O governo Lula anuncia investimentos da China no Brasil. Parte da militância petista já prega a aurora de um novo tempo: “a visita de Lula à China consolida a cooperação em setores estratégicos e reforça o papel do Brasil na construção de uma ordem multipolar” (para ler clique aqui).
A euforia destes
anúncios não pode esconder a realidade para olhares mais atentos: os 27 bilhões
de reais não significam mudança real para o povo, porque esses investimentos
são efêmeros para quem depende do próprio trabalho para viver. Eles visam, no
geral, apenas o enriquecimento empresarial — e, mais especificamente, o
agronegócio —, que reverterá todo esse dinheiro para si mesmo em um mercado
interno e um sistema financeiro totalmente desregulamentados, que não atendem
as necessidades do povo para um desenvolvimento equilibrado do país.
Além disso, no Brasil
nunca se pode descartar um novo golpe de Estado patrocinado pelos EUA, que
estanque esses investimentos e criem uma cunha nas relações com a China e os
BRICS. Portanto, não podem esconder com palavras que o papel do Brasil na
construção de um mundo multipolar não está assegurado de forma alguma, quanto
mais consolidado.
O governo Lula e o
petismo vendem a ideia de que a partir da busca de investimentos no exterior,
“criação de empregos” e do crescimento de áreas da economia nacional, sem um
planejamento integrado, coerente e contínuo, é possível desenvolver o país e
assegurar uma vida justa ao povo.
Não.
Nada pode substituir
o enfrentamento aos setores que sugam a riqueza do país e as enviam para o
exterior, deixando-o sem o menor controle sobre a própria economia.
Enquanto Lula anuncia esses investimentos chineses, a política nacional
continua controlada pela velha elite agroexportadora — que possui uma bancada
muito bem organizada e militarizada no Congresso Nacional, intimidando e
perseguindo opositores —, além do sistema financeiro e dos banqueiros, que
asseguram aos capitalistas estrangeiros o monopólio e o controle sobre o
país.
Sendo assim, estes investimentos não podem se reverter em uma realidade
melhor para o país, mas em algo passageiro, que não pode deter a
crise política e os inevitáveis impasses do final dos mandatos petistas,
pautados na conciliação de classes.
O Brasil e os BRICS
Há quem veja nos
BRICS e, em particular, na relação do Brasil com a China, a redenção do nosso
país de sua condição de neocolônia.
No entanto, somente
os governos petistas apostam nos BRICS — e ainda sim de forma muito limitada. O
bolsonarismo já anunciou que tiraria o país do bloco caso voltasse ao poder.
Aliás, até podemos concluir que a criação do movimento bolsonarista no Brasil
pelos EUA tem esta finalidade central.
Mesmo assim, o
petismo — sob o governo lulista — não vai além de “uma busca de investimentos”
na China quando trata dos BRICS. Age, portanto, moderadamente para não causar
atritos externos com os EUA; e internos, com as forças políticas e as
hegemonias sociais que agem em nome do imperialismo ianque. Fala em soberania
nacional, critica os tarifaços de Trump, busca fóruns e inúmeras cúpulas
estéreis para a integração latino-americana, mas teme à morte a desdolarização
e o enfrentamento com o imperialismo.
A atual presidência
brasileira dos BRICS tem agido mais como uma força “neutra”, diretamente
pró-EUA, do que como um ator soberano e independente, interessado em fortalecer
e consolidar o suposto “mundo multipolar”.
Os sites “The Saker”
e “Global South” tem criticado duramente a presidência brasileira dos BRICS,
principalmente após a reunião de ministros do exterior, ocorridas em 28 e 29 de abril, no Rio de Janeiro: “Brasil tenta impedir o avanço dos BRICS”
(para ler, clique aqui).
Isso não acontece por
acaso: o governo Lula e o petismo não lutam por criar uma nova correlação de
forças internas. Como, então, poderá orientar a sua presidência do bloco a
criar uma nova correlação de forças internacionais?
O petismo
provavelmente deixará o país à mercê de novos golpes da direita, porque seu
projeto não avança para além do velho programa liberal de esquerda, com um
sindicalismo burocrático e carreirista, limitado pela estratégia eleitoral —
que dá maiorias à direita nas instituições políticas e sociais. Além do mais, o
petismo não combate coerentemente a hegemonia da ideologia de livre mercado e a
mentalidade meritocrática da maior parte da população, senão que as reforça.
Os limites dos BRICS e os limites do Brasil dentro do bloco
Este blog já analisou
os limites dos BRICS (para ler, clique aqui), que, como sabemos,
é liderado por China e Rússia.
A multipolaridade
proposta por estes países poderá substituir com êxito a hegemonia estadunidense
ou apenas criará uma outra “hegemonia multipolar”, com uns poucos “polos” a
mais e uma grande periferia com pequenas elites econômicas dominantes sobre uma
maioria de pessoas exploradas? Isto é: conseguirá criar um mundo melhor do que
o existente ou apenas novas formas de dominação, mais refinadas e sutis? Tal
mundo multipolar conseguirá reintroduzir valores humanos e socialistas na
economia e na sociedade ou apenas modificará e refinará as formas de
capitalismo?
Além destas
contradições intrínsecas ao bloco, existem as contradições próprias do Brasil
que correspondem às suas limitações geopolíticas na arena internacional e do
petismo como condutor deste processo, que permanece prisioneiro da hegemonia
estadunidense, pois constrói suas críticas sobre postulados como “democracia”,
“liberdade”, “igualdade”, “direitos humanos”, “respeito às leis de mercado”
[monopolizado] etc., o que revela uma visão centrada no Ocidente como valor
universal — ou seja, está enredado nas pautas e agendas cínicas dos EUA e dos
seus agentes nacionais.
Em síntese, o governo brasileiro atua como uma espécie de cavalo de Tróia dentro do bloco, agindo de forma contrária a tudo o que esperam os governos de China e Rússia e, em especial, dos teóricos do chamado mundo multipolar. Sem enfrentar a elite brasileira frente a frente, repensando o país, sua economia e instituições, não há como atuar de forma soberana dentro e fora dos BRICS.
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