O primeiro turno das eleições de 2022
terminou elegendo um Congresso Nacional de maioria neofascista – isto é, bolsonarista! Notórias figuras públicas ligadas
a Bolsonaro, como os generais Eduardo Pazuello e Hamilton Mourão; Damares
Alves, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol se elegeram em estados chaves do país e,
em caso de vitória de Bolsonaro (PL) no segundo turno, vão servir de base para
aplainar o caminho da agenda política neofascista;
ou sabotar, atrapalhar e trancar pautas no Congresso, no caso da eleição de
Lula (PT).
Além de uma maioria de parlamentares, o
bolsonarismo também elegeu ou conseguiu fazer chegar ao segundo turno uma série
de governadores que servirão de base para a disseminação do neofascismo. Em caso de eleição de Lula
não se pode descartar a possibilidade de uma ruptura institucional, uma vez que
o seu desgaste político será acelerado e colocado à prova sistematicamente. Qualquer
tentativa de disciplinar os governadores e parlamentares bolsonaristas será
vista como “cerceamento da liberdade de expressão” e “ditadura do STF” – ao
que, o petismo, a grande mídia e o próprio judiciário nada farão, a não ser
bater cabeças.
Partidos burgueses tradicionais, como o
PSDB, se enfraqueceram e ameaçam se desintegrar. Já os bolsonaristas assumem
seus assentos e seus papéis, ganhando mais peso político. O discurso de ódio e
a barbárie, vendido como ético e “correto”, se institucionaliza, ainda que
Bolsonaro procure apresentar uma imagem menos desprezível, com algumas
propostas políticas genéricas – tipo a criação do PIX – e a tentativa de se
aproximar do eleitorado feminino; além de esconder o desastre da sua política
econômica privatista e entreguista atrás do véu da pandemia, como se esta
tivesse sido a responsável pelo brutal aumento do custo de vida e não a sua
própria política econômica recessiva e voltada ao exterior. Sem falar no
escândalo do orçamento secreto, que pode esconder os mais diversos tipos de irregularidades
e crimes, como a compra de votos, gabinete do ódio, benesses aos pastores, etc.
Considerando as pesquisas eleitorais,
que sempre servem para manipular e legitimar o “voto útil”, a distância entre
Lula e Bolsonaro foi bem menor do que se esperava. A espinha dorsal e base de
sustentação do governo neofascista e
do seu preocupante crescimento eleitoral foi, como sempre, o agronegócio, que
garantiu grande votação no norte e centro-oeste para Bolsonaro.
Enquanto o “combate” do STF, da Rede
Globo e da esquerda ao neofascismo é
limitado e tímido, restrito às regras do jogo, o neofascismo cresce sabotando subterraneamente o regime
democrático-burguês, espalhando fake news
à vontade, factoides e picuinhas no velho estilo olavista para impedir qualquer
tipo de debate real. O seu objetivo verdadeiro é passar toda a “boiada
reacionária” e o programa econômico neoliberal, que não pode mais ser defendido
sem que se recorra a uma distorção e falsificação grotesca da realidade através
do terra-planismo e de posições escatológicas perversamente sexualizadas. O
golpe militar não é mais dado com tanques e soldados na rua: mas conquistando “maiorias
democraticamente”.
Os possíveis próximos
passos do neofascismo: uma análise da
entrevista de Steve Bannon à BBC Brasil
O principal ideólogo internacional do neofascismo, Steve Banon, recentemente concedeu
uma entrevista à BBC News Brasil em
que falou sobre as eleições brasileiras e apontou perspectivas.
Muita gente pensa que com a eleição de
Lula o neofascismo será derrotado e
superado, mas a experiência dos EUA demonstra que não[i] –
e a entrevista de Bannon confirma. Na condição de oposição aos governos o neofascismo continuará cumprindo um papel
nefasto de agitação, propaganda e sabotagem, que tende a intensificar a
confusão, reforçando sua influência sobre o movimento de massas. O velho tipo
de militância praticado pela esquerda não consegue fazer frente ao neofascismo, que precisa ser estudado e
compreendido nos seus detalhes.
Já no início da entrevista, a BBC
destaca a fala de Bannon de que a disputa entre Bolsonaro e Lula é um “enfrentamento de estatura global”[ii].
Ora, o termo “global” aqui diz respeito única e exclusivamente ao fato de que o
resultado das eleições brasileiras interessa diretamente ao imperialismo
estadunidense na sua “guerra fria particular” contra a China pela hegemonia
mundial. Bolsonaro e Lula estão disputando a presidência de um Estado neocolonial, cuja manutenção
desta condição política e econômica será uma realidade, ganhe quem ganhar –
seja ficando embaixo das asas da águia estadunidense ou enredado nas barbas do
dragão chinês –, ainda que devamos reconhecer que o entreguismo de Bolsonaro é
mil vezes maior e mais nefasto do que o de Lula; e o projeto imperialista
norte-americano representa submissão total, enquanto que o chinês aponta para
algum tipo de pequeno ganho.
Portanto, a preocupação do neofascismo – esta corrente
internacional liderada pelo próprio Bannon e por Donald Trump – não é com o
protagonismo global que o Brasil pode exercer. Ao contrário: diz respeito aos
interesses estratégicos do imperialismo norte-americano, em decadência e
ameaçado diretamente pela ascensão mundial da China.
Caso Lula vença o segundo turno, a
artilharia política se voltará para a “denúncia de sua relação escusa de
subordinação à China”. Este é o principal interesse de Bannon acerca das
eleições brasileiras, cujos elogios são cínicos e direcionados. Estas
afirmações podem ser confirmadas neste trecho da entrevista: “a associação de Lula com o Partido
Comunista Chinês, principalmente no que se refere a commodities e recursos
naturais, fazem desta, eu acho, uma das eleições mais importantes, não apenas
deste ciclo (eleitoral), mas nos últimos tempos”[iii].
E pelo visto não haverá tréguas neste
campo, pois disto depende a sorte do imperialismo estadunidense na América
Latina. Quando o jornalista da BBC News questionou Bannon sobre o fato de Lula
não admitir “essa proximidade e inclusive
tem criticado publicamente a falta de divergências no Partido Comunista
Chinês…”, foi interrompido pelo entrevistado, que afirmou que Lula “entende a associação ao PCC como algo tão
negativo, que ele precisa fazer algum tipo de separação, mesmo que ela não seja
real”. Afirma também que Lula “é um
político muito experiente, muito sofisticado quando se trata de mídia e,
particularmente, mídia global. (...) Se
você vai ser um político pragmático e tentar ser eleito em um país ocidental,
você tem que sentar lá e dizer: ‘Oh, o Partido Comunista Chinês é ruim’. Vemos
a mesma coisa nos Estados Unidos. Mas a influência do Partido Comunista Chinês
na América é bastante profunda. Então, acho que Lula apenas entendeu como é
radioativa qualquer associação com o Partido Comunista Chinês e resolveu ser
vocal sobre isso”[iv].
Em síntese: o neofascismo centrará fogo na dissolução dos BRICs, transformando
pequenos fatos desta aproximação entre Brasil e China em teorias
conspiratórias, degeneradas e midiático-terroristas para apavorar a classe
média e parte da classe trabalhadora, como é característico do movimento que
dirige, denunciando qualquer tipo de “associação” – leia-se, relação bilateral
de comércio, turismo, diplomacia – com a China, como uma “ameaça do comunismo
chinês”, vinculando, enfim, a imagem do Partido Comunista Chinês à de Lula e do
PT. Antes os fantasmas eram Cuba e Venezuela; agora será a vez do PCC e da China.
Como o trecho da entrevista dá a entender, esta associação será parte
fundamental da estratégia neofascista
para o mundo, mas, em particular, para o Brasil.
Vejamos o exemplo concreto disso: o
jornalista da BBC News pergunta a
Bannon o seguinte: “o senhor está dizendo
que o Lula tem uma relação especial com a China, mas no ano passado, sob
Bolsonaro, o Brasil foi o país no qual a China mais investiu no mundo. Como
isso cabe no seu argumento?”.
Bannon responde: “Obviamente, o Brasil é um país de recursos naturais com um grande
negócio de exportação. O Partido Comunista Chinês precisa desses recursos. Mas
eles foram comprados no mercado livre. Isso é bem diferente da relação de Lula
com a China. Lula foi várias vezes a Pequim. Lula tem uma visão de mundo comum
à do Partido Comunista Chinês. E o sucesso econômico (do governo Lula) está
diretamente ligado aos negócios de exportação e commodities do Partido
Comunista Chinês, que essencialmente olha para o Brasil como quase uma espécie
de colônia para eles, principalmente em recursos naturais. Lula vai trazer tudo
isso de volta. E os chineses veem o Brasil mais do que nunca como um necessário
parceiro de commodities. Então, a relação entre Bolsonaro e o Partido Comunista
Chinês é mais comercial. Com Lula é muito diferente. Ele dará uma grande base
para o Partido Comunista Chinês na América Latina e isso se tornará uma
importante questão de segurança nacional para os Estados Unidos. Então, eu
estudo Lula há muito tempo. Acho-o um personagem fascinante. Acho-o um
personagem trágico porque acredito que ele realmente acreditava no que dizia. E
acho que ele é uma figura trágica por isso. Eu acho que ele é parte da rede
(política) que o Partido Comunista Chinês corrompeu em todo o mundo. É um
exemplo perfeito disso”[v].
Bannon visa, na realidade, a sabotagem e a destruição dos BRICs como alternativa à ordem mundial hegemonizada pelo capitalismo estadunidense. É exatamente isso que está em jogo com as eleições brasileiras e, em particular, com o seu segundo turno. Como sempre, a estratégia neofascista é deixar estes objetivos ocultos atrás de acusações, debates secundários e escatológicos. O cerne da questão é que o neofascismo sabe da estratégia dos BRICs defendida pelos governos petistas e trabalha dia e noite para destruí-la, pois disso depende a sua própria sorte. Esta é, portanto, a forma como Bannon entende a “estatura global” das eleições brasileiras.
Bannon já sabia do
futuro “bom desempenho” eleitoral das candidaturas neofascistas
Este blog anunciou muitas vezes que o neofascismo é um movimento novo, que
adapta o fascismo às condições do século XXI de disputa entre os EUA, em
decadência histórica, e China e Rússia, como rivais que desafiam a hegemonia
mundial norte-americana[vi].
Enquanto parte da intelectualidade de esquerda espera uma ditadura militar
tradicional, afirmávamos que o neofascismo
convive com as instituições democrático-burguesas, as ameaçando
permanentemente, ainda que grande parte seja apenas discurso de ódio, sem uma
ação efetiva. O impacto psicológico é criado justamente a partir deste método,
gerando cortinas de fumaça, confundindo e empesteando o ambiente político e
social. O grande chamariz de agora para gerar medo e confusão será a repetição
do que ocorreu nos EUA de uma crise de transição entre governos e a aceitação do
resultado por parte do Bolsonaro, que assim como Donald Trump, sempre faz jogo
duplo e declarações dúbias.
Além disso, o neofascismo não é contra eleições. Ao contrário: tem se
especializado em métodos refinados de manipulação social para emplacar suas
candidaturas em diversos países do mundo (vejam a vitória de Giorgia Meloni na
Itália, por exemplo). Bannon diria, sarcasticamente: “dê um rosto razoável para o populismo de direita e você se elege”[vii].
E vai ainda mais além, renegando a
pecha de autoritário: “Nós amamos a
democracia e aqui está a razão: nós
temos os votos. Então, quando Biden vem e demoniza as pessoas é
simplesmente porque ele não pode falar sobre seus feitos. Seu governo é um colapso
financeiro e econômico do nosso país: inflação fora de controle, recorde na
queda do patrimônio líquido (das famílias) do nosso país foi anunciada na
semana passada: são US$ 6 trilhões (a menos) para o povo americano”[viii].
O caos geral de inflação, queda de
patrimônio e crise econômica é um resultado inevitável dos ciclos do
capitalismo, não de um único governo. O neofascismo,
então, posa de “democrático”, vencendo as eleições a partir da manipulação da
psicologia de massas ou então fica na “oposição” para canalizar o inevitável
desgaste dos governos “progressistas”. A mesma coisa ocorrerá com um possível
futuro governo Lula: o bolsonarismo, que tem maioria parlamentar e talvez tenha
maioria também nos governos estaduais, irá infernizar a vida governista, por
dentro e por fora das instituições, através da mídia e da base eleitoral que
criou no Brasil a partir dos métodos neofascistas.
Vejamos a seguir a profecia de Bannon,
que tem fontes de informação muito mais refinadas do que toda a mídia, as
“empresas de pesquisas eleitorais” e o povo brasileiro em seu conjunto: “Espero e rezo para que tudo aconteça bem
(nas eleições brasileiras). E é por isso que estou pedindo um escrutínio e
transparência, porque acredito muito que, independentemente do que as pesquisas
digam, basta ver o que está acontecendo: acho que Bolsonaro vai subir a ponto
de ir com Lula para o segundo turno e, depois, vencê-lo”[ix].
E isso foi dito friamente em
O “herói” brasileiro do
neofascismo e a sua influência silenciosa
sobre a classe trabalhadora
Para Steve Bannon, Bolsonaro é um “grande herói para todos nós” (leia-se:
para a elite dos EUA). Ele estaria no nível de Viktor Orbán (na Hungria) como
alguém que “defendeu a soberania nacional
e realmente construiu uma base. Ele tem evangélicos, ele tem pessoas da classe
trabalhadora”[x].
O “heroísmo” e a “soberania nacional”
de Bolsonaro está, justamente, em frear a influência chinesa sobre o Brasil
para mantê-lo na área de influência dos EUA, sem qualquer tipo de soberania.
Ainda que haja uma enorme contradição na engenharia política bolsonarista, que
se apoia no agronegócio – totalmente dependente do comércio com a China –,
mantém o restante do país bem afastado da política global chinesa, sobretudo no
campo da ciência e da tecnologia.
A estratégia do neofascismo no Brasil usa o discurso patriótico e seus símbolos
como forma de dissimular a entrega de bandeja do país para os EUA. A sua
exaltação cínica e exagerada da pátria visa confundir o bolsonarismo e seus
símbolos com o próprio Brasil. Logo, a oposição ao bolsonarismo significa oposição
ao Brasil.
Apesar de chamar Bolsonaro de “herói”,
Bannon não escondeu o fascínio que tem por Lula: “eu sou fascinado por Lula”, disse ele, afirmando que estudou o
petista por “muitos e muitos anos”[xi].
Para ter nas mãos o governo neocolonial de Brasília, precisa “encantar” e
dominar a sua classe trabalhadora, bem como seus “símbolos”.
Ele afirmou, cinicamente, mas de forma
certeira, que acredita “muito nos
trabalhadores. E parte do nosso trabalho tem sido atrair democratas e
sindicalistas para a nossa causa. Então, tem coisas que Lula defende em que nós
acreditamos”, diz Bannon, que reconhece “o
tremendo sucesso financeiro da gestão do petista no Brasil no começo dos anos
2000”[xii].
E conclui afirmando que acredita
piamente que o movimento dele e de Bolsonaro representam “um movimento de base”, pois possuem “estratégia de política local: assumir o governo local, assumir o
conselho escolar local, assumir os postos de funcionários eleitos locais”[xiii].
De fato, assim tem se dado na prática, tanto nos EUA, quanto no Brasil.
Bannon é o principal estrategista do neofascismo. É um hábil ilusionista com
as palavras e as declarações políticas. Questionado sobre os “problemas da urna
eletrônica” e o “clima de medo e violência
política reinante no Brasil”, atribuído ao bolsonarismo, desconversou para
relativizar a violência simbólica e real do seu próprio movimento. Ao fim, o
jornalista faz uma pergunta tão ingênua, quanto útil: “esse movimento populista de direita radical respeita a democracia?”.
Bannon responde cinicamente que
trata-se de“um movimento democrático”;
e “dizer que não se trata de um movimento
‘democrático’ é uma acusação da mídia”. Isto é, usa a mesma tática barata
de Bolsonaro pra não responder nenhuma questão seriamente: ataca os jornalistas
e as instituições da democracia burguesa para desviar a atenção e embaçar o
juízo. Logo a seguir, adverte: “vamos
ganhar nas urnas. Temos dois terços (do eleitorado) agora nos Estados Unidos.
(agregado de pesquisas eleitorais do site FiveThirtyEight mostra que 44.9% dos
americanos querem vitória democrata no Congresso, contra 43.4% que preferem
republicanos). Vamos tomar a Câmara dos Deputados por, não sei, 30, 40 ou 50
cadeiras. Nós vamos manter nossas posições no Senado e ainda levar duas ou três”[xiv].
O neofascismo
tem se mostrado bastante seguro e preciso nos seus passos estratégicos – e a
realidade infelizmente tem confirmado seus prognósticos, a despeito de inúmeras
ilusões, à esquerda e à direita. Por que Bannon sente-se tão seguro em afirmar
que “vão ganhar nas urnas”? Ora,
porque sabe que os seus métodos de manipulação da psicologia de massas tem
surtido grande efeito – e, também, porque sabe que a esquerda no geral, seja a
reformista ou a radical, compra discursos, formalidades e hipocrisias diárias;
além de ignorar novos debates como a questão da psicologia de massas, para
reafirmar velhas receitas prontas ou cair no eleitoralismo mais desavergonhado.
Dito de outra forma: Bannon sabe que os
eleitores menos esclarecidos inclinam-se para soluções irracionais e fanáticas
uma vez desencadeado o seu medo, ódio e sadomasoquismo reprimido. Ele também
estudou o petismo e outros movimentos brasileiros e mundiais, além de dominar
as técnicas de marketing para o
consumismo; sem falar na coleta de informações privadas ilegais nas redes
sociais feita pela Cambridge Analytica,
que foi repassada ao seu movimento, também ilegalmente[xv].
A influência do neofascismo repete a
da TV e sua publicidade: incide sobre a razão a partir do seu apelo à
emotividade (como foi dito: ódio, medo, hedonismo, sadomasoquismo, egotismo,
etc.).
Qualquer estímulo que não é percebido
de maneira consciente, seja porque foi mascarado ou camuflado pelo emissor,
seja porque foi captado desde uma atitude de grande excitação emotiva por parte
do receptor, é parte de um projeto de manipulação política inconsciente, típica
dos movimentos fascistas. Estes métodos de “debate” servem perfeitamente para
manipular emoções infantis de “pessoas comuns” e ocultar os níveis de
privilégios e exploração do capitalismo imperialista estadunidense, que se
encontra em avançado estado de degeneração. As contradições são muito grandes
para não serem percebidas, por isso esta direita neofascista se especializou em métodos refinados de distorção da
realidade, que misturam “auto-verdade”, pós-modernismo e egotismo.
A crise da democracia burguesa vem
junto com a crise civilizatória do capitalismo. Bannon enche a boca para dizer
que “ama a democracia” e que “tem os votos”, mas o seu movimento anda sempre no
limiar da ruptura institucional e o que alguns intelectuais chamam de “morte
das democracias” são, justamente, o resultado da opção por ficarmos na
superficialidade do debate e não adentramos o sombrio campo da manipulação política
da psicologia de massas do neofascismo;
nem de realizar um trabalho de base correspondente, que humanize e critique a
conduta da esquerda e da própria massa.
Portanto, a demagogia de Bannon sobre a
democracia e as eleições escondem que a liberdade política é uma condição de
liberdade humana, apenas porque favorece o desenvolvimento do que é especificamente
humano. A liberdade política numa sociedade alienada, que contribui para a
desumanização do ser-humano, transforma-se em não-liberdade. É isso que faz o neofascismo, que entranhou-se na
sociedade e perverteu as tímidas vitórias históricas da democracia capitalista.
A sua vitória não pode ter nada a ver com uma vitória da “democracia”, mas a
transformação da democracia burguesa em não-liberdade, em auto-engano, em
manipulação descarada em prol dos interesses de uma minoria imperialista
estadunidense e da sua sócia menor tupiniquim.
As limitações das
esquerdas e o perigo de uma visão que subestima o neofascismo
Como podemos ver, Bannon enche a boca
para dizer que é a direita neofascista
que tem colocado as massas nas ruas; ao
contrário da “esquerda”, que fala muito em “mobilizar as massas”, mas tem
conseguido fazer isso cada vez menos. Parte disso tem a ver com os novos
métodos de manipulação desenvolvidos pelo imperialismo anglo-americano: as
“revoluções coloridas”, a utilização das redes sociais, a utilização da
psicologia de massas.
A esquerda tipo PT, ainda consegue
colocar algum tipo de massas na rua, graças ao aparato e as ilusões, mas tem perdido
de longe para o neofascismo, que
aposta cada vez mais nesse tipo de método de campanha política. Por que a
“esquerda” tem perdido tão fragorosamente para a direita neofascista?
Uma possível resposta é que ela não
entra no debate profundo para desmascarar a manipulação sutil do neofascismo, que vai desde Steve Bannon
até Olavo de Carvalho. É muito importante debater o método da manipulação neofascista. Outra possível resposta é que
grande parte do apoio popular organizado do petismo nos dias de hoje não está
mais na classe trabalhadora, mas no funcionalismo público. Dado os anos de
neoliberalismo, de desarticulação de vínculos trabalhistas, de representação
fragmentária de sindicatos e centrais, mesmo o bolsonarismo hoje possui peso no
seio da classe trabalhadora – talvez tanto quanto o petismo ou ainda mais!
O funcionalismo público, que é quase
hegemonicamente petista, quer uma vida tranquila e sossegada, fechada em si
mesma, desejando geralmente apenas a eleição dos governos petistas (ainda que apenas
os seus setores concursados tenham essa possibilidade de ficarem tranquilos).
Enquanto que a direita mais raivosa tende a se enfrentar aberta e diretamente
contra o funcionalismo, pregando quase que como uma religião o Estado mínimo e
a privatização de tudo – vendendo-o como privilégio, para esconder o gigantesco
privilégio dos bancos, do grande empresariado e do agronegócio.
O seu sindicalismo é burocrático,
desumanizado, autoritário, fechado em si mesmo, pois não há escuta real das
diferenças na sua base. Seja no campo sindical, social ou eleitoral, o petismo não
se enfrenta e sequer se preocupa com a hipocrisia do cotidiano, nem em
desenvolver uma política que enfrente o atraso reacionário da grande massa (às
vezes só a xinga como “pobres de direita”). Enquanto está totalmente
subordinado ao jogo das instituições democrático-burguesas, que geraram o
desgaste dos políticos, dos partidos, das instituições e das próprias eleições;
o bolsonarismo se vende como anti-sistema, pois quebra a monotonia do discurso
e, aparentando vender “mudanças”, passa toda a sua política neofascista e neoliberal. O próprio
petismo muitas vezes recorre ao ódio – em menor escala, é verdade, mas ainda
assim, ódio! – contra posições contrárias as suas, o que facilita o trabalho
bolsonarista, já que a dicotomização é o seu campo por excelência. Não são
poucos os militantes petistas e independentes que ajudam a disseminar vídeos e
textos escatológicos, que, baseados na mentalidade olavista, só podem facilitar
o caminho bolsonarista, já que este é o seu campo de atuação preferencial.
A própria estrutura da justiça, da
cobertura midiática, dos debates e das pesquisas eleitorais reduzem o debate ao
que é aceitável para o sistema e tudo aquilo que foge à sua lógica é condenado,
combatido ou mesmo censurado. O petismo, por sua vez, preserva toda a estrutura
política que opta por não atacar, já que não vai além dela; enquanto que o
bolsonarismo ataca falsamente toda a
estrutura que, ao fim e ao cabo, quer preservar. Eis a dialética do eterno
retorno a manutenção do país ao que sempre foi: uma semi-colônia na periferia
do capitalismo que se pretende uma “democracia”.
***
Por outro lado, a esquerda
“revolucionária” de diversas vertentes continua chamando voto nulo, ignorando a
realidade e o visível aumento do neofascismo,
que se reproduz nas entranhas do Estado e das instituições da democracia burguesa
cada vez mais. O sempre possível golpe militar não será dado com tanques nas
ruas, mas pelo nascimento de uma nova ordem política de dentro da atual, via
eleições.
Se isso não nos autoriza um desespero
eleitoral do tipo petista, que acha que com jingles,
“cervejinha e picanha” para a “esperança vencer o medo” pode derrotar o monstro
neofascista, também não autoriza o niilismo do voto nulo pela pureza
revolucionária. Não existe outra “frente única” no momento que não o voto
crítico em Lula, pois não há movimento de massas organizado e mobilizado
(sequer há movimentos espontâneos). Ao contrário: como vimos, quem está
dirigindo parte “das massas” atualmente é o próprio bolsonarismo, que a coloca
em ofensiva contra a sua parcela “democrático-burguesa”.
O voto nulo neste segundo turno,
portanto, é um erro! Ao invés de tentar politizar como for possível o voto em Lula e o debate eleitoral, alertando
para as insuficiências e graves problemas da chapa petista, bem como para os
perigos cada vez maiores do neofascismo,
prefere fechar-se em guetos para ficar de bem com a sua própria consciência.
Não causam danos eleitorais, como acusa o desespero eleitoral da militância
petista, porque na atual conjuntura são muito pequenos e isolam-se de forma
voluntária, não criando nenhuma conexão organizada da “massa de votos nulos”
que supostamente “vencem eleições” (o que é quase uma expressão eleitoreira às
avessas). Até porque não se preocupam com isso, achando que a simples agitação
do “voto nulo”, por si mesma e sem
nenhum impacto concreto, pode “fazer avançar a consciência revolucionária” e
não desviar atenção e foco da única “luta” que existe no momento, que é a
eleitoral. Não diferencia que existem hoje diversos tipos de “votos nulos”,
inclusive da direita do tipo Partido Novo ou do PSDB. O seu realismo tem sido
míope. Votar criticamente em Lula não significa abdicar de combater todas as ilusões
do seu futuro governo[xvi] –
e, atualmente, é onde está a “massa progressiva” da classe trabalhadora e da
classe média. As pontes devem ser estendidas por aí; as críticas devem ser
feitas por aí – e não pelo voto nulo, que hoje apenas faz os ouvidos se
fecharem!
Há um longo trabalho de reconstrução
pela frente. A conjuntura é extremamente complexa e difícil. O caminho para o neofascismo está pavimentado. As massas
estão desmobilizadas. Quem as tem dirigido, no geral, é a própria direita neofascista. Os métodos, os discursos e
os programas revolucionários não podem ser uma mera reprodução do passado. A
análise da realidade está sendo substituída por um desespero eleitoral – por
parte do petismo – e por uma repetição de fórmulas decoradas – por parte da
esquerda “revolucionária”. O movimento real das massas, seja no campo petista,
seja no campo bolsonarista, é ignorado; e sequer apresentam-se análises
empenhadas em compreender o novo contexto, visando solucionar os problemas
atuais.
O primeiro e decisivo passo para
qualquer mudança futura e, sobretudo, para termos condições de vencer o neofascismo é não menosprezar o inimigo,
manter a lucidez da análise, o juízo
desperto e, sobretudo, a responsabilidade de manter os olhos bem abertos em um contexto
em que a maioria das pessoas parecem estar cegas.
Referências
[i] Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2020/12/o-neofascismo-nao-foi-derrotado.html
[ii] Ver: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62944023
[iii] Idem.
[iv] Idem.
[v] Idem.
[vi] Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2020/10/o-que-e-o-bolsonarismo.html
[vii] Idem.
[viii] Ver: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62944023
[ix] Idem.
[x] Idem.
[xi] Idem.
[xii] Idem.
[xiii] Idem.
[xiv] Idem.
[xv] Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2019/01/quem-esta-por-tras-de-olavo-de-carvalho.html
[xvi] Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2022/07/por-um-voto-critico-em-lula.html