quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A campanha contra o socialismo nas correntes de internet

Não é de hoje que as forças políticas de direita tentam envenenar a consciência dos trabalhadores contra o socialismo. Além de se utilizar da grande mídia, das igrejas, das escolas e universidades, hoje elas procuram fazer isso através das correntes de e-mails e das redes sociais. Para isso, contam com o apoio de inúmeros atores informais, entre intelectuais, estudantes, pessoas comuns e cínicos profissionais, que ajudam a disseminar preconceitos e distorções sobre o socialismo. Muitos destes “atores” temem e lutam contra o socialismo por medo de perder suas benesses materiais e, consequentemente, sua posição social.
         Um exemplo desta campanha de internet se dá com o texto que segue abaixo, disseminado em três versões diferentes nas redes sociais, no whatsapp e nos e-mails:

“Um professor de economia na universidade Texas Tech disse que ele nunca reprovou um só aluno antes, mas tinha, uma vez, reprovado uma classe inteira.
Esta classe em particular tinha insistido que o socialismo realmente funcionava: ninguém seria pobre e ninguém seria rico, tudo seria igualitário e 'justo'.
O professor então disse, ‘Ok, vamos fazer um experimento socialista nesta classe. Ao invés de dinheiro, usaremos suas notas nas provas’. Todas as notas seriam concedidas com base na média da classe, e portanto seriam ‘justas’. Isso quis dizer que todos receberiam as mesmas notas, o que significou que ninguém seria reprovado. Isso também quis dizer, claro, que ninguém receberia um ‘A’...
Depois que a média das primeiras provas foram tiradas, todos receberam ‘B’. Quem estudou com dedicação ficou indignado, mas os alunos que não se esforçaram ficaram muito felizes com o resultado.
Quando a segunda prova foi aplicada, os preguiçosos estudaram ainda menos – eles esperavam tirar notas boas de qualquer forma. Aqueles que tinham estudado bastante no início resolveram que eles também se aproveitariam do trem da alegria das notas. Portanto, agindo contra suas tendências, eles copiaram os hábitos dos preguiçosos. Como um resultado, a segunda média das provas foi ‘D’.  Ninguém gostou.
Depois da terceira prova, a média geral foi um ‘F’. As notas não voltaram a patamares mais altos, mas as desavenças entre os alunos, buscas por culpados e palavrões passaram a fazer parte da atmosfera das aulas daquela classe. A busca por ‘justiça’ dos alunos tinha sido a principal causa das reclamações, inimizades e senso de injustiça que passaram a fazer parte daquela turma. No final das contas, ninguém queria mais estudar para beneficiar o resto da sala. Portanto, todos os alunos repetiram o ano... Para sua total surpresa.
O professor explicou que o experimento socialista tinha falhado porque ele foi baseado no menor esforço possível da parte de seus participantes.
Preguiça e mágoas foi seu resultado. Sempre haveria fracasso na situação a partir da qual o experimento tinha começado. ‘Quando a recompensa é grande’, ele disse, ‘o esforço pelo sucesso é grande, pelo menos para alguns de nós’.
Mas quando o governo elimina todas as recompensas ao tirar coisas dos outros sem seu consentimento para dar a outros que não batalharam por elas, então o fracasso é inevitável’.
É impossível levar o pobre à prosperidade através de legislações que punem os ricos pela prosperidade. Cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar sem receber. O governo não pode dar para alguém aquilo que não tira de outro alguém. Quando metade da população entende a idéia de que não precisa trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação.
É impossível multiplicar riqueza dividindo-a.”

O que precisamos destacar, em primeiro lugar, é a facilidade com que um texto deste tipo, cheio de distorções e erros teóricos e políticos, totalmente baseado em preconceitos, possa ser tão amplamente disseminado na internet. Ele foi feito sob medida para dialogar com os preconceitos das massas, sobretudo os de classe média. Além disso, muitas pessoas quando compartilham correntes na internet nem sequer confirmam a veracidade da fonte. Praticam o pior “telefone sem fio” e dão um verdadeiro cheque em branco que é preenchido pela burguesia em benefício próprio.
As informações e a fonte deste texto são conflituosas. O suposto autor desta experiência seria Adrian Rogers, que em algumas versões é apresentado como economista e professor da Universidade do Texas; em outras é apresentado como pastor tele-evangelista norte-americano. Para além deste “pequeno detalhe” da procedência e credibilidade sobre o autor, cabe uma análise detalhada do conteúdo da mensagem.

I – O conservadorismo e o preconceito de classe média
Como é possível que um texto como esse, duvidoso e cheio de problemas teóricos, possa ser tão compartilhado como se fosse algo importante?
         Inicialmente podemos encontrar duas respostas para tal questão:
         1) A ignorância em relação ao socialismo: muitos destes “compartilhadores”, críticos do socialismo (geralmente membros da classe média), nunca abriram um único livro sobre socialismo ou o estudaram sociologicamente, tal como uma ciência social exige. Suas leituras sobre o tema centram-se na grande mídia e em periódicos direitistas, como a Revista Veja, Isto é, O Globo, F. de São Paulo, Zero Hora, dentre outros. Não possui conhecimento e interesse acerca do que representa o socialismo, mas tem apenas preconceito, alimentado, principalmente, pelo medo.
         2) O grande conservadorismo da classe média e de parte dos trabalhadores, baseados em caráteres encouraçados, reprimidos, que em razão de suas neuroses e medos não tratados, alimentam ódios para despejar o seu sadismo; resultado desta opressão e brutalização sexual. Para mentalidades deste tipo, nenhum argumento é válido, pois em sua ânsia de despejar seu ódio mal resolvido, suas dores, seus medos e seus desejos reprimidos, querem ver na desordem da qual depende a sua condição social, na cizânia e num inimigo público em comum, o alvo de tudo o que não presta em si próprio.

II - Quem quer fugir do trabalho?
O texto faz uma comparação bizarra, que em nada contribui para se entender o que é socialismo. Nele, há apenas uma visão burguesa sobre o assunto. A burguesia sempre tentou associar “socialismo” a “fuga do trabalho”, “preguiça”, dentre outras preciosidades do gênero. Karl Marx e Friedrich Engels já responderam estes ataques há mais de 150 anos, no Manifesto Comunista. Eles afirmaram:
“Tem-se objetado que com a supressão da propriedade privada cessaria toda a atividade e alastraria uma preguiça geral. De acordo com isso, a sociedade burguesa teria há muito de ter perecido de inércia; pois os que nela trabalham não ganham, e os que nela ganham não trabalham.
O que a burguesia pretende manter com esse preconceito sobre socialismo é o seu monopólio sobre a preguiça. Somente quem possui capital pode comprar trabalho alheio e garantir o privilégio de não trabalhar (ou trabalhar apenas intelectualmente e mandar nos outros). Atualmente, inúmeros setores da classe dominante vivem de forma parasitária, sem produzir absolutamente nada e sustentando-se às custas do suor alheio: os banqueiros, especuladores, agiotas, magnatas industriais, rentistas, latifundiários, ideólogos da grande mídia. Apenas um setor muito pequeno da burguesia ainda se mantém fazendo algum tipo de empreendedorismo social. Foi-se o tempo em que a classe burguesa era essencialmente empreendedora. Hoje, toda esta chorumela em torno de que os “socialistas não querem trabalhar”, apenas esconde o fato de que a burguesia e grande parte da classe média precisam manter o capitalismo funcionando para não precisar trabalhar, podendo dispor, por lei, da mão-de-obra de milhares de pessoas que são obrigadas a trabalharem para elas.
Vejam o escandaloso caso de concentração de renda sob o capitalismo: 8 bilionários possuem o equivalente a mais da metade do que possui toda a população mundial. Trocando em miúdos, isso significa que no capitalismo quanto mais a população trabalha e passa privações, mais a burguesia enriquece às custas deste mesmo trabalho e destas mesmas privações. Se fizermos uma análise psicanalítica desta intenção da burguesia expressa no texto, perceberemos que ela tenta, historicamente, imputar aos trabalhadores que lutam por uma sociedade justa a sua real intenção, que é viver na pujança sem precisar trabalhar. O pensamento expresso no texto define exatamente o que é o capitalismo: para cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar sem receber. E é exatamente assim que este sistema caótico e injusto funciona; não em uma classe universitária fictícia, mas na realidade palpável e visível à luz do dia. O salário recebido pelo proletário não é capaz de acumular capital; apenas quem é proprietário de um meio de produção – isto é, um burguês – é capaz de fazê-lo. Assim, o trabalhador é obrigado a “se vender” em busca de um salário para poder subsistir e fornecer a futura prole que suprirá o mercado com mais mão-de-obra. Para um triunfar, centenas precisam fracassar. É esta lógica perversa que os defensores do capitalismo querem relativizar ou mesmo negar.
O texto fala de “legislação que pune os ricos pela sua prosperidade”, como se ao mudar a sua condição social eles fossem injustiçados. Temos, porém, que nos perguntar antes de tudo: em que alicerces estão sustentados a prosperidade dos ricos no capitalismo? Não há dúvida de que na exploração da força de trabalho do proletariado, que desprovido de meios de produção e capital, é obrigado a se vender como mão-de-obra barata. Da mesma forma, poderíamos fazer um paralelo entre a riqueza dos países “desenvolvidos” versus a pobreza dos países “subdesenvolvidos”. Na verdade, o “desenvolvimento” dos países centrais (imperialistas) está alicerçado no subdesenvolvimento do terceiro mundo.
Isso não significa desconhecer a grande importância do empreendedorismo econômico da burguesia ao longo da história (sobretudo durante a Revolução Industrial). Mas este empreendedorismo chegou num outro patamar social desde o início do século 20. É preciso socializar o conhecimento técnico, os meios de produção e políticos para incentivar por vários meios a transformação de toda a sociedade em uma grande escola de empreendedores, respeitando as capacidades de cada um.

III - A questão da meritocracia (o socialismo é desprovido de valorização do mérito?)
Igualdade social não quer dizer ausência de esforço pessoal. O socialismo, muito mais do que o capitalismo, deverá incentivar o desenvolvimento das potencialidades individuais. Precisará, é claro, extirpar as neuroses de massas, o autoritarismo, a educação e o emprego sustentados pelo medo da repressão.
A comparação entre dinheiro (economia) e notas de aula (uma espécie de reconhecimento sobre determinada aquisição de aptidões) é muito arriscada. Toda analogia deve ser levada muito cuidadosamente em consideração (sobretudo em relação à política). Neste caso, não restam dúvidas de que se trata de uma utilização para a má fé. O objetivo claro é lançar preconceito em relação à ideia de socialismo.
***
Não existe uma receita de bolo para o socialismo. Assim como o capitalismo não surgiu pensado por uma única mente ou por um partido, mas como o resultado de relações sociais determinadas, o socialismo também deverá ser o resultado de um movimento social, cujas características gerais não podem ser determinadas de antemão. No entanto, é certo que estas características podem ser intuídas e deverão ser melhor planejadas do que as relações sociais do capitalismo.
Este sistema possui relações sociais que estão submetidas a lógica do mercado, que é semi-espontânea, alheias ao social e, quando necessário, sujeitas às imposições autoritárias (ideológicas e militares). O socialismo deverá ser um sistema econômico mais planejado e racional do que o capitalismo. Este é um pré-requisito necessário para que possa surgir: a humanidade precisa criar as condições políticas e econômicas para controlar o caos do mercado e da economia. Mas estas condições não podem ser decretadas; precisam ser criadas. A clareza ideológica é muito mais importante numa sociedade socialista do que numa sociedade capitalista, que precisa de indivíduos alienados, “apolíticos”, neuróticos. Isso não quer dizer que não existam indivíduos sãos, mas estes precisam romper com uma lógica moral e política já imposta; o que é muito difícil. É bastante complicado ser diferente no capitalismo, que busca sempre a permanente padronização de uma maioria. Sem estas condições, dificilmente conseguiria impor o consumo do supérfluo.
O socialismo sofreu alguns revezes na luta contra o capitalismo durante o século 20. O principal entrave foi o surgimento do stalinismo, que estancou o processo social que se desenvolvia na Rússia nos primeiros anos da revolução (1917-1925). Alguns exemplos deste desenvolvimento social se deram no campo político (surgimento dos sovietes e de novas formas de administração social – o comissariado do povo e os congressos de sovietes); outros no campo científico (emergiram grandes pensadores como Vygotsky, Makarenko, Bakhtin; a Rússia eletrificou-se, industrializou-se e alfabetizou-se); outros no campo social (igualdade entre os sexos, direito ao voto para as mulheres, ao divórcio, ao aborto, ao exercício de cargos políticos, dentre outros; a família patriarcal foi abalada); e, também, no campo artístico (Maiakovski, Gorki, Eisenstein, sem falar na migração de vários artistas europeus para a Rússia).
A vitória do stalinismo no final da década de 1920 levou a um terrível retrocesso em todos estes campos (a extinção total em alguns casos) e esmagou as poucas liberdades civis. Em “nome do socialismo” o stalinismo extinguiu a possibilidade de triunfo do socialismo. Desfigurou o partido comunista, os sovietes, a moral socialista. Enlameou o nome do socialismo perante os olhos dos trabalhadores do mundo. Facilitou a vida e a propaganda da burguesia. Os crimes do stalinismo aplainaram o caminho para que um texto medíocre como este pudesse ter tanta audiência. A noção de que o socialismo é enfiado goela abaixo de cima para baixo por um indivíduo ou um partido, sem valorizar o esforço individual, a democracia e o humanismo, foi fruto desta ascensão da camarilha de Stalin ao poder.
A valorização do esforço individual – inclusive para receber salários maiores ou qualquer outro tipo de benefício – deverá ter outros critérios numa sociedade socialista, elaborados de forma muito mais racional e justa. Necessariamente prescindirá da demissão como terrorismo psicológico de controle. Precisará ter como alicerce uma nova educação pública e uma utilização racional e democrática da grande mídia.

IV – A construção do socialismo não segue nenhuma receita
A construção do socialismo não segue nenhuma receita, mas uma via social determinada historicamente. O texto criticado tenta demonstrar que para se “construir” o socialismo basta igualar todo mundo e distribuir acriticamente a riqueza. Isso não é socialismo! Pode ser comparado, muito limitadamente, ao que os socialistas revolucionários chamam de assistencialismo (o governo do PT e do PSDB, bem como o dos países semi-coloniais, são campeões em diversos tipos de assistencialismo).
O socialismo surgiu como pensamento sociológico a partir de experiências reais: a revolução social européia de 1848, a Comuna de Paris de 1871, a organização da social-democracia alemã no final do século 19 e início do 20, a Revolução Russa de 1917, a Revolução Chinesa de 1949 e a Cubana de 1959. Estes processos foram o reflexo, ao mesmo tempo, de um descontentamento e de uma nova forma de organização social. Não foram os seguidores de Blanqui, Proudhon ou de Marx que definiram, de cima para baixo, a nova organização social que surgiu a partir da tomada do poder pelos operários em Paris. Da mesma forma, não foi Lenin que inventou e decretou os sovietes na Rússia; isto é, os órgãos sociais que surgiram e tornaram possível a revolução de outubro de 1917. O mesmo poderia ser analisado nos outros exemplos.
Muitas medidas impostas por ditadores, como Stálin e Mao Tse Tung, dão a impressão de que o socialismo seria fruto de uma vontade imposta de cima para baixo, tal como uma possível receita de bolo; mas isto é algo totalmente sem fundamento para qualquer pessoa que folhear um único livro sério sobre socialismo. Estas distorções grosseiras da ideia de socialismo refletem mais a degeneração política dos processos sociais em curso (no caso o surgimento do stalinismo durante o século 20) do que qualquer outra coisa. O texto em questão, portanto, dialoga mais com esta ideia errônea e preconceituosa do que com a real noção do que é e representa o socialismo – sobretudo o de cunho marxista e trotskista.
Para ser honesto nesta comparação, o texto teria que ser sincero na noção do que é socialismo: os alunos deveriam debater os critérios da avaliação, e não ver passivamente o professor decretar que todos teriam a mesma nota. No socialismo não deverá haver salários iguais para trabalhos e especialidades diferentes. A única e verdadeira igualdade que o socialismo “decreta” é sobre os meios de produção de riqueza social: fábricas, terras, empresas, bancos, transportes e comunicação social. Se estes meios de produção produzem riqueza social, então precisam ser coletivos também, isto é, sociais. Nada tem a ver, portanto, o fato de que no socialismo todos deveriam receber o mesmo salário ou, conforme o texto, a mesma “nota”. Um professor precisa avaliar distintamente os alunos, pois possuem ritmos de aprendizagem diferentes; assim como os operários possuem necessidades profissionais e familiares diferentes também. O texto, para ser honesto, deveria frisar a importância da elaboração coletiva de critérios para avaliação e para receber as notas, e não simplesmente afirmar que o socialismo iguala tudo e favorece os “que não querem trabalhar”. Isto é uma distorção grotesca!

V - Conclusões
Desfeita a confusão intencional, resta a conclusão: se pode concordar que “é impossível multiplicar a riqueza dividindo-a”; mas isso não é socialismo! O socialismo trata, como foi dito, da divisão dos meios de produção; isto é, de tudo aquilo que tem capacidade de produzir riqueza social. Coloca os meios de produção sob controle coletivo, social, dos trabalhadores. Uma vez que esta base sociológica seja compreendida, praticada, consolidada e ensinada aos quatro cantos, não apenas a riqueza será dividida, como será multiplicada; cada uma sendo a condição da outra. Este será o ponto de mutação do início do fim da pré-história humana e o requisito necessário para a real evolução da sociedade.
A regulagem científica e racional da existência humana é o objetivo mais alto de uma sociedade socialista. É preciso se utilizar da socialização da riqueza e do conhecimento para extirpar o irracionalismo das massas e ajudá-la na sua evolução emocional; isto é, na superação da dependência e espera de um “messias” que tudo fará por ela.

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