A “democracia” capitalista esconde ditaduras nos locais de trabalho
Como está a democracia no teu local de trabalho?
Te escutam?
Levam em consideração as tuas demandas e sentimentos ou só te dão mais
trabalho e metas, com um olhar intimidador para te deixar quieto e submisso?
Que tipo de autoritarismo não reconhecido se exerce por meio do poder
econômico de comando das chefias nos locais de trabalho, estudo e moradia na
nossa “sociedade democrática”?
Muito se grita contra
as ditaduras na grande mídia e nas redes sociais: Venezuela, Cuba, Coreia do
Norte, China, Nicarágua, Irã, etc.
Os grandes meios de
comunicação comercial e seus porta-vozes nos partidos de direita não perdem uma
chance de contrapor estas “terríveis” ditaduras “comunistas” às supostas
democracias ocidentais, das quais eles seriam, supostamente, os mais santos
representantes.
Então, pela lógica
apresentada nos noticiários, podemos quase sempre concluir que o regime
político e econômico de países como o Brasil, os EUA e a Argentina seria quase
perfeito.
Para a democracia burguesa não importa se o povo tem ou não tem
ingerência democrática sobre a conduta dos eleitos, os ministros, a composição
dos governos, os juízes, administradores das empresas privadas, as empresas
estatais e os demais funcionários públicos, bem como sobre a tirania do
mercado. Não se importa também se o povo não consegue interferir em nada que mude
realmente os rumos das políticas econômicas ou pedagógicas aplicadas em todo o
território nacional.
E o que dizer, então, do nosso local de trabalho?
A “democracia” aplicada na maioria dos países hoje não passa de uma
monarquia disfarçada: temos o direito de eleger “um rei” para um mandato
específico. Nada mais!
Depois o mercado,
“anonimamente”, dita o que está certo ou errado e todos temos que nos curvar e
dizer amém. É como um filho mimado: ninguém pode contrariá-lo para não zangá-lo
ainda mais. Ou seria ele um deus em fúria que castiga quem o questiona?
Seja como for, não há
democracia se não podemos interferir no mercado visando melhorar as condições
de vida e de trabalho da maioria das pessoas e somos levados a temer qualquer
espirro que ele dê. Escondem o autoritarismo e a tirania da política atrás das
“reações do mercado” e praticam um permanente terrorismo midiático em cima
disso.
A grande pergunta que nunca deve ser esquecida é: como cada regime
político trata os seus trabalhadores nos locais de trabalho, estudo e moradia?
Este é o termômetro que devemos usar para medir, de fato, a existência e
a qualidade da democracia. As pessoas podem falar o que pensam nos seus locais
de trabalho sem sofrer nenhum tipo de represália? Podem opinar sobre metas,
escalas, horários ou qualquer outra questão que diga respeito ao seu destino
profissional? Ou, se ao contrário, simplesmente são obrigados, às vezes
abertamente e outras tantas vezes sutilmente, a se calar e a aceitar o que a
chefia manda, baixando a cabeça com medo do desemprego?
Muitos levam esses problemas não debatidos entalados na garganta pra
casa, descarregam na família, nos amigos ou nos vizinhos. Por vezes pode se
transformar em alcoolismo, depressão ou outros transtornos.
Se não há liberdade de crítica no local de trabalho, não há democracia!
Nesse caso, poder escolher um presidente através do voto torna-se uma mera
formalidade que não muda quase nada na realidade cotidiana de milhões de
trabalhadores, assim como se assustar com as supostas “ditaduras comunistas”
dos outros países serve como uma luva para esconder a ditadura no cotidiano do
nosso país.
Saber se existe democracia real no dia a dia, nos locais de trabalho,
estudo e moradia, não significa saber se podemos opinar no sentido de “não
trabalhar”, isto é, de não cumprirmos o nosso dever, mas, sim, se somos
ouvidos, se nossas demandas são levadas em consideração; se há discussão livre
e disposição real das chefias em ouvir e tentar fazer o melhor juntos, até a
preocupação verdadeira com a divisão dos lucros e resultados.
Ou se, ao contrário, tudo vira motivo para censura, repulsão, intriga,
remoção, chantagens, fofoca ou demissão. Sabemos que no Brasil contemporâneo a
maioria esmagadora das empresas privadas e, até mesmo das públicas, seguem este
último caso.
Como são nos outros países? Melhores?
O capitalismo se sustenta na ditadura disfarçada dos locais de trabalho.
Na maioria das empresas ele precisa do assédio moral permanente, aberto ou
disfarçado, e do medo como forma de funcionamento. Em geral, por serem pobres,
os trabalhadores só podem se submeter a essa situação Enquanto isso, os jornais
da grande mídia nos dizem que vivemos numa democracia.
Nesse sentido, não se pode apontar quase nenhuma diferença substancial
no dia a dia entre “as ditaduras” da Venezuela, Cuba, China, Coréia do Norte e
Irã e os “democráticos” Brasil, EUA e Argentina.
Se falamos em “liberdade individual”, então ela precisa ser plena. Não
basta eu poder organizar protestos em nível de sociedade civil e ter direito
formal de voto, mas sim se sou ouvido e acolhido sinceramente no meu local de
trabalho, estudo e moradia. Fato que decididamente na maioria dos lugares não
acontece.
Além disso, a democracia não pode ser apenas no restrito campo do voto
para o poder executivo e legislativo. Ela precisa ser também uma democracia no
campo econômico, com permanente socialização da riqueza e o controle sobre a
tirania do mercado, para criar condições materiais mais equânimes.
Só assim a gente pode começar a falar em democracia.
Criticar a democracia capitalista Ocidental não significa desconsiderar
o autoritarismo das sociedades orientais.
Significa reconhecer que enquanto não houver democracia nos locais de
trabalho, estudo e moradia, não há democracia real, mas autoritarismo e
usurpação do direito de dispor de suas liberdades individuais em muitos níveis.
O autoritarismo dos locais de trabalho desencadeia uma violência que não é
obrigatoriamente física, mas, na maioria das vezes, moral e simbólica; e o fato
de estar nestes campos não significa que não causem profundos transtornos
psíquicos e emocionais para fazer o povo aceitar a sua miséria.
Este é o regime da escravidão assalariada! Ele nunca é levado em conta
pelos meios de comunicação e o setor empresarial afirma ser impossível
funcionar de outra forma.
Todas as distorções e mentiras ideológicas estão encaixadas e
concatenadas para fazer o sistema funcionar.
A grande questão é que querem te fazer crer que vivemos no paraíso
democrático da Terra se comparado às “ditaduras de outros países” que você, no
geral, nem sabe realmente o que se passa; e, portanto, não precisaríamos
reclamar das instituições políticas e da situação do nosso próprio país.
Ou seja, o capitalismo te domina pela ilusão de enriquecimento, pelo
medo e ignorância, enquanto mantém a mais completa ditadura sobre os locais de
trabalho para os ricos continuarem lucrando e os pobres “precisando trabalhar”.
Assim, exaltamos nossa própria pobreza e acreditamos viver na “democracia” onde
existe um autoritarismo cotidiano, que somos levados a crer que é “democracia”.
Por isso repito a pergunta do início: como está a democracia no local em
que você trabalha?
Post-Scriptum: o que grandes pensadores já escreveram sobre o mesmo
tema?
“A versão oficial é
que todos temos direitos e vivemos numa democracia. Outros desafortunados que
não são livres como nós têm que viver em Estados policiais. Tais vítimas
obedecem a ordens, por mais arbitrárias que sejam, ou sofrem as consequências.
As autoridades as mantêm sob vigilância regular. Burocratas do Estado controlam
até os menores detalhes do dia-a-dia. Os funcionários que as oprimem respondem
apenas a seus superiores públicos ou particulares. De qualquer forma, a
discordância e a desobediência são punidas. Informantes relatam tudo
regularmente às autoridades. Tudo isso deve ser muito ruim.
E é mesmo, embora não seja nada mais do que uma descrição do local de
trabalho contemporâneo. Os liberais, conservadores e libertários que lamentam
pelo totalitarismo são fingidos e hipócritas. Há mais liberdade em qualquer
ditadura moderadamente ‘desestalinizada’ do que num local de trabalho americano
normal. Num escritório ou numa fábrica, encontra-se numa prisão ou num
mosteiro. De fato, Foucault e outros demonstraram: prisões e fábricas foram
criadas mais ou menos ao mesmo tempo, e seus operadores conscientemente
emprestaram as técnicas de controle uns dos outros. Um trabalhador é um escravo
em meio período. O chefe diz quando ele deve chegar, quando deve ir embora e o
que deve fazer durante a jornada. Ele diz quanto trabalho alguém deve fazer e
com que rapidez. Tem liberdade para levar seu controle a extremos humilhantes,
regulamentando, se assim o desejar, o que alguém deve vestir ou com que
frequência deve ir ao banheiro. Com poucas exceções, pode demitir alguém por
qualquer motivo, ou sem motivo. Põe dedo-duros e supervisores para espionar as
pessoas e acumula um dossiê para cada empregado. Retrucar é chamado de
‘insubordinação’, como se o trabalhador fosse uma criança malcriada, e não só
leva à demissão da pessoa, como também impede que ela obtenha
seguro-desemprego. (...)
O sistema de dominação humilhante que descrevi rege mais da metade das horas de vigília da maioria das mulheres e da grande maioria dos homens há décadas, durante a maior parte da sua vida. Para certos fins, não é muito enganador chamar nosso sistema de democracia, capitalismo ou — melhor ainda — industrialismo, mas seus verdadeiros nomes são fascismo de fábrica e oligarquia de escritório. Quem disser que essas pessoas são ‘livres’ está mentindo ou é burro”.
Bob Black
“O trabalhador só se sente consigo mesmo fora do trabalho, enquanto que no trabalho se sente fora de si. Ele está em casa quando não trabalha, quando trabalha não está em casa. Seu trabalho, por isso, não é voluntário, mas constrangido, é trabalho forçado. Por isso, não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer necessidades exteriores a ele mesmo. A estranheza do trabalho revela sua forma pura no fato de que, desde que não exista nenhuma coerção física ou outra qualquer, foge-se dele como se fosse uma peste”.
Karl Marx
“No fundo agora se sente… que um tal trabalho é a melhor polícia, pois detém qualquer um e sabe impedir fortemente o desenvolvimento da razão, da voluptuosidade e do desejo de independência”.
Friedrich Nietzsche
“Quase todo mundo passa a maior parte da sua vida vivendo em um sistema totalitário. Isso se chama ter um emprego. Quando você tem um emprego, está totalmente sob controle dos donos das empresas. Eles determinam o que você veste, quando pode ir ao banheiro, o que você faz. A simples ideia de contrato de trabalho é basicamente vender a si mesmo para a servidão. São como governos privados mais totalitários do que os governos propriamente ditos. (...) Eles não podem te matar, mas podem controlar tudo o que você faz. (...) Sua escolha é entre passar fome ou se vender para uma tirania. Muito liberal, não é?"
Noam Chomski
Oi, meu camarada prof. Lucas, parabéns pelo texto !
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