular da classe média contra a corrupção e os “altos
impostos” para fazer cumprir integralmente o programa neoliberal, que atende,
sobretudo, aos interesses econômicos do imperialismo norte americano, em crise
desde 2008. Os setores mais atrasados desta classe média tomaram coragem para
defender demandas reacionárias reprimidas e levantam abertamente medidas
neoliberais (privatizem mais; fora o “comunismo”; dentre outras pérolas como a
volta da ditadura militar). Querem puxar a roda da História para trás.
Exigir o fim da “corrupção” e,
ao mesmo tempo, medidas neoliberais é uma contradição que estes setores não
percebem (ou não querem perceber). As práticas neoliberais legalizam a
corrupção. Os montantes roubados dos cofres públicos nas privatizações dos
governos do PSDB fazem corar as da operação lava jato. Que moral tem PSDB e
Democratas para exigir punição à corrupção na Petrobrás? Outras características
do neoliberalismo, como a especulação financeira e o pagamento das dívidas
externa e interna (a maior das corrupções), são fontes de inúmeras outras vias
da corrupção, legal e ilegal, que a mídia não veicula e os “indignados” não
contestam. Não é a toa que PSDB, Democratas e Solidariedade não criticam estas
medidas do governo Dilma, bem como os seus “ajustes”, senão que é precisamente
isto que visam intensificar, além, é claro, da privatização total da Petrobrás
e da intensificação da retirada de direitos. Com a exploração do escândalo da
Petrobrás a seu favor, o PSDB trabalha por sua plena privatização para que preferencialmente
empresas multinacionais hegemonizem as novas licitações, tal como era no
governo FHC. Já o PT quer seguir o seu modelo próprio de privatização, dividindo
as concessões entre o capital nacional e internacional, sobretudo às
empreiteiras brasileiras amigas do governo federal. Em 2008 o governo Lula
anunciou a Petrobrás como a “locomotiva estatal do desenvolvimento”. A empresa
era a espinha dorsal das políticas econômicas dos governos petistas; tanto é
assim que ela era a responsável por 60% das obras do PAC. Portanto, os ataques
fulminantes e sem tréguas da oposição de direita e da grande mídia contra a
Petrobrás são premeditados e certeiros, não para resolver os seus problemas de
corrupção, mas para desestabilizar o governo e acelerar a sua entrega às
multinacionais do Big Oil.
Ao que tudo indica – incluindo
o discurso da mídia –, não haverá impeachment, ainda que este não possa ser
totalmente descartado, a depender da correlação de forças. Os setores mais
conscientes deste “movimento” (Aécio, Paulinho da Força e os demais caciques
das legendas de oposição) manobram dentro da legalidade democrático burguesa,
ora usando a mídia, ora usando estas “mobilizações”, para desgastar política e
eleitoralmente o governo federal, de olho em 2018, e, principalmente, para
aplicar plenamente sua pauta neoliberal segundo o ritmo dos interesses da
oposição de direita e do imperialismo.
A grande mídia, sem perder um
único minuto, já saiu divulgando as declarações de Dilma para comprometê-la e
pressioná-la: “Algumas das frases da
presidente: – Vamos fazer os ajustes
necessários, dialogando com todos, numa posição de humildade, mas com firmeza para que possamos chegar a
um bom resultado (...) Não temos
mais condições de fazer política anticíclica do jeito que fazíamos (...) Ninguém pode negar o fato de que fizemos de
tudo para a economia reagir. A fala deu peso à tese de Christopher Garman do
Eurásia Group no Brasil, que poucas horas antes havia dito, em teleconferência
da GO Associados: – É hora de dobrar aposta na estratégia do Levy. O custo
político de não fazer é maior. O governo
está mais refém dessa agenda do que nunca” (ZH, 17 de março de 2015).
Eis aí o resumo da tragédia. “Ajuste”, no caso, são os cortes orçamentários, a
retirada de direitos (MPs 664 e 665), novas privatizações (que o governo chama
eufemisticamente de “concessões”); isto é, todas as medidas neoliberais
exigidas para o pagamento das dívidas com os bancos e agiotas nacionais e
internacionais.
Uma vez que o impeachment é
descartado como saída imediata, os acordões de bastidores já estão sendo
costurados. O PMDB (como sempre) está no centro destes acordões. É por
intermédio deste partido que internamente a pressão pela “direita” será
intensificada. O PT paga o preço da sua política de alianças e da sua
estratégia reformista. Que nenhum trabalhador esqueça dessas lições! A degeneração
do PT é irreversível e ele não pode mais fazer frente as pressões da direita:
aplica planos de “ajuste” contra os trabalhadores e depois quer mobilizá-los
contra a “ameaça da direita”! Hoje é um partido burguês como qualquer outro (o
mesmo se aplica ao PCdoB: o cão de guarda do petismo). A classe média
reacionária (que exige o “Fora PT”) vê nele ecos das greves de 1980, de
“socialismo”, mas isso não passa de preconceito de classe. Delphin Neto, guru
da “direita”, já deu o seu veredicto sobre os governos do PT: “Lula salvou o
capitalismo no Brasil”. Ele está corretíssimo! Lula afirmou certa vez que “os
banqueiros nunca ganharam tanto dinheiro como no meu governo”.
O discurso de Dilma sobre a
defesa da “ordem democrática” é a confirmação do pântano em que está atolada. Seu
governo não pode ir além desta ordem. E quanto mais a reivindica e sustenta,
mais se afunda neste lamaçal e se torna refém da ofensiva da direita. Só um
caminho revolucionário poderia romper o círculo vicioso. Mas, por tudo que já demonstrou,
bem como pelo seu novo caráter, o PT não está disposto a seguir esse caminho.
A crise capitalista que se
aprofunda no Brasil e no mundo exige mais sacrifícios dos trabalhadores. A
oposição de direita quer os cortes e o arrocho já! O governo do PT, que já está
fazendo os ajustes neoliberais, mescla a entrega das riquezas do país com doses
homeopáticas de Bolsa Família e de uma pseudo política nacionalista da
Petrobrás, como foi do seu feitio durante 12 anos. A oposição de direita quer a
submissão total e incondicional ao imperialismo ianque (sem demagogias); enquanto
que o governo do PT quer jogar com duas possibilidades: boa vizinhança com o
imperialismo ianque e aproximação com China e Rússia. Para o imperialismo
ianque e a oposição de direita isso é intolerável! Ainda mais quando
constatamos que o governo Lula contraiu um empréstimo de U$10 bilhões com o
Banco de Desenvolvimento da China (BDC) para financiar a sua política de
desenvolvimento a partir da Petrobrás, que tem como contrapartida gastar U$3
bilhões em compra de equipamentos e tecnologias da China, e o comprometimento
da Petrobrás em lhe fornecer 200 mil barris de petróleo por dia, durante 10
anos.
Atualmente o mundo todo está
submetido à disjuntiva: EUA X China/Rússia. É só lançar um olhar mais crítico
para a situação de Ucrânia, Síria (Oriente Médio em geral), Argentina,
Venezuela. Entre os primeiros países, os ânimos estão acirrados ao ponto do
enfrentamento militar aberto; e nos segundos, ao enfrentamento disfarçado. Por
aqui, a “mobilização” pacífica das bandeiras neoliberais vai cumprindo a sua
missão. O patriotismo deste “movimento” e dos partidos da oposição de direita é
profundamente cínico, pois significa apenas a incondicional submissão aos interesses
do imperialismo ianque. O único e verdadeiro “patriotismo” é o que levanta e
defende a bandeira histórica dos trabalhadores: o socialismo; ou seja, valoriza
o povo e, por isso mesmo, defende a unidade internacional de todos os
trabalhadores, que não tem pátria. O discurso patriótico sempre serviu como uma
luva para o fascismo. Agora não é diferente.
As organizações da “esquerda”
brasileira faliram. Cumprem um papel de auxiliar de um ou outro setor da
burguesia. Ou apóiam o governo com a desculpa de “golpe da direita”, ou apóiam
indiretamente a direita quando esquecem da correlação de forças da conjuntura para
impor um governo alternativo ao de Dilma. É preciso uma análise lúcida dos
fatos para rebater as armadilhas dos dois campos burgueses, dando ênfase para o
atual ascenso da direita em todo mundo, fruto do acirramento da crise
capitalista internacional.
A política cotidiana dos
partidos de esquerda (PSOL, PSTU, PCB e PCO) é de sustentação do sindicalismo
cutista, ainda que defendam eventualmente a desfiliação de sindicatos da CUT. O
PSOL chega ao cúmulo de defender uma “frente popular” contra o “ascenso da
direita”, exigindo que o governo Dilma “reverta o modelo” político que vem
aplicando e propondo um programa mínimo em conjunto com setores do PT. Não se
pode ter um programa em comum com o PT; no máximo, atos específicos em repúdio à
“direita” e o seu “golpismo”, no sentido de alertar e mobilizar os
trabalhadores. A nossa propaganda e programa devem ter total independência do
PT. Da mesma forma que o PSOL, o PSTU trabalha no sentido de aprofundar as
ilusões políticas no governismo. A sua política de exigências para que CUT, UNE
e MST rompam com o governo é uma tragédia, pois serve apenas para gerar ilusões
de que estas entidades burocratizadas até a medula possam efetivamente romper
com o governo (na verdade, estas exigências são um presente para ele). Chega ao
cúmulo de exigir que a Força Sindical rompa com o PSDB! O PSTU ainda defende
uma “greve geral” para enfrentar esta crise política. Quem a convocaria e a
sustentaria? A CUT ou a Força Sindical? Outra vez esta bandeira ignora a real
correlação de forças do país e serve como matriz de novas ilusões. O PCO conclama
abertamente a esquerda para apoiar o governo Dilma contra o “golpe da direita”,
denunciando os “nem, nem” (nem direita, nem governo), mas não denuncia corretamente
a inconsistência da política de PSOL e PSTU porque julga que sustentar o
governo seria uma política em defesa dos trabalhadores. Na realidade, o PCO
arrasa qualquer possibilidade de uma política de independência de classe e
serve como sustentação política do PT. O PCB faz uma análise política um pouco
mais lúcida, mas termina com um programa dogmático que esquece a correlação de
forças do momento, sem falar de sua política sindical que vai a reboque do PT,
PSOL e PSTU, sem críticas!
Existem ainda setores de
trabalhadores que não estão organizados em partidos ou correntes sindicais que,
da mesma forma que os partidos de “esquerda” já citados, terminam como base de
sustentação dos atos da “oposição de direita” e do fascismo, ou apóiam o
governismo por compreenderem o que estes “atos” e o crescimento do fascismo
representam. Eles dizem: “combater o
golpismo significa estabelecer uma sólida aliança com os companheiros do PT e
da CUT”. Quem criou a atual possibilidade para o golpismo senão a própria
política de conciliação de classes do PT? Devemos lutar contra o ascenso da
direita sim! Mas isso não significa de nenhuma forma estabelecer uma “sólida” e
“respeitosa” aliança com o PT e a CUT. Isso é o enterro definitivo de qualquer
resistência real, pois o PT não tem interesse em uma resistência à direita, ao
avanço neoliberal, às medidas de “ajustes” exigidas pelos bancos. Sua
resistência será sempre vacilante e restrita aos limites do jogo viciado da
democracia burguesa.
Os trabalhadores conscientes
devem buscar construir um caminho de independência de classe para enterrar
estas organizações oportunistas que sustentam de uma forma ou outra o
governismo (e indiretamente a própria direita). Precisam fazer isso se não
querem ficar reféns da sanha de urubus dos dois setores da burguesia em luta. O único
“patriotismo” possível dos trabalhadores, portanto, é lutar para mudar a
situação do país, fazer uma revolução socialista para erradicar a miséria, a
pobreza, a ignorância e a exploração; em suma, lutar para derrubar o
capitalismo. Mas, nesse momento, para concretizar esta intenção é preciso
construir as condições através de um programa e de uma propaganda de
independência de classe. A classe média que se compadece com os sofrimentos do
povo e, principalmente, os trabalhadores conscientes, devem não apenas não se
somar aos atos do 12A, mas, sobretudo, trabalhar para construir uma alternativa
de movimento de massas com independência de classe dos dois setores da
burguesia brasileira e imperialista.