quarta-feira, 21 de maio de 2025

Os investimentos chineses, os BRICS e o velho impasse petista

O governo Lula anuncia investimentos da China no Brasil. Parte da militância petista já prega a aurora de um novo tempo: “a visita de Lula à China consolida a cooperação em setores estratégicos e reforça o papel do Brasil na construção de uma ordem multipolar” (para ler clique aqui).

         A euforia destes anúncios não pode esconder a realidade para olhares mais atentos: os 27 bilhões de reais não significam mudança real para o povo, porque esses investimentos são efêmeros para quem depende do próprio trabalho para viver. Eles visam, no geral, apenas o enriquecimento empresarial — e, mais especificamente, o agronegócio —, que reverterá todo esse dinheiro para si mesmo em um mercado interno e um sistema financeiro totalmente desregulamentados, que não atendem as necessidades do povo para um desenvolvimento equilibrado do país.

         Além disso, no Brasil nunca se pode descartar um novo golpe de Estado patrocinado pelos EUA, que estanque esses investimentos e criem uma cunha nas relações com a China e os BRICS. Portanto, não podem esconder com palavras que o papel do Brasil na construção de um mundo multipolar não está assegurado de forma alguma, quanto mais consolidado.

         O governo Lula e o petismo vendem a ideia de que a partir da busca de investimentos no exterior, “criação de empregos” e do crescimento de áreas da economia nacional, sem um planejamento integrado, coerente e contínuo, é possível desenvolver o país e assegurar uma vida justa ao povo.

         Não.

         Nada pode substituir o enfrentamento aos setores que sugam a riqueza do país e as enviam para o exterior, deixando-o sem o menor controle sobre a própria economia. Enquanto Lula anuncia esses investimentos chineses, a política nacional continua controlada pela velha elite agroexportadora — que possui uma bancada muito bem organizada e militarizada no Congresso Nacional, intimidando e perseguindo opositores —, além do sistema financeiro e dos banqueiros, que asseguram aos capitalistas estrangeiros o monopólio e o controle sobre o país. 

Sendo assim, estes investimentos não podem se reverter em uma realidade melhor para o país, mas em algo passageiro, que não pode deter a crise política e os inevitáveis impasses do final dos mandatos petistas, pautados na conciliação de classes.

 

O Brasil e os BRICS

         Há quem veja nos BRICS e, em particular, na relação do Brasil com a China, a redenção do nosso país de sua condição de neocolônia.

         No entanto, somente os governos petistas apostam nos BRICS — e ainda sim de forma muito limitada. O bolsonarismo já anunciou que tiraria o país do bloco caso voltasse ao poder. Aliás, até podemos concluir que a criação do movimento bolsonarista no Brasil pelos EUA tem esta finalidade central.

         Mesmo assim, o petismo — sob o governo lulista — não vai além de “uma busca de investimentos” na China quando trata dos BRICS. Age, portanto, moderadamente para não causar atritos externos com os EUA; e internos, com as forças políticas e as hegemonias sociais que agem em nome do imperialismo ianque. Fala em soberania nacional, critica os tarifaços de Trump, busca fóruns e inúmeras cúpulas estéreis para a integração latino-americana, mas teme à morte a desdolarização e o enfrentamento com o imperialismo.

         A atual presidência brasileira dos BRICS tem agido mais como uma força “neutra”, diretamente pró-EUA, do que como um ator soberano e independente, interessado em fortalecer e consolidar o suposto “mundo multipolar”.

         Os sites “The Saker” e “Global South” tem criticado duramente a presidência brasileira dos BRICS, principalmente após a reunião de ministros do exterior, ocorridas em 28 e 29 de abril, no Rio de Janeiro: “Brasil tenta impedir o avanço dos BRICS” (para ler, clique aqui).

         Isso não acontece por acaso: o governo Lula e o petismo não lutam por criar uma nova correlação de forças internas. Como, então, poderá orientar a sua presidência do bloco a criar uma nova correlação de forças internacionais?

         O petismo provavelmente deixará o país à mercê de novos golpes da direita, porque seu projeto não avança para além do velho programa liberal de esquerda, com um sindicalismo burocrático e carreirista, limitado pela estratégia eleitoral — que dá maiorias à direita nas instituições políticas e sociais. Além do mais, o petismo não combate coerentemente a hegemonia da ideologia de livre mercado e a mentalidade meritocrática da maior parte da população, senão que as reforça.

 

Os limites dos BRICS e os limites do Brasil dentro do bloco

         Este blog já analisou os limites dos BRICS (para ler, clique aqui), que, como sabemos, é liderado por China e Rússia.

         A multipolaridade proposta por estes países poderá substituir com êxito a hegemonia estadunidense ou apenas criará uma outra “hegemonia multipolar”, com uns poucos “polos” a mais e uma grande periferia com pequenas elites econômicas dominantes sobre uma maioria de pessoas exploradas? Isto é: conseguirá criar um mundo melhor do que o existente ou apenas novas formas de dominação, mais refinadas e sutis? Tal mundo multipolar conseguirá reintroduzir valores humanos e socialistas na economia e na sociedade ou apenas modificará e refinará as formas de capitalismo?

         Além destas contradições intrínsecas ao bloco, existem as contradições próprias do Brasil que correspondem às suas limitações geopolíticas na arena internacional e do petismo como condutor deste processo, que permanece prisioneiro da hegemonia estadunidense, pois constrói suas críticas sobre postulados como “democracia”, “liberdade”, “igualdade”, “direitos humanos”, “respeito às leis de mercado” [monopolizado] etc., o que revela uma visão centrada no Ocidente como valor universal — ou seja, está enredado nas pautas e agendas cínicas dos EUA e dos seus agentes nacionais.

         Em síntese, o governo brasileiro atua como uma espécie de cavalo de Tróia dentro do bloco, agindo de forma contrária a tudo o que esperam os governos de China e Rússia e, em especial, dos teóricos do chamado mundo multipolar. Sem enfrentar a elite brasileira frente a frente, repensando o país, sua economia e instituições, não há como atuar de forma soberana dentro e fora dos BRICS.


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