segunda-feira, 27 de maio de 2019

A nossa bandeira jamais será verde amarela

Hoje acompanhei de perto o ato pró-Bolsonaro no Parcão, em Porto Alegre. Felizmente diminuiu bastante, comparado com 2016, mas ainda participa um número considerável de "manifestantes" (algo entre 6 e 7 mil), que podem ser classificados como base de apoio do neofascismo. Em sua maioria membros da classe média alta, brancos e maiores de 40 anos (os únicos negros eram vendedores de materiais de "protesto", infelizmente, contra si próprios, ou de comida e bebida).
MBL, "Vem pra rua" e PSL não apoiaram a convocatória dos atos porque já foram absorvidos pela lógica burocrático-institucional. Elegeram muitos deputados e vereadores e, por isso mesmo, agora tratam de conciliar para que as instituições políticas funcionem. Por isso mesmo foram atacados por alguns carros de som. O neofascismo, tal como o fascismo clássico, precisa mobilizar a sua base de apoio para conseguir tornar seu programa político e econômico "governável".
Olhando friamente, isso não pode ser considerado uma "manifestação de rua" que representa o "povo brasileiro", mas apenas o apelo descarado e repulsivo à aprovação da Reforma da Previdência, o que fará os pobres trabalhar até morrer (isto é, não atingirá diretamente a maioria dos que estavam no "ato" de hoje). O centro dos "protestos" continua sendo pouco criativo: o PT, Lula (preso), Dilma, a Venezuela, o "comunismo" e as ideologias de "esquerda". Num carro de som incitaram os manifestantes contra Maria do Rosário, alimentando o sadismo dos presentes e a cultura do estupro.
Notórios pilantras, que deixam seu caráter transparecer pelo timbre de suas vozes, acusando a "ditadura da corrupção" para defender a sua própria corrupção e a dos seus, incluindo a roubalheira escancarada dos bancos, dos Bolsonaros, do PSL e dos seus novos comparsas! Atacaram o "centrão" do Congresso Nacional e Rodrigo Maia (Dem). Provavelmente isso seja o prenúncio das futuras "manifestações" que exigirão o fechamento do Congresso Nacional e a instauração de uma ditadura militar aberta.
O nível político é zero! Não há análise ou debate sério. O que vemos é apenas uma aglutinação em torno de um círculo social cuja intenção principal é influenciar a opinião pública, infectando-a de todo o tipo de intolerância, principalmente em relação à esquerda. Músicas como as dos estádios de futebol são cantadas para instigar o sadismo e o ódio. A besta desprezível do neofascismo brasileiro empesteia toda a sociedade: xinga os pobres, os pretos, os LGBTTs, os imigrantes e tudo e qualquer coisa que ouse lutar por justiça social.
O ato de hoje expressa o somatório de todas as funções irracionais humanas pra esconder o desespero da classe média e da burguesia em sustentar seus privilégios econômicos e sociais escondidos sob uma fraseologia de "povo brasileiro" e "interesses do Brasil".

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Sobre a palavra de ordem #LulaLivre

Lula, preso, em entrevista gravada no dia 3 de maio
A direita neofascista tem transformado a prisão de Lula num estandarte. Sabemos perfeitamente que Lula não é o único prisioneiro político do país. Existem tantos outros, como Rafael Braga, por exemplo. Porém, o caso dele é "diferente" porque é um ex-presidente da República. O único preso por tanto tempo. Por isso se tornou uma bandeira da direita, da qual ela não pode abrir mão.
Temer foi preso e solto em seguida. Outros fizeram tanto quanto ou mais do que Lula e estão completamente livres. Bolsonaro já está envolvido em diversos casos de corrupção e nada acontece. Por tudo isso Lula deveria estar livre, uma vez que é o único preso estando na mesma qualidade que os outros. Soa cínico e hipócrita sua prisão, bem como o discurso daqueles que defendem a sua prisão.
Porém, a bandeira Lula Livre tem sido usada pela CUT como ponto central da sua agitação. Denota claramente que seu objetivo é eleitoreiro: tudo depende da liberdade de Lula, pois é o único que pode vencer eleitoralmente a direita neofascista na atual conjuntura. Novamente vemos toda a estratégia política das principais centrais sindicais e da "esquerda" reformista em torno do campo minado das eleições.
Lula deveria estar preso por outros motivos: dar lucro recorde aos banqueiros e ao sistema financeiro, por fazer vistas grossas à administração dos fundos de pensão pelo PT, pela ditadura que este partido exerce no movimento sindical. Não é por isso que ele está preso. Se fosse, todos os outros partidos burgueses, os ex e o atual presidente deveriam estar presos com mais razão ainda. Jamais a justiça burguesa prenderia alguém por esses motivos, o que praticamente inviabilizaria o sistema. Quem teria condições de punir Lula pelos seus verdadeiros crimes são os trabalhadores organizados. Contudo, estamos tão longes disso que apoiar a atual prisão de Lula é fazer coro com a justiça burguesa e os seus comparsas (isto é, com aqueles que não tem moral alguma pra falar em "justiça").
Por tudo isso sou favorável à liberdade de Lula, mas sem levantá-la como bandeira central, tal como faz a CUT e o PT, uma vez que disso depende toda a sua estratégia política, já condenada pela história em distintas oportunidades. Inclusive agora com a ascensão da direita neofascista no Brasil.

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Chegou um negro

Chegou um negro,
a memória do mundo estremece.

Os outros poderão se esconder
num nome falso, em um silêncio.
Mas um negro, não,
até o silêncio denuncia um negro.

Sim, é ele.
O ser que passou
por matemáticas provações.
Mais, menos, multiplicação,
divisão, desumanidades
em infinitesimais potências,
porcentagem, financiamentos.
De onde vem o dinheiro
dos navios negreiros, quem
enriqueceu com o trabalho do negro?
Houve tentativas de tornar o negro um zero.

Quando um negro sabe
o que é um negro,
nada pode assustá-lo.
Dor alguma o impede
de rir, de cantar, de dançar
e de pensar. É no movimento
que sua força se impõe.

Um negro
que sabe de si e dos seus
compreende que ele é feito
de água, de vento, de folhas,
de fogo, de terra, pedra,
mas principalmente
de outros negros.


Jorge Fróes

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Análise do livre sobre “Pós-verdade e fake news”, do jornalista britânico Matthew D’ancona


À companheira Mariana Veloso:
O livro que tu me emprestou é bastante interessante e atual, embora com uma visão burguesa do autor, conforme vocês já tinham me alertado. Essa visão é um limitador, ainda que não o impeça de dar boas contribuições.
Dentre essas eu chamaria a atenção para a vinculação que ele faz entre a eleição de Trump nos EUA e o Brexit na Inglaterra, demonstrando que são duas faces de um mesmo fenômeno. Seriam parte daquilo que chamamos de "neofascismo", embora o autor não chegue nem perto da utilização desse termo. Ambas campanhas estão se baseando nas fake news e na utilização do emocional da população. Um dos pontos altos do livro é exatamente esse, a demonstração de como a "verdade sai e a emoção entra". Ou seja, como tem sido comum a utilização da emoção das pessoas como forma de manipulação política. Nesse sentido casa muito bem com o que será apresentado em a psicologia de massas do fascismo de Wilhelm Reich. Hoje, essa psicologia conta com o apoio importantíssimo da internet e das redes sociais, o que é satisfatoriamente observado no livro.
Uma grande conclusão do autor, que pode ser comparada ao que dirá Reich sobre o fascismo alemão, é que "Trump não recorreu a dados verificáveis, mas a ressentimentos e medos; aquilo que os gurus de negócios chamam de 'marketing da inadequação'". Assim, conseguiram manipular a população, não sem o apoio de espionagem das redes sociais através de marketeiros, como Steve Bannon, para conseguir construir esta nefasta obra de ódio. Na verdade esta "manipulação" é parcial. A psicologia de massas nos diz que uma parte dela é fruto da aceitação passiva das próprias pessoas, como o autor reconhece: "o que acontece de novo não é a desonestidade e a falsidade dos políticos, mas a resposta do público em relação a isso". Frente a crise e ao desespero, os trabalhadores e o povo em geral não avançaram um milimetro em direção à esquerda, mas abraçaram o primeiro charlatão que se vendeu como "solução", seja Trump nos EUA, Bolsonaro aqui ou o Brexit na Inglaterra.
A "teoria da conspiração" é amplamente utilizada por estes "ideólogos", que sabem bem manipulá-la. Há nos seres humanos uma propensão a crer nisso, no sentido de fugir de suas responsabilidades sociais e a preferência por "acreditar" em uma grande conspiração de seres malignos, sejam eles quem for. Há certa correspondência disso com a crise dos sindicatos. Parte da base da nossa categoria (o magistério estadual), por exemplo, prefere atribuir todos os problemas dos sindicatos à participação dos partidos na sua direção. Assim, fazem como o avestruz, enfiando a cabeça na terra e tudo estaria resolvido ("me chamem só quando isso acabar", sem apontar pra sua própria responsabilidade nisso; ou seja, acreditar em conspirações secretas é um tanto conveniente para eles). É certo que os partidos burgueses e reformistas destroem os sindicatos, mas isso não explica tudo e tampouco resolve o problema ao se ignorar os sindicatos virando as costas. As conspirações secretas seriam forças ocultas e místicas contra as quais "não se pode fazer nada".
Outro ponto importante tocado pelo autor, e que tem parentesco com o debate do neofascismo, é o forte antiintelectualismo, ou seja: a negação dos fatos, das evidências e, em última análise, da própria ciência. Esta é uma característica presente tanto em Trump, Bolsonaro, Olavo de Carvalho, quanto no discurso dos ideólogos do Brexit. Porém, o autor atribui o pós-modernismo – que ele insinua servir de base a esse antiintelectualismo – à esquerda. Ou seja: a esquerda teria desencadeado o pós-modernismo, o que é um absurdo gritante e uma distorção. Todos nós sabemos que foi a burguesia e seus elementos de direita nas universidades, na mídia, etc., que sustentaram o pós-modernismo, que nega a matéria, a existência das classes, a relatividade da verdade. É o pós-modernismo a base da "auto-verdade" e a da "pós-verdade", se é que podemos sustentar esse termo estranho, que ignora toda a base material e econômica da sociedade.
Aqui o autor começa as suas distorções, porque é, como se disse no início, um autor burguês. Além de igualar "marxismo e o fascismo" (tal como faz Bolsonaro por outros meios), desenvolve um longo tratado contra as "ditaduras socialistas" (que sabemos bem se tratar do stalinismo). Eis um ponto alto de suas preocupações: ao combater as supostas "pós-verdades", quer evitar que se descambe para um caminho anti capitalista e socialista. Ele cuida isso com muito esmero. Não faz qualquer vinculação entre a "pós-verdade" e a decadência do capitalismo. É claro, como autor burguês não pode se denunciar a si mesmo, mas, justamente por isso, é como se faltasse um grande pedaço da realidade, como se a mutilasse e a tentasse preservar de alguma forma. Assim, não é capaz de tirar as maiores conclusões: a sua "luta contra a pós-verdade" é incoerente, inconsequente e, por que não, insossa? 
O que vivemos, na minha opinião, é que a suposta "pós-verdade", fake news, antiintelectualismo, etc, é a expressão no mundo das ideias (ou superestrutura no linguajar marxista) da decadência econômica, social e política do capitalismo. Não é possível sustentar tamanhas distorções sociais, visíveis a olho nu, com mendigos, prostitutas, assaltantes, mortos-de-fome de todas as espécies, de um lado; e milionários, bilionários, ricos e indiferentes, do outro; sem apelar para a negação cabal da realidade. Tudo isso são consequências do pós-modernismo desenfreado ensinado nas universidades, impresso pelas grandes editoras e divulgados na grande mídia. Matthew D'ancona, como jornalista burguês que é, jamais vai admitir isso, recorrendo à "pós-verdade" que critica. Prefere criticar o marxismo, igualá-lo ao fascismo, atacar as "ditaduras comunistas", do que reconhecer um fato tão elementar; qual seja: que a decadência do capitalismo acirrou a disseminação da "pós-verdade" e das fake news, que já existiam na grande mídia comercial, nas universidades burguesas, nas grandes editoras, mas que estava relativamente restritas e controladas. Ou seja, o feitiço virou contra o feiticeiro: as ideologias burguesas tão utilizadas nos períodos "democráticos", agora estão sendo levadas às últimas consequências pelo neofascismo, o que se volta, inclusive, contra setores da mídia comercial, das universidades e dos próprios partidos burgueses.
Apesar dessas falhas que, na minha opinião, comprometem toda a obra, há uma parte que afirma que pra combatermos e superarmos a narrativa da "pós-verdade", precisamos nos adaptar "com disciplina rígida às circunstâncias em que nos encontramos. Isso é menos óbvio do que parece. Há um instinto poderoso para restabelecer aquilo que é perdido ou foi posto em risco, para reafirmar o status quo anterior". Pode parecer singelo e dúbio, mas se manter firmes frente a essa campanha enlouquecedora de mentiras de todos lados (principalmente do governo) é a nossa principal tarefa, não ceder, não desistir, não enfiar a cabeça na terra como o avestruz. A esquerda e os sindicatos não cumprem essa tarefa mínima. Os ativistas destes setores se entregam ou conciliam na primeira dificuldade. E é sabendo dessa resistência gelatinosa que a direita e muitos dos seus ideólogos avançam. A nossa resistência ao fascismo hoje, mais que militar, é moral, intelectual, emocional. Esta singela conclusão é de grande valia!
É evidente que uma das conclusões que salta aos olhos é a necessidade de se lutar contra o capitalismo, fato que está definitivamente fora das pretensões do D'ancona; e, no que depender dele, será combatido. Outra conclusão importante, que não é tirada pelo nosso autor, destituído de qualidades socialistas, é que se a "pós-verdade" sempre existiu de uma forma ou de outra, bem como as fake news, então o que resta é a evidência de que se trata principalmente de "manipulação dos sentimentos e das emoções" como forma de dominação de classe. Isso está em perfeita sintonia com muitas das conclusões de Wilhelm Reich acerca da psicologia de massas do fascismo. E as emoções, que se constituem numa grande porta aberta para a dominação e a manipulação de classe, nos aponta a necessidade de desenvolver técnicas de luta e de denúncia contra isso.
Esta "grande conclusão", contudo, ainda não tem resposta. Esperamos que se possa debater entre a esquerda brasileira como superar este problema. Penso que qualquer coisa muito distante disso nos faz andar em círculos e "brincar" de guerra civil espanhola.
Sem mais, desculpe pelo texto longo, espero que tenha ajudado de alguma forma.

Saudações revolucionárias e antifascistas!
Eduardo Cambará