sábado, 15 de outubro de 2022

Eleições 2022: o neofascismo cresce! Quais serão seus possíveis próximos passos?

         O primeiro turno das eleições de 2022 terminou elegendo um Congresso Nacional de maioria neofascista – isto é, bolsonarista! Notórias figuras públicas ligadas a Bolsonaro, como os generais Eduardo Pazuello e Hamilton Mourão; Damares Alves, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol se elegeram em estados chaves do país e, em caso de vitória de Bolsonaro (PL) no segundo turno, vão servir de base para aplainar o caminho da agenda política neofascista; ou sabotar, atrapalhar e trancar pautas no Congresso, no caso da eleição de Lula (PT).

         Além de uma maioria de parlamentares, o bolsonarismo também elegeu ou conseguiu fazer chegar ao segundo turno uma série de governadores que servirão de base para a disseminação do neofascismo. Em caso de eleição de Lula não se pode descartar a possibilidade de uma ruptura institucional, uma vez que o seu desgaste político será acelerado e colocado à prova sistematicamente. Qualquer tentativa de disciplinar os governadores e parlamentares bolsonaristas será vista como “cerceamento da liberdade de expressão” e “ditadura do STF” – ao que, o petismo, a grande mídia e o próprio judiciário nada farão, a não ser bater cabeças.

         Partidos burgueses tradicionais, como o PSDB, se enfraqueceram e ameaçam se desintegrar. Já os bolsonaristas assumem seus assentos e seus papéis, ganhando mais peso político. O discurso de ódio e a barbárie, vendido como ético e “correto”, se institucionaliza, ainda que Bolsonaro procure apresentar uma imagem menos desprezível, com algumas propostas políticas genéricas – tipo a criação do PIX – e a tentativa de se aproximar do eleitorado feminino; além de esconder o desastre da sua política econômica privatista e entreguista atrás do véu da pandemia, como se esta tivesse sido a responsável pelo brutal aumento do custo de vida e não a sua própria política econômica recessiva e voltada ao exterior. Sem falar no escândalo do orçamento secreto, que pode esconder os mais diversos tipos de irregularidades e crimes, como a compra de votos, gabinete do ódio, benesses aos pastores, etc.

         Considerando as pesquisas eleitorais, que sempre servem para manipular e legitimar o “voto útil”, a distância entre Lula e Bolsonaro foi bem menor do que se esperava. A espinha dorsal e base de sustentação do governo neofascista e do seu preocupante crescimento eleitoral foi, como sempre, o agronegócio, que garantiu grande votação no norte e centro-oeste para Bolsonaro.

         Enquanto o “combate” do STF, da Rede Globo e da esquerda ao neofascismo é limitado e tímido, restrito às regras do jogo, o neofascismo cresce sabotando subterraneamente o regime democrático-burguês, espalhando fake news à vontade, factoides e picuinhas no velho estilo olavista para impedir qualquer tipo de debate real. O seu objetivo verdadeiro é passar toda a “boiada reacionária” e o programa econômico neoliberal, que não pode mais ser defendido sem que se recorra a uma distorção e falsificação grotesca da realidade através do terra-planismo e de posições escatológicas perversamente sexualizadas. O golpe militar não é mais dado com tanques e soldados na rua: mas conquistando “maiorias democraticamente”.

 

Os possíveis próximos passos do neofascismo: uma análise da entrevista de Steve Bannon à BBC Brasil

         O principal ideólogo internacional do neofascismo, Steve Banon, recentemente concedeu uma entrevista à BBC News Brasil em que falou sobre as eleições brasileiras e apontou perspectivas.

         Muita gente pensa que com a eleição de Lula o neofascismo será derrotado e superado, mas a experiência dos EUA demonstra que não[i] – e a entrevista de Bannon confirma. Na condição de oposição aos governos o neofascismo continuará cumprindo um papel nefasto de agitação, propaganda e sabotagem, que tende a intensificar a confusão, reforçando sua influência sobre o movimento de massas. O velho tipo de militância praticado pela esquerda não consegue fazer frente ao neofascismo, que precisa ser estudado e compreendido nos seus detalhes.

         Já no início da entrevista, a BBC destaca a fala de Bannon de que a disputa entre Bolsonaro e Lula é um “enfrentamento de estatura global”[ii]. Ora, o termo “global” aqui diz respeito única e exclusivamente ao fato de que o resultado das eleições brasileiras interessa diretamente ao imperialismo estadunidense na sua “guerra fria particular” contra a China pela hegemonia mundial. Bolsonaro e Lula estão disputando a presidência de um Estado neocolonial, cuja manutenção desta condição política e econômica será uma realidade, ganhe quem ganhar – seja ficando embaixo das asas da águia estadunidense ou enredado nas barbas do dragão chinês –, ainda que devamos reconhecer que o entreguismo de Bolsonaro é mil vezes maior e mais nefasto do que o de Lula; e o projeto imperialista norte-americano representa submissão total, enquanto que o chinês aponta para algum tipo de pequeno ganho.

         Portanto, a preocupação do neofascismo – esta corrente internacional liderada pelo próprio Bannon e por Donald Trump – não é com o protagonismo global que o Brasil pode exercer. Ao contrário: diz respeito aos interesses estratégicos do imperialismo norte-americano, em decadência e ameaçado diretamente pela ascensão mundial da China.

         Caso Lula vença o segundo turno, a artilharia política se voltará para a “denúncia de sua relação escusa de subordinação à China”. Este é o principal interesse de Bannon acerca das eleições brasileiras, cujos elogios são cínicos e direcionados. Estas afirmações podem ser confirmadas neste trecho da entrevista: “a associação de Lula com o Partido Comunista Chinês, principalmente no que se refere a commodities e recursos naturais, fazem desta, eu acho, uma das eleições mais importantes, não apenas deste ciclo (eleitoral), mas nos últimos tempos”[iii].

         E pelo visto não haverá tréguas neste campo, pois disto depende a sorte do imperialismo estadunidense na América Latina. Quando o jornalista da BBC News questionou Bannon sobre o fato de Lula não admitir “essa proximidade e inclusive tem criticado publicamente a falta de divergências no Partido Comunista Chinês…”, foi interrompido pelo entrevistado, que afirmou que Lula “entende a associação ao PCC como algo tão negativo, que ele precisa fazer algum tipo de separação, mesmo que ela não seja real”. Afirma também que Lula “é um político muito experiente, muito sofisticado quando se trata de mídia e, particularmente, mídia global. (...) Se você vai ser um político pragmático e tentar ser eleito em um país ocidental, você tem que sentar lá e dizer: ‘Oh, o Partido Comunista Chinês é ruim’. Vemos a mesma coisa nos Estados Unidos. Mas a influência do Partido Comunista Chinês na América é bastante profunda. Então, acho que Lula apenas entendeu como é radioativa qualquer associação com o Partido Comunista Chinês e resolveu ser vocal sobre isso”[iv].

         Em síntese: o neofascismo centrará fogo na dissolução dos BRICs, transformando pequenos fatos desta aproximação entre Brasil e China em teorias conspiratórias, degeneradas e midiático-terroristas para apavorar a classe média e parte da classe trabalhadora, como é característico do movimento que dirige, denunciando qualquer tipo de “associação” – leia-se, relação bilateral de comércio, turismo, diplomacia – com a China, como uma “ameaça do comunismo chinês”, vinculando, enfim, a imagem do Partido Comunista Chinês à de Lula e do PT. Antes os fantasmas eram Cuba e Venezuela; agora será a vez do PCC e da China. Como o trecho da entrevista dá a entender, esta associação será parte fundamental da estratégia neofascista para o mundo, mas, em particular, para o Brasil.

         Vejamos o exemplo concreto disso: o jornalista da BBC News pergunta a Bannon o seguinte: “o senhor está dizendo que o Lula tem uma relação especial com a China, mas no ano passado, sob Bolsonaro, o Brasil foi o país no qual a China mais investiu no mundo. Como isso cabe no seu argumento?”.

         Bannon responde: “Obviamente, o Brasil é um país de recursos naturais com um grande negócio de exportação. O Partido Comunista Chinês precisa desses recursos. Mas eles foram comprados no mercado livre. Isso é bem diferente da relação de Lula com a China. Lula foi várias vezes a Pequim. Lula tem uma visão de mundo comum à do Partido Comunista Chinês. E o sucesso econômico (do governo Lula) está diretamente ligado aos negócios de exportação e commodities do Partido Comunista Chinês, que essencialmente olha para o Brasil como quase uma espécie de colônia para eles, principalmente em recursos naturais. Lula vai trazer tudo isso de volta. E os chineses veem o Brasil mais do que nunca como um necessário parceiro de commodities. Então, a relação entre Bolsonaro e o Partido Comunista Chinês é mais comercial. Com Lula é muito diferente. Ele dará uma grande base para o Partido Comunista Chinês na América Latina e isso se tornará uma importante questão de segurança nacional para os Estados Unidos. Então, eu estudo Lula há muito tempo. Acho-o um personagem fascinante. Acho-o um personagem trágico porque acredito que ele realmente acreditava no que dizia. E acho que ele é uma figura trágica por isso. Eu acho que ele é parte da rede (política) que o Partido Comunista Chinês corrompeu em todo o mundo. É um exemplo perfeito disso”[v].

         Bannon visa, na realidade, a sabotagem e a destruição dos BRICs como alternativa à ordem mundial hegemonizada pelo capitalismo estadunidense. É exatamente isso que está em jogo com as eleições brasileiras e, em particular, com o seu segundo turno. Como sempre, a estratégia neofascista é deixar estes objetivos ocultos atrás de acusações, debates secundários e escatológicos. O cerne da questão é que o neofascismo sabe da estratégia dos BRICs defendida pelos governos petistas e trabalha dia e noite para destruí-la, pois disso depende a sua própria sorte. Esta é, portanto, a forma como Bannon entende a “estatura global” das eleições brasileiras.


Bannon já sabia do futuro “bom desempenho” eleitoral das candidaturas neofascistas

         Este blog anunciou muitas vezes que o neofascismo é um movimento novo, que adapta o fascismo às condições do século XXI de disputa entre os EUA, em decadência histórica, e China e Rússia, como rivais que desafiam a hegemonia mundial norte-americana[vi]. Enquanto parte da intelectualidade de esquerda espera uma ditadura militar tradicional, afirmávamos que o neofascismo convive com as instituições democrático-burguesas, as ameaçando permanentemente, ainda que grande parte seja apenas discurso de ódio, sem uma ação efetiva. O impacto psicológico é criado justamente a partir deste método, gerando cortinas de fumaça, confundindo e empesteando o ambiente político e social. O grande chamariz de agora para gerar medo e confusão será a repetição do que ocorreu nos EUA de uma crise de transição entre governos e a aceitação do resultado por parte do Bolsonaro, que assim como Donald Trump, sempre faz jogo duplo e declarações dúbias.

         Além disso, o neofascismo não é contra eleições. Ao contrário: tem se especializado em métodos refinados de manipulação social para emplacar suas candidaturas em diversos países do mundo (vejam a vitória de Giorgia Meloni na Itália, por exemplo). Bannon diria, sarcasticamente: “dê um rosto razoável para o populismo de direita e você se elege”[vii].

         E vai ainda mais além, renegando a pecha de autoritário: “Nós amamos a democracia e aqui está a razão: nós temos os votos. Então, quando Biden vem e demoniza as pessoas é simplesmente porque ele não pode falar sobre seus feitos. Seu governo é um colapso financeiro e econômico do nosso país: inflação fora de controle, recorde na queda do patrimônio líquido (das famílias) do nosso país foi anunciada na semana passada: são US$ 6 trilhões (a menos) para o povo americano”[viii].

         O caos geral de inflação, queda de patrimônio e crise econômica é um resultado inevitável dos ciclos do capitalismo, não de um único governo. O neofascismo, então, posa de “democrático”, vencendo as eleições a partir da manipulação da psicologia de massas ou então fica na “oposição” para canalizar o inevitável desgaste dos governos “progressistas”. A mesma coisa ocorrerá com um possível futuro governo Lula: o bolsonarismo, que tem maioria parlamentar e talvez tenha maioria também nos governos estaduais, irá infernizar a vida governista, por dentro e por fora das instituições, através da mídia e da base eleitoral que criou no Brasil a partir dos métodos neofascistas.

         Vejamos a seguir a profecia de Bannon, que tem fontes de informação muito mais refinadas do que toda a mídia, as “empresas de pesquisas eleitorais” e o povo brasileiro em seu conjunto: “Espero e rezo para que tudo aconteça bem (nas eleições brasileiras). E é por isso que estou pedindo um escrutínio e transparência, porque acredito muito que, independentemente do que as pesquisas digam, basta ver o que está acontecendo: acho que Bolsonaro vai subir a ponto de ir com Lula para o segundo turno e, depois, vencê-lo”[ix].

         E isso foi dito friamente em 18 de setembro de 2022 – quase uma previsão do que ocorreu no primeiro turno – quando todo mundo estava tranquilizado com a embriaguez das pesquisas eleitorais que davam uma boa margem para Lula.


O “herói” brasileiro do neofascismo e a sua influência silenciosa sobre a classe trabalhadora

         Para Steve Bannon, Bolsonaro é um “grande herói para todos nós” (leia-se: para a elite dos EUA). Ele estaria no nível de Viktor Orbán (na Hungria) como alguém que “defendeu a soberania nacional e realmente construiu uma base. Ele tem evangélicos, ele tem pessoas da classe trabalhadora”[x].

         O “heroísmo” e a “soberania nacional” de Bolsonaro está, justamente, em frear a influência chinesa sobre o Brasil para mantê-lo na área de influência dos EUA, sem qualquer tipo de soberania. Ainda que haja uma enorme contradição na engenharia política bolsonarista, que se apoia no agronegócio – totalmente dependente do comércio com a China –, mantém o restante do país bem afastado da política global chinesa, sobretudo no campo da ciência e da tecnologia.

         A estratégia do neofascismo no Brasil usa o discurso patriótico e seus símbolos como forma de dissimular a entrega de bandeja do país para os EUA. A sua exaltação cínica e exagerada da pátria visa confundir o bolsonarismo e seus símbolos com o próprio Brasil. Logo, a oposição ao bolsonarismo significa oposição ao Brasil.

         Apesar de chamar Bolsonaro de “herói”, Bannon não escondeu o fascínio que tem por Lula: “eu sou fascinado por Lula”, disse ele, afirmando que estudou o petista por “muitos e muitos anos”[xi]. Para ter nas mãos o governo neocolonial de Brasília, precisa “encantar” e dominar a sua classe trabalhadora, bem como seus “símbolos”.

         Ele afirmou, cinicamente, mas de forma certeira, que acredita “muito nos trabalhadores. E parte do nosso trabalho tem sido atrair democratas e sindicalistas para a nossa causa. Então, tem coisas que Lula defende em que nós acreditamos”, diz Bannon, que reconhece “o tremendo sucesso financeiro da gestão do petista no Brasil no começo dos anos 2000”[xii].

         E conclui afirmando que acredita piamente que o movimento dele e de Bolsonaro representam “um movimento de base”, pois possuem “estratégia de política local: assumir o governo local, assumir o conselho escolar local, assumir os postos de funcionários eleitos locais”[xiii]. De fato, assim tem se dado na prática, tanto nos EUA, quanto no Brasil.

         Bannon é o principal estrategista do neofascismo. É um hábil ilusionista com as palavras e as declarações políticas. Questionado sobre os “problemas da urna eletrônica” e o “clima de medo e violência política reinante no Brasil”, atribuído ao bolsonarismo, desconversou para relativizar a violência simbólica e real do seu próprio movimento. Ao fim, o jornalista faz uma pergunta tão ingênua, quanto útil: “esse movimento populista de direita radical respeita a democracia?”.

         Bannon responde cinicamente que trata-se de“um movimento democrático”; e “dizer que não se trata de um movimento ‘democrático’ é uma acusação da mídia”. Isto é, usa a mesma tática barata de Bolsonaro pra não responder nenhuma questão seriamente: ataca os jornalistas e as instituições da democracia burguesa para desviar a atenção e embaçar o juízo. Logo a seguir, adverte: “vamos ganhar nas urnas. Temos dois terços (do eleitorado) agora nos Estados Unidos. (agregado de pesquisas eleitorais do site FiveThirtyEight mostra que 44.9% dos americanos querem vitória democrata no Congresso, contra 43.4% que preferem republicanos). Vamos tomar a Câmara dos Deputados por, não sei, 30, 40 ou 50 cadeiras. Nós vamos manter nossas posições no Senado e ainda levar duas ou três”[xiv].

         O neofascismo tem se mostrado bastante seguro e preciso nos seus passos estratégicos – e a realidade infelizmente tem confirmado seus prognósticos, a despeito de inúmeras ilusões, à esquerda e à direita. Por que Bannon sente-se tão seguro em afirmar que “vão ganhar nas urnas”? Ora, porque sabe que os seus métodos de manipulação da psicologia de massas tem surtido grande efeito – e, também, porque sabe que a esquerda no geral, seja a reformista ou a radical, compra discursos, formalidades e hipocrisias diárias; além de ignorar novos debates como a questão da psicologia de massas, para reafirmar velhas receitas prontas ou cair no eleitoralismo mais desavergonhado.

         Dito de outra forma: Bannon sabe que os eleitores menos esclarecidos inclinam-se para soluções irracionais e fanáticas uma vez desencadeado o seu medo, ódio e sadomasoquismo reprimido. Ele também estudou o petismo e outros movimentos brasileiros e mundiais, além de dominar as técnicas de marketing para o consumismo; sem falar na coleta de informações privadas ilegais nas redes sociais feita pela Cambridge Analytica, que foi repassada ao seu movimento, também ilegalmente[xv]. A influência do neofascismo repete a da TV e sua publicidade: incide sobre a razão a partir do seu apelo à emotividade (como foi dito: ódio, medo, hedonismo, sadomasoquismo, egotismo, etc.).

         Qualquer estímulo que não é percebido de maneira consciente, seja porque foi mascarado ou camuflado pelo emissor, seja porque foi captado desde uma atitude de grande excitação emotiva por parte do receptor, é parte de um projeto de manipulação política inconsciente, típica dos movimentos fascistas. Estes métodos de “debate” servem perfeitamente para manipular emoções infantis de “pessoas comuns” e ocultar os níveis de privilégios e exploração do capitalismo imperialista estadunidense, que se encontra em avançado estado de degeneração. As contradições são muito grandes para não serem percebidas, por isso esta direita neofascista se especializou em métodos refinados de distorção da realidade, que misturam “auto-verdade”, pós-modernismo e egotismo.

         A crise da democracia burguesa vem junto com a crise civilizatória do capitalismo. Bannon enche a boca para dizer que “ama a democracia” e que “tem os votos”, mas o seu movimento anda sempre no limiar da ruptura institucional e o que alguns intelectuais chamam de “morte das democracias” são, justamente, o resultado da opção por ficarmos na superficialidade do debate e não adentramos o sombrio campo da manipulação política da psicologia de massas do neofascismo; nem de realizar um trabalho de base correspondente, que humanize e critique a conduta da esquerda e da própria massa.

         Portanto, a demagogia de Bannon sobre a democracia e as eleições escondem que a liberdade política é uma condição de liberdade humana, apenas porque favorece o desenvolvimento do que é especificamente humano. A liberdade política numa sociedade alienada, que contribui para a desumanização do ser-humano, transforma-se em não-liberdade. É isso que faz o neofascismo, que entranhou-se na sociedade e perverteu as tímidas vitórias históricas da democracia capitalista. A sua vitória não pode ter nada a ver com uma vitória da “democracia”, mas a transformação da democracia burguesa em não-liberdade, em auto-engano, em manipulação descarada em prol dos interesses de uma minoria imperialista estadunidense e da sua sócia menor tupiniquim.

 

As limitações das esquerdas e o perigo de uma visão que subestima o neofascismo

         Como podemos ver, Bannon enche a boca para dizer que é a direita neofascista que tem colocado as massas nas ruas; ao contrário da “esquerda”, que fala muito em “mobilizar as massas”, mas tem conseguido fazer isso cada vez menos. Parte disso tem a ver com os novos métodos de manipulação desenvolvidos pelo imperialismo anglo-americano: as “revoluções coloridas”, a utilização das redes sociais, a utilização da psicologia de massas.

         A esquerda tipo PT, ainda consegue colocar algum tipo de massas na rua, graças ao aparato e as ilusões, mas tem perdido de longe para o neofascismo, que aposta cada vez mais nesse tipo de método de campanha política. Por que a “esquerda” tem perdido tão fragorosamente para a direita neofascista?

         Uma possível resposta é que ela não entra no debate profundo para desmascarar a manipulação sutil do neofascismo, que vai desde Steve Bannon até Olavo de Carvalho. É muito importante debater o método da manipulação neofascista. Outra possível resposta é que grande parte do apoio popular organizado do petismo nos dias de hoje não está mais na classe trabalhadora, mas no funcionalismo público. Dado os anos de neoliberalismo, de desarticulação de vínculos trabalhistas, de representação fragmentária de sindicatos e centrais, mesmo o bolsonarismo hoje possui peso no seio da classe trabalhadora – talvez tanto quanto o petismo ou ainda mais!

         O funcionalismo público, que é quase hegemonicamente petista, quer uma vida tranquila e sossegada, fechada em si mesma, desejando geralmente apenas a eleição dos governos petistas (ainda que apenas os seus setores concursados tenham essa possibilidade de ficarem tranquilos). Enquanto que a direita mais raivosa tende a se enfrentar aberta e diretamente contra o funcionalismo, pregando quase que como uma religião o Estado mínimo e a privatização de tudo – vendendo-o como privilégio, para esconder o gigantesco privilégio dos bancos, do grande empresariado e do agronegócio.

         O seu sindicalismo é burocrático, desumanizado, autoritário, fechado em si mesmo, pois não há escuta real das diferenças na sua base. Seja no campo sindical, social ou eleitoral, o petismo não se enfrenta e sequer se preocupa com a hipocrisia do cotidiano, nem em desenvolver uma política que enfrente o atraso reacionário da grande massa (às vezes só a xinga como “pobres de direita”). Enquanto está totalmente subordinado ao jogo das instituições democrático-burguesas, que geraram o desgaste dos políticos, dos partidos, das instituições e das próprias eleições; o bolsonarismo se vende como anti-sistema, pois quebra a monotonia do discurso e, aparentando vender “mudanças”, passa toda a sua política neofascista e neoliberal. O próprio petismo muitas vezes recorre ao ódio – em menor escala, é verdade, mas ainda assim, ódio! – contra posições contrárias as suas, o que facilita o trabalho bolsonarista, já que a dicotomização é o seu campo por excelência. Não são poucos os militantes petistas e independentes que ajudam a disseminar vídeos e textos escatológicos, que, baseados na mentalidade olavista, só podem facilitar o caminho bolsonarista, já que este é o seu campo de atuação preferencial.

         A própria estrutura da justiça, da cobertura midiática, dos debates e das pesquisas eleitorais reduzem o debate ao que é aceitável para o sistema e tudo aquilo que foge à sua lógica é condenado, combatido ou mesmo censurado. O petismo, por sua vez, preserva toda a estrutura política que opta por não atacar, já que não vai além dela; enquanto que o bolsonarismo ataca falsamente toda a estrutura que, ao fim e ao cabo, quer preservar. Eis a dialética do eterno retorno a manutenção do país ao que sempre foi: uma semi-colônia na periferia do capitalismo que se pretende uma “democracia”.

***

         Por outro lado, a esquerda “revolucionária” de diversas vertentes continua chamando voto nulo, ignorando a realidade e o visível aumento do neofascismo, que se reproduz nas entranhas do Estado e das instituições da democracia burguesa cada vez mais. O sempre possível golpe militar não será dado com tanques nas ruas, mas pelo nascimento de uma nova ordem política de dentro da atual, via eleições.

         Se isso não nos autoriza um desespero eleitoral do tipo petista, que acha que com jingles, “cervejinha e picanha” para a “esperança vencer o medo” pode derrotar o monstro neofascista, também não autoriza o niilismo do voto nulo pela pureza revolucionária. Não existe outra “frente única” no momento que não o voto crítico em Lula, pois não há movimento de massas organizado e mobilizado (sequer há movimentos espontâneos). Ao contrário: como vimos, quem está dirigindo parte “das massas” atualmente é o próprio bolsonarismo, que a coloca em ofensiva contra a sua parcela “democrático-burguesa”.

         O voto nulo neste segundo turno, portanto, é um erro! Ao invés de tentar politizar como for possível o voto em Lula e o debate eleitoral, alertando para as insuficiências e graves problemas da chapa petista, bem como para os perigos cada vez maiores do neofascismo, prefere fechar-se em guetos para ficar de bem com a sua própria consciência. Não causam danos eleitorais, como acusa o desespero eleitoral da militância petista, porque na atual conjuntura são muito pequenos e isolam-se de forma voluntária, não criando nenhuma conexão organizada da “massa de votos nulos” que supostamente “vencem eleições” (o que é quase uma expressão eleitoreira às avessas). Até porque não se preocupam com isso, achando que a simples agitação do “voto nulo”, por si mesma e sem nenhum impacto concreto, pode “fazer avançar a consciência revolucionária” e não desviar atenção e foco da única “luta” que existe no momento, que é a eleitoral. Não diferencia que existem hoje diversos tipos de “votos nulos”, inclusive da direita do tipo Partido Novo ou do PSDB. O seu realismo tem sido míope. Votar criticamente em Lula não significa abdicar de combater todas as ilusões do seu futuro governo[xvi] – e, atualmente, é onde está a “massa progressiva” da classe trabalhadora e da classe média. As pontes devem ser estendidas por aí; as críticas devem ser feitas por aí – e não pelo voto nulo, que hoje apenas faz os ouvidos se fecharem!

         Há um longo trabalho de reconstrução pela frente. A conjuntura é extremamente complexa e difícil. O caminho para o neofascismo está pavimentado. As massas estão desmobilizadas. Quem as tem dirigido, no geral, é a própria direita neofascista. Os métodos, os discursos e os programas revolucionários não podem ser uma mera reprodução do passado. A análise da realidade está sendo substituída por um desespero eleitoral – por parte do petismo – e por uma repetição de fórmulas decoradas – por parte da esquerda “revolucionária”. O movimento real das massas, seja no campo petista, seja no campo bolsonarista, é ignorado; e sequer apresentam-se análises empenhadas em compreender o novo contexto, visando solucionar os problemas atuais.

         O primeiro e decisivo passo para qualquer mudança futura e, sobretudo, para termos condições de vencer o neofascismo é não menosprezar o inimigo, manter a lucidez da análise, o juízo desperto e, sobretudo, a responsabilidade de manter os olhos bem abertos em um contexto em que a maioria das pessoas parecem estar cegas.



Referências


[i] Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2020/12/o-neofascismo-nao-foi-derrotado.html
[ii] Ver: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62944023
[iii] Idem.
[iv] Idem.
[v] Idem.
[vi] Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2020/10/o-que-e-o-bolsonarismo.html
[vii] Idem.
[viii] Ver: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62944023
[ix] Idem.
[x] Idem.
[xi] Idem.
[xii] Idem.
[xiii] Idem.
[xiv] Idem.
[xv] Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2019/01/quem-esta-por-tras-de-olavo-de-carvalho.html
[xvi] Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2022/07/por-um-voto-critico-em-lula.html

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