Antes de responder o texto de João Amazonas, intitulado “O Trotsquismo, Corrente Política
Contra-Revolucionária”, há que se perguntar a validade de tal ação, uma vez
que ele foi escrito com a única finalidade de caluniar e confundir. Nele não há
nenhuma tentativa honesta de esclarecer divergências, mas apenas difamações,
calúnias e distorções; utilização de citações descontextualizadas; em suma,
baseia-se no método típico do stalinismo, tal como o conhecemos ao longo da história
da URSS. A resposta para a pergunta acima de “por que responder?” é a que
segue: para que as pessoas honestas que não conhecem a fundo a história da URSS
e do movimento operário possam refletir.
Por se
tratar de uma polêmica com o stalinismo há que se colocar luvas especiais para
se mexer em lixo tóxico. O escritor do texto, João Amazonas, foi um dos
principais fundadores e dirigentes do PCdoB, racha do PCB e um partido reconhecidamente
defensor do stalinismo. Ele se coloca, portanto, como um teórico do stalinismo.
Mas é preciso perguntar, também, que tipo de teoria defende o stalinismo? O
stalinismo nunca teve uma teoria propriamente dita, mas um amontoado de dogmas
e receitas pré-estabelecidas, defendidas ou abandonadas segundo as
conveniências da burocracia dirigente da URSS e endossadas pelo cassetete e as
prisões da polícia política do stalinismo, a KGB.
Pode-se destacar a teoria do
“socialismo em um só país” e da “revolução por etapas” como tipicamente
stalinistas, as quais foram contrapostas à teoria da Revolução Permanente, de
Trotsky. A “revolução por etapas” é a continuidade lógica do pensamento
evolucionista vulgar, de Edward Berstein, principal mentor do reformismo
socialista; e também encontrava-se presente no movimento operário russo através
dos mencheviques. A teoria do “socialismo em um só país” é, possivelmente, a
sua teoria típica, reflexo direto da preservação dos interesses da burocracia
soviética, cujo topo encontrava-se ocupado por Stalin. Foi uma forma que os
burocratas do aparato encontraram para justificar a política de não expansão da
revolução para o resto do mundo e, sobretudo, a sabotagem de inúmeros processos
revolucionários que se desencadearam em diversos países (China, Alemanha, França,
Inglaterra, Espanha, etc.) como reflexo direto ou indireto da revolução russa.
A teoria do “socialismo em um só país”, que sob o governo de Kruschev e Brejnev
tornou-se a política de “coexistência pacífica com o imperialismo”, é, por sua
própria natureza, visceralmente anti-marxista. Rompe não apenas com Marx, mas
com o pensamento de Lenin, que desde os primeiros momentos da revolução russa
colocou a necessária perspectiva do triunfo da revolução em outros países,
sobretudo nos países da Europa.
Amazonas procura apresentar Stálin
como continuador da política de Marx, Engels e Lenin, mas, como se vê, isso
está bem longe da verdade. Não foi apenas na questão internacional – que não é
nada desprezível – que Stalin rompe com a continuidade do pensamento marxista,
mas em relação a outros assuntos não menos importantes, como a questão do
Estado. O stalinismo sustentou que, ao contrário do que apregoava Lenin, Marx e
Engels, o Estado não só não deveria desaparecer, como precisava se fortalecer!
E quanto mais ele se fortalecesse, inclusive prendendo, perseguindo e assassinando
opositores, mais ele contribuiria para o “desenvolvimento do socialismo”.
Tamanha contradição com o pensamento marxista denota apenas que o stalinismo
estava interessado em defender os privilégios da burocracia soviética, que se
sobrepunha totalmente aos trabalhadores soviéticos e necessitava do
fortalecimento descomunal do Estado.
A política, teoria e método do
stalinismo (somados à pressão internacional) foram os responsáveis por levar
URSS e o leste europeu à restauração do capitalismo. Tal possibilidade já havia
sido prevista por Trotsky na década de 1930. João Amazonas viveu para ver a
restauração, porém, nunca se auto criticou por defender tal política e propagar
tal método. Da mesma forma o PCdoB. Aliás, em pleno século 21 João Amazonas
(até sua morte) e o PCdoB não apenas não se autocriticaram, como seguiram
defendendo as distorções e falsificações do stalinismo. São incuráveis! O
caminho para se cometer os mesmos erros e atrocidades segue perigosamente
aberto.
Teórico malogrado ou
falsificador consciente?
Os ataques furiosos de João
Amazonas contra Trotsky denotam um profundo desconhecimento sobre a teoria trotskista.
Seria isso fruto da ignorância ou da falsificação? Nos dois casos trata-se de um
crime. Caso seja ignorância, como pode sair criticando um pensamento político
sem conhecê-lo? Caso se trate de falsificação consciente é a expressão de sua
má fé e da tentativa de desmoralizar o trotskismo porque na realidade ele
representa uma profunda ameaça às suas pretensões políticas.
João Amazonas foi a principal
liderança do PCdoB. Não pode ser considerado um sujeito ignorante. Muito antes
pelo contrário: trata-se de uma pessoa muito inteligente e capaz. Além disso,
todo o histórico do stalinismo – falsificações de documentos, fotos, arquivos,
livros; prisões, perseguições, repressões, julgamentos forjados, assassinatos –
dá a firmeza para garantir que se trata, portanto, de ataques baseados na
falsificação consciente e na má fé.
Vejamos um exemplo: “Na teoria da Revolução Permanente Trotsky
nega as etapas da revolução e a construção do socialismo num só país, introduz
o aventurismo no plano da revolução mundial”. João Amazonas, além de
desconhecer o que Trotsky defende sobre as etapas da revolução, classifica o
internacionalismo proletário como um “aventurismo”. Somente um burocrata
empedernido pode pensar de tal forma. Assassina, seguindo os passos de Stalin,
a bandeira de Marx e Engels expressa no Manifesto Comunista: “os proletários
não tem pátria; proletários de todos os países uni-vos”. É uma ruptura radical
com o pensamento marxista que somente cegos incorrigíveis ou parasitas que
vivem do aparato podem não ver. Para Amazonas expandir a revolução para outros
países e construir a federação internacional de países socialistas é
“aventurismo”. Lenin, Marx e Engels são, neste mesmo sentido, “aventuristas”
tal como Trotsky.
Sobre a primeira afirmação de que
“Trotsky negaria as etapas da revolução”, apenas explicita a tentativa de desqualificar
a teoria da Revolução Permanente com falsos argumentos. Ela demonstrava que, na
época imperialista, o cumprimento das tarefas democráticas da revolução
burguesa (reforma agrária, fim dos restos coloniais, criação de uma verdadeira
república democrática) conduzia diretamente à revolução proletária e à ditadura
do proletariado, que colocam as tarefas socialistas na ordem do dia. Isso se dá
desta forma porque estamos na época imperialista – já bem caracterizada por
Lenin –, onde somente atacando a propriedade privada burguesa – isto é, os
grandes monopólios industriais, o capital financeiro – poderemos resolver as
questões “democráticas” mais básicas e elementares.
Na nossa época o grande capital
imperialista domina todos os países. Não existem mais monarquias absolutistas
ou vestígios de feudalismo. Todas as formas econômicas atrasadas estão
plenamente integradas ao capitalismo. A independência nacional e a luta
anti-imperialista estão relacionadas não só com a expulsão militar do imperialismo,
mas também com a expropriação das multinacionais, que é uma tarefa socialista.
Quem juntou as “etapas” da revolução não foi Trotsky, mas a realidade
histórica. Separar as etapas da revolução na época imperialista é ter
demonstrado não só profunda ignorância sobre o pensamento de Marx e Lenin, mas,
sobretudo, ignorar toda a experiência da revolução russa, que demonstrou, na
prática, que somente o proletariado no poder pôde resolver as tarefas burguesas
“democráticas” retardatárias, como a queda da monarquia czarista, por exemplo;
ao mesmo tempo que foi obrigado a ir aplicando medidas socialistas. Renegar a
teoria da Revolução Permanente é renegar as Teses de Abril, de Lenin. Condenar
Trotsky de querer “negar etapas da revolução” é, da mesma forma, condenar Lenin
na prática revolucionária de 1917.
Outra mentira requentada por
Amazonas afirma que “Trotsky não acreditava no campesinato em um país de camponeses
como era a Rússia. Trotsky desmontou esta falsificação em diversas
oportunidades. Na sua teoria da Revolução Permanente – sobretudo se referindo à
Rússia e aos países atrasados – nunca afirmou tal coisa. Apenas disse que os camponeses
devem estar subordinados politicamente ao proletariado, que é a classe mais
dinâmica da sociedade moderna. Os camponeses não possuem programa ou partido
próprio. Por sua própria natureza ou seguem a burguesia, ou seguem o
proletariado. Neste sentido, pela lógica da teoria da Revolução Permanente, o
partido revolucionário do proletariado deveria ter uma atenção especial em
levantar as reivindicações do camponeses no sentido de lhe garantir o apoio,
mas sempre lembrando da necessidade de que a hegemonia proletária prevaleça
nesta aliança.
Toda a baboseira restante defendida
por Amazonas, de que Trotsky supostamente defenderia uma “revolução simultânea internacional”
é outro blefe. Trotsky dizia que: “o
socialismo não pode ser realizado na arena mundial não estando seus elementos e
pontos de apoio preparados em países isolados”, que não necessariamente
terão revoluções simultâneas. O que Amazonas quer esconder com toda essa
verborragia contra o internacionalismo proletário é o caráter patriótico e,
portanto, pequeno-burguês, do stalinismo e de todas as suas variantes. Da mesma
forma, quer esconder que o medo da burocracia stalinista em defender a expansão
da revolução proletária aos outros países esconde os seus interesses conservadores
e mesquinhos de manter o seu próprio poder enquanto casta na URSS.
Amazonas ainda sustenta que Trotsky
afirmava que “a revolução não poderia acontecer nos países atrasados” uma vez
que defendia que a Rússia precisaria inevitavelmente do apoio do proletariado
europeu, mais experiente e mais bem armado de tecnologia do que o russo. Neste
aspecto Trotsky não defende nada além do que defendia Lenin e, para isto, basta
olhar as declarações de Lenin sobre a necessidade de ajuda dos operários
europeus ao proletariado russo sublevado. Foi por isso que ambos esperaram
insistentemente pela revolução européia, que não veio, num primeiro momento em
razão das traições da social-democracia reformista; num segundo, por causa das
traições do stalinismo.
As traições
internacionais do stalinismo
A tentativa dos falsificadores
stalinistas, onde Amazonas se enquadra, é mostrar Trotsky como um lunático,
defensor de uma expansão da revolução socialista pelo mundo sem condições e de
forma inconsequente. Na falta de argumentos para se contrapor ao trotskismo, se
apela ao senso comum, ao ódio, à distorção e à falsificação aberta.
Trotsky denunciou todas as traições
da orientação internacional stalinista no momento concreto em que aconteciam. Uma
vez que a burocracia stalinista tomou o poder e o consolidou a partir do terror
e da perseguição, começaram as orientações políticas desastrosas, que
prepararam inúmeras derrotas (todas elas denunciadas pelos
trotskistas).
Algumas delas são: traição à
revolução chinesa, onde a burocracia stalinista orientou o ingresso do PC chinês
no partido burguês conhecido como Kuomitang; logo depois, no seu giro “ultra
esquerdista”, a burocracia stalinista tencionou os comunistas chineses a
tentarem uma revolução sem condições, o que terminou num banho de sangue e o
triunfo completo do Kuomitang sobre os comunistas (a revolução chinesa só
triunfaria em 1949 com a ruptura da orientação oficial da URSS); relação amistosa
com a burocracia sindical inglesa e orientação equivocada para a greve geral na
Inglaterra de 1925; traição à revolução espanhola que lutava contra a ascensão
do fascismo, inclusive se negando a fornecer armas ao campo republicano;
política desastrosa de isolamento do PC alemão, o que auxiliou na ascensão do
nazismo na Alemanha; política desastrosa de apoio à burguesia brasileira,
liderada naquele momento por Getúlio Vargas e, posteriormente, aposta no
aventureirismo de uma quartelada, conhecida como Intentona Comunista (isto é,
uma tentativa de se fazer uma revolução sem condições); divisão do proletariado
alemão com as potências imperialistas através da partilha da Alemanha e da construção
do muro de Berlim (é possível “socialismo em meio país”?); na revolução grega
do pós-guerra (entre 1944 e 1949), o stalinismo atuou junto ao imperialismo
britânico para conter o processo revolucionário, como parte dos acordos internacionais de
Ialta e Potsdam; na Iugoslávia, Stalin tentou desarmar e frear os partisans liderados por Tito, inclusive
obrigando-os a se submeter ao governo monárquico que estava exilado na
Grã-Bretanha; e, por fim, a extinção da Internacional Comunista em 1943 a pedido dos
imperialismos “aliados” durante a Segunda Guerra Mundial, num esforço de
“paralisar” a luta de classes em cada um dos países capitalistas para supostamente
“facilitar” a luta contra o nazi-fascismo.
Se é certo que o internacionalismo
proletário não se manifesta apenas pela existência de uma internacional socialista,
como afirma Amazonas, também é certo que o crime de Stalin ao dissolver a
Internacional Comunista fundada pelos bolcheviques em 1918 é uma demonstração
dos seus serviços espúrios prestados ao imperialismo capitalista, sobretudo ao norte-americano
(fato comemorado pelo NY Times na época).
Falsificações sobre a
concepção de partido revolucionário de Trotsky
Na
questão do partido revolucionário novamente temos uma falsificação sobre o
legado trotskista. Amazonas afirma que Trotsky teria uma concepção
espontaneísta de partido. Não há nada mais longe da verdade. O Programa de
Transição – documento fundador da IV Internacional – afirma que “a crise da
humanidade é a crise de direção revolucionária”; isto é, da inexistência de um
partido revolucionário capaz de conduzir o proletariado ao poder. No prólogo da
A História da Revolução Russa,
Trotsky afirma: “O traço característico
mais indiscutível das revoluções é a intervenção direta das massas nos acontecimentos
históricos. Sem uma organização dirigente [isto é, de um partido revolucionário], a energia das massas se volatilizaria como
o vapor não encerrado em caldeiras com bombas de pistão”. Estas são as
características marcantes de toda a obra de Trotsky. Sua batalha pela construção
da IV Internacional reflete a sua luta por uma direção política internacional
aos trabalhadores. Todo o seu pensamento está permeado da tradição leninista de
construir uma organização política que crie as condições para dirigir as lutas
espontâneas dos trabalhadores no sentido da tomada de poder através de uma revolução
socialista. Trotsky nunca perdeu, nem por um segundo, a importância decisiva do
papel subjetivo no processo revolucionário. Sendo assim, esta afirmação não
passa de uma nova falsificação.
Amazonas,
por sua vez, não satisfeito em distorcer a concepção trotskista de partido,
parte para ofensiva e afirma: “Lênin
enfatizou que o partido do proletariado, para cumprir sua missão, tem de ser monolítico, disciplinado, vanguarda
organizada da classe operária”. Lenin defendia um partido disciplinado e de
vanguarda, mas nunca disse que o partido deveria ser monolítico. Quem disse
tamanha asneira foi Stálin e os seus cães de guarda da burocracia. Defensores
do centralismo burocrático, numa estrutura vertical e piramidal, o partido
defendido pelo stalinismo não passa de uma espécie de servidão coletiva ao “guia
genial dos povos”. As iniciativas individuais são totalmente controladas e os
militantes de base educados à servir um dirigente, que serve a outro, que por
sua vez serve ao comitê central e, por fim, ao “guia genial dos povos”, Stalin.
Esta caricatura grotesca e autoritária nada tem a ver com o partido proposto
por Lenin e Trotsky, baseado no centralismo democrático, onde o debate dos
congressos, dos núcleos de base, a iniciativa individual dos militantes, dentro
do programa proposto, é importante e decisiva para o êxito da revolução.
O PCdoB,
que apesar de hoje ser um partido social-democrata, mantém muitos traços do
stalinismo “clássico”. Por exemplo: na greve do magistério gaúcho, em junho de
2016, militantes de base que votaram pela continuidade do movimento grevista
junto com os núcleos do sindicato, foram centralizados pela cúpula do partido
em razão dos acordos firmados na direção. À base coube o papel patético de
seguir acriticamente o que mandavam os “chefes”. Eis o resumo do que é o
partido stalinista e o seu monolitismo, que não tem absolutamente nada de
leninista. É isto que entendem por “unidade”: a cúpula manda e a base obedece.
Dentre todos os mecanismos nefastos utilizados nestes procedimentos, ainda se
destacam as bajulações, a despolitização, a desinformação, a falsificação, os
ataques pessoais aos oposicionistas, o baixo nível teórico.
Esta lógica se repete nas centrais
sindicais, nos sindicatos, no movimento estudantil e em todos os setores onde
possuem trabalho político. Ao mesmo tempo em que a estrutura partidária é
monolítica, autoritária e dogmática, os movimentos são educados no economicismo
mais rasteiro. Uma prática alimenta a outra. Vejam a atuação sindical e
política da CTB, da UJS, da UNE, da UBES – entidades e corrente dirigidas pelo
PCdoB. Quem defende o reformismo e o economicismo hoje? A política trotskista
ou a stalinista?
Trotsky nunca foi
leninista?
Todos
sabem que Trotsky foi um dos principais dirigentes da Revolução Russa de 1917
ao lado de Lenin. Mesmo toda a falsificação de fotos, livros, documentos e
arquivos por parte do stalinismo não foi capaz de apagar este fato inquestionável.
Autores como John Reed, Victor Serge e tantos outros não deixam nenhuma margem
para dúvidas.
Lenin foi
o grande organizador e teórico do partido bolchevique. Suas Teses de Abril
rearmaram ideologicamente os trabalhadores em sua luta contra o czarismo e a
burguesia. Mas Trotsky não fica atrás. Como presidente do soviete de Petrogrado,
principal dirigente do Comitê Militar Revolucionário – órgão da insurreição que
dirigiu a revolução com o apoio e o consentimento de Lenin –; organizador e
inspirador do Exército Vermelho, Trotsky teve papel determinante em todo o processo
revolucionário. E onde estava Stalin? Em março de 1917, como redator chefe do
Pravda, estava apoiando o governo provisório de Kerensky. Isto é, seguiu a
linha política dos mencheviques. Sempre nos bastidores e de forma silenciosa,
Stalin ia seguindo os passos de Lenin, mas nunca se posicionando abertamente.
Amazonas
afirma que Trotsky e os trotskistas nunca apresentaram divergências com Lenin,
mas apenas com Stalin. Isto é outra distorção. Trotsky em suas obras sempre
demonstrou que teve muitas divergências com Lenin. Divergências estas que foram
totalmente exploradas pela burocracia stalinista para tentar vender Trotsky
como “anti-leninista”. Na sua autobiografia e em muitas outras obras, Trotsky
explica o conteúdo real destas divergências com Lenin, que foram totalmente superadas
a partir dos acontecimentos históricos, que levaram Trotsky a aderir ao partido
bolchevique, em 1917, com a total aprovação de Lenin, que chegou a dizer:
“desde que Trotsky entrou no partido, não houve melhor bolchevique do que ele”.
O curioso
é que o stalinismo sempre se utiliza das mesmas divergências entre Lenin e
Trotsky no ano de 1911, quando o último ainda tinha ilusões na unificação do
POSDR e, especialmente, entre a fração menchevique e bolchevique. Nos anos
seguintes, e sobretudo após a revolução, Trotsky sempre se auto criticou sobre
tal conduta, superando-a na teoria e na prática. Lenin e Trotsky tiveram muitas
divergências, mas muito mais convergências que os aproximaram decisivamente
para dirigir a revolução em 1917 e para preparar o combate à burocracia
soviética. Lamentavelmente, Lenin morreu antes deste combate decisivo.
João Amazonas ainda tenta confundir
a militância requentando o velho embate sobre a questão dos sindicatos na URSS,
que separou os dois revolucionários taticamente, em 1920. Logo após o término
da guerra civil, Trotsky defendia a militarização dos sindicatos e a nomeação
dos seus dirigentes pelo governo soviético. A ideia de militarização dos
sindicatos era semelhante ao que Trotsky fez com as milícias operárias da Revolução
de 1917, transformando-as no Exército Vermelho, vencedora da guerra civil.
Outro efeito com essa medida seria possível afastar agitadores irresponsáveis
por sindicalistas preocupados com a produção. Porém, essa proposta gozou de
ampla antipatia entre os dirigentes sindicais e parte do partido, sendo usada
anos mais tarde contra Trotsky pelo stalinismo.
Lenin corretamente o criticou.
Neste polêmica, escreveu: “Repito, a
divergência efetiva não consiste de modo
algum no que pensa o camarada Trotsky, mas no problema de como ganhar as
massas, no problema de como abordá-las, de como nos ligarmos com elas”. No
mesmo texto, Lenin salienta que: “No
programa de nosso Partido já assinalamos que nosso Estado é operário com uma
deformação burocrática”. Ou seja, os sindicatos deveriam ser autônomos e
ligados diretamente à sua base industrial de representação para lutar contra
possíveis excessos por parte deste “Estado operário com uma deformação
burocrática”.
Lenin criticou Trotsky pelos seus
erros; o stalinismo, escarafunchando divergências antigas e utilizando-as fora
de contexto, critica Trotsky pelos seus acertos. Não há nenhuma linha de
continuidade entre essas críticas. O mais engraçado nisso tudo é que Amazonas
critica a “militarização dos sindicatos” quando se trata de Trotsky, mas nunca se opôs
à “militarização” e à nomeação burocrática desde cima por parte de Stalin e dos
seus sucessores, não apenas dos dirigentes dos sindicatos, mas dos membros para
a presidência dos sovietes, para as empresas estatais, para os principais
cargos do exército.
Sobre as citações
fora de contexto
No texto
de Amazonas, lemos uma citação de Trotsky completamente descontextualizada
sobre o México. Trata-se da tentativa de discutir a situação política mexicana
sob a presidência do populista Lázaro Cárdenas (uma espécie de Getúlio Vargas
mexicano). A citação é a seguinte: “Os
autores do programa querem construir completamente o capitalismo de Estado, num
período de seis anos. Mas uma coisa é nacionalizar as empresas existentes e,
outra, criar novas empresas com meios limitados e num terreno virgem. A
história conheceu um exemplo de indústria criada sob a supervisão do Estado: a
URSS. Mas foi preciso uma revolução socialista. (...) No México não temos uma revolução socialista, o país é pobre. Nestas
circunstâncias, seria quase um suicídio fechar as portas ao capital
estrangeiro. Para construir o capitalismo de Estado, é preciso o capital”.
Logo a seguir, fazendo uma
interpretação patética, Amazonas afirma que:
“como não havia uma revolução socialista no México, o jeito era construir o
capitalismo de Estado com recursos do capital alienígena que, afinal, acabou
submetendo o México, vizinho dos Estados Unidos, aos banqueiros
norte-americanos”.
Dá
náuseas ter que responder uma tentativa vil e mesquinha de denegrir a imagem do
velho revolucionário utilizando-se deste tipo de embuste. Neste texto, Trotsky
fazia uma análise do plano sexenal no México, o que seria uma cópia mal feita
dos planos econômicos da URSS, numa tentativa de Cárdenas em aplicar uma
espécie de “capitalismo de estado”. No trecho selecionado capciosamente pelo
falsificador Amazonas, Trotsky ressaltava especificamente as limitações deste
plano, justamente por não ter existido no México nenhuma revolução socialista. Neste
mesmo texto, Trotsky fala que “Em uma
sociedade onde prevalece a propriedade privada, é impossível que o governo
conduza a vida econômica de acordo com um ‘plano’”. Mas Amazonas, patético
e sagaz, tenta iludir os desavisados de que Trotsky supostamente havia aberto
mão da revolução socialista e aderido ao “capital alienígena”. Para conseguir
“incriminar” Trotsky, Amazonas vai escarafunchar novamente textos específicos,
descontextualizando-os completamente. É desta forma bastante original que o
stalinismo tenta vender Trotsky como “agente do imperialismo norte-americano”.
Não há nada mais patético e deprimente. Este velho método stalinista,
amplamente utilizado nos Processos de Moscou, que deveria corar de vergonha
qualquer indivíduo que conheça a história, é utilizado desavergonhadamente por
Amazonas.
Os “trotskistas” e
Trotsky
Na sua
busca desesperada para tentar desmoralizar Trotsky, Amazonas se utiliza,
indistintamente da “teoria” de certos “trotskistas” que renegaram os princípios
do trotskismo. Ele escreve que “não é
acidental que os trotskistas vejam em cada movimento mais combativo das massas,
ou nas crises políticas, o imediato e automático surgimento da revolução”.
Os autênticos trotskistas concordam que um “movimento mais combativo das
massas” ou “crises políticas” não levam automaticamente ao surgimento de
revoluções. Porém, muitos ditos “trotskistas” acham que sim. E aí reside um
grave desvio espontaneísta explorado pelo ágil Amazonas. É preciso ressaltar a
profunda diferença entre o trotskismo de Trotsky e o “trotskismo” de PT, PSTU,
PSOL e afins.
Nomeadamente, Amazonas cita Nahuel
Moreno; um velho dirigente argentino, fundador do MAS e da LIT, e teórico
reivindicado por PSOL (CST, MES e outros) e PSTU. Moreno renegou a essência da
teoria da Revolução Permanente, a política sobre frente única, bem como realizou
uma tentativa desastrosa de “atualizar” o Programa de Transição, que na verdade
não passou de uma forma de renegá-lo. Para Moreno, qualquer “movimento mais
combativo das massas” ou revolta é tratada como uma “revolução”, sendo,
portanto, um espontaneísta da pior estirpe. A teoria morenista de que ainda é
possível existir “revoluções democráticas”, não apenas o torna um revisionista
sem princípios do trotskismo, como o aproxima da teoria stalinista da
“revolução por etapas”, só que com outro nome e outros métodos. Amazonas tenta
atribuir o espontaneísmo reformista e etapista de Moreno a Trotsky. Mas entre
ambos há um abismo.
Amazonas ainda tenta insinuar que
Kruschev tem alguma influência trotskista, mas isso também está muito longe da
verdade. Criticar Stalin leva automática e oportunisticamente os acéfalos stalinistas
a colocarem o rótulo de “trotskista”. Logo, Stálin é como um “deus” que nunca
pode ser criticado. As denúncias dos crimes de Stálin, feitas por Kruschev no
XX Congresso do PCUS, não tem absolutamente nada de “trotskismo”, ainda que ajudem
a comprovar o que Trotsky defendeu e sustentou sobre o stalinismo. Kruschev,
que foi nomeado e escolhido por Stalin entre uma rede de inúmeros burocratas a
seu serviço, denunciou os crimes do stalinismo, mas não rompeu com a sua
política ou sua “teoria”. Continuou condenando e perseguindo os adeptos do
trotskismo. Sob a égide de Kruschev, a teoria do “socialismo em um só país”
transformou-se em “coexistência pacífica com o imperialismo”. As traições ao
movimento operário internacional continuaram até a invasão militar do leste
europeu pelos tanques soviéticos.
A tática do entrismo
e o PT
Muito
assustado com a tática do “entrismo” preconizada por Trotsky nos anos 1930 –
sobretudo pelo fato de diversos grupos trotskistas terem a utilizado na
fundação do PT, na década de 1980 –, João Amazonas vê nela uma grave “degeneração”
e “deslealdade”. Porém, na política e nos métodos do stalinismo não há nada de
degenerado ou desleal. Trotsky realmente defendeu esta política na tentativa de
disputar internamento os grandes partidos socialistas da Europa Ocidental, na
tentativa de ganhar os seus setores combativos e lutar contra os reacionários.
Queria acelerar crises e rupturas. Tratava-se do futuro da primeira experiência
socialista, a URSS, que estava de pé como um estandarte permanente de luta
contra o capitalismo e ameaçada por diversas potências internacionais. Os partidos
socialistas europeus caminhavam lentamente, influenciando decisivamente o
movimento operário de cada país do velho continente no sentido do reformismo.
Eram táticas específicas e pontuais para alguns casos da Europa.
Em um
contexto diferente se deu o entrismo no PT, que certamente seguiu a influência
desta tática específica preconizada por Trotsky, mas não para defender os
mesmos princípios e o mesmo programa. É justamente esta tática que desencadeou
o ódio de Amazonas e, possivelmente, tenha sido a razão de ter escrito o texto
caluniador. Muitas dessas correntes ditas “trotskistas” já romperam com o PT,
embora algumas (como “O trabalho”), ainda permaneçam lá. Cabe ressaltar que
estas correntes eram e são, essencialmente, revisionistas do trotskismo nas
suas questões fundamentais. Fato totalmente ignorado por Amazonas. Também é
importante frisar que trotskismo nunca defendeu um partido de tendências,
descentralizado, tal como é o PT, PSOL e outros. Esta interpretação de Amazonas
é sua; e somente sua.
Conclusões
Muitas
questões ainda poderiam ser ditas. Responder falsificadores e caluniadores é
uma tarefa muito árdua, pois reconstruir os estragos feitos é sempre mais
difícil do que destruir. Cabe ressaltar que Trotsky nada tinha de pessimista,
tal como tenta induzir o “otimista” Amazonas. Pelo contrário: mesmo perseguido
e caluniado por todo um aparato estatal degenerado, seguiu firme e forte,
defendendo a revolução socialista, propagandeando o legado da Revolução de
Outubro de 1917, ajudando os trabalhadores de diversos países a construírem
suas ferramentas de luta, seus partidos revolucionários. Para Amazonas, falar a
verdade, “por mais amarga que seja”, é pessimismo. Educado numa tradição
stalinista, ele prefere dourar a pílula para não perder influência política e
bajular sua “base”. Em suma, trata-se da velha utilização da demagogia barata,
que não combina com falar a verdade doa a quem doer.
João
Amazonas ainda tenta dizer que Trotsky foi “rejeitado” pelo povo soviético.
Lamentavelmente, o stalinista brasileiro tenta justificar os crimes de Stalin
cometidos não apenas contra Trotsky, mas contra uma geração de militantes
trotskistas dentro e fora da URSS, novamente se utilizando de mentiras. O fato
de Stalin ter banido Trotsky para Alma-Ata e depois para Constantinopla, e não
ter conseguido assassiná-lo abertamente dentro da URSS, tal como fez com Bukharin, Kamenev e Zinoviev, é a
prova de que ele era um estandarte vivo, fundador e chefe do Exército Vermelho,
teórico reconhecido. Durante muitos anos a foto de Trotsky era levantada ao
lado da de Lenin nas manifestações de rua. Foi preciso uma gigantesca lavagem
cerebral, a falsificação de fotos, arquivos e documentos, somada a uma brutal
repressão, para que Stalin conseguisse banir o velho revolucionário de solo
soviético. É esta campanha criminosa que Amazonas e o PCdoB seguiram
realizando. Os militantes da juventude do PCdoB, a UJS, cantam palavras de
ordem para os militantes trotskistas nos congressos da UNE e da UBES, “reivindicando”
o assassinato de Trotsky por Stalin. Não apenas não sentem vergonha, como estão
dispostos a cometer os mesmos crimes.
Apesar da
grande consternação que os trotskistas sentem ao ver tamanha maquinação e
mentiras que não se respaldam em um único fato histórico, é compreensível o
motivo porque agem desta forma: a obra de Trotsky é um estandarte de luta
contra as burocracias políticas ditas “socialistas” que desmascara todo o papel
nefasto cumprido por elas tanto dentro dos seus respectivos países, quanto na
luta de classes internacional. Da mesma forma, todas as organizações e partidos
de “esquerda” que levantam o nome de Stálin sem corar de vergonha, encontram-se
desmascaradas e desarmadas perante tal denúncia. Só restam os seus métodos
autênticos da calúnia e difamação!
O desafio para os caluniadores
stalinistas continua sendo responder uma única crítica trotskista:
1) É possível socialismo em um só
país, a revolução por etapas, o apoio às burguesias nacionais dos países de terceiro
mundo? Isso seria um passo para o socialismo ou uma forma camuflada de levar os
países ditos “socialistas” a restaurarem o capitalismo?
2) As frentes populares foram uma
tática política correta ou de conciliação de classes, eleitoreira e degenerada,
que levou inúmeros partidos comunistas a liquidarem sua independência de classe
e a sustentarem a burguesia dos seus respectivos países, se adaptando à
democracia burguesa?
3) O papel cumprido pela política
de Stálin na revolução chinesa, alemã, espanhola, brasileira, na greve geral
francesa de 1936, e em tantos outros lugares, foi correto – ajudando a
desencadear e vencer revoluções – ou uma forma de enterrá-las, criando um vácuo
que debilitou e destruiu as suas respectivas vanguardas proletárias durante
anos e algumas irremediavelmente até hoje?
4) A burocracia política de Stálin
à frente do Estado Soviético, logo após usurpar o poder político do autêntico
Partido Bolchevique e a soberania dos Sovietes, levou ao triunfo do socialismo
na União Soviética – como a máquina de calúnias propagandeava aos quatro cantos
– ou levou ao emperramento econômico e, posteriormente, à restauração do
capitalismo?
5) Que posição tomam os atuais
caluniadores de Trotsky sobre os Processos de Moscou que assassinaram toda a velha
guarda do Partido Bolchevique; bem como, qual a sua posição sobre os inúmeros
militantes trotskistas delatados, presos, torturados e mortos pelo stalinismo
não apenas na Rússia, mas também na Europa?
Muitas outras questões como estas
poderiam ser levantadas e certamente ficariam no ar, envoltas por um silêncio
constrangedor. Antes de tentarem enlamear o nome do grande revolucionário com
calúnias e distorções, os pigmeus stalinistas, chafurdando na própria lama que
criaram em volta de si, precisam responder a estas perguntas.
Fora do socialismo não há
perspectiva para a humanidade. Para que consigamos voltar a propagandear o
socialismo e colocá-lo como perspectiva no horizonte dos trabalhadores,
precisamos compreender o que foi o stalinismo, para superá-lo definitivamente.
E para que possamos voltar a propagandeá-lo é preciso revitalizá-lo aos olhos
do proletariado, limpar o seu nome enlameado pelos crimes de Stalin. Nesse
sentido, não há possibilidade de socialismo fora da perspectiva que o
trotskismo traçou.
O aparato
stalinista não conseguiu apagar Trotsky e a sua obra da história. Estes
venceram pela força do seu programa, da sua teoria, das suas ideias, do seu
legado. Os trabalhadores conscientes sobre a história do movimento operário não
devem deixar que esta máquina de calúnias continue impune. Todas as mentiras,
calúnias e distorções devem ser respondidas com uma crítica a ferro e fogo,
demonstrando qual é o nível moral do stalinismo e o que ele representou para a
luta pelo socialismo.
A eles responderemos em alto e bom
som: falsificadores stalinistas, empenhados até hoje em caluniar o trotskismo,
não passarão!
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