quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Como se apresentam hoje as classes sociais no Brasil?

Após a restauração do capitalismo nos ex-estados operários e a subsequente reação ideológica do fim do século XX, tornou-se comum ouvir – sobretudo nos meios acadêmicos – que as classes sociais não existem mais e que falar em burguesia e proletariado “é coisa do século XIX”. Querem desqualificar e desmoralizar o marxismo porque é a única teoria política que se apresenta de forma coerente, desmascarando e se opondo aos interesses da classe dominante de nossa sociedade (atitude esta inaceitável para a burguesia e os seus asseclas “pós-modernos”, líquidos, sólidos e gasosos). Grande parte destes intelectuais renega o marxismo fingindo “reivindicá-lo”, pois suas contribuições para o pensamento humano são profundas e inegáveis.
               
Os conceitos sociológicos marxistas não perderam a validade. Servem para explicar a realidade com grande precisão. E o mais importante: dão um norte para a organização da luta dos trabalhadores. Ao contrário do que prega a relativização pós-moderna, os conceitos, em ciência, servem para generalizar certas conclusões e condensá-las. “Catalogar” um conceito novo, quando ele se repete inúmeras vezes, faz parte da prática científica e é, até certo ponto, inevitável e necessário para que o conhecimento humano continue avançando.
               
Os pós-modernos de todos os matizes, abertos ou disfarçados, pretendem nos fazer crer que o conceito marxista de classe não é mais válido, pois, segundo eles, não existiria mais “burguesia” e “proletariado”. Ou seja: negam as classes para negar a luta de classes, que se desenrola todos os dias sob os nossos olhos, e, principalmente, a revolução e a ditadura do proletariado. Querem destruir o marxismo ou transformá-lo em uma teoria aceitável para a burguesia (o que também significaria a sua destruição). Até aí, nada de novo. É o papel que os intelectuais burgueses e reformistas cumprem desde sempre. Contudo, o estrago ocasionado pelas teorias pós-modernas serve para aprofundar o caos e a confusão do movimento proletário – eis aí sua real intenção. É por isso que todos os trabalhadores avançados devem estudar profundamente o marxismo para poder defendê-lo com consciência e clareza.

As correntes pós-modernas tem uma característica em comum: querem relativizar tudo, transformando fenômenos objetivos em subjetivos, procurando tangentes para fugir da realidade. No fundo, são pensadas e disseminadas para ajudar o capitalismo a se manter. E, como o marxismo representa uma declaração de guerra a atual estrutura social, então é muito natural que elas o vejam como seu principal inimigo, que precisa ser destruído com a desculpa de “atualizá-lo” ou “superá-lo”. As teorias pós-modernas jogam tudo para o “mundo do subjetivo”, onde é sempre mais fácil relativizar, uma vez que os fatos aparecem isolados da sua realidade histórica concreta. Com este velho método metafísico se pode comprovar qualquer coisa.

Não tendo como esconder a existência das classes sociais, isto é, de ricos e pobres, possuidores e despossuídos – realidade que salta aos olhos de qualquer pessoa que ande pelas ruas –, a mídia burguesa, surfando na onda pós-moderna e a adaptando a um público mais amplo, utiliza-se da definição do IBGE, que fala em “classe A, B, C, D e E”. Essa classificação é feita de acordo com a renda de cada família, onde a classe E é composta pelas pessoas muito pobres, que vivem com menos de um salário mínimo; a classe D é a “média-baixa”; a classe C é a “classe média”, supostamente composta pela maior parte da população; a classe B é “média-alta”; e a classe A é formada pelos “milionários e bilionários”. A principal função desta classificação é obscurecer a real dinâmica da sociedade. Não reconhece a classe operária, mas parte do lumpesinato (os marginais, mendigos, desempregados) direto para a “classe média-baixa”. Todo o pós-modernismo sustenta estas premissas obscuras para criticar o marxismo, misturando a esta confusão o “argumento” de que o trabalho “terceirizado” e o “subemprego” servem como “evidências” que comprovam a suposta superação da teoria marxista. O fato é que esta confusão caótica não explica nada, mas aprofunda a dissimulação da exploração e da real relação entre as classes sociais, escondendo os processos vivos e dinâmicos da sociedade. É com base nesta “classificação” que os governos petistas, amplamente apoiados pela grande mídia e pelas universidades, divulgam a superação da pobreza.

Frente a tudo isso, cabe perguntar: a quem interessa este tipo de classificação? A pretexto de atualizar (ou superar) uma teoria, estamos ajudando a elucidar a realidade ou a obscurecê-la? Apesar desta tentativa de falsificação da realidade, a burguesia e o proletariado continuam existindo e cumprindo as funções que já conhecíamos: a primeira tendo a posse jurídica dos meios de produção e matérias primas (o capital) e a segunda trabalhando para a primeira no sentido de acumular mais capital através da “mais valia”. Este conceito de “capital”, claríssimo como a luz do dia, ainda é válido ou caducou? Sem dúvida alguma é válido! E sempre o será enquanto existir capitalismo, pois esta é a sua essência, independentemente das peculiaridades históricas e regionais. Para que não restem dúvidas, basta olhar o lucro dos bancos, das multinacionais, das empresas; e, ao mesmo tempo, lançar um olhar para a situação das diversas categorias de trabalhadores (sejam elas efetivas ou terceirizadas) para constatá-lo vivo, pulsante.

Quanto a alegada estreiteza e dicotomia da teoria marxista com relação a existência de apenas 2 classes (burguesia x proletariado) só se pode concluir que se trata de uma profunda ignorância acerca do marxismo ou de um engano consciente. O marxismo, partindo da relação principal que deita suas raízes na produção econômica, sempre demonstrou a existência de outras classes, tais como a pequena burguesia (classe média) e o lumpemproletariado (os estratos mais baixos do proletariado), que estão subordinadas a uma das duas classes principais. Portanto, a visão marxista sempre foi dialética, demonstrando a relação entre as classes nos processos históricos vivos, e nunca estática, metafísica ou dogmática, como as inúmeras acusações dos intelectuais pós-modernos. A explicação marxista das classes desnudou as suas relações intestinas, os vários estratos que as compõem e que, muitas vezes, entram em conflito, sem nunca deixar de demonstrar a própria diferença de renda e, o mais importante, de explicá-la!

Segue uma breve definição teórica e demonstrativa dos setores sociais que compõem as principais classes no Brasil de hoje (o que não dispensa a análise concreta de cada evento histórico específico):

> Burguesia:
Na clássica definição de Engels no Manifesto Comunista, lemos: “Por burguesia o marxismo entende a classe dos capitalistas modernos, que são proprietários dos meios de produção social e empregam trabalho assalariado”[1]. Os meios de produção, em linhas gerais, podem ser definidos como: fábricas (edifícios e maquinário), empresas, terras (o latifúndio, grandes lavouras, empresas de agronegócio, minas de matérias primas, poços de petróleo), bancos, meios de comunicação e transporte – que cumprem o papel de fazer com que as mercadorias circulem, bem como intensificar e direcionar o consumo, além de alienar a população trabalhadora. Resumidamente, podemos dizer que a classe burguesa é aquele seleto grupo de pessoas que desfruta do “direito” constitucional de propriedade privada e, consequentemente, de decidir os rumos políticos e econômicos do país e do mundo.

A maior parte dos membros da burguesia mantém-se no anonimato, mas algumas “personalidades” desta classe acabam sobressaindo nos grandes meios de comunicação. São eles: Eike Batista, do ramo do petróleo; e Jorge Gerdau, do ramo da siderurgia. Outros grandes empresários são mais reservados do que estes, mas isso não quer dizer que a burguesia não exista mais. A indústria automobilística (Volkswagen, GM, Ford, Fiat, Renault, etc.) e de eletroeletrônicos (eletrodomésticos, computadores, celulares, etc.), por serem todas multinacionais, não tem “donos” brasileiros, mas “sócios menores”, que também são membros da burguesia. Elaboram as metas seguindo as orientações das matrizes nos países imperialistas e as impõem aos operários daqui, desfrutando, como sócios menores, dos seus lucros. Os detentores de ações das grandes empresas multinacionais, bancos e dívidas públicas (os agiotas), também podem ser considerados como parte da burguesia.

Além destes, fazem parte da burguesia os donos de grandes redes de supermercado e de comércio nacional e internacional (Zaffari-Bourbon, Wall Mart, Carrefour, Pão-de-Açúcar, Ponto Frio, Casas Bahia, Magazine & Luíza, Daslu, C&A, Renner, dentre outros); os donos de empreiteiras (OAS, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, etc.); os donos de mineradoras (como a Vale, que foi privatizada pelo governo FHC-PSDB a preço de banana); bem como os donos dos grandes conglomerados farmacêuticos, de hospitais e das universidades privadas (que cresceram espantosamente durante os governos do PT).

O setor financeiro, que é um dos que mais lucra no Brasil e no mundo, é controlado pelos acionistas dos grandes bancos (os chamados banqueiros). Eles são os responsáveis por dirigir os principais bancos privados do país: Itaú (Roberto Setúbal), Bradesco (Luiz Carlos Trabuco Cappi), Santander (Emílio Botín), HSBC (Stuart Gulliver), Citibank (Michael Corbat), Votorantim (Antônio Hermínio de Moraes), Safra (Joseph Safra). Em sua maioria, estes bancos cresceram através da fusão com bancos menores ou pela compra em “leilão” dos bancos públicos, que foram sumariamente privatizados. Os tecnocratas estatais que dirigem o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, Banco do Nordeste e o Banrisul, por mais que não sejam os seus donos jurídicos, também podem ser considerados membros da burguesia, bem como os políticos da alta cúpula do Estado, que controlam uma máquina com gigantesca capacidade produtiva a serviço dos setores empresariais do Brasil e do mundo. O marxismo define o Estado burguês como um “balcão de negócios” da classe capitalista.

A burguesia detém o poder da “informação” e do “direito de ir e vir” através dos donos das empresas de transporte “público” (que na verdade é privado) urbano, intermunicipal e interestadual; e dos grandes meios de comunicação (TV, rádio, internet, jornais, revistas de grande circulação, etc.) e telecomunicação (telefonia móvel e fixa). Na grande mídia podemos destacar as famosas 7 famílias que controlam as principais empresas do ramo: Marinho/Sirotsky (Rede Globo/RBS), Saad (Band), Macedo (Record), Abravanel (SBT), Carvalho (RedeTV), Frias (Folha) e Civita (Abril).

A indústria alimentícia no Brasil reúne vários empresários de grande fortuna, tais como Marcel Herrmann Telles, da AmBev e Joesley Batista, da Friboi. Dentro da classe burguesa ainda se encontram os grandes ruralistas, donos de imensos latifúndios (produtivos e improdutivos), e os donos das empresas de agronegócio (em sua maioria de capital multinacional), que também exploram os latifúndios.

A ideologia burguesa reflete as condições da dominação burguesa. Ela sustenta que o capitalismo e as suas instituições “democráticas” representam o melhor sistema econômico e as mais perfeitas instituições políticas que a humanidade pode criar, uma vez que o homem seria ganancioso por sua própria natureza (e o capitalismo valoriza a ganância). A sociedade burguesa não seria apenas um estágio na evolução humana, mas a sua mais alta culminância. Nenhum outro tipo de sociedade melhor seria possível e tudo o que foge às práticas capitalistas é “irreal” e “utópico”. Desse tipo de pensamento advém aberrações como o “fim da História”, de Fukuyama.

Quando a burguesia é retratada na grande mídia, seus membros – os “empresários – são vendidos como “vencedores”, como aqueles que “se esforçaram” e “venceram na vida”. É a culminância daquela ideologia burguesa de que “todos podem chegar lá”, basta trabalhar seriamente como “peão”, não questionar os chefes, ser pontual, parcimonioso, etc. Entretanto, este discurso calcado na meritocracia cumpre o papel de enganar a sociedade, pois para um triunfar, centenas de milhares precisam fracassar e continuar sendo reles “trabalhadores”, para garantir a força de trabalho que será explorada futuramente pelo capital; sem essa disciplina imposta pela força ou pela ideologia, não há capitalismo. Da mesma forma, segundo outra faceta desta mesma ideologia, todos os desempregados, mendigos, indigentes, são “vagabundos porque querem”, pois “não querem trabalhar seriamente”. Na esmagadora maioria dos casos, estes extratos da sociedade não tem acesso a emprego, à educação, à condições de igualdade, tornando-se aquilo que Marx definiu como “exército industrial de reserva”, que serve, sobretudo, para nivelar os salários por baixo, obrigando os trabalhadores a vender a sua força de trabalho por qualquer preço. Podemos considerar este “pensamento” (que é, na verdade, um preconceito de classe) como ideologia burguesa porque desconsidera o papel da herança, do Estado, das forças armadas e da lógica do sistema, que está baseada na exploração do trabalho. Omite que a fortuna da burguesia provém não do “trabalho árduo individual” (ainda que isso seja muito importante), mas da exploração do trabalho conjugado de centenas de milhares de indivíduos e, que só pode se manter, se esta exploração continuar e se aprofundar.

Entre a burguesia e os trabalhadores existe um verdadeiro “exército” de gerentes, supervisores, capatazes e olheiros dos mais diversos matizes. Eles não fazem parte da burguesia propriamente dita, mas são “trabalhadores” mais bem remunerados que exercem a opressão direta sobre os trabalhadores de base, para garantir a sua produtividade para a patronal. Não deixam de ser “trabalhadores”, mas cumprem o mesmo papel que os capitães do mato cumpriram durante a escravidão no Brasil colonial.

> Pequena-burguesia:
Por pequena-burguesia compreende-se uma grande parcela da sociedade, popularmente chamada de “classe média”. Não possui a propriedade de um grande meio de produção, mas de um pequeno capital, que geralmente se expressa através de pequenos estabelecimentos, tais como: uma pequena fábrica ou empresa, um consultório, um escritório prestador de serviços, um pequeno pedaço de terra, um bar, um estabelecimento de “profissionais liberais”, um carro (usado como fonte de renda); até os pequenos negócios, como o comércio varejista, uma carrocinha de cachorro quente, de vender pipoca, etc. Em suma, possui um pequeno capital que não pode ser comparado ao grande capital, sobretudo ao multinacional, e à sua taxa de lucro. A pequena-burguesia é uma classe muito numerosa. Possui inúmeros estabelecimentos por todas as cidades, bem como pequenas propriedades no campo. Ao contrário da burguesia, que representa 2% da população do Brasil e do mundo, a pequena-burguesia se conta por centenas de milhares. Faz parte da política do capitalismo manter estes pequenos estabelecimentos como “abastecedores” e “prestadores” de serviços, iludindo-os com uma prosperidade que não pode sair de certos limites. Geralmente é a classe que mais sofre com os encargos burocráticos e os tributos, dada a sua limitação de recursos se comparado ao grande capital e a sua inacessibilidade aos governos.

A pequena-burguesia é uma classe heterogênea. Se mistura, acima, nos seus setores mais bem pagos e exploradores de trabalho alheio, aos estratos de baixo escalão da burguesia; e, abaixo, nos setores mais “pobres”, aos estratos do proletariado (que, às vezes, pode receber salários mais altos do que a renda de um proprietário de um “pequeno negócio”). Contudo, da mesma forma que a burguesia, a definição sociológica mais precisa é aquela que continua definindo a relação com a propriedade dos meios de produção – seja ele um grande ou pequeno capital.

Sua mentalidade, alimentada das mais diversas formas pela grande mídia, universidades, escola, etc. (que também acaba se repetindo e se impondo entre os trabalhadores), é caracterizada por fomentar o desejo de ser burguês. No campo político, frente aos escândalos de corrupção e aos problemas sociais de toda a ordem, defende uma “reforma” permanente da sociedade capitalista, tentando harmonizar os conflitos de classe no sentido de “moralizar a política”, os gastos públicos, a defesa da democracia burguesa. Pensa que não é necessário mudar as bases da sociedade, mas apenas “humanizar o capitalismo” para “corrigir” suas injustiças. Em seu pensamento idealista e metafísico (típico do senso comum pequeno burguês), julga que, desta forma, a sociedade irá melhorando gradativamente e que conseguirá ter uma vida digna sem mobilização política (que somente serve para “atrapalhar os seus negócios”). Esta mentalidade não impede que muitos pequeno-burgueses (sobretudo os seus filhos) rompam com a sua própria classe e avancem para uma consciência proletária por entender o movimento real do capitalismo (isso acontece, evidentemente, após romper com uma verdadeira muralha de hipocrisias e convenções sociais impostas).

A mentalidade pequeno-burguesa ajuda a manter o capitalismo e a divisão da sociedade em classes, mesmo que a realidade demonstre, dia a dia, que o grande capital também ameaça as condições de vida da pequena burguesia. Ciente desta contradição, a burguesia, através dos seus partidos e da sua mídia, seduz política e ideologicamente a pequena-burguesia, reforçando o seu discurso de “moralização” do capitalismo. Mas, como se pode ver, isso demonstrou ser impossível, pois está em contradição com a lógica do capitalismo, que é de sempre aumentar a taxa de lucro (ou seja, a concentração de renda – sendo, portanto, a palavra de ordem de “taxação das grandes fortunas” – amplamente defendida por PSOL, PSTU e setores do PT – uma tarefa irrealizável por se chocar decisivamente com os principais interesses da burguesia), intensificar a exploração dos trabalhadores, não deixando que a miséria e o descontentamento saiam de certos níveis. A pequena-burguesia não consegue (ou não quer) enxergar que é apenas isto que o capitalismo entende por “humanização”. Hoje, a mentalidade pequeno-burguesa domina amplos setores da sociedade brasileira. Isso é fruto, dentre outros motivos, da restauração capitalista nos ex-Estados operários e da subsequente campanha ideológica burguesa de que o “socialismo morreu” ou é “utópico e irrealizável”. Sem alternativa política, entre o movimento da burguesia e do proletariado, à pequena-burguesia só resta esperar pela “humanização do capitalismo” (esta sim a verdadeira utopia; e uma utopia reacionária).

A chamada “esquerda socialista” brasileira é, atualmente, uma autêntica representante da pequena-burguesia, não apenas pela mentalidade, mas, sobretudo, pelo programa (PSOL, PSTU, PCB, PCO; enquanto que PT e PCdoB já representam os interesses da grande burguesia, muito embora tenham diversos teóricos que expressem a mentalidade pequeno-burguesa e procurem dialogar com ela). A sua propaganda eleitoral visa atingir esta “classe média”, sem assustá-la com a ideia de revolução.

> Proletariado (os trabalhadores assalariados):
Os teóricos burgueses pós modernos afirmam que não existe mais classes sociais e, em particular, o proletariado. A sua grande justificativa para sustentar esta absurda negação da realidade são as “terceirizações” e as mudanças inevitáveis na organização do trabalho e no processo produtivo. Segundo alguns destes teóricos, o proletariado teria uma mentalidade burguesa e se conformaria com ela, trabalhando conscientemente para ajudar a burguesia a acumular capital. Não é possível pensar em uma tese mais conformista e justificadora da exploração do que esta. Porém, um olhar mais atento nos demonstrará que isso não passa de uma tentativa de confundir e enganar os trabalhadores através de uma relativização subjetiva e metafísica da realidade.

O que caracteriza o proletariado enquanto classe social? O proletariado se caracteriza por não possuir meios de produção, mas apenas dispor de sua própria força de trabalho, que vende em troca de um salário para sobreviver conjuntamente à sua família, que, dentro de um curto espaço de tempo, precisará fazer o mesmo (daí advém muitas crises e brigas familiares). Enquanto houver capital – seja ele pessoal, acionário; em forma de truste, monopólio, etc. – haverá proletariado, independentemente de qualquer “terceirização”, que não elimina a propriedade privada dos meios de produção e nem o regime de trabalho assalariado.

Compõem a classe proletária todos aqueles indivíduos que não possuem nenhum tipo de capital, mas que trabalham para algum burguês, pequeno burguês ou para o Estado em troca de salário e, geralmente, sob um mesmo regime de trabalho. São operários, técnicos, comerciários, agricultores, bancários, carteiros, estivadores, professores, enfermeiros, funcionários públicos e privados das mais diversas categorias, etc. Em suma, o proletariado é composto por todo um contingente de seres humanos que recebem um salário (mais ou menos igual) e são “disciplinados” por um regime de trabalho semelhante; é a “galinha dos ovos de ouro” da sociedade burguesa, de onde brotam, aos borbotões, os rios de dinheiro que correm para os bolsos de banqueiros e empresários, fazendo a sua fortuna e garantindo a condição social da burguesia como classe dominante. O proletariado é o agente físico da revolução socialista, pois é a classe da qual depende a produção econômica e que gera toda a riqueza social com a força do seu trabalho. A sua tarefa histórica é socializar os meios de produção (capital) através da expropriação revolucionária, preparando as condições materiais para o comunismo (fim das classes sociais e do Estado). A mentalidade imediata e habitual do proletariado é burguesa ou pequeno-burguesa – sobretudo quando está desorganizado sindical e politicamente –, mas a sua existência histórica propiciou o engendramento da consciência socialista e proletária, apreendida, dentre outros teóricos, por Karl Marx.

Dentro do proletariado existem os substratos de trabalhadores precarizados, terceirizados, subempregados, que não possuem direitos trabalhistas: estagiários, prestadores de pequenos serviços ocasionais, camelôs, etc. O desemprego (muita oferta de mão-de-obra) é uma das formas de tencionar o salário para baixo, bem como a ameaça permanente de retirada de direitos, pois obriga os trabalhadores a aceitar qualquer condição de trabalho. Com a divisão entre trabalhadores empregados e desempregados, a classe entra numa concorrência voraz para “se vender” ao patrão. Assim, não estão em condições de exigir um preço melhor. Os salários são nivelados por baixo. Apenas uma pequena parcela do proletariado especializado e universitário pode procurar melhores salários (ainda assim, bem limitados). Somente a unidade sindical e política dos trabalhadores em torno de um programa revolucionário pode criar as bases para a consciência proletária e a revolução socialista. Este programa não brotará espontaneamente do seio do movimento operário, mas precisa ser levado até ele pelos intelectuais a serviço do proletariado através do partido revolucionário, que a partir daí deve ir aproximando os trabalhadores mais avançados.

> Lumpemproletariado:
É o extrato mais baixo do proletariado, que forma uma sub classe social, composta pelos indigentes, mendigos, assaltantes, traficantes, prostitutas, etc., enfim, por todos aqueles que estão marginalizados da sociedade oficial. Ao contrário do que afirma a ideologia burguesa, sua condição social é uma conseqüência inevitável do capitalismo. Os miseráveis e mendigos foram culpados por sua própria pobreza como se o sistema não tivesse nada a ver com ela. Segundo a ideologia vigente, eles “não querem trabalhar, pois emprego tem”, bastaria ter “qualificação” e “disposição”. Estas justificativas reacionárias servem para esconder o apartheid social entre ricos e pobres; “cidadãos” e “favelados”; “trabalhadores honestos” e “vagabundos”, dando as base para a repressão policial, sobretudo nas favelas.

Muitos trabalhadores – alienados e manipulados pela grande mídia e pela intelectualidade pequeno-burguesa – vivem para consumir e acabam se decepcionando com uma vida tão vazia. Mesmo assim, seguem religiosamente o que a mídia ordena e padroniza. A maioria deles se endivida assustadoramente. Em seguida, perdem o emprego, caem no subemprego ou no desemprego perpétuo. Ficam reféns da falta de perspectiva[2]. Grandes contingentes destes trabalhadores terminam nas drogas, no crime[3], procuram as igrejas (sobretudo as Evangélicas) onde são reconduzidos ao inferno da espera do mercado de trabalho (formal ou informal), por um emprego medíocre, que muitas vezes não vem. Tudo isso se torna um ciclo vicioso.

Centenas de milhares de proletários (que não aparecem na mídia e nem nos dados do IBGE e do governo) deixam de procurar emprego. Vão para a marginalidade social: tráfico de drogas, assaltos, mendicância, prostituição. Muitos terminam morando nas ruas. Assim como as outras classes, este lumpemproletariado também desenvolve a sua “consciência” própria, degenerada e indisciplinada (uma espécie de ideologia burguesa em atrofiamento). É o reflexo das suas condições materiais que acabam se enraizando no seu “modo de ser”, muitas vezes de forma irreversível. É a barbárie nossa de cada dia nas ruas das cidades brasileiras (e do mundo também).

> Conclusão:
A inexistência das “classes” e a suposta “desatualização” do marxismo são as novas armas com que os teóricos e intelectuais burgueses (em sua roupagem “pós-moderna”) tentam fazer os trabalhadores desviarem os seus olhos do marxismo – para não atingirem a consciência que corresponde à sua condição social – e do socialismo, para que a sociedade burguesa se perpetue na riqueza e na opulência, de um lado, e na miséria e barbárie, do outro.


[1] MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Editora Martin Claret, São Paulo, 2004.
[2] “Meu amigo baiano” é uma dessas pessoas (ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com.br/2014/03/meu-amigo-baiano.html); o “Homem de Neanderthal portoalegrensis” e o “lutador da Redenção” são outras (ver postagens mais antigas do mesmo blog). Outro exemplo é o ambulante tunisiano que ateou fogo ao seu próprio corpo porque teve sua “mercadoria” apreendida pela perseguição policial. O seu suicídio desencadeou a fúria popular que deu origem a uma rebelião em 2011.
[3] Num antigo samba de Gabriel, o pensador, vemos, através da ótica musical, este ciclo:
Essa é a dança do desempregado
Quem ainda não dançou tá na hora de aprender
A nova dança do desempregado
Amanhã o dançarino pode ser você

E bota a mão no bolsinho (Não tem nada)
E bota a mão na carteira (Não tem nada)
E não tem nada pra comer (Não tem nada)
E não tem nada a perder
E bota a mão no trinta e oito e vai devagarinho
E bota o ferro na cintura e vai no sapatinho
E vai roubar só uma vez pra comprar feijão
E vai roubando e vai roubando e vai virar ladrão

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