terça-feira, 13 de maio de 2014

Os reacionários ontem e hoje

Brasil, 1873.

Dois jovens fidalgos pitam seus cigarros de palha observando um grupo de escravos trabalhando na lavoura. Um escravo desmaia, exaurido. Em frações de segundo o capataz se aproxima e o chicoteia no chão, sem piedade.

– Que mácula! Que vergonha para a espécie humana! Exclamou o primeiro jovem.
– O que foi? Perguntou o segundo.
– A situação destes homens! Isso tem que acabar! Como é possível tratarmos seres-humanos como...
– Já começou? – interrompeu o segundo jovem – Lá vem vosmicê com suas ideias de libertação, utópicas! Não existe possibilidade alguma do nosso país viver sem escravidão. Deixe de ser irrealista! As suas ideias são muito bonitas, mas não tem aplicação prática. Vosmicê sabe: existem homens que nasceram para trabalhar e outros para mandar; sempre foi assim e sempre o será!
– Um dia – redargüiu o primeiro – tudo isso será passado e nos causará profunda vergonha. Existem outras formas de organização social e nada justifica a perpetuação desta. Olhe para os outros países do mundo!
– O seu problema – exaltou-se o segundo – é que vosmicê é muito influenciado por estes poetinhas e escritores que estão em voga. Seja realista!

O primeiro jovem percebeu que não valia a pena insistir contra uma muralha fortificada de desumanidade. Continuaram pitando em silêncio, olhando com olhares diferentes o campo de concentração...

Brasil, 2004.

Dois jovens de classe média observam a rua pela janela do edifício. Mendigos brigavam por um resto de colchão; uma prostituta esperava na esquina; um homem esfarrapado falava sozinho diante de uma parede. Quase em frente ao edifício dos jovens toca o sinal da fábrica. Pouco a pouco os trabalhadores vão saindo de lá com a cara perplexa, semblante abatido, como se tivessem deixado um pedaço de vida lá dentro.

– Que vergonha! Exclamou o primeiro.
– O que foi? Indagou o segundo.
– A condição de vida destas pessoas, esta sociedade decadente. É preciso acabar com isso fazendo...
– Já começou! – interrompeu o segundo – Lá vem você com as suas ideais socialistas, utópicas...

Um comentário:

  1. Muito boa a reflexão!

    Desde tanto tempo que temos que suportar esse tipo de discurso reacionário que chega a ser um absurdo estar em 2014 e ainda ter que conviver com pessoas tão desumanas... Basta!

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