Em memória da aluna do 2º ano do Ensino Médio da
Escola Estadual Alcides Cunha que se suicidou recentemente
A série norte-americana Thirteen reasons why (13 razões porquê), disponível na Netflix, aborda de forma profunda um tema que ainda é tratado como tabu: o suicídio. O pior caminho é não tocar num grave problema social, pois se queremos entender os "porquês" e evitar que se repitam, teremos que debatê-los. Nesse sentido, o tema trazido pela série é muito relevante. Ela conta a história do suicídio de Hannah Baker, uma jovem estudante, que vivia numa pequena cidadezinha do interior da Califórnia, extremamente sádica e conservadora.
Hannah era um protótipo de pessoa que vivia a vida viva, se aproximando das pessoas sem segundas intenções ou preconceitos. Buscava vivenciar suas experiências de vida sem fazer mal aos outros. Por possuir este caráter viçoso, Hannah se chocou com a moral social vigente, retrógrada e conservadora. Sofreu ataques de diversos tipos e, sobretudo, o bullying escolar (uma praga que definitivamente precisamos cortar pela raiz), sobretudo o resultante da moral machista. Procurou consolo e ajuda como sempre acontece, de forma silenciosa e confusa. Não a encontrou! Os dias de hoje são muito corridos e agitados. Mal temos tempo de lidar com o nosso próprio sofrimento (quando este não é totalmente tragado pelo trabalho alienado), que dirá perceber o sofrimento alheio?
Hannah se matou, assim como tantas outras hannahs mundo afora! Mesmo tentando negar, percebo que todos nós carregamos uma parcela de culpa nisso tudo. Por não procurarmos estabelecermos pontes entre nós; por fugirmos uns dos outros no auge de nossa cegueira; por acharmos que um dia difícil nos permite a omissão; por vermos todos os dias nossa humanidade escorrendo pela latrina e, na maioria dos casos, aceitando tudo isso apaticamente, vestindo, de uma forma ou outra, o véu do conformismo e da hipocrisia social. Vamos nos suicidando e vendo outros se suicidarem aos pouquinhos todos os dias, sem quebrar pelo meio a moral, os formalismos, a rotina!
O suicídio não é apenas um "suicídio", mas um assassinato social. Hannah foi morta pelo "estilo de vida norte-americano", onde não há espaço para "perdedores" ou pessoas "autônomas". Uma sociedade marcada pelo culto da meritocracia (que na verdade não é nada meritocrática, mas idiocrática, impositivitocrática, aristocrática moderna) gera exclusões, rótulos, hipocrisias, mentiras sociais. Se impõe a asfixia da verdade, o seu assassinato diário, a ditadura do silêncio para a vida viva! Quem devia ser punido é eleito como modelo a ser seguido! O vazio existencial é transformado em ódio incontido, e transborda pelos poros os resquícios do fascismo, enrustido e capciosamente cultivado pelo "estilo de vida norte-americano".
Hannah foi estuprada. Desde esta selvageria, aceita como "normal", declarou-se morta! Hannah foi menos estuprada e menos morta por quem justificou este barbarismo contra ela afirmando que "ela queria", ou que ela seria uma "vagabunda"? Ou por um estilo de vida que coloca a mulher numa condição subalterna ao homem, fadada a ser cheerleader e a amar o capitão do time de futebol americano? E quanto ao personagem nerd, excluído, perdedor, destinado pelo regime social norte-americano a ser um arremedo de ser humano, sistematicamente violentado e estuprado por não conseguir ser reconhecido, por lhe negarem a verdade e o direito de dizer a verdade? A série também mostra o lado dramaticamente humano dos atiradores de escola dos EUA. Educados a amar o militarismo, as armas, as guerras, os jogos de guerras, a serem fortes, a usarem armas e não o amor, o trabalho e a sabedoria. O que poderia resultar disso tudo, senão o suicídio em massa dos que não se adaptam a esta barbárie sádica civilizada?
A segunda temporada, que é melhor do que a primeira, ainda tem o grande mérito de demonstrar que a justiça está corrompida e comprada pelos mais ricos, geralmente pelos manipuladores e beneficiários do "estilo de vida norte-americano", os homens, brancos, hetero-estupradores, empresários e "bem sucedidos" graças a exploração alheia. A justiça, totalmente amparada pelo formalismo e pela hipocrisia social, está trabalhando para eles diariamente. A eles a impunidade é um direito moral e constitucional, garantido pela dólarcracia.
Há, no entanto, uma resistência nos produtores da série em demonstrar a ligação de tudo isso com o sistema capitalista, que gera todas estas mazelas sociais, em especial a moral decadente e autoritária que estamos submetidos diariamente. Apesar desta omissão, a série tem o mérito de tocar em todas estas feridas (que são escondidas atrás de tabus sociais e religiosos) e de lutar, mesmo que não declaradamente, contra a barbárie civilizada do regime social de Trump e do Partido Republicano. Enquanto arte, tem o direito de ser livre de menções políticas ou econômicas diretas, embora seus atores, escritores e produtores, nas suas ações e declarações públicas fora da série, não o tenham.
PS: no Brasil o nosso bullying não é exatamente como o norte-americano, embora não seja menos nefasto. Não sei os porquês de minha aluna ter cometido suicídio (apesar de ser muito doloroso, gostaria de saber), mas me sinto triste e mal por não ter podido ajudá-la, por ver uma vida jovem e cheia de promessas se perder por alguma insuficiência social e, também, da minha parte. Ou começamos a nos ajudar, a colocar o amor, o trabalho e a sabedoria em primeiro lugar, ou a barbárie social e a desumanidade como regime político interromperá vidas jovens e adultas, procurando tratar tudo isso como casos individuais e não sociais.
PS: no Brasil o nosso bullying não é exatamente como o norte-americano, embora não seja menos nefasto. Não sei os porquês de minha aluna ter cometido suicídio (apesar de ser muito doloroso, gostaria de saber), mas me sinto triste e mal por não ter podido ajudá-la, por ver uma vida jovem e cheia de promessas se perder por alguma insuficiência social e, também, da minha parte. Ou começamos a nos ajudar, a colocar o amor, o trabalho e a sabedoria em primeiro lugar, ou a barbárie social e a desumanidade como regime político interromperá vidas jovens e adultas, procurando tratar tudo isso como casos individuais e não sociais.