Estamos diante de uma profunda crise
econômica, social e de saúde que terá seus piores desdobramentos na recessão
que já está se abrindo. Assim, protestos e levantes espontâneos tendem a
acontecer, dado que o nível de miséria dos trabalhadores na maioria dos países
do mundo possivelmente resultará neste desfecho. Sabemos que explosões de
indignação espontânea são como espoleta sem pólvora. Por tudo isso, devemos tentar juntar a esquerda revolucionária
do Brasil e do mundo, sem o quê estas explosões populares terminarão no leito
morto da institucionalidade burguesa, mais cedo ou mais tarde.
Vivemos
uma época semelhante ao que o movimento revolucionário russo conheceu no final
do século XIX e início do XX: pequenas células de militantes, divididas e
acuadas, praticando um trabalho artesanal aqui e acolá, que muitas vezes entram
em contradição entre si. Se é certo que a história não se repete e nem se faz
por encomenda, também é certo que suas lições devem ser incorporadas e levadas
em consideração muito seriamente.
A
“esquerda” institucionalizada
A
diferença com a situação russa é que hoje existem partidos de “esquerda”
institucionalizados (PSOL, PSTU, PCB; e sendo generoso, podemos considerar
também PT e PCdoB). Esta “esquerda” comete erros crassos há muito condenados
pela experiência do movimento operário mundial e condensados na teoria
marxista. Eles não pensam ou não se interessam por nada que esteja fora da
institucionalidade burguesa – portanto, se tornam reféns e serviçais dela – ou,
então, agem no método do “adesismo”: se consideram o partido revolucionário
acabado, a única alternativa, e exigem a adesão total dos militantes ou grupos
de militantes, devendo estes se sacrificar no altar do seu programa,
estratégia, receitas prontas e direções instituídas que são, na maioria das
vezes, inquestionáveis.
Agem
como uma espécie de “igreja de esquerda”, arrebanhando fiéis que precisam
reproduzir o credo (na maioria das vezes o credo eleitoral). Para os efeitos de
análise deste texto, são desconsiderados dado o seu grau de adaptação. Isso não
significa fechar as portas a um diálogo com qualquer um deles – tampouco
significa ignorar a importância da legalidade ou da institucionalidade burguesa
–, mas aqui se quer fazer um diálogo e não um monólogo.
“Carta
aos camaradas”: lembrar Lenin pelo realismo revolucionário e não pelo
formalismo
À
margem desta “esquerda” institucional existem centenas de militantes e pequenos
agrupamentos de ativistas, oposições sindicais e indivíduos que entendem a
importância da organização política dos trabalhadores e defendem a revolução
socialista. Apesar de enrolados em inúmeras “diferenças” que, muitas e muitas
vezes, se traduzem na prática como uma mesma política, militam em categorias e
procuram, cada um a seu modo, organizar uma revolução no país. Entendem,
ardentemente, que não existe outra saída para o Brasil e para o mundo.
Contudo,
quanto maiores são nossas tarefas, mais difíceis se tornam as aproximações,
sendo desencadeadas longas contendas por vírgulas ou supostos “oportunismos”
(assim como, de fato, às vezes existem grandes divergências e grandes
oportunismos). Porém, o maior erro de todas estas organizações e militantes são
o de se considerarem como o partido revolucionário pronto e acabado. Se portam
como se fossem direções testadas da luta de classes ou, então, pensam que por
um evolucionismo simples, vão cooptando militantes e assim se tornarão um
partido de massas, quase que por um passe de mágicas.
Prova
disso são as exigências que muitas delas fazem às grandes centrais, ao PT, à
CUT, ao PSOL, ao PSTU, etc[i]. São as palavras de ordens
mirabolantes, que terminam levantadas para um movimento de massas inexistente
e, no mais das vezes, fragmentado. Neste sentido, ao invés de organizarmos um
partido revolucionário, apenas damos uma profissão de fé que não nos leva a
lugar algum. A palavra de ordem deste texto é: colocar os pés no chão! Olhar a realidade de frente, por mais
amarga que seja! Se basear sempre no realismo
de Lenin, e não em fórmulas!
O
“dirigismo” e o “adesismo”
Reproduzindo
uma lógica estranha, grande parte dessas organizações e grupos de militantes
esperam simplesmente uma adesão de outros grupos, geralmente por vias
impositivas. Não há uma aproximação baseada em claros princípios, em trocas
reais, em escutas. Reproduzem, assim, muito do que faz a “esquerda”
institucional. Isso é natural, até certo ponto, já que muitos desses militantes
são rupturas dessas organizações por “N” motivos, mas agora precisamos ir além.
É
preciso, então, companheiros, tirar a roupa velha e vestir uma nova: desenvolver
novos métodos de aproximação, novas formas de debater, de se procurar, de se
ouvir. É certo que não devemos jamais abandonar ou ignorar a cara experiência
organizativa do movimento operário mundial, mas não podemos tratá-la como dogma
– e é exatamente isso que acontece! –, tampouco podemos agir como se fossemos o
partido revolucionário já edificado, portadores “do caminho, da verdade e da vida”. Pensa-se que, assim, podemos
pular etapas ou atalhar. Neste caminho não há atalhos, camaradas! Os erros do
passado não são questionados, mas reproduzidos até a exaustão.
Ou
desenvolvemos uma nova forma de nos relacionar, levando honestamente as
diferenças em consideração, ou o “dirigismo” e o “adesismo” serão nossa eterna
Torre de Babel. Busquemos nos aproximar sabendo lidar com diferenças,
ouvindo-nos. Alguns poderão saltar e dizer: “tudo isso é contra o centralismo
democrático”; portanto, é “antileninista”!
Camaradas,
a história não se faz por encomenda, nem uma receita de bolo pode resolver a
crise de direção. O centralismo democrático foi o resultado do processo de
criação do partido revolucionário na Rússia, após anos de debates de
diferenças, de uma militância em comum, de uma conjuntura muito característica
daquele país. Posições divergentes foram publicadas nos jornais russos – como a
célebre divergência entre Rosa Luxemburgo e Lenin – e vice-versa.
Outros,
então, dirão: “a solução é um partido de tendências?”. Não, camaradas! No
entanto, não podemos ignorar as divergências, mas solucioná-las pelo debate e,
sobretudo, pela prática. A prática é o critério da verdade e na maioria das
vezes as divergências só são liquidadas pela prática conjunta, sem “adesismos”
ou “dirigismos”. Todas essas pequenas organizações falam em “centralismo
democrático”. Muito bem! Qual delas tem autoridade para dirigir as demais? Quem
se submeterá a quem? As divergências não são apenas teóricas, mas
principalmente, de cunho prático. Existem muitas formas de intervenções na
realidade, nos movimentos sociais e sindicais que tem sua importância e
precisam ser testadas, debatidas, comparadas. Temos que usar esta diversidade a
nosso favor, e não contra nós, como tem sido até hoje. Assim sendo, é
necessário esboçar uma sugestão ousada e corajosa.
Algumas
sugestões para serem desenvolvidas e melhoradas
1)
Criar uma frente ou liga de organizações e militantes revolucionários
espalhados pelo Brasil, América Latina e o mundo. Esta “liga” teria o papel de
convergir, apresentar as divergências, debatê-las; mas, sobretudo, trocar
informações, experiências e práticas. Saber ouvir sem segundas intenções ou
imposições. Isso não significa deixar de polemizar, mas saber reconhecer os
pontos positivos e negativos; estar além do bem e do mal platônico-cristão.
Existem mil mecanismos de contato no momento: fóruns na internet, whatsapp, reuniões virtuais, blogs, etc.
Poderia se decidir qual a melhor forma, ver uma periodicidade de reuniões e uma
equipe (caso seja possível indicá-la) para instigar o debate, ver o que há de
acordo e desacordo, sintetizar e enlaçar onde é possível; trazer as diferenças
para um debate público – sempre de forma honesta e sincera dentro dos
princípios da democracia proletária.
Poderão dizer: isso é impossível! Mas e a referida troca de cartas e artigos
entre Lenin e Rosa Luxemburgo; entre a social-democracia alemã e russa na 2ª
Internacional; entre as várias sessões da 1ª Internacional? O respeito às
divergências pode semear uma unidade do centralismo democrático no futuro.
2)
Essa “junção de organização” não significa acabar com a independência política,
programática ou de propaganda de cada uma dessas organizações ou de cada
militante independente. Todas podem conservar a sua total independência
política, embora tentando manter o contato, a troca e o diálogo. Num futuro, se
algo surgir desta célula ovo zigoto,
podemos pensar em centralismo democrático; mas isso certamente deverá ser o
resultado de um processo, e não uma imposição que, no mais das vezes, não se
baseia em nenhuma experiência concreta.
3)
As publicações – caso seja possível editar algo – poderiam ser feitas nos
moldes da antiga revista “Versus”, onde as diversas posições sobre um mesmo
tema são apresentadas. Tais polêmicas inclusive podem ser levadas para os
blogs, sites, jornais e panfletos das organizações envolvidas se for de desejo
delas. Seria fundamental criar um fórum de debates e trocas teóricas,
políticas, sindicais, etc., mas tendo como o eixo a busca pelo debate de
determinadas divergências que geralmente estão na “boca do povo” ou são
sistematicamente levantadas pela “esquerda” institucionalizada.
4)
Organizar formações e debates virtuais. Existem centenas de pautas de formação
teórica, além de debates sobre a conjuntura, que podem servir de ponto de
convergência, aproximação e troca – dando o ponta pé inicial para a produção de
artigos que expressem as divergências e sirvam para debatê-las, apresentando
suas próprias posições.
5)
Assim como existem muitas diferenças entre nós, há, também, muitos acordos.
Saber encontrá-los e valorizá-los. Uma vez que tenhamos acordo sobre
determinada pauta prática, procurar intervir conjuntamente (mas, lembramos, sem
imposições – algo que flua com naturalidade – isso exige evitar formalismos e
combater imposições).
***
Em
síntese: impor o centralismo democrático rompe o diálogo de uma aproximação que
pode ser saudável e necessária em diversos campos que hoje não existe
possibilidade de unidade. As divergências devem redundar num paciencioso
trabalho de escuta e troca. Isso não significa abandonar o trabalho prático e
político que cada organização já realiza. O tempo de contato pode ser decidido
conjuntamente, mas é necessário honestamente buscar estabelecer esse contato.
Colocar a carroça na frente dos bois contribui para manutenção do atual estado
de fragmentação da vanguarda. Respeitar e crescer na diversidade de opiniões,
dando conta das divergências com método e trabalho paciente: acreditamos que é
o melhor caminho no momento para se
construir um centralismo democrático que unifique os revolucionários
brasileiros.
Ninguém
tem o privilégio do monopólio da direção da classe trabalhadora. Esse erro
custou muito caro ao movimento comunista do século XX. A política revolucionária
deve ser construída respeitando sua diversidade (embora levando em consideração
suas tendências progressivas, obviamente), caso contrário não será de classe,
mas de algum “guia genial” dos povos. Nesse sentido, os camaradas independentes
que assinam a “carta aberta” publicada no blog “Esquerda Classista”, tem razão
ao afirmar que: “será no próprio debate
que se forjará o programa e estratégia para a luta, desde que haja efetiva
democracia interna no movimento, onde todos os grupos, ativistas e trabalhadores
independentes efetivamente comprometidos com as lutas da classe operária possam
ter voz”[ii].
Que dentro desta perspectiva os conflitos entre as organizações proletárias e
os ativistas independentes sejam conduzidos exclusivamente pelas armas
intelectuais e pela camaradagem, sem o veneno de procedimentos de luta
terrorista, de calúnias e de apelos à “peste emocional” de um partido ou
organização contra os outros. Se tudo isso prosperar, por menor que seja, já é
o mesmo que colocar um tijolo na construção de um mundo novo.
Referências