sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Por que a classe trabalhadora brasileira ainda acredita em Lula?

Uma abordagem a partir da psicologia de massas


“Oh filósofo que não vê nada além do instantâneo,
como é estreita tua visão!
Teu olho não está feito para seguir o
trabalho subterrâneo das paixões”.
(Goethe)

         Mesmo com o desgaste dos governos petistas e toda a campanha midiática contra Lula, a maior parte do povo brasileiro segue tendo inúmeras ilusões resultantes das esperanças em sua possível eleição em 2022. Excetuando-se a propaganda direta da máquina eleitoral petista – que se estende dos publicitários das grandes agências de marketing até os aparatos sindicais –, e da propaganda indireta da grande mídia e das instituições estatais, que exercem profunda influência no inconsciente coletivo e no imaginário do país, há causas que precisam ser procuradas na relação entre o discurso oficial do PT e a psicologia de massas.

         Também há o elemento faltante: o que a ausência de um discurso, um trabalho de base, somado a uma agitação e propaganda coerentes por parte da esquerda “revolucionária”, facilitam e credenciam as ilusões no petismo? Até onde esses fatores poderiam desfazer ilusões e até onde a sede das massas humanas por consumir discursos que lhe acalmem as ansiedades e preocupações, tal como um filho em desespero anseia pelo consolo do colo dos pais, impede o seu entendimento político?

         Nota importante: neste texto não se leva em consideração as mentiras escabrosas da grande mídia burguesa baseadas na fraudulenta Operação Lava-Jato contra Lula e o PT. Tentaremos compreender a influência que Lula exerce sobre o imaginário da classe trabalhadora no sentido de paralisá-la e fazê-la esperar, freando e abortando qualquer processo revolucionário no país.

 

Lula cultiva e rega as flores da ilusão tal e qual um jardineiro

         O Brasil é um país construído sobre bases católicas. Toda a mitologia cristã, com seus inúmeros signos e hierarquias morais, pesam sobre o inconsciente coletivo e o imaginário da nação. A visão católica de mundo reflete-se, antes de tudo, sobre a forma de funcionamento da sociedade. Ao contrário do que julga grande parte da “esquerda revolucionária”, a classe trabalhadora não representa um antídoto por si mesma ao capitalismo, uma vez que está inserida nesse contexto e reproduz em maior ou menor medida todo este relicário de esperanças cristãs.

         Dentre as esperanças mais cultivadas está a espera de um “salvador da pátria” – um messias –, que fará por nós tudo o que precisamos e nos redimirá do mal, evitando confrontos, crises, guerras e revoluções. A história do Brasil está repleta de ilusões como esta, resultante, sobretudo, destas compreensões messiânicas. Lula e o PT cultivam estas ilusões. Falam o que o povo está acostumado a ouvir nos discursos da religião, só que de outra maneira.

 

O messianismo está presente também na “esquerda revolucionária”

         Alguns poucos setores da “esquerda revolucionária” já se deram conta do problema da espera pelo messianismo presente no proletariado brasileiro, tanto que criticam a saída eleitoreira de um “salvador da pátria”. Porém, não percebem que a sua idealização da massa substitui o “salvador da pátria” encarnado em uma única liderança política, transferindo este signo para o coletivo abstrato que é a massa humana, que “virá nos redimir” através de uma sublevação espontânea e redentora.

         Certamente esperamos um ascenso de massas que seja capaz de varrer a podridão da política burguesa e da sua sociedade, tal como demonstraram alguns processos revolucionários ao longo da história. Porém, temos que trabalhar com a massa real, tal como ela é: cheia de contradições e desvios moralistas, burgueses, patriarcais, religiosos; e, sobretudo, precisamos insuflar-lhe consciência de sua devida responsabilidade social, procurando analisar no concreto a sua mudança de postura, e confrontando-a permanentemente com suas próprias contradições. Inclusive devemos fazer um longo trabalho de base que combata a sua espera por um milagre vindo de um “salvador da pátria”: tarefa longa, dificílima e impopular, renegada pela “esquerda revolucionária”.

         É de uma massa que cresça dentro desta perspectiva difícil que podemos “esperar” alguma reação revolucionária que supere a deplorável situação em que o nosso país se encontra e prepare as bases para uma revolução socialista.

Por alimentar ilusões que são familiares, o discurso petista tem um apelo popular que não é compreendido pela “esquerda revolucionária”

         Há uma profunda apatia na classe trabalhadora brasileira fruto de vários fatores, mas, em particular, da utilização demagógica da psicologia de massas pela direita (bolsonarismo, partidos da elite, grande mídia, igrejas evangélicas, etc.), de um lado; e pelo petismo, por outro – sendo um o peso da gangorra para o outro. O espírito de rebanho, por exemplo, é cuidadosamente cultivado por ambos os lados nestes discursos oficiais de poder real e simbólico.

         O petismo, por seu turno, propõe uma mudança conservando esse espírito, só que com uma ênfase “popular”. É evidente que teremos aí um discurso sedutor, que será a antípoda do discurso da direita oficial, embora por estar dentro da ordem e conciliar com a nata da elite nacional, não pode ser capaz de derrota-la completamente, dado que o seu projeto programático e a sua conduta política é incapaz de resolver os grandes e graves problemas estruturais do país, deixando o caminho em aberto para novos e piores golpes de Estado.

         As palavras de ordem, ações e trabalho de base da esquerda “revolucionária”, por sua vez, soam irreais ou causam pavor na massa humana – em sua maioria não são sequer compreendidas. Ela não desfaz os estragos demagógicos do reformismo, nem se preocupa com os desvios internos da massa, já que ela é idealizada messianicamente. O seu “trabalho de base” não enfrenta suas hipocrisias cotidianas, sem o quê é impossível ajuda-la a superar as ilusões petistas e reformistas. Mais do que isso: ela surfa nessas hipocrisias; e ao proceder dessa forma, não se ilude simplesmente, mas ajuda a massa humana a se iludir.

         Já os discursos de Lula e do PT soam como “realistas” em contraposição aos da esquerda “revolucionária”. São os únicos que parecem ser “viáveis” (seja pelo peso nos movimentos sindicais e sociais; seja pela carta branca direta ou indireta que lhe é dado pela grande mídia e pela estrutura oficial, beneficiada diretamente por essas ilusões). Essa noção esperançosa de que o PT é o “único viável” reflete a visão atual da classe trabalhadora e o seu eleitoralismo latente. Dentro desta visão, as eleições são vistas como a “única possibilidade de mudança” – e, para se tirar qualquer dúvida, basta ouvir os comentários nos locais de trabalho, estudo e moradia. Sem compreender as ilusões da psicologia de massas e sem realizar um longo trabalho de base que combata o messianismo, a esquerda revolucionária pula por cima de tudo isso e prega uma saída revolucionária que não é compreendida (e muitas vezes não quer ser compreendida).

         A tentativa da esquerda “revolucionária” de desejar tudo logo e já no “concreto” é uma das origens do espanto causado na massa. Pretender que se possa realizar todo o programa socialista perfeitamente e numa tacada só transforma-se numa espécie de fanatismo. Tudo o que é existente pode ser transfigurado e transformado, mas nunca se converte no absoluto, no perfeito, no infalível, na totalidade. Nesse sentido, sua agitação e propaganda acabam rompendo as poucas pontes que existem com a massa.

         O PT de Lula desponta como a única “esquerda realista” e “possível” (como já foi dito, não sem o ativo apoio do Estado e da grande mídia) porque a despeito do seu oportunismo descarado, sabe convenientemente levar em consideração elementos da realidade. Já a esquerda “revolucionária” não consegue agir desse modo, pois está cega por este “fanatismo” totalizador; além disso, não consegue estabelecer um trabalho de base coerente, com uma agitação e propaganda que quebre ou sequer arranhe essas ilusões. Talvez aja assim por medo do novo ou mesmo por idealizar a massa, que é vista sempre como ingênua e enganada por “direções traidoras”, sem querer perceber a dialética da interdependência que existe entre “massas enganadas” e “direções traidoras” na psicologia de massas.

         Aí está um dos maiores calcanhares de Aquiles desta esquerda no momento: a ausência de preocupações e debates acerca da psicologia de massas, ignorando a necessidade de formular um programa e uma abordagem em relação a ela. Sem entendê-la não há possibilidade de quebrar os seus efeitos. Simplesmente afirmar repetidas vezes que “Lula é burguês”, “traidor”, “antissocialista”, não resolve o problema da ausência das outras condições, como um trabalho de base prolongado que enfrente as contradições da psicologia de massas, pois se choca prematuramente com as suas ilusões, cuidadosamente cultivadas por várias esferas de poderes simbólicos e reais que não são combatidos e sequer compreendidos. O que temos que descobrir é como realizar um trabalho de base para implementar um programa que quebre progressivamente estas ilusões e não as reforce, como tem acontecido até agora.

 

O diálogo petista com a meritocracia presente na psicologia de massas da classe trabalhadora

         Ao contrário do seu discurso e apesar dos 14 anos à frente do governo federal, o petismo não ganhou a consciência popular para o que seria um projeto nacional, nem combateu seus preconceitos burgueses. Ao contrário: reforçou a falta (ou confusão) de projetos e reforçou a mentalidade burguesa através da “integração social a partir do consumo” – todos elementos aceitáveis e incentivados pelo neoliberalismo. Orgulha-se da sua falta de teoria (e, consequentemente, de projeto) – conduta que vende como “não dogmática” e “adaptada à realidade”.

         O que é visto e sentido pela população pobre como o “projeto petista” é, simplesmente, o aumento do consumo através de programas sociais e a facilitação do ingresso dos mais pobres nas universidades. São medidas importantes para um país de desigualdades gritantes e que matam, mas não se sustentam sem um projeto de longo prazo que se enfrente com o sistema vigente, até porque podem ajudar a reciclá-lo, reforçando as desigualdades sociais por todos os outros canais (sem falar que as universidades são burguesas e, portanto, criarão conteúdo de classe e formarão pessoas comprometidas com essa concepção). Não casualmente, o governo Temer e Bolsonaro cortaram uma a uma dessas medidas “progressistas” dos governos petistas sem maiores dificuldades.

         Segundo Jessé Souza, insuspeito de antipetismo, “os pobres são pragmáticos. Eles percebem a política como um jogo sujo e corrupto dos ricos e querem saber quem, no final das contas, vai ajuda-los de algum modo efetivo”[1]. Assim, podemos concluir que o verdadeiro projeto político petista – que encontra amplo eco em um povo marcado pelo “pragmatismo da miserabilidade e da fome” – está assentado numa espécie de meritocracia burguesa não declarada (assim como o atual identitarismo[2]). A imagem popular do petismo apenas facilita a manutenção e propagação de valores ideológicos burgueses, vendidos como “emancipação social” através de projetos sociais muito limitados – embora Jessé não reconheça essa armadilha, nem combata este tipo de falsa “emancipação”.

         É importante ressaltar que esse engodo “meritocrático-popular” não seria possível se não houvesse uma propensão na população mais pobre em aceitar e vibrar com a ideologia de “vencer pelo próprio esforço individual” (tipo discurso de Uber, de self-made-man) e de certa admiração e respeito religioso às fortunas individuais que ela entende ser nada mais do que o resultado de um suposto esforço individual; nem vê nada de errado nas taxas de juros escorchantes praticadas pelos bancos, já que tudo isso é sentido como um “direito dos ricos” (sempre com a justificativa de que “não entendemos de economia, então o que fazem deve estar correto”).

         Nesse sentido, há uma manipulação histórica muito bem feita das suas ideias, dos seus “valores morais”, do seu sadismo e das suas emoções primárias pela grande mídia, pela moral social, pelas escolas e universidades, pelas igrejas; em síntese, pela estrutura oficial. A esquerda “revolucionária” não quer compreender esta mentalidade da massa – já que a enxerga de forma idealizada – e, por isso mesmo, sequer arranha tais fortalezas ideológicas da burguesia, que seguem operando e alimentando o aparente “realismo” do caminho petista.

         Olívio Dutra, um dos poucos petistas críticos ao partido, afirmou: “fizemos concessões a um tipo de política em que as negociações de cúpula valem mais do que o envolvimento do povo. O PT caiu na vala comum dos outros partidos. E nós não mexemos nessa estrutura, não fizemos reforma política séria, nem reforma tributária, nem reforma agrária, nem reforma urbana, que ficou tudo no Judiciário. Continuamos dando isenção tributária a grupos poderosos. Nós não mexemos nessas coisas”[3].

         Tal declaração, sincera e pouco comum nos meios petistas, não abala em nada a esperança da massa na reeleição de Lula como “única saída”, mesmo que absolutamente nenhuma vírgula dessa crítica tenha se modificado ou vá se modificar. Este “pragmatismo” resultante da miserabilidade continua sendo o seu principal norte – o que é um perigo, para se dizer o mínimo.

 

Lula e o PT dialogam com as ilusões e não propõem nenhuma tarefa política que ultrapasse ou abale essas ilusões

         A concepção política de quase toda a “esquerda”, mas em especial de Lula e do PT, está pautada, como se disse, pela visão messiânica e semi-religiosa. Para Lula e o PT isso está absolutamente tranquilo e é exatamente isso que significa, para eles, “dialogar com a massa e a classe trabalhadora”. Por exemplo: Lula busca uma aliança desesperada com as igrejas evangélicas – as quais, em sua maioria, estiveram envolvidas no golpe de 2016 e são bases ativas do governo Bolsonaro –, afirmando, demagogicamente, que “sempre teve jeitão de pastor” e que “o lugar natural dessas igrejas seria militando no PT”[4].

         Lula também tem dito seguidamente que “não adianta apenas elegê-lo se os latifundiários e a ‘direita’ têm maioria no Congresso Nacional”[5]. Este é sempre o dilema petista, refém das eleições e das instituições democrático-burguesas. Se vence o pleito presidencial em 2022, esbarra no velho problema da sabotagem via a maioria-minoria no parlamento burguês. No entanto, o petismo e a “esquerda” brasileira não se preocupam quase nada com a questão do Estado – isto é: quais são as instituições políticas novas, que sejam a representação da classe trabalhadora e do povo pobre organizado, que serão colocadas no lugar das corrompidas e irreformáveis instituições da democracia burguesa, voltadas a nunca dar uma maioria segura à classe trabalhadora (até porque quando ela por ventura a conquiste, sofre e sofrerá sempre golpes violentos para reduzi-la a uma “minoria perseguida”)?

         O problema não é, nem de longe, apenas o de conquistar a maioria no parlamento, mas é estrutural, econômico e político. Alimentar ilusões nas eleições é alimentar ilusões no atual Congresso Nacional, que governa sempre contra o povo e é, antes de tudo, um balcão de negócios para os endinheirados. Aliás, a atual estrutura internacional do capitalismo é marcada pelo controle das transnacionais e da perda de força política decisória por parte dos Estados nacionais frente à pequena elite financeira que controla essas megaempresas e grandes bancos internacionais.

         A tarefa central é criar instituições políticas que representem a classe trabalhadora organizada e que busquem destruir conscientemente este atual controle político e econômico da burguesia ligada ao grande capital, substituindo-o por um controle popular. O PT – e a maioria da esquerda – é inimigo deste projeto (a outra parte, que se diz “revolucionária” é vaga sobre isso e não apresenta nada, a não ser o seguidismo às esquerdas com maior influência política e sindical).

 

O problema das novas instituições e da apatia das massas

         Este blog tem insistido, quase solitariamente, que de nada adianta gritar “fora Bolsonaro”, “fora este ou aquele”, clamar por “greve geral”, propor mil ações radicalizadas sem um contexto coerente, sem correlação de forças, sem partido revolucionário organizado e com influência de massas – em síntese: sem nada novo para propor no lugar do que se critica e combate! O resultado é o crescimento do desespero, da confusão e, obviamente, do suposto “realismo” de projetos como o do PT. Ao invés de desmascará-lo, se reafirma sua imagem de “sensato” e “único viável”.

         Por outro lado, sabemos que o oportunismo demagógico do PT e da maioria da esquerda reforça a apatia das massas e “dialoga” com seus desvios e ilusões. O resultado é o surgimento de um sério problema: ao não se proporem fazer experiências revolucionárias com os movimentos sociais, sindicais e estudantis, a classe trabalhadora tende a não apontar para nenhuma forma organizativa e institucional diferente, deixando-a refém de um círculo vicioso infernal no qual ela sempre perde. Por exemplo: em fevereiro de 1917 a classe operária russa apontou para os conselhos populares. No Brasil e no mundo atual as mobilizações e rebeliões apontam para onde?

         O petismo, evidentemente, não tem o menor interesse em se perguntar sobre essas questões incômodas. Vê a limitação imposta por ele próprio ao movimento independente da classe trabalhadora, o seu controle burocrático dos sindicatos e as ilusões eleitorais na república burguesa cuidadosamente cultivadas como a “única saída”. Ao senso comum, ao movimento espontâneo, isso termina por soar, definitivamente, como a “única saída”.

         Mas o que tem feito a dita esquerda “revolucionária” (tipo PSTU, setores do Psol e centenas de organizações menores)? Percebemos que da sua parte não há nenhuma preocupação com a ausência de apontamentos de formas organizativas e institucionais alternativas para a classe trabalhadora. Basta estar eternamente “na rua”, “na luta”, em “movimento”, gritando “fora este ou aquele”, chamando “greves gerais”, mesmo que não haja a menor correlação de forças e nada novo para por no seu lugar; nem que todas estas “propostas” incentivem as piores ilusões, um espontaneísmo bárbaro e a mais rasteira submissão às direções hegemônicas – algumas burguesas – que inevitavelmente irão controlar todo o processo. Jura que, contra todas as evidências, a simples “denúncia” das direções traidoras irá fazer brotar, messianicamente, uma alternativa.

         Há que se reconhecer – como foi dito mais acima – para reforçar a importante ideia de que, de fato, o petismo e “oposições” como o Psol impedem o surgimento de alternativas, já que canalizam tudo para as instituições da república burguesa. Esta “esquerda” institucional (ou liberal, se preferirem) está plenamente integrada à institucionalidade burguesa, fazendo um trabalho de base, uma agitação e propaganda dentro deste estrito ponto de vista. Assim sendo, combaterá qualquer possibilidade de aprofundamento da crise institucional ou de uma nova institucionalidade que questione a existente – inclusive irá apelar para discursos de “realismo” e de “única saída possível”.

         Embora tudo isso explique muita coisa, encerra apenas uma parte da realidade, deixando outros flancos perigosos em aberto. Por exemplo: há uma nova apatia na classe trabalhadora, fruto de vários fatores descritos nesse texto (e outros tantos não abordados), mas que é cuidadosamente cultivado pela burguesia através da sua oficialidade social, pela grande mídia, redes sociais, igrejas, etc. O problema da psicologia de massas hoje está sob total controle da burguesia – em especial da burguesia neofascista – e é absurdamente ignorado pela esquerda “revolucionária”, que pensa ter todas as respostas.

         O primeiro passo é se apropriar dessa discussão com urgência e adaptá-lo a debates de formação, a um trabalho de base, uma agitação e propaganda de longo prazo; o segundo é desenvolver um método – que hoje não existe – para conseguir desenvolver responsabilidade social com consciência de classe, levando a que o proletariado, hoje apático e conformado, passe a ter iniciativa com e para além das direções. Nesse sentido, há que se levar em consideração que nos momentos de crise a massa humana, pelo peso da inércia histórica, tende a ir à direita, e não à esquerda, como se espera. Isso aumenta ainda mais a responsabilidade do elemento consciente de uma revolução – isto é, de sua direção. Mas o problema é que a repetição de fórmulas prontas, supostamente leninistas e, em particular, egocêntricas e apegadas a disputas secundárias e fechadas em si mesmas, não abrem o caminho para uma nova prática. É necessário combater o espírito de rebanho, presente na massa humana, e abrir caminho para um novo trabalho de base e uma nova prática.

         O resultado inevitável deste círculo vicioso é o ressurgimento do petismo como uma suposta “alternativa viável”. Para romper este eterno retorno ao ponto de partida do proletariado do país, há que se levar em consideração os novos avanços científicos – como a psicanálise, por exemplo –, procurar novas formas organizativas, mais condizentes com a realidade da classe trabalhadora brasileira e se basear criticamente nas experiências socialistas do passado, sabendo usa-las como referência, e não como dogmas.

         Os pontos destacados neste artigo dão o ponta pé inicial para buscar novas explicações acerca do porquê a classe trabalhadora brasileira ainda acredita em Lula, mas, certamente, não explica tudo. Toda crítica honesta (e não ressentida) em contrário será não apenas bem vinda, como necessária para o avanço da luta por uma sociedade socialista.

 

 

Referências


[1] SOUZA, Jessé. A guerra contra o Brasil. Editora Estação Brasil, Rio de Janeiro, 2020 (página 180).

[2] Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2021/02/os-meritos-e-os-perigos-do-identitarismo.html

[3] Citação extraída do Jornal “A verdade”, julho de 2021, nº240, ano 21, página 12. Ver também: https://www.cartacapital.com.br/politica/olivio-dutra-o-pt-se-acomodou-em-um-processo-de-exercer-poder-e-ter-cargo-8104/ e https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2014/12/PT-caiu-na-vala-comum-dos-demais-partidos-avalia-Olivio-Dutra-4656630.html

[4] Ver: https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-02-04/o-que-significam-os-estranhos-elogios-de-lula-a-bolsonaro.html (grifos nossos).

[5] Ver: https://www.youtube.com/watch?v=1Evq2dx1ZNQ&ab_channel=RESISTENTES (citação de Lula por volta de 1h08min da live).

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Linguística saussureana e o “êxtase” no erotismo feminino de Anaïs Nin

ÊXTASE. Para a escritora de literatura erótica, Anaïs Nin (1903-1977) – nascida na França e inserida no círculo de produção literária norte-americano, ao lado de um dos maiores escritores de literatura pornográfica do século XX (Henry Miller) — o êxtase, em paráfrase, nada mais é, do que o momento de conexão (na mulher) entre o útero e o coração quando se fundem em um mix de prazer e amor.  Sensação forte, e rara que se espalha como ondas elétricas pelo corpo. Além disso, seu significado é definido por alguns dicionários como um estado emocional em que um indivíduo entra em transe com a intensificação de vários sentimentos, como o prazer, a alegria, o medo. É, ainda, uma palavra utilizada por muitas pessoas para descrever o ápice de uma relação sexual ocidental: o orgasmo.

Tomando essa palavra, que tenta traduzir o quase intraduzível como exemplo e partindo da teoria linguística formulada por Ferdinand Saussure (1857-1913) e expressa por seus colaboradores e alunos no livro Curso de linguística geral, podemos responder as duas seguintes questões: O que é um signo linguístico? Quais são os conceitos de significado e significante?

O signo, aqui, é diferente de uma ideia generalizada, não é simplesmente a “palavra”. Para Saussure, o signo linguístico é uma entidade psíquica constituída de duas faces: a imagem acústica e o conceito. A imagem acústica é som que não é pronunciado no campo físico propriamente dito, mas no campo psíquico, ou seja, interiormente. É o que ele chama de significante. No exemplo acima, a leitura interiorizada que fazemos da palavra “êxtase”, seu som, que não é um som na realidade exterior, é a imagem acústica que constitui o signo. Já o conceito de um signo linguístico é um “fato de consciência”. É a definição. Saussure o chama de significado. No exemplo acima, a explicação, aqui parafraseada, da autora sobre o que seria esse sentimento é o seu significado específico. Os conceitos expressos, tanto pelo dicionário, quanto pela autora são os significados possíveis para descrever o que essa palavra representa.

Há ainda, duas características importantes sobre o signo linguístico segundo o autor. Uma delas é a ausência de causa lógica ou natural para a interligação de significante e significado, que foi chamada de arbitrariedade. É, com isso, uma relação arbitrária. Essa proposta que surge como uma divergência à ideia da convencionalidade (convenção), defendida por W. D. Whitney (1827-1894). Sendo assim, na teoria saussureana, não se tem uma explicação lógica sobre o porquê de ser a palavra “êxtase”, com essa imagem acústica, a representar esse sentimento humano designado por esse conceito. Por isso, se diz que a relação é imotivada, sem motivações. Além disso, outra característica importante dos signos é o caráter linear do significante dada a impossibilidade de reprodução de duas palavras ao mesmo tempo, seja no meio físico, seja no psíquico, dada a sua natureza acústica. Esses são os principais aspectos dos signos linguísticos. 

De forma sintética pode-se dizer que o signo linguístico possui duas partes principais: a imagem acústica (= significante) e o conceito (= significado). Que a relação entre ambas as partes é arbitrária. E que o significante tem caráter linear. O significante da palavra “êxtase” é seu som mental produzido durante a leitura. E o conceito é o significado como costuma aparecer nos dicionários ou nas descrições literárias consideradas por cada autor ou autora que desenvolve o tema. No exemplo abordado, o signo tem seu conceito elaborado de forma íntima e profunda sob a perspectiva dessa artista, Anais Nin, que foi uma das pioneiras na história a escrever sobre o tema do erotismo por um viés feminino e encantador: de quem usa sua sensibilidade e fluidez como força, abrindo caminhos e possibilidades às futuras gerações.