quinta-feira, 22 de maio de 2014

A literatura predileta de Lenin

*Por N. K. Krupskaya



O camarada que me apresentou a Vladimir Llich disse-me que ele era um homem muito instruído, que lia unicamente livros científicos, que não tinha folheado na vida uma novela, nem lido uma poesia. Fiquei assombrada. Em minha juventude tinha lido e relido todos os clássicos, sabia de memória quase todo Lérmontov e outros poetas, alguns escritores, como Tchernishevski, León Tolstoi e Uspenski, significavam muito em minha vida. Pareceu-me raro que existisse uma pessoa à qual tudo isto não interessava em nada. 

Em seguida, no trabalho, conheci de perto Lenin, conheci sua opinião a respeito das pessoas, pude observar a atenção com que estudava a vida e os homens, e o Llich vivo apagou a imagem do homem que nunca abria um livro dos que falavam da vida das pessoas. 

Não obstante, as circunstâncias não nos permitiram encontrar tempo, então, para falar nesse assunto. Depois, já na Sibéria, pude ver que Lênin conhecia os clássicos tão bem quanto eu. A Turguéniev, por exemplo, tinha relido-o várias vezes. Levei comigo à Sibéria as obras de Pushkin, Lérmontov e Nekrásov. Vladimir Llich colocou-as próximo de sua cama, ao lado de Hegel, e pelas noites relia-as uma e mais vezes. Seu escritor predileto era Pushkin. Mas não se vá pensar que apreciava unicamente a forma. Por exemplo: agradava-lhe a novela de Tchernishevski Que fazer?, apesar de sua forma ingênua e de escasso valor literário. Surpreendeu-me a atenção com que lia essa novela, captando os mais sutis matizes da mesma. Certamente, amava a imagem mesma de Tchernishevski, e em seu álbum da Sibéria havia duas fotografias desse escritor, numa das quais Llich escrevera, com sua própria letra, a data do nascimento e a da morte do escritor. Havia também no álbum de Vladimir Llich fotografias de Emile Zola e dos escritores russos Herzen e Písariev, e tomara-lhes afeição. Recordo que tínhamos também na Sibéria o Fausto de Goethe, em alemão, e um pequeno volume de poesias de Heine. 

Em Moscou, de regresso da Sibéria, Vladimir Llich foi ao teatro para ver O Cocheiro Henshel e depois me disse que a obra lhe agradara muito. 

Entre os livros que agradaram a Llich em Munich, recordo a novela de Gerhardt, Bei mama (Em Casa da Mãe) e Büttnerbaeur (Camponeses), de Polenz. 

Posteriormente, durante o segundo período de emigração, em Paris, Llich lia com prazer os versos de Victor Hugo, Châtiments, consagrados à revolução de 1848. Victor Hugo escreveu esses versos no exílio e eram introduzidos na França clandestinamente. Neles abunda uma ingênua pomposidade, mas, de qualquer maneira, percebe-se o hálito da revolução. Llich frequentava com prazer os cafés e teatros dos arredores para ouvir os chansoniers revolucionários, que cantavam nos bairros operários a respeito de tudo: dos camponeses que, quase bêbados, elegeram deputado um agitador que estava de passagem; da educação dos filhos; do desemprego operário, etc. A Llich agradava, sobretudo, Monteguse. Esse, filho de um communard, era o ídolo dos arrabaldes operários. É verdade que em suas improvisações, cheias de colorido popular, não havia uma ideologia concreta, mas sim muita e sincera paixão. Llich cantava com frequência sua saudação ao 17° Regimento, que se negou a abrir fogo contra os grevistas: "Salut, salut a vous, soldats du 17-eme" ("Saúdo-os, saúdo-os, soldados do 17º Regimento"). Certa ocasião, numa noitada organizada pelos russos, Llich entabulou conversa com Monteguse, e causava estranheza ver que aqueles dois homens tão diferentes — posteriormente, ao estalar a guerra, Monteguse passou-se para o campo dos chauvinistas — sonhavam juntos com a revolução mundial. Assim ocorre, às vezes, quando se encontram num mesmo vagão pessoas que apenas se conhecem e se põem a falar, acompanhadas pelo barulho das rodas, das coisas mais íntimas, daquilo que não disseram nunca em qualquer outra ocasião, e em seguida separam-se para não se voltarem a ver em toda a vida. Assim ocorreu naquela vez. Além disso, falavam em francês e num idioma estranho sempre resulta mais fácil em sonhar em voz alta do que na língua materna. Servia à nossa casa, por umas duas horas ao dia, uma criada francesa. Llich ouviu-a certa ocasião cantar uma canção. Era uma canção alsaciana. Ele pediu à mulher que a cantasse novamente e lhe ditasse a letra, e em seguida costumava cantá-la ele mesmo. A canção terminava assim:
vous avez pris l'Alsace et ia Lorraine. 
Mais malgré vous nous resterons français, 
Vous avez pu germaniser nos plaines, 
Mais notre coeur - vous ne l'aurez jamais!
(Tomastes a Alsácia e a Lorena
mas, apesar de vós, continuaremos sendo franceses;
pudestes germanizar nossos campos,
mas nosso coração jamais será vosso!)

Isso aconteceu em 1909, época de reação, na qual o Partido fora destroçado, mas seu espírito revolucionário não fora quebrado. Esta canção correspondia ao estado de ânimo de Llich. Era preciso ouvir quando triunfalmente soavam em seus lábios as palavras: 

Mais notre coeur — vous ne l’aurez jamais! 

Durante aqueles anos de exílio, os mais duros — Llich falava sempre deles com ódio, já de regresso na Rússia, repetiu uma vez mais o que dissera antes em mais de uma ocasião: 

Por que nos trasladaríamos então de Genebra a Paris? — Foi quando sonhava com maior firmeza. Sonhava ao conversar com Monteguse, sonhava ao cantar, triunfante, aquela canção alsaciana e, nas noites de insônia, extasiava-se na leitura de Verbaeren. 

Posteriormente, depois da guerra, Vlaldimir Llich apaixonou-se pelo livro de Barbusse, Le Feu (O Fogo), ao qual atribuía uma importância enorme. Esse livro correspondia muito ao estado de ânimo que o dominava então. 

Raras vezes íamos ao teatro. Acontecia que o pouco mérito da obra ou as notas falsas que soavam na interpretação dos atores irritavam Vladimir Llich. Quase sempre íamos ao teatro e saíamos ao terminar o primeiro ato. Os camaradas riam-se de nós, dizendo que aquilo era jogar dinheiro fora. 

Mas, uma vez, Llich ficou até o fim. Creio que foi em fins de 1915, quando em Berna representaram a obra de León Tolstoi O cadáver vivo. Embora a representação fosse feita em alemão, o ator que desempenhava o papel do príncipe era russo e soube fazer chegar ao público a idéia de Tolstoi. Llich acompanhava com atenção, muito emocionado, todas as peripécias da obra. 

E, finalmente, na Rússia. A nova arte parecia a Llich estranha e incompreensível. Em certa ocasião convidaram-nos a assistir a um concerto que se dava no Kremlin para os soldados vermelhos. Colocaram Llich numa das primeiras filas. A artista Gzovskaya recitava Maiakovski: "Nosso deus é a marcha, e o coração, nosso tambor", e deu alguns passos em direção a Llich, que se sentiu perturbado, surpreso, confuso. Quando a Gzovskaya sucedeu um artista que recitou O Criminoso de Tchékhov, Llich respirou aliviado. 

Uma tarde, Llich sentiu o desejo de ver como vivia uma comuna juvenil. Resolvemos visitar Varia Armand, conhecida professora que estudava nos Estudos Superiores de Artes Aplicadas. Acredito que foi no dia do enterro de Kropotkin, em 1921. Aquele foi um ano de fome, mas entre os jovens reinava o entusiasmo. Na comuna dormiam quase sobre tábuas nuas e não tinham pão. "Mas temos trigo", disse-nos, radiante, o comuneiro de guarda. Daquele trigo fizeram para Llich um mingau estupendo, embora não tivessem sal. Llich olhava os jovens, olhava os resplandecentes rostos dos jovens artistas que o rodeavam e a alegria deles refletia-se em seu semblante. Mostraram-lhe seus cândidos desenhos, explicavam-lhe seu significado e faziam-lhe mil perguntas. Mas Llich ria, evitava a resposta e perguntava por sua vez: "Que lêem vocês? Lêem Pushkin?", "Oh, não” — exclamou alguém — “esse era um burguês! Nós lemos Maiakovski." Llich sorriu. "Pushkin” — disse — “parece-me melhor". Depois disso, Llich via com melhores olhos Maiakovski. Ao ouvir este nome lembrava sempre os jovens... cheios de vida e de alegria, dispostos a morrer pelo Poder Soviético e que não encontravam palavras na linguagem contemporânea para expressar-se e por isso buscavam-nas nos poucos compreensíveis versos de Maiakovski. Posteriormente, Llich elogiou Maiakovski por seus versos ridicularizando os burocratas soviéticos. Recordo que, das obras contemporâneas, Llich gostou de uma novela de Ehrenburg que descrevia a guerra. "Sabes, Llya, o Cabeludo (esse era o apôdo de Ehrenburg) — disse, muito contente — saiu-se muito bem!". 

Fomos várias vezes ao Teatro de Arte. Uma vez fomos ver O Dilúvio. Llich ficou fascinado. No dia seguinte, quis ir novamente ao teatro. Representavam A Ralé, de Gorki. Llich admirava Alexéi Maxímovich como pessoa, com a qual havia sentido afinidade no Congresso de Londres, admirava-o como artista e considerava que, como escritor, bastavam a Gorki poucas palavras para compreender muitas coisas. Era extraordinariamente franco com Gorki. Por isso Llich era muito exigente com os atores que representavam obras de Gorki. O excessivo teatralismo da representação irritou-o. Depois de ver A Ralé deixou de ir ao teatro durante muito tempo. Fomos também certa ocasião ver O Tio Vânia, de Tchékhov. Agradou-lhe. Finalmente, fomos ao teatro pela última vez em 1922, ver O Grilo na Estufa, de Dickens. Depois do primeiro ato, Llich já sentia tédio, o sentimentalismo pequeno-burguês de Dickens irritava-o, e, quando começou o diálogo do velho gracejador com sua filha cega, não pôde aguentar mais e abandonou a platéia na metade do ato. 

Durante os últimos meses da vida de Ilich, a pedido seu, eu lia para ele literatura amena, habitualmente às tardes. Lia para ele Schedrín, As Minhas Universidades, de Gorki. Além disso, agradava-lhe ouvir poesia, particularmente as de Demián Biedni. Mais do que os versos satíricos de Demián, porém, agradavam-lhe os versos cheios de ênfase. 

Quando lhe estava a ler os versos, costumava ele olhar pensativamente pela janela o sol poente. Recordo uns versos que terminavam com as palavras: "Nunca, nunca serão escravos os communards". 

Ao ler estes versos, parecia-me estar jurando a Llich: 

"Nunca, nunca entregaremos uma só conquista da revolução".  

Dois dias antes de sua morte, li para ele à tarde um conto de Jack London — continua em cima da mesa em sua casa — intitulado Amor à vida. É uma obra muito forte. Por um deserto nevado, que jamais fora pisado antes por alguém, marcha em direção a um porto de um grande rio um homem enfermo, que está morrendo de fome. O homem perde suas forças e já não caminha, arrasta-se, e ao lado arrasta-se um lobo que também morre de fome. O homem e a fera travam uma porfiada luta. O homem vence: mais morto que vivo, quase louco, chega a seu destino. O conto agradou extraordinariamente a Llich. No dia seguinte, pediu-me que lesse mais contos de London. Nos livros de Jack London, porém, as obras fortes alternam com outras muito fracas. O conto seguinte era muito diferente, estava impregnado de moral burguesa: um capitão prometeu a seu armador vender lucrativamente um barco carregado de trigo; o capitão sacrifica sua vida para cumprir sua palavra. Llich pôs-se a rir e fez um gesto de enfado. 

Não pude voltar a ler para ele ...


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Extraído de Recordações de seus familiares a respeito de Lenin, Gospartizdat, 1955.
* Nadezhda Krupskaya - Revolucionária e pedagoga, após o triunfo da revolução socialista de 1917 foi coordenadora do Glavpoliprosvet (o Comitê Principal para Educação Política) e delegada coordenadora no Comissariado para a Instrução Pública, militante bolchevique e membro do Comitê Central do Partido Comunista da Rússia, esposa e camarada de Lenin.


terça-feira, 13 de maio de 2014

Os reacionários ontem e hoje

Brasil, 1873.

Dois jovens fidalgos pitam seus cigarros de palha observando um grupo de escravos trabalhando na lavoura. Um escravo desmaia, exaurido. Em frações de segundo o capataz se aproxima e o chicoteia no chão, sem piedade.

– Que mácula! Que vergonha para a espécie humana! Exclamou o primeiro jovem.
– O que foi? Perguntou o segundo.
– A situação destes homens! Isso tem que acabar! Como é possível tratarmos seres-humanos como...
– Já começou? – interrompeu o segundo jovem – Lá vem vosmicê com suas ideias de libertação, utópicas! Não existe possibilidade alguma do nosso país viver sem escravidão. Deixe de ser irrealista! As suas ideias são muito bonitas, mas não tem aplicação prática. Vosmicê sabe: existem homens que nasceram para trabalhar e outros para mandar; sempre foi assim e sempre o será!
– Um dia – redargüiu o primeiro – tudo isso será passado e nos causará profunda vergonha. Existem outras formas de organização social e nada justifica a perpetuação desta. Olhe para os outros países do mundo!
– O seu problema – exaltou-se o segundo – é que vosmicê é muito influenciado por estes poetinhas e escritores que estão em voga. Seja realista!

O primeiro jovem percebeu que não valia a pena insistir contra uma muralha fortificada de desumanidade. Continuaram pitando em silêncio, olhando com olhares diferentes o campo de concentração...

Brasil, 2004.

Dois jovens de classe média observam a rua pela janela do edifício. Mendigos brigavam por um resto de colchão; uma prostituta esperava na esquina; um homem esfarrapado falava sozinho diante de uma parede. Quase em frente ao edifício dos jovens toca o sinal da fábrica. Pouco a pouco os trabalhadores vão saindo de lá com a cara perplexa, semblante abatido, como se tivessem deixado um pedaço de vida lá dentro.

– Que vergonha! Exclamou o primeiro.
– O que foi? Indagou o segundo.
– A condição de vida destas pessoas, esta sociedade decadente. É preciso acabar com isso fazendo...
– Já começou! – interrompeu o segundo – Lá vem você com as suas ideais socialistas, utópicas...

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Grande conclusão acerca de quem não tem alma

Em 2012 aprendi muito com os alunos, mas um caso em especial naquele ano me marcou. Falei quase todo o último trimestre sobre a escravidão, o Brasil colonial e o poder da Igreja Católica nos territórios conquistados pelos portugueses e espanhóis. Pedi um trabalho sobre a escravidão africana para a semana da consciência negra. Durante a apresentação deste trabalho, um aluno, que é negro e também morador da vila Bom Jesus, relatou um trecho da sua pesquisa em que a Igreja Católica, para justificar a escravidão, dizia que os negros "não tinham alma".

Ao fim do trabalho lhe questionei sobre essa afirmação. Ele ficou um pouco pensativo, talvez em conflito consigo próprio. E dentro em pouco respondeu bem seguro de si: "quem não tem alma são eles"!

quinta-feira, 1 de maio de 2014

A precarização do trabalho na categoria dos professores do Estado do RS e no mundo: o que a greve dos estivadores portugueses pode nos ensinar?

Temos visto o aumento da divisão da categoria dos professores da rede pública entre nomeados e contratados. Esta política neoliberal mantida e aprofundada pelo governo Tarso tem triunfado sobre uma saída classista para este problema. O CPERS continua sem política para combater esta precarização do trabalho, apenas exigindo a “nomeação já” (com o que se tem acordo), mas sem levantar uma única bandeira em defesa dos atuais contratados, que se contam pela casa dos 30 mil. Muitos deles, além de ter mais de 3 anos de trabalho, passaram em concursos antigos, como o realizado no governo Yeda, mas não foram chamados. Sem a bandeira da efetivação dos atuais contratados esta contradição não terá solução.

Aproveitando-se desta divisão, o governo Tarso (PT) chantageia a categoria a trabalhar mais. Exerce uma pressão nas direções de escola através do assédio moral, que é reproduzida no chão da escola contra os educadores. Ao invés de cumprir o 1/3 de hora atividade, está exigindo que os professores (sobretudo os nomeados) cumpram 16 períodos, ao mesmo tempo em que pratica um terrorismo psicológico sobre todos os educadores. Neste intento, conta com o apoio da grande mídia. Os dois concursos foram utilizados politicamente pelo governo Tarso para fortalecer esta divisão, ainda que, através deles, vários companheiros novos tenham entrado na categoria. Estes concursos não resolveram os problemas da contratação/precarização (desmentindo a propaganda do governo Tarso) – e nem era esse o seu real objetivo –, mas, ao contrário, foram utilizados para aumentar a instabilidade da relação entre aprovados e contratados. Muitos educadores novos e velhos, por falta de uma formação política e sindical mais sólida, fruto da falta de trabalho de base do CPERS, reproduzem e reforçam a divisão e o ódio entre contratados e aprovados, quando na realidade deveriam se unificar pra lutar contra o governo Tarso e o Banco Mundial – nossos verdadeiros inimigos.

Esta realidade não existe apenas na nossa categoria, mas em todo o Brasil e também no mundo. Nas multinacionais imperialistas, como a GM, por exemplo, temos trabalhadores “efetivos”, temporários e terceirizados. Na Petrobrás vemos o mesmo quadro. Nos países europeus e nos EUA a divisão ocorre entre os trabalhadores nativos e os imigrantes, que sofrem com contratos precarizados e os subempregos. Faz parte da lógica atual do capitalismo dividir os trabalhadores, jogando uns contra os outros, aprofundando a sua concorrência, aproveitando-se da sua luta por sobrevivência contra a miséria, enquanto os massacra com diversos projetos neoliberais que retiram direitos, aumentando a exploração sobre todos, uma vez que não pode haver resistência unificada existindo dois ou mais regimes de trabalho em uma mesma categoria. A oposição sindical classista Construção pela Base já alertou sobre isso diversas vezes, mas a direção do CPERS não faz nada a respeito, apenas repete o seu tantra do “concurso público”, ignorando toda esta realidade. Recentemente um integrante da direção do CPERS (Democracia e Luta - PSTU) tirou o lugar de uma professora contratada em uma grande escola estadual, visando a sua campanha eleitoral para as eleições sindicais de junho e as gerais de outubro. Se realmente defendem os contratados da “precarização” a qual estão submetidos, o exemplo não deveria começar pela própria direção?
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Do outro lado do Atlântico nos chega um singelo exemplo que devemos refletir: trata-se da greve dos trabalhadores dos portos de Portugal. Os estivadores protestam contra as demissões indiscriminadas de colegas (só em 2013 foram despedidos 47 trabalhadores para abrir vagas para novos empregos regidos por uma legislação rebaixada) e contra a contratação de novos trabalhadores com condições precárias, através do novo operador Porlis, cujas empresas de atuação neste setor pertencem majoritariamente ao grupo Mota-Engil. Estas medidas visam criar uma nova empresa com o objetivo de provocar a insolvência da atual, aprofundando e legalizando a precarização das relações de trabalho. Os estivadores fizeram greve contra isso e pela imediata readmissão dos colegas demitidos, exigindo que fossem reincorporados ao trabalho sem nenhum direito a menos. Os estivadores de outros países europeus também entraram em greve em solidariedade à luta dos seus colegas portugueses, pressentindo que uma derrota em Portugal abriria precedente para seus próprios países.


A prática políticas e as bandeiras de luta do CPERS são o oposto das bandeiras dos estivadores portugueses, pois deixa a categoria dividida, desarmada, compactuando de distintas maneiras com a política de divisão e precarização do trabalho, conclamando os educadores a realizar greves de cima pra baixo, sem nenhum debate e na maioria das vezes com pautas governistas. Enquanto em Portugal os estivadores pressionam pela readmissão dos colegas demitidos no mesmo regime de trabalho, aqui o CPERS não levanta a bandeira de efetivação dos trabalhadores contratados por medo de se chocar com o senso comum, com a opinião pública embasada na legislação burguesa vigente. Este senso comum não percebe as intenções gerais do grande capital escondida por trás de ações aparentemente “neutras e legais”. Dentro desta lógica, os atuais contratados não são legitimamente da categoria, mas apenas material descartável. Não querem entender que esta precarização é culpa de sucessivos governos neoliberais (incluso o governo Tarso), que a transformaram em uma política de Estado aplicada a mais de 20 anos, e não dos trabalhadores contratados. Caso seja eleita Ana Amélia Lemos (PP) ou qualquer outro candidato que se proponha a dirigir o Estado burguês, esta política atual de Tarso (PT) será mantida. Não há solução fora da luta independente dos trabalhadores.

O exemplo dos estivadores portugueses demonstra um caminho para superarmos a atual divisão de regime de trabalho em nossa categoria. Baseados nisso, a Construção pela Base corretamente levanta a bandeira de efetivação dos atuais contratados que já cumpriram 3 anos no Estado, casado com a nomeação dos atuais aprovados no concurso de 2013 e com a aplicação de 1/3 de hora atividade. Estas bandeiras se reforçam e, sobretudo, criam as premissas para a necessária unidade da categoria desde a base para a luta sindical. Também se deve exigir que os próximos educadores só sejam admitidos por concurso público, abolindo, de uma vez por todas, os “contratos emergenciais”, que de emergenciais e temporários não tem nada. O CPERS exige o fim dos contratos genericamente, podendo incluir inclusive o fim dos atuais contratados. A sua oposição de esquerda exige o fim das contratações “emergenciais” com a efetivação dos atuais contratados para solidificar um único vínculo de trabalho através do Plano de Carreira. Os educadores nomeados, aprovados no último concurso e os atuais contratados devem lutar ombro a ombro contra o governo Tarso e evitar todo o tipo de picuinhas instigadas através das redes sociais, da grande mídia e da SEDUC. Afinal, é ilusão pensar que nossa vida pode melhorar individualmente dentro do capitalismo. Só a ação coletiva, de preferência através da organização sindical e política com vistas a uma sociedade socialista, pode melhorar a vida de nossa classe como um todo.