O blog Consciência Proletária resgata e publica algumas das colunas O caos escritas pelo comunista, militante independente, cronista e cineasta italiano, Paolo Pasolini, ao jornal semanal O tempo, publicadas entre os anos de 1968 e 1970.
Leio em um número de algumas semanas atrás de Potere Operaio (Poder Operário), de Roma, num artigo não assinado, como todos os outros, o seguinte conceito: "Só quem dispõe praticamente a 'organizar' a luta, subordinado todos os demais momentos ao momento organizativo, encontra-se realmente no caminho revolucionário".
Essa afirmação me chocou profundamente: por razões morais e privadas, mas também por razões políticas e gerais.
Quanto às primeiras, vou resumi-las em poucas palavras: sou um daqueles intelectuais que, como a enorme maioria dos intelectuais, jamais organizou "nada": apenas contribuiu para a "organização" ou com palavras ou com modestas contribuições financeiras, ou, finalmente, com sua pura e simples presença. Portanto, se acreditarmos nos rapazes de Potere Operaio, eu jamais estive no caminho real revolucionário. Nunca uma distinção foi mais claramente discriminadora.
Quanto às segundas razões, as políticas e gerais, ei-las: uma afirmação como a que está em discussão não mais pertence à ordem das coisas práticas e organizativas a que desejaria verbalmente pertencer no ato de ser expressa. Ela as transcende, torna-se imediatamente um ato de fé. Não casualmente, tão logo li aquela frase, pensei: "Eis uma frase que poderia ter sido pronunciada por São Paulo".
Compreendi, subitamente, o que é o movimento estudantil. É um movimento político cujo ascetismo consiste em fazer. É algo mais do que e diverso do pragmatismo por vezes ameaçador, sob cujo signo o movimento estudantil começou: pragmatismo que ainda não transcendia a si mesmo numa espécie de religião de si mesmo: mas era um simples dado, não destituído — nos piores casos (o fanatismo por Che Guevara) — da velha retórica pequeno-burguesa. Ora, pela primeira vez na história, ao que eu saiba, o Crer nasce do Fazer: ao contrário, desde os tempos da Bíblia, através de São Paulo e até nossos dias, o Fazer não era mais nada do que a outra face do Crer.
Deve-se supor que um Crer (oculto, removido, não enfrentado, desprezado) preside toda essa operação: e que se trata apenas de um retorno a esse Crer, através da descoberta do Fazer (do Organizar).
Enquanto escravo, está se processando — na Universidade de Roma, na Faculdade de Física — uma reunião dos estudantes de Poder Operário com grupos de operários vindos de Turim, de Porto Marghera, etc., à qual irei logo mais. Naturalmente, é uma reunião prática, organizativa. E, todavia, sinto pesar sobre ela uma atmosfera rigidamente mística. Não o digo como um fato negativo, ao contrário!
Se eu chegasse a descobrir finalmente a conexão entre misticismo e organização, tornar-me-ia um organizador apaixonado. Mas seria preciso que os rapazes de Poder Operário tomassem consciência da qualidade ascética de sua afirmação sobre a organização. O problema é que, se chegassem a tanto, teriam de trair sua religião, cuja prática e cujo o rito consistem apenas, precisamente, em organizar, e "não" em pensar e teorizar sobre a organização.
Estamos no habitual "impasse" de que continuamente vivemos nos acusando. Eu, por exemplo, dizendo todas essas coisas, estou caindo no "verbalismo", ou seja, não "faço", não "organizo", razão por que estou fora do processo revolucionário. Mas falar — e, portanto, de algum modo, estar fora do processo revolucionário — poderia ser definido como a tarefa do intelectual: que paga a função do seu alheamento vivendo-o também como traição.
Nº49, ano XXXI, 6 de dezembro de 1969.
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