terça-feira, 4 de março de 2014

Meu amigo baiano*

Escrevo a minha primeira crônica sobre um amigo, o Baiano. Trata-se da história desse amigo meu e de um problema social.

Baiano está no Rio Grande do Sul há 11 anos, mas o conheci somente no fim de 2011. É guardador de carros numa esquina movimentada de Porto Alegre. É morador de rua há uns 6 anos. Baiano faz amigos com facilidade; é extrovertido e, até onde isso é possível em sua condição, carismático e popular. Sabe o seu limite. Não pede esmola com insistência; na maioria das vezes não pede nada.

Baiano quando tem almoço, muitas vezes não tem jantar. No verão dormia entre as árvores da Redenção em um colchão improvisado. Quando chega o inverno é um "deus nos acuda". Fala da Bahia com saudades; lembra da mãe, que não vê desde que está aqui; os olhos ficam rasos d'água. Me disse que nem sempre foi morador de rua, que tinha um emprego fixo, mas foi mandado em embora em meados de 2004, quando era casado. Tem um filho com uma mãe que lhe exige pensão. Baiano se esforça por cumpri-la. Constatei isso com os meus próprios olhos quando os vi juntos em algumas oportunidades. Vi o seu filho - que deve ter uns 5 anos - o observando enquanto "trabalhava". Parecia não entender muito bem o que se passava.

Baiano me diz que passou a largar currículos e nunca foi chamado. Disse também que sua especialidade é "portaria" e "segurança". Baiano é cabra honesto e batalhador: não se envolve com o tráfico, não bebe despropositadamente, não assalta. Procura manter a aparência até onde isso é possível. Toma banho e faz a barba de "favor" em Hospital público ou na Igreja.

No meio desse ano veio feliz me contar que conseguiu um "emprego". É claro, informal, de "porteiro", em um estacionamento próximo à Redenção. Lhe disseram que talvez, depois de três meses, teria a sua carteira assinada. Agora, além de um "salário", já tinha conseguido alugar uma pecinha na Cidade Baixa para guardar as suas coisas e dormir. Diz ele que o quarto é meio úmido e frio, mas "é melhor do que dormir na rua"! Por certo o governo Lula/Dilma e a grande mídia devem lhe considerar agora como "classe média".

Ontem estava com um semblante diferente: me disse que vão lhe mandar embora! Já não tinha destino certo novamente. Felizmente me disse que ainda tinha um dinheirinho para pagar algumas noites de albergue. Engoli seco...

Na minha concepção, Baiano tem um grande defeito: é um otimista religioso. Acredita que deus está rogando por ele e que "tudo vai melhorar amanhã". E este amanhã já dura uns 6 anos - com alguns intervalos de trégua- e não tem previsão certa para acabar.

Enquanto isso...
O governo federal destina R$708 bilhões para banqueiros nacionais e internacionais (isto é, 45% do orçamento "público"); a Vale tem lucro de R$80 bilhões; os bancos brasileiros, de R$30 bilhões em média cada um; a Petrobrás, que é teoricamente pública, em torno de R$40 bilhões.

Desse lado, um carnaval... do outro...
Baiano é um exemplo vivo daquela máxima de Rosa Luxemburgo: "é socialismo ou barbárie!". Ele não é vagabundo, não mora na rua "porque quer", não deixa de procurar emprego. Ele é apenas mais uma vítima daquilo que muitas pessoas não enxergam quando colocam os seus capacetes de Perseu: o pauperismo resultante do exército industrial de reserva! É um condenado ao inferno da indigência capitalista, que nunca terá fim enquanto o capitalismo não tiver fim.
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*Este "conto-crônica" foi publicado pela primeira vez em 2012, mas nesse blog está sendo publicado apenas agora, em 2014. É por isso que nele se lê "escrevo o meu primeiro conto".

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