quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Comunismo e liberdade de expressão

 


Alguns youtubers discutem como a esquerda está desconectada da vida das pessoas comuns e o seu discurso eleitoral não faz sentido. Eles criticam, sobretudo, as campanhas dos partidos que se declaram “revolucionários”, como PCB, PSTU, PCO, UP, etc.

Antes de entrar nessa polêmica, é preciso destacar que a mídia burguesa torna o debate inócuo e restrito a determinadas regras, cuja finalidade é moldar a resposta para que não saia de certos limites. Evidentemente que esta esquerda aceita estas limitações quase que acriticamente, se jogando na campanha, e quando as entende, não consegue se expressar muito bem, acatando-os, na maioria das vezes, para validar a própria campanha.

Há, contudo, um outro fator. A esquerda atual não está conectada com os acontecimentos e os debates centrais do mundo neste início de século XXI. O seu “socialismo” remonta à URSS das décadas de 1930-1950. Por exemplo: a disputa mundial protagonizada pelos BRICS, os debates acerca do “socialismo de mercado” resultantes do desenvolvimento econômico da China, bem como outros modelos, sequer entram na pauta.

Sendo assim, a direita, que se utiliza de refinados métodos de manipulação da psicologia de massas, sobretudo através das redes sociais — tipo o que faz o bolsonarismo e milionários como Donald Trump e Pablo Marçal —, deita e rola. Conseguem tocar em pontos que soam como “reais” e o próprio coração das massas, que, pela situação da sociedade consumista atual, tende a ser egoísta e conservadora; enquanto que a “esquerda” tenta reaplicar o programa soviético da década de 1940 através de esquemas que não passam de declarações vazias, ainda que com boas intenções…

 

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Parte dessa esquerda se diz “revolucionária”. Revolucionário é aquilo que revoluciona.

Deveria ser óbvio.

Uma revolução tira as raízes antigas e planta novas.

Tem, portanto, uma vocação criadora.

A tempos a “esquerda revolucionária” não cria nada. Só repete.

Acha que a realidade é passível de ser modificada com repetições de jargões e slogans antigos.

Quanto menos criatividade, mais agressiva se torna perante o menor questionamento ou dúvida.

Ser criativo é entrar escrupulosamente em contato com a realidade, inclusive com as coisas ruins que não queremos ver, dentro e fora de nós.

Esta esquerda não conhece e não quer conhecer o povo — sobretudo naquilo que ele tem de ruim e atrasado — nem a si mesma. Prefere idealiza-lo para repetir receitas do passado. Se não fizer isso, tudo desmancha feito um castelo de cartas.

Para que as coisas mudem e possa ser possível entrar em contato com o povo realmente, é preciso enfrentar os seus atrasos, incluindo aquele que é hostil ao comunismo e que idolatra os milionários.

 

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A noção de “comunismo” foi enlameada pelo stalinismo.

        Qualquer menção a “comunismo” tem como imagem acústica na mente de milhões de pessoas a ditadura soviética, que liquidou as liberdades civis e individuais básicas porque não podia e não soube lidar com elas. O estrago ideológico já foi feito — e continua sendo feito por um exército de jornalistas, repórteres, escritores, etc. quase que diariamente, não sem a ajudinha do próprio stalinismo.

“Comunismo” virou sinônimo de intervenção do governo nas liberdades individuais, dizendo o que você pode ou não pode fazer, sob pena de perseguição, degredo ou fuzilamento.

Quem se dedica a estudar história e as ciências sociais (que são pouquíssimos e dá pra contar nos dedos) sabe que “comunismo” não é isso.

E quem pode tentar desfazer essa teia de mentiras, distorções e confusões senão os militantes e as organizações de esquerda? Mas como?

Com discursos iguais aos da década de 1930-1950, que provam o exato oposto? Por que não se conectam com a realidade atual e se preocupam em engajar as discussões de acordo com a linguagem atual?

Uma pequena contribuição: para além de trazer o debate sobre as economias atuais, a esquerda poderia desenvolver uma forma de demonstrar a necessidade de recuperar (ou instaurar pela primeira vez) a função social da economia, que hoje serve apenas para o acúmulo de riqueza para poucos. Quem pode recuperar ou instaurar a função social da economia senão o comunismo?

As sociedades atuais, como a China, podem servir de ponto de partida para a renovação das discussões sobre comunismo e liberdade de expressão, demonstrando que transformar a economia capitalista em socialista e comunista não significa acabar com as liberdades civis e individuais. Muito antes pelo contrário, só podem se desenvolver plenamente se estas liberdades se fortalecerem e se ampliarem em uma sociedade socialista e comunista.


quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Eleições municipais 2024: por que o radicalismo de direita tem vencido o de esquerda?

A campanha de Boulos em São Paulo, que conta com apoio ativo de Lula

 

A direita venceu as eleições municipais através das suas duas principais correntes políticas: a moderada e a neofascista.

         Há muito tempo a direita vence neste país.

         Mais especificamente: vence desde os tempos coloniais até hoje.

         Toda a estrutura social, educacional, midiática, moral e… eleitoral é feita para a direita vencer.

         Parece que não temos tido a capacidade de nos tocar disso, embora seja bastante evidente para quem tiver coragem pra ver.

         Temos visto há décadas as ilusões de “esquerda” sobretudo petistas, pcdobistas e psolistas afirmar e vender o oposto. A “esperança vence o medo”, mas o medo volta de distintas formas para se espalhar e se consolidar com velhos discursos e espantalhos.

         Em duas grandes cidades brasileiras a disputa permanece, mas sem grandes chances para a “esquerda”: São Paulo e Porto Alegre.

 

Termina o 1º turno e brotam balanços e justificativas sobre os seus resultados.

Se escutam lamentos em diversos tons de todos os lados.

         Muitos destes balanços tocam em pontos importantes, mas esquecem de elementos que deveriam ser óbvios se não estivéssemos cegos por ilusões e tendências à repetição.

 

         Não é novidade que a democracia brasileira é burguesa, dos ricos, e herdeira de uma tradição de controle e exclusão, desde os tempos do voto censitário do Império, até o voto a cabresto da República Velha.

         Muita gente honesta entre a esquerda parece esquecer disso e julga que a democracia atual é real e verdadeira, livre deste passado tão presente e visível.

         Por outro lado, a democracia burguesa se apoia na mentalidade imediatista e utilitária de muita gente, que não percebe ou não quer perceber a manipulação emocional e financeira da sociedade. Tudo está à venda no capitalismo e na sua democracia. Grande parte dos “pobres” entendem política como pragmatismo e utilitarismo, procurando tirar também algum tipo de vantagem, o que compromete o seu futuro a longo prazo.

         Poucas pessoas estão realmente a fim de escutar. Vivemos uma democracia de “diálogo de surdos”, com posições já predefinidas e com permanentes bombardeios emocionais e de ódio a favor ou contra, onde a racionalidade dos “melhores argumentos” conta muito pouco. É nisto que o neofascismo aposta com grande sucesso e a esquerda nas suas mais variadas vertentes não compreendeu; ou não quer compreender.

 

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         A base eleitoral petista e psolista brada contra os votos em Nunes e Melo (do MDB paulista e portoalegrense, respectivamente), falando da grande campanha de rua protagonizada por Boulos (Psol) e Maria do Rosário (PT).

         Nunes, Melo e o MDB são burocratas por natureza e conhecem as instituições republicanas e representativas desta democracia como a palma de sua mão.

         Sabem onde molhar as mãos das engrenagens, onde apertam os calos e onde aliviam. Não necessitam de adesivos e bandeiras na rua, ainda que disponham destes também.

         Eles conhecem a mentalidade da classe média, dos pequenos proprietários, dos “empreendedores” e, sobretudo, a moral da grande massa que busca e acredita em vantagens pessoais. Além dos recursos financeiros, dos contatos nevrálgicos nas engrenagens institucionais, o MDB e a direita de Nunes e Melo sabem usar os recursos ideológicos de que dispõe no momento, que é surfar na onda antipestista desencadeada pelo golpe de 2016 e pela própria dinâmica da militância de PT e Psol.

         A campanha da “esquerda” petista e psolista, por sua vez, não consegue arranhar este discurso e temos visto uma lavada de votos e de discursos pró-direita; sem falar nos acordos silenciosos de bastidores.

 

Em Porto Alegre, cidade que passou por uma enchente dramática acompanhada pelo Brasil e o mundo alguns meses antes das eleições municipais, Melo e o MDB que estavam à frente da prefeitura quase venceram no primeiro turno.

Eles mantiveram o discurso de garantir o lucro e o desenvolvimento para as grandes construtoras, os setores da especulação imobiliária, os pequenos restaurantes e negócios. Conseguiram confundir com sucesso a garantia destes privilégios com “trabalhar”. Supostamente a direita defenderia e apostaria no trabalho, enquanto que a “esquerda” não. Pode se perceber o mesmo engodo na campanha de São Paulo entre Boulos e Nunes — o próprio Pablo Marçal usou desta estratégia contra o primeiro. Uma distorção que deveria ser facilmente perceptível — ricaços e milionários tentando se vender como defensores do trabalho e verdadeiros “trabalhadores” — encontrou eco no seio da classe trabalhadora.

Por quê?

 

A disputa do segundo turno em Porto Alegre

Em Porto Alegre, Melo e o MDB possivelmente vão se reeleger mentindo descaradamente sobre o transporte público, sobre educação pública e a velha cantilena de que “não fez tudo, fez o que dava”, mas que agora vai "fazer mais". Ou seja, outro velho discurso vazio que pode significar tudo e nada, comprado por muita gente de mente utilitária por entre a classe trabalhadora.

Eles possivelmente vão se reeleger sem nenhuma proposta ou projeto real que impeçam novas enchentes, sendo totalmente dependente de caríssimas “consultorias” dos EUA ou da Holanda sobre calamidades naturais e reconstruções sociais que não resolvem absolutamente nada.

 

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Outra questão bastante levantada nos balanços da esquerda que vai além do PT é a ausência de um discurso radicalizado.

Isso, de fato, é um problema, mas não explica tudo.

Geralmente quem faz esta crítica entende discurso radicalizado como uma propaganda abstrata da revolução e do socialismo colocada como uma espécie de solução mágica para todos os problemas.

O que estes balanços não refletem é que o discurso radicalizado que a massa tem escutado com atenção e aderido é o da direita, do bolsonarismo, muitas vezes por um pragmatismo e utilitarismo barato. A esquerda facilmente tem caído na repulsa e no desdém. É em função dos seus problemas morais e pessoais que a grande massa tem optado por ir à direita e não à esquerda.

E todos nós temos batido a cabeça para tentar desvendar este mistério.

É preciso entender, antes de tudo, que o discurso individualista, de enriquecimento egotista e pessoal tem tido muito mais audiência do que o discurso radicalizado de esquerda, que visa o social e a mudança estrutural para todos.

Isso é um grave problema que não é solucionado pela simples radicalização do discurso “revolucionário” socialista, que no mais das vezes soa descolado da realidade porque demanda uma mudança individual, ética e de conduta, que a grande maioria da massa não tem demonstrado vontade de praticar.

A direita se apercebeu disso; a esquerda não.

O primeiro passo para tentarmos encontrar uma resposta plausível para este fenômeno e, efetivamente, o enfrentarmos, é reconhecer o problema.

A esquerda que vai além do petismo não quer admitir isso, tornando-se, também, parte do problema e da repetição dos vícios políticos e de práticas militantes que não conseguimos superar.

 

Para além de uma radicalização abstrata do discurso eleitoral, é preciso acertar a pontaria, a força e a precisão.

Por exemplo, se faz necessário desmascarar a burguesia e a direita no seu próprio campo: a economia capitalista.

Um bom começo é desmascarar os dogmas neoliberais, as enrolações e mentiras dentro da própria estrutura vigente; isto é, do próprio capitalismo.

Destruir por dentro as ilusões é um bom primeiro passo para “radicalizar” o discurso e demonstrar as hipocrisias e limitações do próprio sistema, que estão dentro e fora das pessoas. Não ter medo de se chocar contra os interesses mesquinhos que servem de porta de entrada e cavalo de Tróia para a mente pequeno burguesa que está amplamente disseminada e é incitada com grande facilidade pelo neofascismo trumpista, bolsonarista e de Pablo Marçal.

 

         A militância petista faz duros balanços sobre o voto do “pobre de direita”.

         Nisto reside uma parte da verdade, mas não leva em consideração a conciliação permanente e vergonhosa por parte dos candidatos e dos governos petistas com toda a estrutura, que sequer reconhece problema e jamais denunciam as pesquisas eleitorais sobretudo as divulgadas nas vésperas e a exclusão do debate dos candidatos menores. 

Ou seja, concordam com a estrutura naquilo que lhes beneficia e não vê problema na exclusão dos menores, na desigualdade de tempos de TV. O silêncio das candidaturas e governos petistas em relação a estas distorções “democráticas” é lamentável e, também, parte do problema.

O discurso radicalizado deve estar num contexto específico, e não descolado da realidade, como defende direta ou indiretamente grande parte dessa militância de esquerda que vai além do PT.

O petismo também não quer fazer um balanço real dos motivos que levam a existência do “pobre de direita”, mas apenas seguir fazendo o que já faz, tanto nas eleições, quanto nos governos e nos sindicatos.

 

A esquerda que vai além do PT menospreza o neofascismo e diz que a direita é exatamente igual entre si e, às vezes, igual ao petismo também. Ajuda a mentalidade de direita a se espalhar e se consolidar, já que não a reconhece e não a combate com a devida atenção.

O petismo reconhece o fenômeno neofascista, mas continua fazendo tudo exatamente igual, inclusive os seus balanços que apenas exaltam a si mesmo e não reconhecem necessidade de mudança alguma na sua conduta.

A ascensão da direita neofascista, como Bolsonaro ou Marçal, possibilitam uma destruição política, social e moral muito pior do que a direita tradicional, mas isso não quer dizer que a própria estrutura já não seja conservadora e de direita. Só quem alimenta muita ilusão política e eleitoral pensa ser possível vencer dentro dela.

A própria justiça eleitoral, como representante desta estrutura, julga normal e aceitável candidatos com o discurso de Bolsonaro e Marçal, mas veta e proíbe a participação real das candidaturas de PSTU, PCO e UP. Este fato é bastante emblemático.

O radicalismo neofascista encontra eco nas massas, diferente do radicalismo de esquerda.

Ele roubou seus métodos, sua agitação e propaganda e perverteu com valores reacionários de deus, pátria e família, justamente porque muita gente da massa aprova tal conduta, querendo enriquecer como a burguesia ou a classe média.

 

Parte da estratégia do neofascismo foi confundir o termo “esquerda” e “comunismo” com qualquer coisa que ela quiser. Hoje grandes parcelas da massa acreditam que não há diferenças entre direita e esquerda. Tal associação não seria possível se não tivessem existido os governos petistas, mas também as aberrações stalinistas, que embotaram a consciência de classe nacional e mundial.

Porém, isso não explica tudo.

Por que, então, a grande massa não vota nulo ou se recusa a acreditar em qualquer candidato, mas acredita e vota em embustes que se dizem antissistema, como Trump, Bolsonaro e Marçal?

O que impede que a esquerda se conecte com a massa, senão a própria massa que se deixa seduzir pelo canto da sereia do conservadorismo, que está nela mesma?

É precisamente isto que precisamos responder daqui para a frente.


quarta-feira, 2 de outubro de 2024

O absolutismo contemporâneo

 

Arte por @joaoggarin_

O mundo moderno e o capitalismo contemporâneo surgiram da luta contra o absolutismo monárquico.

Se constatou que um único homem não poderia ter o poder total sobre a sociedade e, por esta razão, pensou-se em diversos mecanismos de contenção e controle, como a exigência de uma constituição e de 3 poderes para governar.

 

De lá para cá, praticamente todos os países do mundo promulgaram suas constituições e dividiram os poderes, procurando estar de acordo com a nova visão de mundo surgida a partir do iluminismo e da revolução francesa de 1789.

O grande problema é que este controle sobre o poder é parcial e se restringe apenas à política. 

A economia segue amplamente desregulamentada e controlada por poucos. Como o “livre” mercado sabota a regulamentação e não possui controle de espécie alguma sobre os bilionários, o seu poderio econômico fica livre para burlar constituições e leis; comprar jornalistas, mídias, legisladores e juízes nas mais diferentes instâncias.

Por se tratar de um poder econômico, disfarça-se de neutro perante o senso comum, que atribui poder, corrupção e ilegalidade exclusivamente à política.

Quem controla um bilionário? Obrigá-los a respeitar limites seria um crime contra a “liberdade” ou uma necessidade social?

O poder econômico dos bilionários é uma reedição do absolutismo sob novas bases. Ainda precisamos debater e elaborar a guilhotina e a constituição que poderão lhe colocar limites.

 

Vejamos o caso de Elon Musk.

Ele representa bem o estágio de degeneração em que o capitalismo mundial se encontra: regulamentação draconiana sobre os pequenos empresários e produtores — que erroneamente só reconhecem problemas na política e no Estado —; enquanto permite liberdade irrestrita para os endinheirados.

O seu poder econômico e, consequentemente, político, se baseia no mercado mundial e na transnacionalização do capital.

Musk pode escolher a legislação de qual país vai respeitar e qual vai condenar como “ditadura”, a depender da sua estratégia empresarial. Enquanto condena a política e a justiça no Brasil como ditatoriais, respeita as da Índia, que tem tendências de direita radical.

Condena a “ditadura” na Venezuela e na China, mas apoia Donald Trump, que avaliza o genocídio em Gaza, dá suporte à Israel e pretende levantar tarifas alfandegárias contra a indústria chinesa de carros elétricos — isto é, tarifas e barreiras artificiais, cujo nome simples é: intervenção arbitrária na economia em benefício próprio.

Enquanto seduz a opinião pública mundial e da juventude brasileira com o seu discurso empreendedor e de “vencedor”, tributário do American Way of Life, decide e condena, na prática, quem é democrata e quem é ditador.

 

No caso do Brasil, Musk não respeita a legislação e a constituição vigentes. Faz campanha aberta contra elas escondido atrás do discurso de “liberdade de expressão”, no que é seguido pela família Bolsonaro e todos os seus apoiadores.

Enquanto mente descaradamente que o objetivo de vendas da sua internet por satélite é conectar escolas rurais da Amazônia, fornece conexão real para os madeireiros e o agronegócio ilegal, que desmata e queima as florestas sul americanas, tendo impacto no clima mundial.

Esta é a única “liberdade de expressão” que Musk conhece e respeita. Gritando contra a “ditadura”, esconde a verdadeira ação ditatorial, que é uma espécie de poder absolutista desconhecido pelos próprios reis europeus dos séculos XVII e XVIII.

 

Bolsonaro condecorando Musk pelos seus "grandes serviços" prestados ao agronegócio brasileiro nas queimadas


Não é por acaso que o agronegócio e a direita brasileira o idolatre, pois agem do mesmo modo.

O agronegócio do nosso país, por exemplo, funciona a partir de suas próprias leis: explora, desmata, queima, difama, mente, invade terra indígena, mata e compra qualquer um que se coloque contra o seu caminho. É isso que a direita entende como “liberdade econômica” e “empreendedorismo”.

Tal como os reis absolutistas, intimida e sabota jornalistas independentes; compra a grande imprensa para fazer sua propaganda positiva; manda tocar o horror e mata opositores. 

Se surge alguém que pretende regulamentar o setor, inclusive com cobrança de impostos — já que o que ele paga de tributos é uma piada de mau gosto —, ocorre uma campanha difamatória e mentirosa de que isso quebrará o país, reproduzida e repetida por mídias, jornais, telejornais, revistas, propagandas, portais de internet, youtubers, etc. Vão para as redes sociais — também muito bem pagas — chorar pela “liberdade de expressão”.

         Entendem por “liberdade de expressão” o “direito” de serem supremacistas brancos, racistas, xenófobos, egoístas e egocêntricos; isto é, o “direito” de defenderem a imoralidade da sua fortuna e da “liberdade de mercado” que é só para poucos, baseada em fraudes, sabotagens, intervenções diretas ou indiretas nos governos, no mercado e na sociedade.

A sua fortuna é usada de forma arbitrária, contrária a qualquer lei ou regulamentação, e “convence” facilmente aqueles de mente fraca ou que vivem à mercê do espírito de rebanho. A direita aprova tudo isso escondendo este poder absolutista dos bilionários atrás da “moral e dos bons costumes”, do “empreendedorismo”, de “democracia x ditadura”, de “liberdade” e de slogans como “deus, pátria e família”.

Em síntese: o absolutismo monárquico renasceu sob a forma de absolutismo econômico dos grandes bilionários, que possuem diversos meios para se venderem como salvadores da humanidade, quando, na verdade, são uma das principais ameaças à vida dos mais pobres e do próprio planeta.

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O poder absolutista dos bilionários também não seria possível se não houvesse uma propensão nas pessoas comuns para naturalizá-lo como legítimo e desejável.

A maioria do povo pobre simpatiza com Bolsonaro, Marçal, Elon Musk e a direita em geral porque comunga com eles certas noções e valores de acumulação de riquezas e de códigos morais tradicionais. 

Por exemplo: o homem como chefe de família — já que não pode mandar na arbitrariedade dos governos, dos bancos, da polícia ou local de trabalho, quer compensar em casa, nas mulheres e nos filhos, agredindo-os se necessário for —; algumas mulheres também não veem nenhum problema em se colocar nessas condições.

Portanto, o povo pobre que apoia a direita simpatiza, em essência, com essa posição de poder e hierarquia. Não que tenha ou possa a vir a ter poder real na sociedade, mas porque intimamente aspira a isso. Quer acreditar nesta ilusão e até se empolga com essa possibilidade.

O discurso e a prática da esquerda (sobretudo da autointitulada revolucionária) não o toca, porque esse chefe de família não quer dividir, não quer um outro tipo de sociedade que acabe com essa espécie de sonho de ser um milionário que ele compartilha, não quer outro tipo de sociedade que faça a gente ver o outro e divida a riqueza com ele porque ninguém o olha nesta que existe e nem divide riqueza alguma com ele, mas que mantenha e defenda a fortuna e as propriedades que futuramente talvez possa vir a ter, para que ele também possa vir a ser reconhecido, aclamado, respeitado, servido.

Assim funciona, pensa e sente todo o seu sistema de ética e moral — e a direita e seus ideólogos sabem disso.

Mesmo o discurso cristão-evangélico é interesseiro para este chefe de família porque pretende salvar e estender ao máximo a vida do seu ego, de sua família, dos seus descendentes, dos seus. Ou seja, como os bilionários e poderosos, quer viver mais e se prolongar mais. Transforma a religião num balcão de negócios: te dou a minha fé e devoção e em troca quero a vida eterna.

Esta é sua visão econômica, política e espiritual, numa tacada só. Os manipuladores da psicologia de massas sabem muito bem como negociar com este tipo de consciência e comprá-las com alguns trocados.

Os setores progressistas, conscientes e de “esquerda” continuam errando porque entram no jogo deste debate viciado e compram a superficialidade do debate, sem chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome. Também ignoram a necessária compreensão e intervenção sobre a psicologia de massas, que termina sempre por ser idealizada.