Para meu amigo e irmão da vida, Julio Fajardo.
segunda-feira, 30 de maio de 2022
Em reconhecimento aos artistas latino-americanos
terça-feira, 24 de maio de 2022
Ainda sobre a "guerra" da Ucrânia
O texto abaixo foi extraído de uma postagem do facebook, trazendo na sequência alguns dos comentários que ajudam a tirar uma febre das discussões feitas na internet.
O debate egostista entre Ciro Gomes e Gregório Duvivier
O excesso de humor e ironia disfarça um desespero salvacionista em Lula que pode nos fazer chorar logo ali na primeira esquina.
domingo, 22 de maio de 2022
Denúncia da oposição sindical metalúrgica de Gravataí-RS
terça-feira, 10 de maio de 2022
São Paulo: locomotiva puxando vagões vazios ou economia autônoma que se desenvolve às custas do atraso do resto do país?
O
Brasil contemporâneo se formou sobre uma lenda que diz que o Estado de São
Paulo seria uma locomotiva puxando “26 vagões vazios”, representados pelos
demais estados da federação[i].
Tal dito popular seria verdadeiro ou se trataria de uma forma de ideologia que
esconderia uma poderosa contradição entre o desenvolvimento paulista versus o subdesenvolvimento do resto do Brasil?
Sabe-se que no capitalismo alguns
países e regiões se desenvolvem às custas de outras. Por exemplo: a revolução
industrial inglesa foi realizada às custas da exploração de mão-de-obra escrava
nas Américas, que terminaram por levar o algodão do sul dos EUA e todo o ouro
das Minas Gerais brasileiras, sendo Portugal um reles intermediário. Os países
ditos “desenvolvidos” – como os EUA e os da Europa Ocidental – assentam seu
“desenvolvimento” sobre o subdesenvolvimento dos países periféricos e
semicoloniais. Não por acaso precisam revalidar permanentemente a sua dominação
sobre estes últimos.
Guardadas as devidas proporções, a
mesma lógica pode ser aplicada ao desenvolvimento de São Paulo em comparação ao
restante do Brasil. O seu desenvolvimento está assentado sobre o
subdesenvolvimento dos demais Estados periféricos do país – quanto mais
afastados do sudeste, mais pobres, miseráveis e dependentes. A elite paulista e
brasileira criaram a ideologia de que o povo do sudeste é trabalhador e
comedido – uma suposta qualidade herdada dos bandeirantes, que na verdade eram saqueadores
e escravizadores de povos –, enquanto que o restante – sobretudo o povo do
nordeste – seria preguiçoso e esbanjador.
Se observarmos com cuidado a história
recente do país, poderemos constatar que a glorificação que a elite paulistana
– a mais poderosa do Brasil – faz da [contra] revolução constitucionalista de
1932 é parte desta estratégia ideológica. Suas datas foram transformadas em
feriados, monumentos públicos; seus soldados glorificados como heróis estaduais.
No entanto, a história da cidade “que não é conduzida, mas conduz”, precisa ser
passada a limpo.
A gênese do poderio econômico de
São Paulo em detrimento do Brasil: a República Velha (1889-1930)
A burguesia brasileira nasceu no campo,
não na cidade. A produção agrícola colonial – baseada no trabalho escravo
africano – foi destinada desde o começo aos mercados externos. O Brasil teve
dois eixos coloniais: Bahia-Pernambuco, durante o período açucareiro; e São
Paulo-Rio de Janeiro durante o período cafeeiro (com um breve intervalo entre
um e outro quando da exploração do ouro em Minas Gerais, que foi a região
responsável por este deslocamento do eixo econômico do nordeste para o sudeste)[ii].
A cultura do café começou relativamente
tarde, nas regiões montanhosas vizinhas do Rio de Janeiro, durante a vigência
do império (1822-1889); se estendendo por todo o período conhecido como
República Velha (1899-1930), Primeira
República ou República do Café com
Leite. Este regime político foi imposto ao Brasil pela burguesia cafeeira
de São Paulo, que, com isso, consolidou sua hegemonia sobre toda federação[iii].
Certas particularidades nacionais
concorreram para facilitar e consolidar esta imposição: a extensão territorial
do país, a fraca densidade populacional do final do século XIX e início do XX;
a agricultura industrializada de São Paulo, em comparação com a agricultura
rudimentar do restante do país; até 1930 a ausência de renda fundiária, que
ocasionava a confusão entre o proprietário da terra e o proprietário da
exploração agrícola; o desenvolvimento desigual do capitalismo; a divisão
política frouxa, que legaliza a supremacia dos estados mais fortes economicamente
sobre os mais fracos, e que se estende até os dias de hoje; o impulso
industrial progressivo e a pressão imperialista.
A proclamação da República em 1889 e a
Constituição de 1891 consagraram a hegemonia definitiva de São Paulo sobre os
demais estados da federação. A aceitação por parte da elite nacional do eixo econômico centrado nas lavouras
cafeeiras paulistas asfixiou direta ou indiretamente o desenvolvimento
econômico do restante do país, selando o pacto com o imperialismo inglês. Assim
iniciou a ascensão política e econômica do Estado mais rico da federação, que
procurava respaldar-se na disseminação de ideologias como a da “locomotiva” puxando
vagões vazios!
Durante toda a República Velha a
produção cafeeira paulista foi a “menina” dos olhos do governo federal,
sacrificando o resto da economia do país para protegê-la. Os fazendeiros de
café recebiam dinheiro adiantado do Estado, garantindo, assim, sua safra com
preços elevados. O Convênio de Taubaté, de 1906, foi o exemplo mais triste e
ilustrativo: a partir da busca de empréstimos internacionais, o Estado brasileiro
subsidiou o preço elevado do café de São Paulo, protegido previamente de
qualquer prejuízo e, portanto, tendo seus lucros assegurados de antemão. A burguesia paulista pôde,
então, combinar elementos de acumulação primitiva com os processos de acumulação
capitalista que só “a força concentrada da sociedade”, isto é, o poder do
Estado [nacional] – agora “republicano”! –, permite sistematizar: a dívida
pública, o sistema tributário e o protecionismo. A política econômica da
burguesia paulista imposta ao governo federal ia no sentido da manutenção do
monopólio da produção cafeeira no mercado mundial[iv] –
o que comprometeu todo o restante da economia nacional.
Da riqueza estrondosa dos barões do café
foram sendo erguidos os mausoléus da futura Avenida Paulista. Os arranha-céus
de hoje, que abrigam o corrupto e fraudulento sistema financeiro nacional,
inspirado no internacional, são os herdeiros diretos deste período de grande
“prosperidade meritocrática” e “empreendedora” dos cafeicultores e empresários
paulistas – e o Estado brasileiro o seu principal fiador!
A Revolução de 1930 e a “Revolução”
Constitucionalista de 1932: revolução e contrarrevolução na formação do Brasil
contemporâneo
A riqueza descomunal do Estado de São
Paulo em comparação ao restante do Brasil é um dos epicentros da disputa
desencadeada com a chamada Revolução de 1930. Portanto, é bastante natural que
a burguesia de São Paulo se colocasse como principal defensora do antigo regime
“republicano” e da Constituição de 1891, que lhe garantia folgada margem de
manobra econômica dentro daquele tipo de “federalismo”. O mote da “Revolução”
Constitucionalista de 1932 (na verdade, uma contrarrevolução) foi a luta
desencadeada pela elite paulistana contra a centralização federativa em torno
do projeto nacional do Estado varguista,
que ameaçava diretamente a hegemonia econômica e política de São Paulo sobre a
federação.
O projeto varguista estava baseado em
outros eixos econômicos e “desenvolvimentistas” que entravam em conflito direto
com os interesses da elite paulistana. Com o lento desenvolvimento capitalista
dos demais estados do Brasil, tornava-se natural que suas elites regionais,
através dos “Partidos Republicanos” estaduais, almejassem participar cada vez
mais – e em pé de igualdade – da gestão do aparelho do governo federal[v].
Se a indústria de São Paulo carecia de
mercados, a indústria nascente e o caráter policultor do Rio Grande do Sul
exigiam uma proteção mais atenciosa do governo federal, que não ocorria, uma
vez que estava todo absorto pelos interesses da cafeicultura. A produção
variada de Minas Gerais e suas perspectivas de desenvolvimento da indústria
pesada reclamavam participação maior no poder central, além dos motivos
políticos do seu levante, que se expressam no rompimento da aliança tradicional
com São Paulo. O nordeste exige uma intervenção política e econômica menos
precária da União, a fim de resolver mais sistematicamente os problemas
fundamentais de sua economia, para tornar possível um desenvolvimento mais
regular[vi].
A necessidade de recorrer sempre ao
crédito para cobrir a dívida anterior – processo clássico da acumulação
imperialista –, geralmente como necessidades da produção cafeeira, teve como
consequências: 1) resolver os problemas da burguesia cafeicultora paulista, tal
como ficou evidenciado no Convênio de Taubaté, sem nenhum retorno para o
restante do país que não o declínio, a dependência ou mesmo a ruína das demais
economias estaduais; e 2) o aumento progressivo dos impostos e, a seguir, a
expropriação das classes rurais e proletárias.
A origem do nosso país deve-se mais às
correntes imigratórias estrangeiras do que às velhas populações rurais
brasileiras; e seus interesses, por sua própria natureza, são regionais. Como a
economia nacional sempre esteve voltada para atender os interesses do mercado
mundial – geralmente fornecendo matérias-primas –, havia uma contradição
evidente entre os interesses das burguesias locais, que estavam interessadas na
criação de um mercado interno dinâmico; e os interesses da burguesia de São
Paulo e Rio de Janeiro, interessadas em manter a economia brasileira voltada à
exportação de produtos primários, no caso o café, para o mercado mundial, em
estreita dependência e ligação com o imperialismo inglês e estadunidense.
Ao longo da primeira metade do século
XX, o Brasil havia passado por algumas transformações: a sociedade urbana
cresceu, a indústria secundária ampliou seu espaço na economia nacional,
levando a um aumento do poder das burguesias das cidades sobre as tradicionais
oligarquias agrárias; a classe média e o operariado cresceram e aumentaram seu
peso social, exigindo uma representação política correspondente. A formação de
uma classe média de pequenos proprietários, funcionários públicos e
profissionais liberais nas cidades encontrou eco na intensificação das
manifestações políticas do chamado Tenentismo,
movimento interno ao exército que incentivou diversas mobilizações no Rio de
Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul (de onde surgiram quadros políticos como
Luís Carlos Prestes, Siqueira Campos e Juarez Távora).
O movimento dos tenentes no seio do
exército brasileiro da época – um tanto diferente do que é hoje –, por ser de
baixa patente, encontrava-se mais sujeito às pressões populares, e exigia uma
mudança de regime político que liquidasse com as aberrações do voto a cabresto
e da indicação de presidentes pela tradicional política do café com leite. A
elite gaúcha, mineira e paraibana, por sua vez, canalizaram este descontentamento
e galvanizaram um movimento armado, que encontrava certo respaldo popular,
confuso e contraditório, dado a ausência de uma política revolucionária
coerente que a desmascarasse e a disputasse.
A Aliança Liberal, liderada por Getúlio
Vargas e Osvaldo Aranha, toma o poder em outubro de 1930, realizando diversas
mudanças no aparelho administrativo estatal. Nomearam interventores nos Estados
alinhados à nova política “revolucionária”, de caráter centralizador. Muitos
deles eram figuras ligadas ao movimento Tenentista
– inimigos declarados da estrutura da República Velha e, portanto, inimigos indiretos
dos interesses da burguesia de São Paulo, que necessitava do antigo regime
“federalista” baseado na Constituição de 1891.
Aos gritos de “golpe” e de “ditadura”,
a elite paulistana desencadeia um movimento de contrarrevolução – chamada
eufemisticamente de “Revolução Constitucionalista” –, cuja organização central
coube à FIESP e à Associação Comercial paulista, objetivando incitar as demais
elites locais contra o “novo” governo liderado por Getúlio Vargas, revogando
todas as medidas possíveis que a guerra civil de 1930 tinha instituído a partir
do novo governo. O que a burguesia paulista queria, em síntese, era “forçar a volta do Brasil ao império da lei”,
isto é: voltar à Constituição de 1891, uma vez que “ficara sem Carta Magna com a Revolução de 1930; e transformara-se em
ditadura opressiva, sem lei, mas especialmente voltada contra o nosso Estado e
a nossa riqueza”[vii].
Para a historiadora Vavy Pacheco Borges, com a Revolução de 1930, “São Paulo estava perdendo a hegemonia que
desfrutava na República Velha. Getúlio estava tirando a gestão do negócio do
café da mão dos paulistas”[viii].
A grande preocupação, como se vê, não é com a “ditadura” ou a suposta “ausência de democracia e de lei”, mas com a “nova lei” e o “novo estado de coisas” que tinha como finalidade supostamente “se voltar contra a riqueza do Estado de São Paulo”. E isso por uma razão óbvia: a essência da contrarrevolução constitucionalista de 1932 se deveu ao fato de que a “ditadura varguista” tentou se utilizar da “riqueza paulista” – acumulada a partir dos vários “convênios de Taubaté” – para desenvolver a indústria nacional e a economia do país. Ainda que o projeto varguista de governo tenha sido extremamente limitado aos marcos democrático-burgueses, enfrentou uma resistência encarniçada da elite paulista que, de certo modo, dura até hoje. É este tipo de projeto nacional que ela entende como “roubo de sua riqueza”.
Qual lema vale: Pro Brasilia fiant eximiá ou Nom Ducor Duco?
A contrarrevolução constitucionalista
de 1932 levantava um lema em latim, intitulado: Pro Brasilia fiant eximiá (pelo Brasil façam-se grandes coisas).
Contudo, ele está em frontal contradição com o lema presente no brasão da
cidade, criado, não casualmente, em 1917, no auge da República Velha: Nom Ducor Duco (Não sou conduzido,
conduzo). O lema das “grandes coisas pelo Brasil” foi um disfarce ao “Nom Ducor
Duco”, que resume toda a prática de São Paulo até os dias atuais. Conduzir o
Brasil segundo os seus interesses, segundo a concepção da sua elite, é vendido
como “fazer grandes coisas por ele”.
Mesmo que a contrarrevolução de 1932
tenha sido derrotada militarmente, ela atingiu um equilíbrio de forças que lhe
interessava, dado que o colégio eleitoral paulista na assembleia constituinte
de 1934 era o maior da federação, levando Getúlio Vargas a procurar – como
sempre – uma conciliação possível, tolerando e acomodando grande parte das
reivindicações da elite paulistana, e dando destaque e preferência para o
sudeste no recebimento de investimentos para o desenvolvimento industrial.
Assim, Vargas “foi conduzido” a um novo equilíbrio, embora seu poder tenha sido
contestado direta ou indiretamente pela elite paulistana até sua renúncia total
em 1945 e a imposição do isolamento político após sua eleição em 1950.
Assim,
o resultado do embate entre as forças paulistas e o governo varguista, a
despeito das várias mortes, foi considerado uma “vitória moral”[ix],
conseguindo reequilibrar sua hegemonia, mantendo-se não apenas como o centro
industrial hegemônico do país, mas como o principal destino dos investimentos
internacionais e nacionais. Os ideólogos da contrarrevolução de 1932 sustentam
que “não teria
havido redemocratização no Brasil
sem o Movimento Constitucionalista de 1932”[x]; e
conclamam que “a derrota militar acabou
se transformando em vitória política. Em 3 de maio de 1933, foram realizadas
eleições para a Assembleia Constituinte. Foi quando a mulher votou pela
primeira vez no Brasil, em eleições nacionais”[xi].
Segundo eles, “graças à criação da
Justiça Eleitoral, as fraudes deixaram de ser rotina nas eleições brasileiras”[xii].
Ora,
os “avanços” referentes à democracia burguesa (como a Justiça Eleitoral, o voto
feminino, etc.) foram resultados mais ou
menos diretos da Revolução de 1930, sem a qual, São Paulo nunca proporia
tocar na estrutura política da República Velha. Cabe perguntar simplesmente: se
não fossem as comoções ocasionados pela Revolução de 1930, a elite de São Paulo
teria proposto uma “nova” Constituição? Se sim, por que então ela continuou
exigindo até 1932 a manutenção da legalidade de 1891 e lutou com unhas e dentes
contra a Aliança Liberal, cujo epicentro da campanha era a luta contra a
estrutura política brasileira?
Surgiu,
então, “Justiça Eleitoral” e o “voto feminino” – contra a sua vontade inicial
–, mas manteve-se e modernizou-se a hegemonia paulista sobre e federação.
***
Já
nas décadas de 1980-1990, São Paulo consolidou-se como um centro de especulação
financeira, cujo epicentro são os “arranha-céus” da Avenida Paulista e da Faria
Lima. É por este canal que o imperialismo estadunidense controla todo o
restante do país.
O Chile não é a única cobaia neoliberal
da América Latina. Os governos do Estado, hegemonizados pelo PSDB há décadas,
fazem de São Paulo, a mando da Escola de Chicago, o seu laboratório de experiências
neoliberais a serem seguidas pelos demais estados do Brasil e da própria
América Latina, que não pode ser indiferente ao que acontece na sua cidade mais
populosa.
***
Octavio Frias de Oliveira, o jornalista
fundador da Folha de S.Paulo, que tinha completado 20 anos de idade durante a contrarrevolução constitucionalista de
1932, afirmou que “foi uma histeria
coletiva em São Paulo, todo mundo se alistou. Eu não acreditava naquela
‘revolução’, achava que nós íamos perder, mas a pressão era tão grande que
resolvi me alistar também”[xiii].
Já para Alfredo Ellis Jr., que lutara
nas trincheiras de 1932, “a maioria dos
que se bateram bravamente nas fileiras rebeldes se viu arrastada pela
enganadora propaganda dos políticos ambiciosos, que foram os principais
responsáveis pelo desencadeamento da guerra civil”[xiv].
Outro líder militar da guerra paulista, Pedro de Toledo, fazendo apontamentos
que marcaram o conflito em São Paulo, notou que o povo era “facilmente sugestionável”[xv].
Impressão semelhante a do escritor modernista Mário de Andrade, que teceu
observações acerca do “mimetismo das
classes incultas, mais sujeitas à pressão do coletivismo”[xvi].
Tais depoimentos, insuspeitos, dado que
provém das próprias fileiras do movimento de 1932, não deixam dúvidas quanto ao
caráter desta “revolução” e quanto as “grandes coisas pelo Brasil” nada mais
serem do que garantir que a elite paulista “não fosse conduzida, mas
conduzisse”.
Em relação ao operariado, a
“iniciativa” da criação das suas milícias coube a ninguém menos do que a FIESP,
já que “havia desconfiança de que os
operários fossem mais simpáticos a Vargas do que à causa constitucionalista,
(...) cuja tarefa era evitar e reprimir
eventuais sabotagens”[xvii].
Se São Paulo é a locomotiva, quem é
o seu carvão?
Em
2010, “o governador Geraldo Alckmin
postou o endereço do blog tudoporsaopaulo1932.blogspot.com em seu próprio twitter. Toda a mídia respaldou sua iniciativa e já
em maio de 2010 ele seria agraciado com a medalha MMDC, outorgada pela Polícia
Militar do Estado de São Paulo e pela Sociedade Veteranos de 32 MMDC”[xviii].
A
elite paulista vende a disparidade entre a economia de São Paulo e a do
restante do Brasil como algo inevitável, natural, progressista e positivo. O atual
governador do Estado, João Dória (PSDB), utiliza os dados econômicos da
supremacia de São Paulo sobre o Brasil como forma de propaganda do “acerto” de
sua política e de seu governo[xix]
em comparação à política de Bolsonaro (sendo que ambos aplicam exatamente a
mesma política econômica neoliberal), tentando capitalizar o seu desgaste
político para a chapa presidencial tucana.
Contudo,
Dória não tem nenhum mérito nesta “vantagem” de São Paulo sobre o Brasil, dado
que ela é, como vimos, parte da realidade histórica do país. “Houve um aumento de 7,5% na atividade
econômica em São Paulo em três anos, contra 1,5% no Brasil neste mesmo período
[de 2019 ao final de 2021]”[xx],
afirmou Doria, sintetizando e confirmando a ideia central deste artigo.
O
governo paulista ainda afirma, com orgulho, que “São Paulo é a 21ª maior economia do mundo”: “o PIB paulista é maior que o de países como Polônia, Suécia, Bélgica,
Argentina, Áustria, Noruega, Irlanda, Singapura e Dinamarca. Com o PIB na casa
dos U$ 603,4 bilhões, São Paulo é a terceira maior economia e o terceiro maior
mercado consumidor da América Latina”[xxi].
Como
centro econômico e financeiro do país, São Paulo promove a farra da especulação
financeira e do investimento nacional e internacional sem retorno para o
desenvolvimento do restante do Brasil[xxii].
Busca investimento internacional para centrar-se na consolidação de seu poder econômico autônomo, quase como uma
“zona econômica especial”, tipo Hong Kong. Em seu livro 21: o século da Ásia, o jornalista Pepe Escobar cita um estudo que enumera
uma série de desdobramentos do crescimento das transnacionais sobre o mercado
mundial e a relação entre os países: “1)
enfraquecimento da Nação-Estado; 2) emergência de organismos supranacionais,
como a União Europeia, a APEC, a ASEAN, o Mercosul; 3) emergência de poderes
regionais em detrimento do poder central, como, por exemplo, Sul da China,
Catalunha, norte da Itália, o Estado de
São Paulo; 4) mercados financeiros determinando política fiscal e monetária
para quase todos os países do mundo...”[xxiii].
Hoje
não é mais a economia cafeeira que dá a tônica da hegemonia de São Paulo sobre o
Brasil, mas a sua estreita ligação com o mercado financeiro. Esta é a porta de
entrada para a venda das commodities
do resto do país em colaboração com o agronegócio da região sul e centro-oeste
(além do próprio interior paulista[xxiv]),
que tende a subjugar e a atrofiar a economia do resto do país.
O
desenvolvimento econômico e social do Brasil pressupõe o enfrentamento a esta
disparidade. Um modelo possível para isso foi o aplicado por Tito na
Iugoslávia, que teve como resultado a contenção das disputas xenofóbicas e
nacionalistas na região dos Balcãs por mais de 20 anos[xxv].
Ele consistia basicamente na rotatividade de poder deliberativo entre as
diversas nacionalidades, partindo da premissa de que as regiões mais ricas
deveriam investir nas mais atrasadas e pobres, afim de que as disparidades fossem
superadas gradativamente, possibilitando um desenvolvimento mais equilibrado e
igualitário. Não casualmente, quando se desencadeou o processo de restauração
do capitalismo, na década de 1990, o imperialismo estadunidense e a OTAN
incitaram as elites locais a destruírem este tipo de governo, levando os “nacionalistas
iugoslavos”, que lideraram a restauração capitalista, “a se desembaraçar das regiões mais pobres e atrasadas”[xxvi],
reforçando o discurso ufanista e lançando a região de volta às velhas disputas chauvinistas e divisionistas.
Para
haver uma superação desta condição subalterna do Brasil em relação a São Paulo,
certamente teremos que passar por um processo revolucionário que tenha uma
intervenção política e econômica consciente. À revolução de 1930, por exemplo,
nós teremos que somar a experiência iugoslava.
Portanto, podemos afirmar que se São Paulo é
uma locomotiva, os 26 estados são, na realidade, o seu carvão; isto é, o seu
combustível! Rever todas as ideologias referentes à contrarrevolução paulista
de 1932 é um importante primeiro passo
para repensarmos uma estratégia revolucionária e de desenvolvimento econômico
para o país.
Referências
[i]
Ver, por exemplo: https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/sao-paulo-e-o-21o-colocado-no-ranking-das-maiores-economias-do-mundo/
Hoje houve uma mudança nesta ideologia: o governo de São Paulo ainda se
autoproclama como uma locomotiva, omitindo os “vagões vazios”.
[ii]
ABRAMO, Fulvio & KAREPOVS, Dainis (Orgs.). Na contracorrente da história –
documentos do trotskismo brasileiro 1930-1940. Editora Sundermann, São Paulo,
2015 (páginas 64 e 65).
[iii]
Idem (página 70).
[iv]
Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2016/07/o-desenvolvimento-do-capitalismo-no.html
[v]
ABRAMO, Fulvio & KAREPOVS, Dainis (Orgs.). Na contracorrente da história –
documentos do trotskismo brasileiro 1930-1940. Editora Sundermann, São Paulo,
2015 (página 71).
[vi]
Idem (página 73).
[vii]
Centro de Estudo “Roberto Mange”. Revolução Constitucionalista, subsídio
organizado pelo professor Antonio d’Ávila – 1965 (páginas 3 e 4).
[viii]
Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 7, Nº82, julho de 2012 (página
45)
[ix] Idem
(página 18).
[x]
Revista “A revolução constitucionalista 1932”
– Brasil histórico. Editora Minuano, www.edminuano.com.br , 2012 (página 73 –
grifos nossos).
[xi]
Idem.
[xii]
Idem (página 74).
[xiii]
Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 7, Nº82, julho de 2012 (página
4).
[xiv]
Idem.
[xv]
Idem.
[xvi]
Idem.
[xvii]
Revista “A revolução constitucionalista 1932” – Brasil histórico. Editora
Minuano, www.edminuano.com.br , 2012 (página 38).
[xviii]
Idem (páginas 80 e 81). O blog atualmente está fora do ar, mas já foi analisado
pela referida revista e pela grande mídia burguesa: https://www.dgabc.com.br/Noticia/467105/simbolo-do-orgulho-paulista-revolucao-de-1932-faz-81-anos
[xix]
Ver: https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/pib-de-sp-cresce-5-vezes-mais-que-o-do-brasil-em-3-anos-aponta-seade-2/#:~:text=O%20Governador%20Jo%C3%A3o%20Doria%20anunciou,2021%2C%20segundo%20a%20Funda%C3%A7%C3%A3o%20Seade
(acesso em 14 de abril de 2022).
[xx]
Idem.
[xxi] http://www.casacivil.sp.gov.br/sao-paulo-e-a-21a-maior-economia-do-mundo/
(acesso em 14 de abril de 2022).
[xxii]
Ver: https://www.investe.sp.gov.br/por-que-sp/ (acesso em 14 de abril de 2022).
[xxiii]
Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2020/12/comparacoes-de-analises-sobre-as.html
(acesso em 14 de abril de 2022 – grifos nossos).
[xxiv]
Ver: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/TerTexto.php?codTexto=16008
(acesso em 14 de abril de 2022).
[xxv]
Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2018/08/tito-um-grande-estadista-proletario.html
(acesso em 14 de abril de 2022).
[xxvi]
Idem.
quinta-feira, 5 de maio de 2022
Lucas Berton, Paulo Galo e Emílio Gennari: algumas linhas sobre disputa de consciência
*Por Denes, militante do Centro de Estudos e Formação da Classe Trabalhadora do Estado do Maranhão. Texto publicado originalmente em:
https://ceclatma.blogspot.com/2022/05/lucas-berton-paulo-galo-e-emilio.html
Lucas pediu que eu produzisse um texto pro blog CONSCIÊNCIA PROLETÁRIA.
Eu proponho que todos @s camaradas dos nossos círculos e grupos fizessem o mesmo, produzam textos e vamos compartilhar entre nós.
Fiz uns cotejamentos entre as produções textuais do Lucas Berton e do camarada Emilio Gennari do Núcleo 13 de Maio. O texto do Emílio é mais extenso, com mais fôlego e uma verve maior de educador popular, põe as bases materiais das ideias vigentes. A pegada do Lucas é mais na psicologia de massas. Ambos partem de diferentes abordagens e chegam a um denominador comum.
Alguns pontos de preâmbulo. Acabo de assistir uma entrevista com Paulo Galo líder dos entregadores e ele diz que refutou, baseado na própria Bíblia, um bobinho terraplanista que também é trabalhador entregador. Pô, ninguém gosta de sentir burro, então Paulo pede pro seu amigo de corre, e para este se sentir inteligente, lhe explicar o que tem naquele livrinho pequeno chamado MANIFESTO COMUNISTA. Paulo finge não entender as linhas do Manifesto. O terraplanista realmente entende e explica pro Paulo o conteúdo básico do Manifesto de 1848 e daí Paulo Galo faz um recuo tático dizendo "é realmente a terra é plana, eu estava enganado". Pois foda-se se a terra é plana ou não, o importante é que o parceiro entendeu as mínimas palavras do Manifesto. Pode ser (ou não) que lá na frente ele abandone sua postura terraplanista ou que ele nunca mais volte a tocar nesse assunto pra não se ver de novo constrangido. Quem quiser saber da entrevista toda tem o vídeo no youtube.
Paulo Galo está dizendo o problema de ser esquerda na favela, como se comunicar na favela o esquerdinha geralmente não sabe porque está cheio de verdade prontas e acabadas e, pior, se considera detentor delas. Diz Emílio: "Por isso, nenhuma ideia, conceito ou demonstração teórica, por si só, é capaz de superar o que nasceu e se alimenta da vida cotidiana".
O Lucas sugere no seu texto que deve-se "romper este eterno retorno ao ponto de partida do proletariado do país, há que se levar em consideração os novos avanços científicos – como a psicanálise, por exemplo –, procurar novas formas organizativas, mais condizentes com a realidade da classe trabalhadora brasileira".
Se eu entendi bem, a abordagem sugerida pelo Lucas é posta em prática pelo camarada Paulo Galo. Paulo não mostra a verdade e resposta nenhuma porém apenas encaixa, humildemente, as perguntas certas fazendo com que o paciente ele mesmo encontre a verdade.
Agora sim indo ao tema de minhas anotações. Noto semelhanças e diferenças de abordagens entre os dois autores — Lucas e Emílio.
Lucas: "Nesse sentido, sua agitação e propaganda acabam rompendo as poucas pontes que existem com a massa".
Emílio: "Há quanto tempo os simples deixaram de ser protagonistas do esforço de fazer com que a ação nasça de baixo para cima para serem destinatários do que elaboramos em grupos restritos? (...). Podemos achar que estas perguntas não passam de uma provocação barata, reagir a elas com indignação e indiferença, apontar o futuro como o lugar de grandes realizações, mas os fracassos provam que há um abismo entre o mundo dos espoliados e o dos movimentos que dizem representá-los".
Lucas coloca assim:
"Porém, temos que trabalhar com a massa real, tal como ela é: cheia de contradições e desvios moralistas, burgueses, patriarcais, religiosos; e, sobretudo, precisamos insuflar-lhe consciência de sua devida responsabilidade social, procurando analisar no concreto a sua mudança de postura, e confrontando-a permanentemente com suas próprias contradições. Inclusive devemos fazer um longo trabalho de base que combata a sua espera por um milagre vindo de um 'salvador da pátria': tarefa longa, dificílima e impopular, renegada pela 'esquerda revolucionária'".
Enquanto Emílio diz: "Nas inúmeras vezes em que ouvi educadores populares, dirigentes e militantes desqualificar como 'alienada' a leitura que o povo faz da realidade tive a impressão de que se referiam a um conjunto de ideias cuja superação dependia, fundamentalmente, da capacidade de contrapor, com criatividade e persistência, outras ideias tidas como 'esclarecidas', 'classistas' e 'de luta'. (...) Ao chamar o povo de alienado, dizemos apenas que o modo capitalista de produção teve êxito na sua tarefa de, por exemplo, criar operários com cabeça de patrão ou de convencer os pobres de que sua penúria é fruto de uma sina cruel, de um demônio sem escrúpulos ou da incapacidade de aproveitar as oportunidades".
Lucas: "Nesse sentido, há uma manipulação histórica muito bem feita das suas ideias, dos seus 'valores morais', do seu sadismo e das suas emoções primárias pela grande mídia, pela moral social, pelas escolas e universidades, pelas igrejas; em síntese, pela estrutura oficial".
Entendi que a Estrutura não é algo que paira acima das vidas sociais e sim que devolve às pessoas seu próprio vômito, o que elas têm de pior. Devemos nós atiçar o que elas têm de melhor e aqui faço a comparação com a metáfora, empregada pelo Emílio, dos carros de diferentes tamanhos e tipos que transitam caoticamente pelas consciências.
Emílio enfatiza que "a luta popular não dará um passo se quem clama para si o papel de vanguarda for incapaz de caminhar com o povo, de entendê-lo, respeitá-lo, de fazer com que os passos da mudança incorporem a sua resistência, compreender o VIVIDO, o SENTIDO, sem ficarmos a reboque. 'É óbvio que não devemos absolutizar as manifestações populares como portadoras de verdades absolutas, de posturas transformadoras por excelência e nem mesmo como alheias à visão de mundo dos grupos de poder ou livres de aspectos que representam uma fuga da realidade'. (...) Esta é a condição sem a qual é impossível entender a maneira de pensar e agir do povo e, menos ainda, de instaurar um diálogo prático-teórico que supere suas compreensões atuais".
A conclusão que eu tiro é que já é errado se a disputa de consciência se põe em termos de convencimento do outro, como tantas vezes eu tenho visto no discurso de esquerda.
Fontes:
1. A vida nas dobras do senso comum. Emílio Gennari. Educador do Núcleo 13 de Maio. Brasil, 18 outubro de 2021. 23 páginas.
2. Por que a classe trabalhadora brasileira ainda acredita em Lula? Uma abordagem a partir da psicologia de massas. Lucas Berton. Sexta-feira, 26 de novembro de 2021. Aqui: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2021/11/por-que-classe-trabalhadora-brasileira.html
3. Entrevista com Paulo Galo. Aqui: https://www.youtube.com/watch?v=aFkbdFRUeXg