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A campanha de Boulos em São Paulo, que conta com apoio ativo de Lula |
A direita venceu as eleições municipais através das suas duas principais
correntes políticas: a moderada e a neofascista.
Há muito tempo a
direita vence neste país.
Mais especificamente:
vence desde os tempos coloniais até hoje.
Toda a estrutura
social, educacional, midiática, moral e… eleitoral é feita para a direita
vencer.
Parece que não temos
tido a capacidade de nos tocar disso, embora seja bastante evidente para quem
tiver coragem pra ver.
Temos visto há
décadas as ilusões de “esquerda” — sobretudo petistas,
pcdobistas e psolistas — afirmar e vender o oposto. A “esperança vence o
medo”, mas o medo volta de distintas formas para se espalhar e se consolidar
com velhos discursos e espantalhos.
Em duas grandes
cidades brasileiras a disputa permanece, mas sem grandes chances para a
“esquerda”: São Paulo e Porto Alegre.
Termina o 1º turno e brotam balanços e justificativas sobre os seus
resultados.
Se escutam lamentos em diversos tons de todos os lados.
Muitos destes
balanços tocam em pontos importantes, mas esquecem de elementos que deveriam
ser óbvios se não estivéssemos cegos por ilusões e tendências à repetição.
Não é novidade que a
democracia brasileira é burguesa, dos ricos, e herdeira de uma tradição de
controle e exclusão, desde os tempos do voto censitário do Império, até o voto
a cabresto da República Velha.
Muita gente honesta
entre a esquerda parece esquecer disso e julga que a democracia atual é real e
verdadeira, livre deste passado tão presente e visível.
Por outro lado, a
democracia burguesa se apoia na mentalidade imediatista e utilitária de
muita gente, que não percebe ou não quer perceber a manipulação emocional e
financeira da sociedade. Tudo está à venda no capitalismo e na sua democracia.
Grande parte dos “pobres” entendem política como pragmatismo e utilitarismo,
procurando tirar também algum tipo de vantagem, o que compromete o seu futuro a
longo prazo.
Poucas pessoas estão
realmente a fim de escutar. Vivemos uma democracia de “diálogo de surdos”, com
posições já predefinidas e com permanentes bombardeios emocionais e de ódio a
favor ou contra, onde a racionalidade dos “melhores argumentos” conta muito
pouco. É nisto que o neofascismo aposta com grande sucesso — e a esquerda nas
suas mais variadas vertentes não compreendeu; ou não quer compreender.
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A base eleitoral
petista e psolista brada contra os votos em Nunes e Melo (do MDB paulista e
portoalegrense, respectivamente), falando da grande campanha de rua
protagonizada por Boulos (Psol) e Maria do Rosário (PT).
Nunes, Melo e o MDB
são burocratas por natureza e conhecem as instituições republicanas e
representativas desta democracia como a palma de sua mão.
Sabem onde molhar as
mãos das engrenagens, onde apertam os calos e onde aliviam. Não necessitam de
adesivos e bandeiras na rua, ainda que disponham destes também.
Eles conhecem a mentalidade da classe média, dos pequenos proprietários, dos “empreendedores”
e, sobretudo, a moral da grande massa que busca e acredita em vantagens
pessoais. Além dos recursos financeiros, dos contatos nevrálgicos nas
engrenagens institucionais, o MDB e a direita de Nunes e Melo sabem usar os
recursos ideológicos de que dispõe no momento, que é surfar na onda
antipestista desencadeada pelo golpe de 2016 e pela própria dinâmica da
militância de PT e Psol.
A campanha da
“esquerda” petista e psolista, por sua vez, não consegue arranhar este discurso
e temos visto uma lavada de votos e de discursos pró-direita; sem falar nos
acordos silenciosos de bastidores.
Em Porto Alegre, cidade que passou por uma enchente dramática
acompanhada pelo Brasil e o mundo alguns meses antes das eleições municipais,
Melo e o MDB — que estavam à frente da prefeitura — quase venceram no
primeiro turno.
Eles mantiveram o discurso de garantir o lucro e o desenvolvimento para
as grandes construtoras, os setores da especulação imobiliária, os pequenos restaurantes e
negócios. Conseguiram confundir com sucesso a garantia destes privilégios com “trabalhar”.
Supostamente a direita defenderia e apostaria no trabalho, enquanto que a “esquerda”
não. Pode se perceber o mesmo engodo na campanha de São Paulo entre Boulos e
Nunes — o próprio Pablo Marçal usou desta
estratégia contra o primeiro. Uma distorção que deveria ser facilmente perceptível — ricaços e milionários tentando se vender como
defensores do trabalho e verdadeiros “trabalhadores” — encontrou eco no
seio da classe trabalhadora.
Por quê?
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A disputa do segundo turno em Porto Alegre |
Em Porto Alegre, Melo e o MDB possivelmente vão se reeleger mentindo
descaradamente sobre o transporte público, sobre educação pública e a velha
cantilena de que “não fez tudo, fez o que dava”, mas que agora vai "fazer
mais". Ou seja, outro velho discurso vazio que pode significar tudo e
nada, comprado por muita gente de mente utilitária por entre a classe
trabalhadora.
Eles possivelmente vão se reeleger sem nenhuma proposta ou projeto real
que impeçam novas enchentes, sendo totalmente dependente de caríssimas
“consultorias” dos EUA ou da Holanda sobre calamidades naturais e reconstruções
sociais que não resolvem absolutamente nada.
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Outra questão bastante levantada nos balanços da esquerda que vai além
do PT é a ausência de um discurso radicalizado.
Isso, de fato, é um problema, mas não explica tudo.
Geralmente quem faz esta crítica entende discurso radicalizado como uma
propaganda abstrata da revolução e do socialismo colocada como uma espécie de
solução mágica para todos os problemas.
O que estes balanços não refletem é que o discurso radicalizado que a
massa tem escutado com atenção e aderido é o da direita, do bolsonarismo,
muitas vezes por um pragmatismo e utilitarismo barato. A esquerda facilmente
tem caído na repulsa e no desdém. É em função dos seus problemas morais e
pessoais que a grande massa tem optado por ir à direita e não à esquerda.
E todos nós temos batido a cabeça para tentar desvendar este
mistério.
É preciso entender, antes de tudo, que o discurso individualista, de
enriquecimento egotista e pessoal tem tido muito mais audiência do que o
discurso radicalizado de esquerda, que visa o social e a mudança estrutural
para todos.
Isso é um grave problema que não é solucionado pela simples
radicalização do discurso “revolucionário” socialista, que no mais das vezes
soa descolado da realidade porque demanda uma mudança individual, ética e de
conduta, que a grande maioria da massa não tem demonstrado vontade de praticar.
A direita se apercebeu disso; a esquerda não.
O primeiro passo para tentarmos encontrar uma resposta plausível para
este fenômeno e, efetivamente, o enfrentarmos, é reconhecer o problema.
A esquerda que vai além do petismo não quer admitir isso, tornando-se,
também, parte do problema e da repetição dos vícios políticos e de práticas
militantes que não conseguimos superar.
Para além de uma radicalização abstrata do discurso eleitoral, é preciso
acertar a pontaria, a força e a precisão.
Por exemplo, se faz necessário desmascarar a burguesia e a direita no
seu próprio campo: a economia capitalista.
Um bom começo é desmascarar os dogmas neoliberais, as enrolações e
mentiras dentro da própria estrutura vigente; isto é, do próprio capitalismo.
Destruir por dentro as ilusões é um bom primeiro passo para
“radicalizar” o discurso e demonstrar as hipocrisias e limitações do próprio
sistema, que estão dentro e fora das pessoas. Não ter medo de se chocar contra
os interesses mesquinhos que servem de porta de entrada e cavalo de Tróia para
a mente pequeno burguesa que está amplamente disseminada e é incitada com
grande facilidade pelo neofascismo trumpista, bolsonarista e de Pablo Marçal.
A militância petista
faz duros balanços sobre o voto do “pobre de direita”.
Nisto reside uma
parte da verdade, mas não leva em consideração a conciliação permanente e
vergonhosa por parte dos candidatos e dos governos petistas com toda a
estrutura, que sequer reconhece problema e jamais denunciam as pesquisas eleitorais
— sobretudo as divulgadas nas vésperas — e a exclusão do
debate dos candidatos menores.
Ou seja, concordam com a estrutura naquilo que lhes beneficia e não vê
problema na exclusão dos menores, na desigualdade de tempos de TV. O silêncio
das candidaturas e governos petistas em relação a estas distorções
“democráticas” é lamentável e, também, parte do problema.
O discurso radicalizado deve estar num contexto específico, e não
descolado da realidade, como defende direta ou indiretamente grande parte dessa
militância de esquerda que vai além do PT.
O petismo também não quer fazer um balanço real dos motivos que levam a
existência do “pobre de direita”, mas apenas seguir fazendo o que já faz, tanto
nas eleições, quanto nos governos e nos sindicatos.
A esquerda que vai além do PT menospreza o neofascismo e diz que a
direita é exatamente igual entre si e, às vezes, igual ao petismo também. Ajuda
a mentalidade de direita a se espalhar e se consolidar, já que não a reconhece
e não a combate com a devida atenção.
O petismo reconhece o fenômeno neofascista, mas continua fazendo tudo exatamente
igual, inclusive os seus balanços que apenas exaltam a si mesmo e não reconhecem
necessidade de mudança alguma na sua conduta.
A ascensão da direita neofascista, como Bolsonaro ou Marçal, possibilitam
uma destruição política, social e moral muito pior do que a direita
tradicional, mas isso não quer dizer que a própria estrutura já não seja
conservadora e de direita. Só quem alimenta muita ilusão política e eleitoral
pensa ser possível vencer dentro dela.
A própria justiça eleitoral, como representante desta estrutura, julga
normal e aceitável candidatos com o discurso de Bolsonaro e Marçal, mas veta e
proíbe a participação real das candidaturas de PSTU, PCO e UP. Este fato é
bastante emblemático.
O radicalismo neofascista encontra eco nas massas, diferente do
radicalismo de esquerda.
Ele roubou seus métodos, sua agitação e propaganda e perverteu com
valores reacionários de deus, pátria e família, justamente porque muita gente da massa aprova tal conduta, querendo enriquecer como a burguesia ou a classe
média.
Parte da estratégia do neofascismo foi confundir o termo “esquerda” e
“comunismo” com qualquer coisa que ela quiser. Hoje grandes parcelas da massa
acreditam que não há diferenças entre direita e esquerda. Tal associação não
seria possível se não tivessem existido os governos petistas, mas também as
aberrações stalinistas, que embotaram a consciência de classe nacional e
mundial.
Porém, isso não explica tudo.
Por que, então, a grande massa não vota nulo ou se recusa a acreditar em
qualquer candidato, mas acredita e vota em embustes que se dizem antissistema,
como Trump, Bolsonaro e Marçal?
O que impede que a esquerda se conecte com a massa, senão a própria
massa que se deixa seduzir pelo canto da sereia do conservadorismo, que está
nela mesma?
É precisamente isto que
precisamos responder daqui para a frente.