sábado, 25 de abril de 2020

Combater a crise de direção requer paciência e propostas realistas: algumas ideias para avançar na “unidade” da esquerda revolucionária


Estamos diante de uma profunda crise econômica, social e de saúde que terá seus piores desdobramentos na recessão que já está se abrindo. Assim, protestos e levantes espontâneos tendem a acontecer, dado que o nível de miséria dos trabalhadores na maioria dos países do mundo possivelmente resultará neste desfecho. Sabemos que explosões de indignação espontânea são como espoleta sem pólvora. Por tudo isso, devemos tentar juntar a esquerda revolucionária do Brasil e do mundo, sem o quê estas explosões populares terminarão no leito morto da institucionalidade burguesa, mais cedo ou mais tarde.
      Vivemos uma época semelhante ao que o movimento revolucionário russo conheceu no final do século XIX e início do XX: pequenas células de militantes, divididas e acuadas, praticando um trabalho artesanal aqui e acolá, que muitas vezes entram em contradição entre si. Se é certo que a história não se repete e nem se faz por encomenda, também é certo que suas lições devem ser incorporadas e levadas em consideração muito seriamente.
     
A “esquerda” institucionalizada
      A diferença com a situação russa é que hoje existem partidos de “esquerda” institucionalizados (PSOL, PSTU, PCB; e sendo generoso, podemos considerar também PT e PCdoB). Esta “esquerda” comete erros crassos há muito condenados pela experiência do movimento operário mundial e condensados na teoria marxista. Eles não pensam ou não se interessam por nada que esteja fora da institucionalidade burguesa – portanto, se tornam reféns e serviçais dela – ou, então, agem no método do “adesismo”: se consideram o partido revolucionário acabado, a única alternativa, e exigem a adesão total dos militantes ou grupos de militantes, devendo estes se sacrificar no altar do seu programa, estratégia, receitas prontas e direções instituídas que são, na maioria das vezes, inquestionáveis.
      Agem como uma espécie de “igreja de esquerda”, arrebanhando fiéis que precisam reproduzir o credo (na maioria das vezes o credo eleitoral). Para os efeitos de análise deste texto, são desconsiderados dado o seu grau de adaptação. Isso não significa fechar as portas a um diálogo com qualquer um deles – tampouco significa ignorar a importância da legalidade ou da institucionalidade burguesa –, mas aqui se quer fazer um diálogo e não um monólogo.

“Carta aos camaradas”: lembrar Lenin pelo realismo revolucionário e não pelo formalismo
      À margem desta “esquerda” institucional existem centenas de militantes e pequenos agrupamentos de ativistas, oposições sindicais e indivíduos que entendem a importância da organização política dos trabalhadores e defendem a revolução socialista. Apesar de enrolados em inúmeras “diferenças” que, muitas e muitas vezes, se traduzem na prática como uma mesma política, militam em categorias e procuram, cada um a seu modo, organizar uma revolução no país. Entendem, ardentemente, que não existe outra saída para o Brasil e para o mundo.
      Contudo, quanto maiores são nossas tarefas, mais difíceis se tornam as aproximações, sendo desencadeadas longas contendas por vírgulas ou supostos “oportunismos” (assim como, de fato, às vezes existem grandes divergências e grandes oportunismos). Porém, o maior erro de todas estas organizações e militantes são o de se considerarem como o partido revolucionário pronto e acabado. Se portam como se fossem direções testadas da luta de classes ou, então, pensam que por um evolucionismo simples, vão cooptando militantes e assim se tornarão um partido de massas, quase que por um passe de mágicas.
      Prova disso são as exigências que muitas delas fazem às grandes centrais, ao PT, à CUT, ao PSOL, ao PSTU, etc[i]. São as palavras de ordens mirabolantes, que terminam levantadas para um movimento de massas inexistente e, no mais das vezes, fragmentado. Neste sentido, ao invés de organizarmos um partido revolucionário, apenas damos uma profissão de fé que não nos leva a lugar algum. A palavra de ordem deste texto é: colocar os pés no chão! Olhar a realidade de frente, por mais amarga que seja! Se basear sempre no realismo de Lenin, e não em fórmulas!

O “dirigismo” e o “adesismo”
      Reproduzindo uma lógica estranha, grande parte dessas organizações e grupos de militantes esperam simplesmente uma adesão de outros grupos, geralmente por vias impositivas. Não há uma aproximação baseada em claros princípios, em trocas reais, em escutas. Reproduzem, assim, muito do que faz a “esquerda” institucional. Isso é natural, até certo ponto, já que muitos desses militantes são rupturas dessas organizações por “N” motivos, mas agora precisamos ir além.
      É preciso, então, companheiros, tirar a roupa velha e vestir uma nova: desenvolver novos métodos de aproximação, novas formas de debater, de se procurar, de se ouvir. É certo que não devemos jamais abandonar ou ignorar a cara experiência organizativa do movimento operário mundial, mas não podemos tratá-la como dogma – e é exatamente isso que acontece! –, tampouco podemos agir como se fossemos o partido revolucionário já edificado, portadores “do caminho, da verdade e da vida”. Pensa-se que, assim, podemos pular etapas ou atalhar. Neste caminho não há atalhos, camaradas! Os erros do passado não são questionados, mas reproduzidos até a exaustão.
      Ou desenvolvemos uma nova forma de nos relacionar, levando honestamente as diferenças em consideração, ou o “dirigismo” e o “adesismo” serão nossa eterna Torre de Babel. Busquemos nos aproximar sabendo lidar com diferenças, ouvindo-nos. Alguns poderão saltar e dizer: “tudo isso é contra o centralismo democrático”; portanto, é “antileninista”!
      Camaradas, a história não se faz por encomenda, nem uma receita de bolo pode resolver a crise de direção. O centralismo democrático foi o resultado do processo de criação do partido revolucionário na Rússia, após anos de debates de diferenças, de uma militância em comum, de uma conjuntura muito característica daquele país. Posições divergentes foram publicadas nos jornais russos – como a célebre divergência entre Rosa Luxemburgo e Lenin – e vice-versa.
      Outros, então, dirão: “a solução é um partido de tendências?”. Não, camaradas! No entanto, não podemos ignorar as divergências, mas solucioná-las pelo debate e, sobretudo, pela prática. A prática é o critério da verdade e na maioria das vezes as divergências só são liquidadas pela prática conjunta, sem “adesismos” ou “dirigismos”. Todas essas pequenas organizações falam em “centralismo democrático”. Muito bem! Qual delas tem autoridade para dirigir as demais? Quem se submeterá a quem? As divergências não são apenas teóricas, mas principalmente, de cunho prático. Existem muitas formas de intervenções na realidade, nos movimentos sociais e sindicais que tem sua importância e precisam ser testadas, debatidas, comparadas. Temos que usar esta diversidade a nosso favor, e não contra nós, como tem sido até hoje. Assim sendo, é necessário esboçar uma sugestão ousada e corajosa.

Algumas sugestões para serem desenvolvidas e melhoradas
      1) Criar uma frente ou liga de organizações e militantes revolucionários espalhados pelo Brasil, América Latina e o mundo. Esta “liga” teria o papel de convergir, apresentar as divergências, debatê-las; mas, sobretudo, trocar informações, experiências e práticas. Saber ouvir sem segundas intenções ou imposições. Isso não significa deixar de polemizar, mas saber reconhecer os pontos positivos e negativos; estar além do bem e do mal platônico-cristão. Existem mil mecanismos de contato no momento: fóruns na internet, whatsapp, reuniões virtuais, blogs, etc. Poderia se decidir qual a melhor forma, ver uma periodicidade de reuniões e uma equipe (caso seja possível indicá-la) para instigar o debate, ver o que há de acordo e desacordo, sintetizar e enlaçar onde é possível; trazer as diferenças para um debate público – sempre de forma honesta e sincera dentro dos princípios da democracia proletária. Poderão dizer: isso é impossível! Mas e a referida troca de cartas e artigos entre Lenin e Rosa Luxemburgo; entre a social-democracia alemã e russa na 2ª Internacional; entre as várias sessões da 1ª Internacional? O respeito às divergências pode semear uma unidade do centralismo democrático no futuro.
      2) Essa “junção de organização” não significa acabar com a independência política, programática ou de propaganda de cada uma dessas organizações ou de cada militante independente. Todas podem conservar a sua total independência política, embora tentando manter o contato, a troca e o diálogo. Num futuro, se algo surgir desta célula ovo zigoto, podemos pensar em centralismo democrático; mas isso certamente deverá ser o resultado de um processo, e não uma imposição que, no mais das vezes, não se baseia em nenhuma experiência concreta.
      3) As publicações – caso seja possível editar algo – poderiam ser feitas nos moldes da antiga revista “Versus”, onde as diversas posições sobre um mesmo tema são apresentadas. Tais polêmicas inclusive podem ser levadas para os blogs, sites, jornais e panfletos das organizações envolvidas se for de desejo delas. Seria fundamental criar um fórum de debates e trocas teóricas, políticas, sindicais, etc., mas tendo como o eixo a busca pelo debate de determinadas divergências que geralmente estão na “boca do povo” ou são sistematicamente levantadas pela “esquerda” institucionalizada.
      4) Organizar formações e debates virtuais. Existem centenas de pautas de formação teórica, além de debates sobre a conjuntura, que podem servir de ponto de convergência, aproximação e troca – dando o ponta pé inicial para a produção de artigos que expressem as divergências e sirvam para debatê-las, apresentando suas próprias posições.
      5) Assim como existem muitas diferenças entre nós, há, também, muitos acordos. Saber encontrá-los e valorizá-los. Uma vez que tenhamos acordo sobre determinada pauta prática, procurar intervir conjuntamente (mas, lembramos, sem imposições – algo que flua com naturalidade – isso exige evitar formalismos e combater imposições).
***
      Em síntese: impor o centralismo democrático rompe o diálogo de uma aproximação que pode ser saudável e necessária em diversos campos que hoje não existe possibilidade de unidade. As divergências devem redundar num paciencioso trabalho de escuta e troca. Isso não significa abandonar o trabalho prático e político que cada organização já realiza. O tempo de contato pode ser decidido conjuntamente, mas é necessário honestamente buscar estabelecer esse contato. Colocar a carroça na frente dos bois contribui para manutenção do atual estado de fragmentação da vanguarda. Respeitar e crescer na diversidade de opiniões, dando conta das divergências com método e trabalho paciente: acreditamos que é o melhor caminho no momento para se construir um centralismo democrático que unifique os revolucionários brasileiros.
      Ninguém tem o privilégio do monopólio da direção da classe trabalhadora. Esse erro custou muito caro ao movimento comunista do século XX. A política revolucionária deve ser construída respeitando sua diversidade (embora levando em consideração suas tendências progressivas, obviamente), caso contrário não será de classe, mas de algum “guia genial” dos povos. Nesse sentido, os camaradas independentes que assinam a “carta aberta” publicada no blog “Esquerda Classista”, tem razão ao afirmar que: “será no próprio debate que se forjará o programa e estratégia para a luta, desde que haja efetiva democracia interna no movimento, onde todos os grupos, ativistas e trabalhadores independentes efetivamente comprometidos com as lutas da classe operária possam ter voz”[ii]. Que dentro desta perspectiva os conflitos entre as organizações proletárias e os ativistas independentes sejam conduzidos exclusivamente pelas armas intelectuais e pela camaradagem, sem o veneno de procedimentos de luta terrorista, de calúnias e de apelos à “peste emocional” de um partido ou organização contra os outros. Se tudo isso prosperar, por menor que seja, já é o mesmo que colocar um tijolo na construção de um mundo novo.


Referências

2 comentários:

  1. ha que se aproveitar as redes sociais para conscientizar sistematicamente as pessoas apontando as falhas existentes e os caminhos possíveis.

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  2. Muito bom! as resoluções, principalmente... excelentes pra conjuntura atual e para se pensar além temporalmente. A n°4 está impecável.
    "Temos que usar esta diversidade a nosso favor, e não contra nós, como tem sido até hoje. Assim sendo, é necessário esboçar uma sugestão ousada e corajosa." uma sugestão sobre isso... ver: O que é dança contemporânea: uma aprendizagem e um livro de prazeres- Thereza Rocha. Nesse livro ela traz uma ideia mais ampla. O que há nesse livro é muito mais do que se pode imaginar. Ela critica a falácia da diverside. é um livro atual. Acredito que no sentido de construção precisamos beber dessas fontes mais atuais, artísticas. É uma bela desconstrução e uma inversão de lógica necessária. Fica a sugestão de complemento, até mesmo, para pensarmos pelas adversidades. O texto está ótimo.

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