O amargo que me dá após uma aula no ensino fundamental da escola municipal onde trabalho — que talvez nem possamos chamar de "aula" — é me confrontar com as minhas limitações e a mentira de fingir que estamos ensinando e aprendendo — fingindo que somos uma escola — fingindo que estamos nos humanizando — fingindo que estamos desenvolvendo "pensamento crítico".
Certamente o fingimento começa bem acima, mas desgraçadamente se estende até o chão da escola, onde é aceito. Fingem que investem na educação — na realidade querem creches; e muitos pais não se importam com esta "qualidade" — para isso bastam 4 paredes, um telhado — não importa se com goteiras, não interessa se derretemos no verão ou congelamos e adoecemos no inverno.
Fingem, portanto, em distintos níveis e de distintas maneiras.
Os discursos são vazios. Os professores ajudam a introjetar o método e a aceitação destes discursos — incluso sua prática e, infelizmente, nas suas greves. Os alunos aprendem que as palavras não valem nada, desde o governo, passando pela mídia, até a sala de aula.
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Me preocupam outros debates e reivindicações que nem chegam perto do sindicato dos educadores, ensimesmados nas velhas querelas e egos dirigentes.
Há um problema dos alunos do Ensino Fundamental nas periferias: uma resistência em aprender. Quase sempre reclamam se lhes fazemos ler, escrever ou damos atividades de verdade.
Certamente a estrutura precária, os poucos recursos, o calor, o frio, as cadeiras desconfortáveis, as carências da vida pessoal e o descompromisso familiar pesam; porém, há uma resistência individual assimilada da sociedade do consumo (mesmo que eles quase nem consumam de fato) e do espetáculo (esse eles "consomem" bem mais).
Essa resistência se traduz em conversas, gritos, brincadeiras pesadas, recusa em aprender, não reconhecimento dos bons professores que querem realmente fazer algo (e, nesse caso, "fazer algo" é tentar lhes passar alguma coisa, fazê-los ler, escrever, entender, pensar neles e no seu desenvolvimento intelectual de alguma forma). Às vezes, a resistência que apresentam beiram a violência simbólica e até física.
Por suposto, existem explicações a essas violências, sendo elas, provavelmente, um reflexo das violências que eles sofrem cotidianamente, como morar numa vila, que traz embutido o abuso policial, o descaso dos serviços públicos do Estado, o esgoto a céu aberto, o tráfico de drogas; em suma, a própria encarnação da violência social. Porém, isso não deve nos cegar para o fato de que existe certa responsabilidade neles, das quais eles fogem.
A maioria se nega a sequer ouvir os professores dedicados — porém, não deixa de ouvir a TV, o pastor, o MC "ostentação", o ídolo medíocre do futebol que ganha bilhões (muitos são fãs do Elon Musk, que dispensa comentários). Para os bons professores fazem ouvidos moucos e mostram toda a sua má vontade — falo sobre os "bons professores", porque existem, sabemos, muitos professores que não estão nem aí pra eles, chegando ao cúmulo de se sentirem superiores por causa de um diploma.
Para tentar enfrentar essa situação era preciso uma ação unificada do corpo docente, tendo alvos pontuais em comum, para procurar constrangê-los. Por exemplo, as reuniões pedagógicas deveria ser mais produtivas e livres para justamente poderem enfrentar essa resistência, tentando levar em consideração a realidade de cada turma e de cada comunidade, bem como esse descaso que transforma as escolas públicas de Ensino Fundamental em nulidades que servem prioritariamente para adestrar os estudantes aos fins do sistema.
No entanto, não existe essa disposição nas "mantenedoras" e nos "gestores" (outro título oco), preocupados em nos ocupar com distintas tarefas burocráticas, medíocres e alheias às reais necessidades pedagógicas de cada comunidades escolar, fazendo da tal "autonomia pedagógica" das legislações mais uma letra morta. Além disso, muitos colegas são descompromissados, sendo orgulhosos ou delirando que essa má vontade dos alunos é, na verdade, uma "resistência ao sistema" dentro da favela, comprando o discurso identitário burguês e iludindo a si mesmo que a "favela venceu".
Assim segue um dia depois do outro.
E a educação pública torna-se uma máquina de adestrar, que ensina muito pouco, mas formata bem os pobres para pedir "para ir ao banheiro", "respeitar os de cima" e achar que não há saída em nada, restando apenas trabalhar, já que "o que que eu vou ganhar com todo esse conhecimento inútil?", esperando levar vantagem em tudo o que puder e, quem sabe, um dia, ter tanta fama, reconhecimento e dinheiro quanto o Neymar e o Elon Musk.
Infelizmente a voz solitária de um educador comprometido dizer-lhes que isso nunca acontecerá porque a saída é social e não individual, esbarra nos seus ouvidos moucos...
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