Acompanhamos hoje o ódio generalizado contra os
políticos e os partidos. Apesar disso, os partidos e os políticos da direita
(alguns de cunho fascista) se vendem como o “novo”, capitalizam este desgaste e
elegem os seus. Parte dos setores progressistas da sociedade – em particular os
militantes da esquerda e os seus simpatizantes – acompanha isso com aflição e
desespero. Entram em
pânico. Afirmam que “a massa merece sofrer”, “que todo o povo
tem o governo que corresponde à sua ignorância”, “que o povo é incapaz de se
alçar à liberdade” e “prefere a ditadura”; lamentam-se, batem cabeça e jogam as
mãos para os céus. Não procuram tirar as lições de tudo isso. Propõem atalhos
irreais, que abrem o caminho para se cometer os velhos erros do reformismo; ou
caem numa estéril indignação contra a “burrice” das massas. Não compreendem o
papel do oportunismo reformista, da burocracia sindical e do irracionalismo das
massas, cultivado pela grande mídia, pelas igrejas, pelo próprio reformismo e
por todo o aparato ideológico do Estado e da família patriarcal.
Isso
não significa desconhecer as limitações políticas e o seu medo da liberdade,
fruto deste irracionalismo presente nas massas trabalhadoras. Contudo, estas
limitações e este irracionalismo levam os ativistas e simpatizantes da esquerda
à uma indignação estéril e, a partir daí, à paralisia política ou ao seguidismo
oportunista. O que devemos perguntar é: podemos superar o irracionalismo das
massas? Constatar o problema já é trabalhar no sentido de superá-lo.
A
desvantagem histórica
1.
A burguesia possui
inúmeros mecanismos de dominação: desde o aparelho ideológico do Estado, as
universidades, a escola, a grande mídia, as igrejas; até a ameaça do
desemprego, a repressão policial e militar. Além de todo este aparato
repressivo para manter a ordem social, também existem fatores individuais que
contribuem para a alienação e apatia dos oprimidos. Estes fatores são
amplamente explorados pelos grandes meios de comunicação e pelas igrejas. Tais
sentimentos constituem uma enorme vantagem que a classe dominante detém sobre
os trabalhadores, levando-os a se fecharem em si mesmos e estagnarem na chamada
“zona de conforto”.
2.
Nos
momentos históricos em que se criam as condições para se desencadear uma
revolução, esta zona de conforto é abalada. Contudo, como nos demonstram as
experiências da Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Russa de 1917, após a
estabilização da crise revolucionária, as traições políticas e o cansaço voltam
a jogar os trabalhadores nesta zona. Ela é uma realidade biológica
intrínseca a todos os seres vivos, que agora precisa ser melhor estudada e compreendida.
Para além das traições políticas e do cansaço, existem razões vinculadas à
estrutura humana (moral, caráter, neuroses, medos, etc.) que explicam também os
retrocessos de uma revolução. Essas causas precisam ser debatidas se queremos
evitar que os mesmos erros aconteçam novamente.
3.
A
primeira questão a se entender, portanto, é que a vanguarda dos trabalhadores
está em total desvantagem em relação
à burguesia. Não apenas em razão dos referidos mecanismos de dominação muito
bem construídos historicamente, mas pela chamada “tradição”, pelos hábitos,
pela repressão sexual, pelo sentimento de culpa – estas duas últimas ligadas à
dominação religiosa. A inércia social resultante beneficia a classe dominante.
4.
O
irracionalismo das massas alimenta inúmeros preconceitos que são explorados
pela classe dominante – sobretudo pela grande mídia.
5.
Estes
preconceitos conseguem anular a visão das questões essenciais e são desviadas
para as picuinhas mais banais, sempre mais atrativas do que debates mais
complexos.
Por exemplo: toda a
política defendida por um revolucionário ao longo de sua vida é eclipsada e,
por fim, totalmente abafada, por algum tipo de “escândalo” que possa ter se
envolvido em sua vida pessoal (muitas vezes este “escândalo” nada mais é do que
uma criação artificial de setores da classe dominante, que visam explorá-lo
para desviar a atenção do foco principal). As questões centrais passam, assim,
a ser escondidas e os de menor importância vêm à tona.
Podemos destacar, como
exemplo, aquele irracionalismo reacionário (quando não se trata de uma opção
consciente) que condena o regime do terror sob Robespierre durante a Revolução
Francesa de 1789, mas aprova o terror burguês de Thiers contra a Comuna de
Paris em 1871, que exilou, perseguiu e executou três vezes mais pessoas.
Da mesma forma, se pode
apontar o irracionalismo pequeno burguês em voga que condena os escândalos de
corrupção nos governos do PT, mas os aprova quando se trata de governos do
PSDB-Dem e PMDB. Reprovam as “ditaduras comunistas”, mas apóiam as ditaduras
capitalistas. E a lista não para aqui...
6.
É
nestes preconceitos irracionais que a grande mídia se apóia quando desvia a
atenção das reivindicações de atos massivos de rua para pichações ou supostos
atos de vandalismo. A cúpula dos setores midiáticos sabe explorar estes
mecanismos irracionais na mente das grandes massas.
7.
O
irracionalismo também bebe na fonte do medo, do ódio, do desespero, do
desamparo, do egoísmo, da angústia... Quando ele não é tratado, estes
sentimentos se misturam e transformam-se em monstros destruidores.
8.
Explorar estas
picuinhas, distorcer e mentir, não é contraditório com o papel desempenhado
pela classe dominante. Ela nem sequer se coloca estas questões de “ética” e
“moral”, pois faz tudo nos bastidores. Para os militantes socialistas e de
esquerda, este tipo de conduta não é permitido. Aí está, por exemplo, uma
grande desvantagem, ao qual a autêntica esquerda não pode abrir mão sob pena de
se degenerar completamente.
A
sociedade capitalista necessita do irracionalismo
1.
Na
sociedade capitalista as mercadorias mandam nos seres humanos.
2.
A
sociedade capitalista mantém o seu funcionamento com base no consumismo
desenfreado, na obsolescência programada de mercadorias e na imposição do
supérfluo.
3.
A
publicidade virou um perigoso meio de indução capaz de lhe incentivar a comprar
o que você não necessita.
4.
Sem o
irracionalismo das massas, seria impossível manter o consumismo que impõe o
supérfluo, afirmando a posterior satisfação garantida; além de preparar piores
e maiores catástrofes ambientais anunciadas.
5.
Como o
consumismo faz parte da engrenagem básica da sociedade capitalista, ele precisa
cultivar cuidadosamente o irracionalismo das massas, para que este garanta que
o primeiro siga funcionando.
6.
O
irracionalismo das massas, portanto, não é um fenômeno desprovido de finalidade
e significação.
As
explicações psicanalíticas:
somos animais
racionais e irracionais simultaneamente
1.
A psicanálise de Freud
nos demonstrou que os seres humanos não são apenas seres racionais, tal como
nos afirmaram ao longo dos séculos os filósofos, mas, também, seres irracionais.
Sabemos hoje que na nossa mente, bem como em toda a realidade, existem elementos
e fenômenos conflitantes que tem efeitos devastadores e paralisadores.
2.
Os
seres humanos são, portanto, animais racionais e irracionais. É possível que
tenhamos alguma vantagem sobre os demais animais por conhecermos esta
contradição e, obviamente, por conseguirmos desenvolver o lado racional. Nem
sempre os seres humanos escolhem o que é racional. Adoram o prazer, mas também
cultuam (geralmente) de forma inconsciente a dor. Exaltam o amor, mas também o
ódio. Buscam a liberdade, mas se tornam reféns da culpa e da opressão (inclusive
conscientemente). As paixões se misturam e resultam em atos incompreensíveis a
um primeiro olhar.
3.
Assim
como os seres humanos, a sociedade também é contraditória, pois reúne em si
diversas forças, tendências, interesses, paixões, facetas auto excludentes,
como expressão da sua evolução tortuosa. Estas contradições, como sugerem
muitos intelectuais burgueses, não possuem caráter absoluto. Podem ser
compreendidas e minimizadas. Mas todo e qualquer trabalho político necessita
levá-las em consideração sob pena de cair no doutrinarismo e na abstração. Aqueles
que esperam encontrar explicações lógicas, cartesianas, em linha reta, dos
fenômenos sociais e psicológicos, cairão em insolucionáveis contradições. O
trabalho político revolucionário não fluirá e poderá resultar em deformações e,
por fim, naufragar no desânimo.
4.
Wilhelm
Reich aplicou sabiamente a psicanálise de Freud à sociedade, colocando-a na
árdua tarefa de compreensão da massa humana. Foi mais ousado do que Freud, que
pagou um preço para a moral e a sociedade burguesa. Reich disse que não podemos
dissociar a repressão sexual individual dos fenômenos de massa, pois é daí que
surgem inúmeras contradições políticas. Que a repressão sexual se estende do
individual para as grandes massas; da mesma forma que o complexo de culpa. Daí
advém muitas atitudes irracionais – dentre as quais está o apoio à ascensão do
fascismo, cuja simples explicação tradicional, que se restringe apenas ao campo
da política, será sempre unilateral e não conseguirá captar todo o fenômeno.
É dele
aquela questão bastante pertinente: “O
que é necessário explicar não é que o faminto roube ou que o explorado entre em
greve, mas por que a maioria dos famintos não rouba e a maioria dos explorados
não entra em greve”.
Evidentemente
que Reich não resolveu toda esta problemática, apesar de ter levantado
apontamentos importantes. Existe uma superestimação no seu raciocínio das
“teorias sexuais”, ainda que seja da maior necessidade estudá-la e
compreendê-la. A maior contribuição reichiana foi, sem dúvida, demonstrar que
não podemos excluir a sexualidade da análise sociológica, como se faz até hoje.
A análise marxista não pode prescindir da análise psicanalítica. Devemos tentar
colocar as atitudes irracionais da massa no divã. A psicanálise, desde que
usada para desvendar o inconsciente coletivo, para lutar contra o misticismo e
o sentimento de auto destruição do indivíduo, pode ser uma poderosa arma capaz
de revolucionar a sociedade.
5.
Por
tudo isso, aquelas análises tão comuns entre os militantes e simpatizantes da
esquerda, de que os trabalhadores “preferem a apatia” ou a “opressão”, é mais
complexa do que suas declarações levianas. Denota a sua impaciência para um
trabalho de base prolongado. Os próprios militantes e simpatizantes da esquerda
devem ter suas declarações e suas práticas analisadas. Por que reclamam tanto?
O que está por trás de suas frustrações políticas com o “povo”? Quais forças
operam nesta impaciência que leva à dura condenação do “povo”?
Logo após, devemos fazer
um questionamento sério das razões da referida apatia do povo, da sua opção por
este ou aquele candidato e partido burguês; desta ou daquela desculpa para não
entrar em greve ou se abster da luta política em defesa dos seus direitos. A
análise deve sempre partir da sua vanguarda, dos seus elementos mais
conscientes e, a partir daí, se estender para todo o “povo”. É importante sempre
ter em mente que os trabalhadores estão “naturalmente” sob controle ideológico
da burguesia; portanto, não tem consciência de classe e, consequentemente, nem
consciência de sua responsabilidade social. A questão é: o que impede que os
trabalhadores desenvolvam consciência de classe? Que tipo de entraves se criam,
levando alguns trabalhadores que chegam aos primeiros estágios desta
consciência, renunciarem à ela?
A zona de
conforto e a preguiça
1.
Para
grande parte dos militantes e simpatizantes da esquerda basta jogar todas as
contradições das massas para a “zona de conforto” e está tudo explicado. Porém,
não há nenhum esforço em tentar identificar e compreender as diversas faces
desta “zona”. O que a move? O que está por trás da sua capacidade de sedução?
2.
O que
fazer com os milênios de repressão sobre a massa humana, que se traduz ainda
hoje nas relações sociais, na educação, na ordem social? Mesmo estando
historicamente na “era das crises e revoluções”, seríamos capazes de
livrarmo-nos desta opressão milenar de forma definitiva e irreversível sem
fazermos uma intervenção cirúrgica em todos os mecanismos sociais que ainda
persistem, sem falar na sua atuação inconsciente sobre nós? Poderíamos vencê-la
sem derrubarmos as instituições que a mantém operante e sem travarmos uma
dolorosa e longa luta cultural contra os seus efeitos? Não seria um erro supor
que aqueles seres humanos que foram mutilados por milhares de anos de poder
patriarcal e explorador estariam preparados por um lampejo para combater a direita
e seriam imediatamente capazes de governar a si próprios?
3.
O
resultado desta dominação milenar foi a introjeção inconsciente do medo e da
insegurança de se emancipar. Pensar por si próprio dói. Se posicionar
politicamente dói. É mais fácil e confortável ser dominado, ainda que isso
custe a nossa saúde, a nossa alegria de viver. Podemos afirmar que grande parte
da massa não tem clareza sobre estes processos, que se desenvolvem e se firmam
de forma inconsciente sobre a nossa conduta. Milênios de submissão, de
terrorismo psicológico religioso, terminaram por criar gerações de seres
temerários e medrosos. A burguesia aprendeu muito bem a jogar com este
sentimento nefasto.
4.
A experiência política da
Revolução Russa, que foi a mais progressiva do século 20, terminou por
degenerar, levando à restauração do capitalismo. A degeneração stalinista da
URSS criou seres humanos adaptados e submissos também no campo da “esquerda”. Fez
surgir na URSS uma outra “zona de conforto”, baseada na repressão, no medo e na
chantagem.
5.
O cansaço e o desgaste
da luta política e social – fruto de vários fatores, destacando-se, sobretudo,
as traições políticas – leva à zona de conforto, à ressaca, ao repouso. Este
cansaço e adaptação à ela tende a levar o indivíduo ao cinismo e a hipocrisia
nas relações sociais e, também, à lei do menor esforço, à rotina no trabalho e
na vida.
6.
A zona de conforto é um
lugar multifacetado. Há uma linha muito tênue entre se vender consciente e
inconscientemente para esta zona. Inúmeros motivos levam os trabalhadores à ela.
Desde o hedonismo e o pragmatismo, amplamente disseminados pela filosofia do
imperialismo através de diversos meios, e que serve de base para o senso comum
da sociedade atual (em outras palavras: a adaptação oportunista ao prazer fácil
e falso proporcionado por ela); até a necessidade biológica que todos os seres
possuem de ter um momento de repouso, de processamento de dados e “digestão”.
As contradições da evolução exigem momentos de repousos em todos os campos da
natureza. No entanto, quando tratamos de seres humanos, é claro que a adaptação
patológica à zona de conforto, consciente ou inconscientemente, representa uma
degeneração e um oportunismo latente.
A política da classe
dominante e do imperialismo leva em consideração o “princípio do prazer”.
Dialoga com ele permanentemente, o seduz e o suborna por diversos meios e
táticas.
7.
Sair
da zona de conforto é motivo de medo por parte da maioria das pessoas. Isso se
dá desta forma justamente pela pseudo-estabilidade que proporciona. Na verdade,
como toda a sociedade e a realidade estão em constante movimentação, esta zona
de conforto não é garantia de nada. O apego às “coisas boas” e à “estabilidade”
é uma ilusão que cobra um preço muito alto.
O medo
1.
No seu
íntimo, o ser humano cultiva, consciente ou inconscientemente, inúmeros medos:
da morte, do desamparo, da repressão, do isolamento social. Estes medos são
potencializados numa massa desorganizada, inconsciente de sua força e refém dos
diversos tipos de irracionalismo a que está submetida.
2.
Dentre
os medos humanos o que mais causa pavor é o medo da morte. Este medo está
incubado em todos os outros medos. Em seu nome os seres humanos são
chantageados. Para tentar minimizá-lo, se criaram as religiões e outras formas
de misticismo. A repressão policial, política e empresarial podem ter como
conseqüência a morte. A massa refém do irracionalismo não consegue compreender
que a sua união consciente pode representar uma forma de resistência aos
impactos da inevitabilidade da morte, desde que as bases da sociedade sejam
modificadas.
3.
O
egoísmo individual – base da sociedade capitalista – leva os seres humanos das
classes baixas a irem definhando dia a dia, hora a hora. Os interesses
conflitantes, contraditórios, a violência urbana, são realidades capazes de
matá-los, mas o medo irracional da união da classe visando a transformação
social acaba se impondo e abafando o outro. A mentalidade pragmática do “aqui e
agora” impede de se visualizar que a melhor forma de resistência aos impactos
da morte é a mudança social (a começar por uma nova educação que ensine que a
morte é parte natural da vida). O socialismo, por exemplo, que pode representar
esta nova sociedade e esta nova educação social, é visto por eles como “utopia”,
em parte por ignorância, em parte por medo.
4.
A zona
de conforto leva à rotina. A rotina – na cabeça do indivíduo médio da massa – é
uma suposta garantia de paz e tranqüilidade. Uma revolução social traz,
consciente ou inconscientemente, o medo da mudança, do novo, do fim da rotina.
5.
Ser
“socialista” é, inevitavelmente, se envolver com política. Não a política
burguesa, mas a autêntica política que intervém sobre as relações humanas no
sentido que deveria ser; isto é, no sentido de tornar os trabalhadores capazes
de administrar a sociedade. O ser humano médio da massa tem medo de se envolver
em política porque sabe, consciente ou inconscientemente, o que significa se
envolver com política (a repressão, o isolamento ou mesmo a morte).
Cabe perguntar: o que é
mais cômodo para a mente adaptada à zona de conforto? Acreditar que podemos
mudar a vida e a sociedade para melhor através do voto nas eleições burguesas
ou por intermédio de uma revolução?
Sendo
assim, é mais cômodo ficar na zona de conforto e cultivar uma “ingenuidade
política conveniente” (é preciso dizer, contudo, que muitos procedem desta
forma inconscientemente). Desenvolve-se nele um medo do envolvimento político e
das responsabilidades sociais. Seguir um líder político (um candidato, um
político, um líder totalitário ou líder sindical), por exemplo, o exime de
pensar e ainda lhe proporciona um alívio imediato para a sua tensão interior.
São os ecos da ingenuidade da infância: é mais fácil e seguro seguir o pai, a
mãe ou algum protetor que tudo fará por nós (desta mesma base psicológica advém
a noção religiosa de messias).
Misticismo
e religiosidade
1.
O medo
da morte e as incompreensões sobre os fenômenos da natureza levaram à
humanidade a desenvolver o misticismo e a religião.
2.
Ainda
que existam religiões mais brandas e que tratem de forma positiva as questões
sexuais – sobretudo as religiões que surgiram na época histórica de domínio
matriarcal –, as maiores religiões da atualidade trabalham no sentido da total
repressão sexual. Em razão da transição da sociedade matriarcal para a
patriarcal – que coincide com a mudança da sociedade sem classes para a
sociedade escravista –, podemos constatar que a repressão sexual faz parte
integrante da divisão da sociedade em classes.
3.
A religião
representa um substituto imaginário para a satisfação real sob diferentes
formas e pretextos. Ela subordina toda a vida humana a algo sobrenatural, anti
natural e à autoridade eterna. Sendo assim, a prática religiosa – dentre outras
coisas – sublima uma satisfação verdadeira, geralmente de cunho biológico.
Estas satisfações são vistas como “inimigas” e são introjetadas como
“sentimento de culpa” e de ansiedade sexual. Esta transforma-se em um anseio
vegetativo insaciável, que não encontra satisfação natural.
Grande parte desta busca
por uma “satisfação não realizada” se descarrega através do sadismo e de
supostas “experiências místicas”. A atmosfera do ser humano autoritário – que
serve de base para os regimes de direita – está inteiramente impregnada destes
sentimentos. Assim, a atitude diante da política e da sexualidade se divide
segundo a lógica cartesiana, tipicamente moralista: “bom” e “mau”, “céu” e
“inferno”, “divino” e “demoníaco”, “satisfação sexual” e “punição”. A base da
incapacidade humana para a liberdade, a sua busca por uma “punição”, seja em
forma de submissão voluntária à uma ditadura, a um regime de exceção, ao voto
em um governo que o auto destrua e o escravize, seja sob forma de auto
flagelação, é, dentre outras coisas, o complexo de culpa resultante desta
repressão sexual. É este complexo que precisa ser trabalhado.
Não casualmente, todo
estado autoritário (seja ele expresso por qualquer regime) visa a repressão
sexual e moralista das massas, o embaraço de suas realizações biológicas.
Quando o permite, o faz de forma parcial, caindo no extremo oposto, isto é,
numa simples descarga das pulsões instintuais mais básicas, feita de forma
irracional, irrefletida e animalesca. Combater a repressão religiosa e
autoritária sobre a satisfação sexual em nada tem a ver com legalizar a
“anarquia sexual”, mas, sim, combater o irracionalismo característico desta
repressão, bem como os preconceitos que daí advém.
4.
Podemos
afirmar que a religião trabalha no sentido de “amadurecer” os sentimentos e
medos não resolvidos da infância na “nova mentalidade” da vida adulta. O
desamparo, o medo, o sentimentalismo, o narcisismo, dentre outros, que encontra
guarida e respaldo nos pais (ou nos seus substitutos), agora encontram respaldo
no “pai, no filho, no espírito santo”,
no panteão de santos e divindades, bem como em toda a mitologia judaica,
cristã, islâmica, etc.; isto é, a criança crescida agora encontra guarida no
“papai e na mamãe do céu”, que governam a temerária realidade, com todos os seus
perigos em potencial.
5.
A
religião e todas as suas formas de doutrinação (cultos, sermões, catequização,
intimidações místicas, escolas e universidades particulares) trabalham com uma
educação para aceitar ilusões. Esta educação para o misticismo, incentivada sobretudo
pelas religiões em suas diversas facetas (escolas e universidades particulares,
jornais, televisões, etc.), torna-se a base do fascismo e da aceitação da
sociedade de classes sempre que um abalo social coloca as massas em movimento.
Desculpas
políticas
1.
As
ilusões cultivadas por vários meios não tem outra finalidade do que mistificar
a realidade e as tarefas políticas para a emancipação dos trabalhadores. Vários
são os elementos da psique humana que embaçam a visão e o juízo.
2.
Dentre
as desculpas que são utilizadas pelos militantes e simpatizantes da esquerda
para não fazer nada ou se tornarem reféns do niilismo, está a eterna chorumela
em torno da divisão entre esquerda e direita. Para eles, a direita é sempre
unida, enquanto que a esquerda está sempre dividida. Isso seria um sinal de
fraqueza, ao mesmo tempo que denotaria uma solução simplificada: bastaria a
esquerda deixar de lado suas diferenças e “se unir”. Mas a que preço? Em torno
de qual programa? Quais diferenças é possível deixar de lado e quais não são?
Estas
perguntas não são respondidas, mostrando que a simplificação e banalização do
problema não ajudam a resolvê-lo. O que está por trás desse raciocínio é uma
desculpa política para não se fazer nada; uma espécie de solução milagrosa que
viria resolver o problema para estes indivíduos sem que eles precisem sujar as
mãos (quando se trata, evidentemente, de militantes e simpatizantes da esquerda
honestos, pois existem muitos oportunistas que se utilizam deste discurso para
defender implicitamente a sua plataforma política).
3.
Ao
mesmo tempo que esses militantes e simpatizantes da esquerda lamentam a divisão
da esquerda, cultivam práticas irracionais em relação a estratégia e a tática.
Votam na “esquerda” aliada com a direita (tal como o PT, PCdoB e outros), não
cultivam princípios, não tem preocupação com a explicação e a compreensão da
realidade. Esta conduta política irracional serve para o enfraquecimento da
própria esquerda, mas este pequeno “detalhe” nunca é percebido por eles. Para
isso sempre há uma boa desculpa.
4.
Grande
parte destes militantes e simpatizantes da “esquerda” apóiam direções sindicais
burocratizadas e conciliadoras ou se abstém da intervenção nos sindicatos e na
política. Geralmente a “crítica” da massa refém do senso comum aos sindicatos e
à política é feita de fora, como se fosse algo estranho a si própria. Reclamam
da politicagem burguesa e reformista, da corrupção e das “disputas
fratricidas”, mas não as entende e nem quer entendê-las. Foge das dificuldades.
Em um
debate sindical ou político sempre pergunta: “o que o sindicato ou o partido
tal pode ‘fazer por mim’ ou [na melhor das hipóteses] ‘por nós’”. Não se vê (ou
não quer se ver) como parte do processo político. Transferem o sentimento
infantil mal resolvido (da busca pelo pai ou pela mãe protetora, que garantirá
o seu princípio do prazer) para o campo sindical e político. Não quer crescer,
enfrentar as contradições e a realidade, mas quer que alguém o faça por eles e
em nome deles. Se veem coisas erradas não trabalham para intervir nos erros,
para superá-los, mas se afastam do problema tal como o avestruz, enfiando a
cabeça na terra; isto é, viram as costas para o sindicato e para a política.
Estufam o peito para dizer: “não me meto em política”; ou dá a desculpa: “no
sindicato é só politicagem”. Colocam a política e o sindicato de lado,
esperando que tudo se resolva por um milagre.
Esta
conduta é um presente para os políticos burgueses e para os burocratas
sindicais.
5.
A
impaciência pequeno-burguesa e as frustrações frente às dificuldades são um
reflexo dos sentimentos infantis mal resolvidos; da recusa em olhar a realidade
de frente e ter que renunciar ao princípio do prazer. O medo do desamparo e de
tudo o que se relaciona a ele facilita a adaptação à zona de conforto, à
preguiça, e faz as desculpas da intelectualidade burguesa de que a revolução
socialista é uma utopia cair como uma luva. Tudo se resolve a partir destas
justificativas pseudo-racionais.
6.
Em
razão da baixa politização, da alienação religiosa e midiática, a grande massa
não consegue vislumbrar que o socialismo não apenas não é uma “utopia”, como é
uma necessidade histórica premente. Muito menos consegue compreender as
“experiências socialistas”, que na verdade foram fruto do que chamamos de
regimes stalinistas. Aceita qualquer engodo político como viável no lugar do
socialismo; inclusive o falso discurso de “humanizar o capitalismo” como forma
de evitar a luta pelo socialismo. Neste intento, conta com o apoio e a
passividade dos partidos e organizações de esquerda, que além de não enfrentar
o debate, o reforçam através de diversos meios.
7.
Utopia
é querer humanizar o capitalismo (seria algo como querer um “nazismo-pacifista”
– ou seja, uma “utopia reacionária”). É vender aos trabalhadores a ilusão de
que podemos regular os mercados para evitar a especulação financeira
(especulação esta que foi desmascarada parcialmente no filme “o Lobo de Wall Street”) e que podemos
ir conquistando melhorias graduais para a classe trabalhadora através de
programas sociais (Bolsa Família, PRONATEC, ProUni, etc.) sem mexer na
propriedade privada dos meios de produção e deixando reinar a luta de todos
contra todos pela sobrevivência imediata, as guerras imperialistas de rapina, a
mentira institucionalizada por parte da grande mídia, a miséria crescente.
8.
A humanidade
nunca se propõe a uma tarefa que não possa realizar. O que aconteceria se ela,
baseando-se nos fracassos de Ícaro na antiguidade e de Leonardo DaVinci no
Renascimento, tivesse acreditado que era impossível voar? Seus experimentos,
bastante rudimentares comparados aos aviões modernos, e, principalmente, seus
“sonhos realistas”, foram passos importantes para a plena realização da
construção de aeronaves. A sociedade soviética foi apenas uma primeira
experiência na tentativa de criação da sociedade socialista. O que a burguesia,
seus intelectuais e a sua mídia querem que acreditemos é justamente que o
“socialismo é impossível”; isto é, que “jamais poderemos voar”.
Os intelectuais socialistas
precisam ter paciência revolucionária para explicar às novas gerações todos
estes problemas e preparar os futuros revolucionários dentro desta têmpera e
desta perspectiva.
Esperanças
burguesas
1.
A
grande dificuldade de mudar a sociedade é que a massa não é um corpo homogêneo,
mas composto por muitas classes e grupos sociais. Estas classes e grupos não
convivem em harmonia.
Seus interesses são conflituosos, sendo que, muitas vezes, há
diferenças dentro de cada classe e de cada grupo social. Cada ser humano ou
família segue os seus próprios interesses pessoais que, na maioria dos casos,
está em confronto com os interesses sociais.
Dentro
destas classes e grupos podemos destacar a burguesia, as classes médias (alta e
baixa), o proletariado (a massa de trabalhadores das diferentes categorias,
diferenciando-se os especializados dos manuais) e o lumpemproletariado (a imensa massa de indigentes e daqueles que
estão à margem da sociedade). O caos de posições políticas, ideológicas e de
interesses é o resultado deste mar de contradições. É possível definir qual é o
conceito de “liberdade” mais válido dentre o pensamento dos intelectuais de
cada uma destas classes sociais?
2.
Uma pequena
parte desta “massa” vota e defende posições políticas com consciência (ou, pelo
menos, instinto) de classe. São os estratos da burguesia e da classe média
alta. Estes pouco se importam com as conseqüências de um governo do PSDB, PMDB,
PP ou de qualquer outro partido de direita (ou mesmo de uma ditadura
civil-militar). O governo destes partidos e grupos políticos representa, de uma
forma ou outra, a garantia do atendimento aos seus interesses políticos e
econômicos. São forças sociais contrárias às mudanças, porque ganham com
qualquer projeto político de manutenção do capitalismo (ainda que, ao contrário
do que indica o pensamento simplista, haja muitas divergências entre si).
Na maioria dos casos não
há possibilidade de um debate racional, pois os membros destas classes são
hipócritas e mal intencionados. Seu real compromisso não é com a compreensão da
realidade social, mas com a manutenção dos seus privilégios. Distorcem, omitem
e descontextualizam fatos e programas políticos. Apelam para o sentimentalismo
ou para a provocação barata com a mesma facilidade com que são desmascarados e
colocados na parede por questionamentos incômodos.
Como controlam e
financiam muitos intelectuais e, principalmente, os grandes meios de
comunicação, suas posições políticas e sua moral se espraiam para as outras
classes sociais. Em razão da estrutura da psique humana, é aceita
acriticamente, servindo para alimentar ódios, preconceitos e ilusões
irracionais nas camadas sociais mais baixas. No seu vácuo intelectual – fruto
de suas condições culturais e, sobretudo, da sua criação familiar – as posições
reacionárias das classes dominantes são recebidas embaixo com certo louvor.
3.
As
camadas debaixo (classe média baixa, proletária e lumpemproletariado) são reféns de outra dinâmica. Possuem uma
mentalidade que não corresponde às suas condições sociais. Isto já foi
analisado por vários autores, em especial por Marx e Engels. São criadas desde
pequeno, em meio a fome e a miséria, aceitando a ideia de que precisam “estudar
para ser alguém na vida”. Mas o que é ser alguém na vida? Por acaso é ser um
empresário “bem sucedido”, capaz de viver explorando a força de trabalho de
outrem? Sim. Trata-se exatamente de querer tornar-se burguês. Mas ninguém lhes
diz que isso é impossível. A condição para que o capital e a propriedade
privada dos meios de produção existam é justamente que não existam para a
esmagadora maioria da população. Para um burguês surgir, milhares de
proletários necessitam continuar sendo o que são. As esperanças burguesas de
uma vida individual melhor – que é alimentada por diversos meios desde a mais
tenra infância – é responsável, dentre outros fatores, por esta confusão
política e ideológica; por esta mentalidade que não corresponde às condições de
existência. A frustração subsequente é a conseqüência inevitável.
Este
talvez seja um dos mecanismos mais perversos de dominação do sistema.
4.
A
atividade econômica central do capitalismo é totalmente voltada para o lucro,
que não é submetido a controle de espécie alguma. Sendo assim, desde pequeno,
as crianças – independentemente da classe social – são educadas numa concepção
de incentivo à cobiça, à obtenção de vantagens (ainda que isso nem sempre seja
dito e percebido abertamente). Que espécie de seres humanos poderemos criar
deste modo?
Do
ponto de vista pedagógico e político ignora-se completamente os efeitos sobre a
formação do caráter de uma educação voltada para a exaltação moral de uns e
pela humilhação de outros.
5.
O
projeto político da burguesia é manter o Brasil subordinado ao imperialismo,
fornecendo-lhe commodities
(matérias-primas) e cultivando o país na periferia do mercado mundial. A classe
média não tem projeto político para o país. Em razão de se subordinar ao
projeto da burguesia, entra em parafusos, ergue as mãos para o céu, reclama de
tudo, atribui tudo a um suposto “espírito terceiromundista”
do povo brasileiro (que é somente seu). Seu projeto, na verdade, é seguir
acriticamente a burguesia, tentando conquistar o seu lugar ao sol. Quando este
não vem, prepara os seus filhos nas melhores universidades do país para
enviá-los para trabalhar e viver no exterior. É assim que “resolve” os
problemas do seu próprio país.
6.
A
classe média baixa sustenta seu reacionarismo na estrutura rígida da família
patriarcal. É refém de uma brutal repressão sexual, de uma moral neurótica e repressora,
que tem uma válvula de escape no ódio, no sadismo, na submissão a um regime
ditatorial que é capaz de lhe “punir” pelos seus complexos de culpa
inconscientes. Muito remotamente esta classe média flerta com o proletariado.
Por este condicionamento social e “psicológico”, acaba sendo presa fácil das
classes superiores.
A
hipocrisia faz parte da sua formação moral, sendo, portanto, difícil disputá-la
politicamente. A distorção para não enxergar a realidade por parte de muitos
setores desta classe é quase doentia. Ela possui uma capacidade sem igual de
fugir da questão central do debate ou da realidade para questões secundárias.
Nesse intento, usa toda a sua erudição no sentido de confundir e distorcer.
Para não perder um debate, desacredita um argumento com uma leviandade
assustadora, na maioria das vezes sem uma vírgula de razão, demonstrando todo o
seu egocentrismo.
Por
tudo isso, a maior parte desta classe média só pode sentir algum tipo de prazer
no sadismo de ver o povo sofrendo, no egocentrismo de se sentir superior (mesmo
que isso quase nunca seja real), ou em chamar algum trabalhador ou desempregado
de “vagabundo”.
7.
A
neurose, assim como está presente no indivíduo, também está presente na massa –
sobretudo nessa massa da classe média, reprimida por uma moral neurótica. Esta
neurose, segundo Reich, é uma doença da massa, uma infecção semelhante a uma
epidemia, e não um “capricho de mulheres mimadas”, como a psiquiatria
tradicionalista afirmou na sua luta contra a psicanálise; também não é uma
“invenção burguesa”, como afirma o marxismo mecanicista.
8.
O lumpemproletariado e grande parte do
proletariado caem no oposto: uma sexualidade feroz, irrefletida e incontrolada.
Há o culto do prazer e do sexo descartável. Exemplo disso é a proliferação de
determinados tipos de funk e total
frieza das relações pessoais e sexuais, que tornam-se meramente carnais,
supérfluas e comerciais.
9.
A
árdua tarefa de emancipação social do povo recai sobre os ombros do
proletariado. Contudo, esta classe encontra-se inconsciente, refém da alienação
midiática e de manipulações políticas; em suma, do irracionalismo. A maior
parte do proletariado ainda cultiva esperanças burguesas de enriquecer
individualmente.
É preciso um longo
trabalho político de esclarecimento teórico, de criação de laços organizativos
capazes de construir as condições para a sua autoconscientização. Os trabalhadores mais conscientes precisam dar
os primeiros passos nesse sentido, não excluindo nenhum tipo de debate que
possa acordar e conscientizar cada vez mais amplos setores do proletariado. A
auto crítica e a reavaliação devem ser práticas permanentes nessa luta.
10.
Outro
engodo da sociedade burguesa é a dita “liberdade de expressão”. Esta bandeira
foi defendida pelos iluministas, mas, assim como a Liberté, Egalité et Fraternité, também degenerou em hipocrisia e
formalismo após o recuo da revolução de 1789. Os membros da classe média gostam
de encher a boca para defender essa tal “liberdade de expressão”. Geralmente
acusam o “socialismo” (na verdade o stalinismo) de acabar com ela. Não enxergam
(ou não querem enxergar) a total hipocrisia em que caiu a “liberdade de
expressão” no capitalismo.
Na
verdade, a “liberdade de expressão” é uma realidade apenas da burguesia, pois é
ela que detém a grande mídia. Ela a utiliza como forma de dominação ideológica
e política, distorcendo ou mesmo mentindo. A “liberdade de expressão” no campo
das ideias pessoais é outra falácia, uma vez que é utilizada como forma de
alimentar inúmeros irracionalismos na massa; sobretudo o ódio. Sendo assim, a
massa é seguidamente tapeada e confundida por esta “liberdade de expressão”.
Qualquer charlatão, religioso ou demagogo mal intencionado se esconde atrás
dela, pois tem garantia de que ninguém exigirá provas do que afirmam. As suas
afirmações estão protegidas pelo direito democrático inviolável de “liberdade
de expressão”. Nenhum critério é imposto a tais embusteiros, chegando ao ponto
de Jair Bolsonaro (PSC) poder fazer apologia da tortura durante a ditadura
militar brasileira e se esconder atrás do direito à “liberdade de expressão”.
Enquanto
isso, aos trabalhadores conscientes a “liberdade de expressão” se resume, no
melhor dos casos, à crítica roedora dos ratos das redes sociais; geralmente ela
está restrita à demissão, ao gás de pimenta e ao cassetete da polícia.
Oportunistas
e burocratas
1.
Na época
do capitalismo imperialista os governos corrompem uma parcela do proletariado
(geralmente seus extratos superiores) com privilégios, cargos, liberações do
trabalho diário, prestígio, etc. Deste processo surgem o reformismo
“socialista” e as burocracias sindicais, que transformam os partidos operários
e os sindicatos em ferramentas indiretas da burguesia. Estas estruturas sindicais
e políticas petrificam-se em torno de práticas antidemocráticas, servindo de
esteio à burguesia e aos seus governos.
2.
Quando
falamos em um dirigente sindical ou político, então não podemos conceder-lhes
“salvo condutos” prévios ou atribuirmo-lhes algum tipo de irracionalismo.
Trata-se, em sua grande maioria, de traidores conscientes. Pessoas preparadas,
que tiveram oportunidade de estudar e refletir. Estão, geralmente, em cargos de
comando, o que duplica a sua responsabilidade, pois a partir daí passam a
influenciar centenas de milhares de outros indivíduos.
Nestes casos, portanto,
não se trata de confusão irracional, mas de opção consciente pelo “caminho do
menor esforço”, para frear a luta e manter a calmaria necessária para a sua
construção política e sindical, e para o desfrute das benesses de sua vida
pessoal, perfeitamente alicerçada em suas condições sociais.
3.
Muitos
destes oportunistas e burocratas têm perfeita consciência sobre o
irracionalismo e alienação das massas (muitos deles são alertados por
oposições, por toda a literatura marxista e por outros meios). Não trabalham
pela superação deste problema, mas o utilizam em benefício próprio,
alimentando-o. Criam teorias reformistas e místicas que servem apenas para
aumentar a confusão caótica. Assim, o irracionalismo das massas se fortalece
criminosamente por quem deveria combatê-lo.
4.
É
próprio destes partidos operários reformistas (como PT, PCdoB, PSOL, PCB, e
PSTU) e dos sindicatos burocratizados (em sua maioria dirigido por aqueles
partidos) orientarem-se não pela realidade concreta (sempre mais dolorosa),
isto é, pelos fatos, pela “verdade”; mas por ilusões que geralmente
correspondem à estrutura irracional das massas. É desta forma que esta
“esquerda” pretende dirigir as massas trabalhadoras.
Geralmente as verdades
científicas e a realidade vêm perturbar o hábito, a rotina e o carreirismo
destes partidos operários e dos sindicatos burocratizados que seguidamente
procuram contornar as dificuldades por meio de ilusões.
5.
Estes militantes e
simpatizantes da esquerda sempre enxergam as massas “soltas”, agindo
irracionalmente, votando na direita contra si próprias, sustentando absurdos
políticos e sindicais por sua opção. A função social dos oportunistas e dos burocratas
quase sempre está secundarizada ou mesmo inexistente nestas análises. Outro tipo
de medo serve para alimentar o irracionalismo (este já mais sofisticado e
intelectualizado) e dispersar as massas: o medo desta “vanguarda” de se isolar
do aparato e dos grandes partidos.
6.
A pressão da massa
proletária sobre o estado burguês e os patrões só se faz sentir através da sua
organização. Esta é impedida de acontecer, como analisou-se até aqui, em razão
do irracionalismo, da alienação, da confusão ideológica, cultivada, dentre outros
meios, pela grande mídia e pelas igrejas; mas, também, pelo reformismo
“socialista”, onde se encaixam os oportunistas e burocratas sindicais.
7.
Quando a vanguarda
operária (expressa nos sindicatos ou nas organizações e partidos operários)
assimila a ideia burguesa de que o socialismo “é utopia”, “ditadura” ou que é
“impossível”, é muito pior, por suas implicações práticas, do que a sua
assimilação por uma parte expressiva da massa desorganizada, confusa e amorfa,
ainda que isso também seja bastante problemático, já que estes elementos não
estão dissociados. Porém, o peso maior cabe sempre à vanguarda, pois é ela que
deve combater os preconceitos e as confusões políticas reacionárias das massas,
para concretizar a sua organização em torno do programa revolucionário para
transformar as ideias socialistas em força material concreta.
8.
Quando
analisamos algumas políticas desta “esquerda” – como as traições stalinistas,
feitas com justificativas bizarras; ou a negação do golpe do impeachment em
2016 pelo PSTU, por exemplo –, elas nos parecem produtos de um irracionalismo
muito semelhante ao das grandes massas. Isso se dá desta forma porque possuem
parentesco, mas no caso da “esquerda” não se trata de um irracionalismo
inconsciente: é uma opção política refletida e, por isso mesmo, uma traição consciente.
Já é
chegado o momento da vanguarda consciente dos trabalhadores casar as táticas: é
preciso combater as traições do oportunismo reformista e dos burocratas
sindicais, mas, também, o irracionalismo das massas. São lutas que requerem
métodos e pesos diferenciados, mas que não podem ser dissociadas. Idealizar as
massas esquecendo-se do seu irracionalismo cobra um preço muito caro.
Como
devemos medir a consciência de classe e a evolução socialista?
1.
Em síntese, o que
dissemos até aqui pode ser resumido no que segue: as necessidades biológicas,
expressas caoticamente através do inconsciente (medo, desamparo, princípio do
prazer, amor, ódio, rancor, narcisismo, egoísmo, etc.), são distorcidas e
envenenadas pela confusão mística e religiosa. Estas, obscurecendo a realidade
e o juízo para olhá-la de frente, sofrem novas e piores deformações a partir
das influências ideológicas da grande mídia, das igrejas, das universidades
burguesas, dos partidos fascistas, neoliberais, etc. Para piorar, o
irracionalismo das massas se mantém e se reproduz a partir da descarga das
pulsões de ódio e descontentamento nos eventos de “pão e circo”, como nos
estádios de futebol, cultos religiosos, passa tempo vulgares, etc. Esta
descarga, além de não solucionar o problema, apenas renova as condições para a
continuidade do irracionalismo. O ciclo precisa ser rompido.
Este irracionalismo,
quando canalizado e dirigido pelos interesses da burguesia, seja através do
Estado, da mídia, das igrejas, das universidades ou dos intelectuais burgueses,
passa a desenvolver uma espécie de “racionalidade às avessas”, que possui,
geralmente, um caráter retrógrado, nefasto e reacionário, que se volta contra a
própria pessoa da massa que o sustenta. E esta canalização e direção política
por parte da burguesia acontecem seguidamente.
2.
A estrutura da psique
humana debate-se na contradição entre o desejo intenso de liberdade e o medo da
liberdade. Porém, apesar de todas as contradições presentes na nossa psique
(amor e ódio; desejo e culpa; busca por libertar-se, mas medo das
consequências; necessidade de uma rotina e aborrecimento com o tédio) também há
intrinsecamente no nosso ser um profundo desejo de revolta, de colocar para
fora as humilhações, limitações e opressões da vida cotidiana. É este instinto
que viveu nas gerações passadas (revolta de Spartacus, rebeliões camponesas na
Europa medieval, Revolução Francesa de 1789, Revolução Russa de 1917, etc.); é
este instinto que embalará as gerações futuras, mesmo com todos os esforços das
classes dominantes para deter a roda da história.
3.
Cabe a vanguarda
consciente do proletariado ter paciência e perseverança nesta missão. A
necessidade do trabalho ousado, de não ceder ao canto de sereia da acomodação,
da passividade, daquele sentimento dócil de não querer bater de frente com os
exploradores e os seus capitães do mato, do suposto “caminho mais fácil”. Deve
saber a hora de avançar ou recuar e buscar a melhor forma para isso. Os
intelectuais ao seu serviço precisam estudar e conhecer todos os campos
humanos; não apenas o político, mas o científico, cultural, o psicológico, o
sentimental. O esclarecimento científico apelou apenas para o intelecto das
massas; e não para os seus sentimentos. É preciso saber fazer isso sem apelar à
demagogia. O humanismo e o sentimento humano precisam ser trabalhados segundo
as perspectivas proletárias e socialistas. Os futuros militantes proletários
precisarão saber casar a teoria socialista com a “maneira de sentir” da massa.
É fundamental investigar
e esclarecer as causas desta “incapacidade” dos seres humanos para a liberdade.
A partir daí, passa a fazer parte indissociável das tarefas dos intelectuais
proletários, a pesquisa dos instrumentos pedagógicos, médicos e sociais que
possam criar essa capacidade de forma cada vez mais generalizada.
4.
Certamente
o desenvolvimento da capacidade para a liberdade nos seres humanos exige a
ausência de ilusões, pois é nesta fonte que o irracionalismo bebe. Somente a
partir daí começará a ser possível abrir o caminho para a responsabilidade
social e, consequentemente, a desenvolver capacidade para a liberdade.
5.
Que
efeitos se produzem na criação e na educação de incontáveis gerações humanas
uma concepção hierárquica estatal, uma administração mecânica da sociedade, o
medo da responsabilidade social, a intensa necessidade de um líder (ou de um führer) e um profundo anseio por
autoridade, a insistência em soluções fictícias, com regras fictícias, e um
pensamento mecanicista no domínio científico? Não se elimina séculos de opressão
social da estrutura mental dos seres humanos da noite para o dia.
6.
Os
trabalhadores conscientes, suas organizações sindicais e políticas, não podem
mais ignorar os efeitos devastadores do irracionalismo na estrutura humana das
massas. Idealizar a massa, esquecendo-se destas contradições intestinas, é um
erro muito grave que gera diversos empecilhos para a emancipação do
proletariado.
Da
mesma forma, a evolução socialista de uma sociedade futura não pode ser medida
apenas pelos índices econômicos – por mais importante que o sejam –, mas também
pelo grau de autonomia e confiança que cria nos indivíduos isolados e na massa em geral. A evolução
socialista deve ser medida, sobretudo, pela capacidade educacional de criar
indivíduos independentes, críticos e autônomos. A principal vitória do
socialismo – para além da industrialização, da eliminação do analfabetismo, do desenvolvimento
de condições materiais básicas para o proletariado – estará na sua capacidade
de formar adultos socialmente auto-suficientes do ponto de vista intelectual e
emocional (mas sempre ligados entre si pelos interesses gerais da sociedade),
para que estes possam educar as crianças no mesmo sentido. Neste esforço, a
compreensão sobre o papel do trabalho e da sua necessidade social é fundamental.
Sabemos
que é a educação autoritária de crianças pequenas, ensinando-as a serem
medrosas e submissas, que assegura aos políticos oportunistas e demagogos, aos
pastores e a um führer, a obediência
e a fé de milhões de trabalhadores.
7.
Para além deste
irracionalismo, haveria uma incapacidade das massas para a liberdade?
É preciso partir da
premissa de que os seres humanos foram reprimidos por milênios, de diferentes
formas e por meio de diferentes instituições políticas, e que se desfazer de
todo este entulho de dominação, intrinsecamente instalado na nossa psique, é um
trabalho árduo.
Todo o ser humano e,
portanto, as massas humanas podem vir a desenvolver capacidade para a
liberdade. Mas para isso, precisam ser educadas nesse sentido. O grande problema
é que historicamente (e ainda hoje) foram (e são) educadas para aceitar a
opressão. Não há uma receita de bolo para esta superação (apenas começamos a
tomar consciência de todo o problema agora), mas é possível que o batismo de
fogo para o nascimento desta nova humanidade, essencialmente livre, seja um
processo revolucionário na sociedade.
8.
Superar
o irracionalismo das massas da noite para o dia é impossível. Por isso, se faz
necessário a criação de um “superego” social que o iniba no sentido de controlá-lo
para trabalhar pela sua superação. Um dos meios para combatê-lo é exaltando o
conhecimento científico, racional, o trabalho vital; e o conhecimento sobre o
próprio corpo e a natureza. A “ditadura do proletariado”, para além de evitar a
restauração do capitalismo, precisa conter os inevitáveis excessos irracionais
das grandes massas mais atrasadas para “educá-las” para a responsabilidade
social (da qual se destaca o trabalho social e verdadeiramente livre); tarefa
indispensável se queremos desenvolver a auto gestão da sociedade visando a
extinção do Estado.
9.
A
grande mídia, as universidades e os intelectuais burgueses têm feito o possível
e o impossível para transformar a ideia de socialismo em um vilão autoritário e
anacrônico, que serviria unicamente para oprimir a espécie humana. Na verdade,
estão tentando atribuir ao “socialismo” tudo o que representa, na realidade, o
próprio capitalismo. Isso não fica evidente para a grande massa em razão do que
foi exposto até aqui. O irracionalismo, baseado, dentre outras coisas, no
egoísmo gerado pela miséria do capitalismo, impede que elas possam vislumbrar a
real necessidade histórica do socialismo.
Podemos
destacar que o atual ascenso da direita no Brasil e no mundo tem como um de
seus objetivos difamar o socialismo. Criar um dique de contenção com calúnias,
confusões e distorções no sentido de aprofundar o irracionalismo nas massas,
visando o seu distanciamento da única solução possível para a opressão e a
exploração do capitalismo. O irracionalismo das massas é um grande aliado da
burguesia consciente; o qual, definitivamente, não é mais possível menosprezar.
10.
Não
haverá possibilidade de construção da sociedade socialista – e muito menos o
avanço para a sociedade comunista – se não trabalharmos duramente para a
superação do irracionalismo das massas. É somente o superando que poderemos
criar as condições para a sua auto suficiência (que deve ser, dialeticamente,
individual e coletiva) e, a partir desta, para a autogestão da sociedade, com
os seus processos administrativos e econômicos coletivos.
Para
superar o irracionalismo é necessário que as organizações proletárias se
debrucem honestamente sobre os problemas da repressão sexual, da família
patriarcal, da moral neurótica, da educação repressiva, castradora e
autoritária; ao mesmo tempo em que devem procurar mobilizar os trabalhadores
contra a exploração e a opressão econômica da burguesia e do imperialismo. Todos
estes processos devem ser vistos como faces de uma mesma moeda.
11.
Não existe
uma receita de bolo para se combater o irracionalismo das massas. Trata-se, em
primeiro lugar, de um paciencioso trabalho pedagógico, contrapondo
permanentemente as suas incoerências à posições bem fundamentadas. A bandeira
deve permanecer hasteada, sendo levantada permanentemente contra cada
escorregão inevitável que o irracionalismo levará as massas a cometer.
Para
além disso, é preciso um combate sem trégua à família patriarcal, à moral
neurótica e obsessiva decorrente, que leva ao desenvolvimento de uma terrível
repressão sexual. Outra traição do stalinismo na URSS foi a restauração da
família patriarcal, com todos os retrocessos daí decorrente. Precisamos lutar,
em todas as frentes, e escrever definitivamente a luta contra a moral
patriarcal e opressora em nossa bandeira socialista.
Bibliografia:
- Psicologia de massas do fascismo, de Wilhelm
Reich
- A função do orgasmo, do mesmo autor
- Introdução ao fascismo, de Leandro Konder