Publicado originalmente em: https://knigaeconomiapolitica.blogspot.com
Espetáculo por espetáculo, qual foi o maior e mais impactante: a posse de Lula dia 1º de janeiro de 2023 ou o vandalismo da turba bolsonarista dia 8? Só a história responderá. Neste cenário de dissonâncias cognitivas: um fala branco outro fala preto, uns fazem balanço positivo, outros negativo, alguns dizem que Lula 3 sai fortalecido, outros acham que o governo foi golpeado e se enfraqueceu. Alguns acham que a democracia venceu, saiu fortalecida, outros acham que o governo seguirá refém do bolsonarismo (denominação genérica para as forças de direita).
O espetáculo da posse recheado de mensagens pacificadoras, integradoras e inclusivas foi ofuscado pelo espetáculo do quebra-quebra no domingo seguinte. Na margem de tempo de uma semana ficou evidenciado o antagonismo entre as classes na sociedade capitalista. Embora petistas e bolsonaristas não compartilhem de que no capitalismo prevaleça a divisão de classes: petistas olham para as desigualdades promovidas pelo sistema e com visão romântica das contradições do capitalismo, pensam que podem erradicá-la com harmonização de interesses. Já os bolsonaristas só enxergam o apocalipse.
Em 1º de fevereiro tomaram posse os novos parlamentares e na mesma data elegeram a mesa diretora das duas casas que compõem o Congresso. Da mesma forma que o atual vice-presidente Geraldo Alckmin, os senhores Arthur Lira (Progressistas – AL) e Rodrigo Pacheco (PSD – MG), respectivamente presidente da Câmara de Deputados e Senado, se converteram em companheiros. O processo eleitoral de ambos seguiu os ritos habituais: troca de cargos. A gestão Lula 3 reitera o fisiologismo e o cretinismo parlamentar. Por trás de uma retórica inflamada aos eleitores, o modus operandi nos bastidores se repete e perdura.
Por isso, não constitui surpresa que no caso da eleição de Lira para a Câmara dos Deputados tenha ocorrido um rendez-vous (tradução: regabofe) à altura do cretinismo parlamentar que acomete os partidos, tanto os da situação, como os da oposição (em alternância de poder). O jornal O Globo em sua edição de 28 de janeiro de 2023, página 8, informou que no dia 26 uma quinta feira a noite, em jantar para promover a eleição de Arthur Lira à presidência da Câmara compareceram, dentre outros comensais, os ministros petistas Luiz Marinho (Trabalho) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário); o governador de São Paulo Tarcísio Freitas (Republicanos); e os seguintes deputados federais, pelo PSOL – SP Guilherme Boulos e Erika Hilton; pelo Republicanos – SP o também Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Marcos Pereira, pelo PT – RS Maria do Rosário, a cônjuge do senador Sérgio Moro a deputada pelo União de SP Rosângela Moro e o filho de Jair Bolsonaro o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL – SP).
Interessa-nos, todavia, a pauta econômica inicial da nova legislatura. No Congresso Nacional a equipe econômica pretende pautar a reforma tributária. Embora exista várias propostas na mesa de ambas as casas legislativas, há expectativa de qual deles será abraçado pelo governo. No entanto, com base em declarações à imprensa tanto do presidente da Câmara dos deputados, como da equipe econômica, a prioridade é iniciar por uma ampla e radical reformulação dos impostos que incidem sobre o consumo. Aqueles que incidem sobre a renda e a propriedade ficariam para depois. Ou seja, o que poderia favorecer os trabalhadores fica para depois. A urgência em alterar o caráter regressivo da nossa política tributária (quem ganha menos acaba pagando mais imposto) fica adiada.
Por esse motivo existe um consenso entre as elites por onde começar a reforma. O governo dessa forma irá contrariar os interesses populares. A reformulação das bases de arrecadação dos impostos no Brasil deveria ser iniciada pela renda e propriedade. Exatamente onde os desfavorecidos são mais prejudicados. Três medidas podem e devem ser encaminhadas: a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, a revogação da isenção nos lucros e dividendos e o voto de qualidade no CARF.
GRANDES FORTUNAS
Os trabalhadores não podem se deixar contaminar pelo cinismo e desfaçatez dos parlamentares, ministros e demais representantes do capital. O imposto sobre grandes fortunas não demanda votação ou debate. Já está aprovado, é lei constitucional. Como está prescrito pela Constituição Federal artigo 153 inciso VII, aqui citado em sequência: “Compete à União instituir impostos sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar”. Consequentemente cumpre de modo simples regulamentar a lei. Dada uma terceira oportunidade a Lula e uma quinta ao PT, que eles não se façam de rogados e, ao contrário dos mandatos anteriores, promovam a regulamentação da lei e mobilizem por sua aprovação.
LUCROS E DIVIDENDOS
Fernando Henrique Cardoso em seu primeiro mandato isentou de imposto de renda os lucros e dividendos em uma lei geral que trata de outros assuntos. Desnecessário perder tempo com nova legislação. Um passo inicial e simples é revogar o artigo 10º da Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995 que altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências: “Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior”. A manutenção desse dispositivo lesa os cofres públicos. Sua revogação deve ser encampada pelo movimento popular e contra a vontade de uma maioria de deputados e senadores impor uma vitória aos interesses populares.
CARF
A Medida Provisória 1.160, de 2023, cuja ementa: “Dispõe sobre a proclamação do resultado do julgamento, na hipótese de empate na votação no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, e sobre a conformidade tributária no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e altera a Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020, para dispor sobre o contencioso administrativo fiscal de baixa complexidade.”. Nem reforma, nem extingui o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Diante disso nos resta defender sua aprovação apesar da timidez com que trata do problema crônico da sonegação de impostos. O montante é assustador até junho de 2022, as dívidas no Conselho chegavam a R$1 trilhão, que somados aos R$216 bilhões em litígio nas Delegacias de Julgamento da Receita Federal chegam ao total de R$ 1,216 trilhão. Só nos dois anos que antecederam a mudança sobre o voto de qualidade (voto de minerva do presidente do Conselho, um auditor fiscal), 2018 e 2019, foram arrecadados R$ 142,15 bilhões. Prova de que dinheiro há e muito. O Conselho é controlado pelas confederações empresariais que indicam metade dos julgadores, a outra metade é composta por auditores. No entanto, quando o governo perde, a decisão possui caráter terminativo, quando os empresários perdem podem recorrer ao Judiciário. Entre a disputa nos órgãos da Receita Federal e no Judiciário o tempo médio é superior a 15 anos. Tal o descalabro em sua permanência e rotina de atuação que não somos os únicos a denunciar a existência do órgão e propor seu fim: “O CARF controlado pelas corporações empresariais não é uma instituição republicana! É um esbulho patrimonialista com raízes nas oligarquias do Império. Pelo fim imediato do CARF! (cf. Ricardo Fagundes da Silveira – Auditor Fiscal da Receita Federal e Membro do Conselho Deliberativo do Instituto Justiça Fiscal e Wilson Luiz Müller – Integrante do Coletivo Auditores Fiscais pela Democratização – AFD https://jornalggn.com.br/crise/carf-o-estouro-da-maior-boiada-de-bolsonaro/ )
Os trabalhadores não têm a oportunidade de recusar pagamento ou questioná-lo pois são tributados na fonte ou no momento do consumo. O mesmo deve ocorrer com a patronal. Se houvesse honestidade entre os grandes empresários, a proposta de retomada do voto de qualidade no CARF não teria sido repudiada. E ao Ministro da Fazenda não deveria ser dada agenda para que sonegadores fossem recebidos presencialmente como ocorreu dia 1º de fevereiro. O objetivo dos sonegadores é barrar a medida, que por ser provisória, depende de aprovação do Congresso. Os R$ 50 bilhões previstos podem virar pó. Compete aos gestores governamentais não negociar nenhum acordo e fazer valer o interesse popular, executar as dívidas que alcançam a cifra de R$ 1,216 trilhão e destinar o recurso para o bem-estar social. O Congresso deve votar a medida provisória como ela foi elaborada.
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