domingo, 6 de abril de 2025

Existe relação entre a "educação especial" e a mais-valia relativa?

 

A educação especial é um sinal dos nossos tempos.
De repente descobriu-se uma série de transtornos e deficiências nos mais variados níveis entre as crianças e passou-se a levá-los em consideração.
Ninguém em sã consciência pode ser contra incluir alunos autistas, disléxicos, com TDAH, com síndrome de down, etc., nas salas de aula. Toda convivência humana é importante e, com mais razão ainda, se faz necessário tentar incluir alunos com transtornos e síndromes.
No entanto, a maneira como se tem feito isso é que gera transtornos na vida dos professores, dado que se chega com inúmeras demandas, exigências, protocolos formais e, muitas vezes, estúpidos, em sistemas educacionais saturados e repleto de problemas nunca enfrentados.
Eu, particularmente, considero importante incluir os alunos especiais em turmas regulares, porém, isso deve ser feito com sabedoria e sem pressão descabida.
Sinceramente, eu penso que o que podemos fazer em salas de aulas com 25 ou 30 alunos é observar o comportamento dos alunos especiais e a sua relação com a turma. Que todos os especialistas, psicólogos, supervisores, "gestores", prefeitos, governadores e presidentes assumam uma sexta ou sétima série por uma semana e tentem dar aula para ver se eu estou exagerando.
Caso passem nesse teste, aí terão autoridade para exigir com rispidez e autoritarismo.
A "grande solução" encontrada para enfrentar as demandas foi colocar monitores, que acompanham os alunos especiais. Sem dúvida é muito importante, mas ainda assim não resolve o problema, dado que muitas vezes estes também são tomados por outras tarefas, não podendo estar diariamente. Além do que, na maioria das vezes, com inúmeras turmas, exigências burocráticas, trabalhos e provas, é muito difícil e penoso realizar "atividades especiais".
Os nossos "gestores" da educação querem ganhar os seus "selos de qualidade" e "humanismo" às custas do aumento da nossa exploração e carga de trabalho. Eles levam a fama; nós o trabalho dobrado, que, na maioria das vezes, é formal, porque é humanamente impossível dar conta de uma turma e, ainda por cima, pensar com qualidade as atividades, mais a integração e a correção de cada avaliação.
Eis aí o paralelo entre a "educação inclusiva" e a mais-valia relativa: para Marx, a mais-valia relativa ocorre quando o capitalista aumenta a produtividade dos trabalhadores, geralmente por meio de inovações tecnológicas, sem elevar o salário. Isso permite que, em um mesmo período, o trabalhador produza mais, gerando mais valor que será apropriado pelo capitalista.
Certamente existem limitações para essa analogia, mas ainda assim é válida. Nem os professores produzem mais-valia, nem os alunos especiais são mercadorias.
Além do quê, não se trata prioritariamente de questão salarial, ainda que o mínimo seja pagar mais por cada inclusão, já que demanda mais trabalho. No entanto, mesmo que houvesse aumento salarial, a questão não se resolveria, dado que o sistema educacional brasileiro vive em crise permanente. Portanto, trata-se, sobretudo, das condições de trabalho.
Por que as editoras que ganham rios de dinheiro com livros didáticos que muitas vezes são superfaturados e, em outros casos, como na SMED do MDB de Sebastião Melo, são usados para caixa 2, não produzem materiais adaptados para todos os tipos de transtornos e deficiências?
Os monitores podiam ser instruídos a usá-los e nós apenas supervisionaríamos e mostraríamos os assuntos que abordaríamos. O MEC, as secretarias estaduais e municipais de educação, além dos "gestores" das escolas privadas, sabem muito bem quais são os conteúdos de todas as matérias em cada série, poderiam, portanto, facilitar e colaborar com o nosso trabalho.
Então, na realidade, o problema não seria falta de planejamento e vontade política de governos e "gestores"? Por acaso eles não sabem como estão difíceis as condições de ensino e aprendizado nas nossas escolas, achando que é — literalmente — só depositar mais alunos nas salas de aula?
Eles sabem...
E o problema não termina aí: não há reuniões pedagógicas regulares e suficientes que deem conta das demandas — o que seria uma exigência mínima. Tampouco há planejamento e preocupação real em resolver estes problemas. Sequer há reuniões pedagógicas produtivas e livres para as demandas das turmas regulares.
Os sindicatos dos magistérios também não falam nada a respeito, nem se preocupam com tais problemas que tem tomado cada vez mais o caráter de cobranças arbitrárias e autoritárias sobre os professores. Só sabem formar reivindicações em torno do salário, o que é muito importante, mas nitidamente insuficiente (e, quando torna-se um ramerrão, fica contraproducente). As condições de trabalho cada vez mais precárias pela falta de estrutura, calor, frio e cobranças baseadas no assédio moral também vão nos adoecendo e nos empobrecendo de diversas outras maneiras.
Assim, vivemos no dia a dia entre o estresse das pressões de governos e direções/supervisões, a omissão dos sindicatos nas questões diárias e as ficções a que muitas vezes somos obrigados a recorrer, por bem ou por mal...

Dos fingimentos e discursos vazios existentes no sistema educacional brasileiro

 

O amargo que me dá após uma aula no ensino fundamental da escola municipal onde trabalho — que talvez nem possamos chamar de "aula" — é me confrontar com as minhas limitações e a mentira de fingir que estamos ensinando e aprendendo — fingindo que somos uma escola — fingindo que estamos nos humanizando — fingindo que estamos desenvolvendo "pensamento crítico".
Fingindo! Isso mesmo.
Sabem o significado desse verbo?
Fingir!
Eu finjo.
Tu finges.
Nós fingimos.
Certamente o fingimento começa bem acima, mas desgraçadamente se estende até o chão da escola, onde é aceito. Fingem que investem na educação — na realidade querem creches; e muitos pais não se importam com esta "qualidade" — para isso bastam 4 paredes, um telhado — não importa se com goteiras, não interessa se derretemos no verão ou congelamos e adoecemos no inverno.
Fingem, portanto, em distintos níveis e de distintas maneiras.
Os discursos são vazios. Os professores ajudam a introjetar o método e a aceitação destes discursos — incluso sua prática e, infelizmente, nas suas greves. Os alunos aprendem que as palavras não valem nada, desde o governo, passando pela mídia, até a sala de aula.

***

Me preocupam outros debates e reivindicações que nem chegam perto do sindicato dos educadores, ensimesmados nas velhas querelas e egos dirigentes.
Há um problema dos alunos do Ensino Fundamental nas periferias: uma resistência em aprender. Quase sempre reclamam se lhes fazemos ler, escrever ou damos atividades de verdade.
Certamente a estrutura precária, os poucos recursos, o calor, o frio, as cadeiras desconfortáveis, as carências da vida pessoal e o descompromisso familiar pesam; porém, há uma resistência individual assimilada da sociedade do consumo (mesmo que eles quase nem consumam de fato) e do espetáculo (esse eles "consomem" bem mais).
Essa resistência se traduz em conversas, gritos, brincadeiras pesadas, recusa em aprender, não reconhecimento dos bons professores que querem realmente fazer algo (e, nesse caso, "fazer algo" é tentar lhes passar alguma coisa, fazê-los ler, escrever, entender, pensar neles e no seu desenvolvimento intelectual de alguma forma). Às vezes, a resistência que apresentam beiram a violência simbólica e até física.
Por suposto, existem explicações a essas violências, sendo elas, provavelmente, um reflexo das violências que eles sofrem cotidianamente, como morar numa vila, que traz embutido o abuso policial, o descaso dos serviços públicos do Estado, o esgoto a céu aberto, o tráfico de drogas; em suma, a própria encarnação da violência social. Porém, isso não deve nos cegar para o fato de que existe certa responsabilidade neles, das quais eles fogem.
A maioria se nega a sequer ouvir os professores dedicados — porém, não deixa de ouvir a TV, o pastor, o MC "ostentação", o ídolo medíocre do futebol que ganha bilhões (muitos são fãs do Elon Musk, que dispensa comentários). Para os bons professores fazem ouvidos moucos e mostram toda a sua má vontade — falo sobre os "bons professores", porque existem, sabemos, muitos professores que não estão nem aí pra eles, chegando ao cúmulo de se sentirem superiores por causa de um diploma.
Para tentar enfrentar essa situação era preciso uma ação unificada do corpo docente, tendo alvos pontuais em comum, para procurar constrangê-los. Por exemplo, as reuniões pedagógicas deveria ser mais produtivas e livres para justamente poderem enfrentar essa resistência, tentando levar em consideração a realidade de cada turma e de cada comunidade, bem como esse descaso que transforma as escolas públicas de Ensino Fundamental em nulidades que servem prioritariamente para adestrar os estudantes aos fins do sistema.
No entanto, não existe essa disposição nas "mantenedoras" e nos "gestores" (outro título oco), preocupados em nos ocupar com distintas tarefas burocráticas, medíocres e alheias às reais necessidades pedagógicas de cada comunidades escolar, fazendo da tal "autonomia pedagógica" das legislações mais uma letra morta. Além disso, muitos colegas são descompromissados, sendo orgulhosos ou delirando que essa má vontade dos alunos é, na verdade, uma "resistência ao sistema" dentro da favela, comprando o discurso identitário burguês e iludindo a si mesmo que a "favela venceu".
Assim segue um dia depois do outro.
E a educação pública torna-se uma máquina de adestrar, que ensina muito pouco, mas formata bem os pobres para pedir "para ir ao banheiro", "respeitar os de cima" e achar que não há saída em nada, restando apenas trabalhar, já que "o que que eu vou ganhar com todo esse conhecimento inútil?", esperando levar vantagem em tudo o que puder e, quem sabe, um dia, ter tanta fama, reconhecimento e dinheiro quanto o Neymar e o Elon Musk.
Infelizmente a voz solitária de um educador comprometido dizer-lhes que isso nunca acontecerá porque a saída é social e não individual, esbarra nos seus ouvidos moucos...