Carlos Nelson Coutinho (CNC) foi um intelectual brasileiro
preocupado em utilizar o marxismo para explicar a realidade do Brasil. Nascido
na Bahia, em 1943, foi professor da UFRJ e militante do PT até 2004, quando rompe
com o governo Lula e ajuda a fundar o PSOL, partido no qual militou até o seu
falecimento, no Rio de Janeiro, em 2012. Durante a ditadura militar, CNC viveu
exilado na Itália, onde entrou em contato com a obra de Antonio Gramsci, autor de
cujo legado foi exímio propagandista. Também ficou conhecido por se propor a
“renovar o marxismo” e as questões ligadas ao movimento comunista brasileiro.
CNC nos últimos anos de sua vida (1943 - 2012) |
Utilizando-se
da teoria de Gramsci sobre a “revolução passiva” – teoria que se baseia na
análise de Lenin conhecida como “via prussiana” ou “não clássica” para o
capitalismo –, CNC embasa sua explicação da evolução da sociedade escravocrata
brasileira para o capitalismo. Segundo esta análise, a modernização se dá de
forma conservadora, pelo alto, completamente controlada pela elite portuguesa e
burguesa. O lema não declarado destas “mudanças sociais” se expressa naquela
frase do político mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, durante a
Revolução de 1930: “façamos a revolução
antes que o povo a faça”. Ou seja, todas as mudanças estruturais no país
foram controladas de cima pela elite, feitas sem o povo e, na sua maioria,
voltadas para fazê-lo aceitar a “fatalidade” da exploração, da pobreza e
mantê-lo bem longe do poder. A modernização se daria de forma conservadora,
mantendo velhos privilégios e misturando-os com uma estrutura social e
econômica um pouco mais “moderna”. Assim como na Itália, as mudanças sociais no
Brasil não se deram pela via revolucionária como na França em 1789, mas de
acordo com a modernização conservadora da Prússia, no século 19; daí o termo de
Lenin “via prussiana”, reelaborado por Gramsci como “revolução passiva” e
rebatizado por CNC como “modernização conservadora”.
Outra
importante contribuição de CNC para o pensamento político e cultural brasileiro
– também se baseando nos subsídios de Gramsci e Lukács – se deu no campo da
literatura. Através da análise da obra de Graciliano Ramos, Lima Barreto, Jorge
Amado, Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes, CNC cria uma grande imagem da
evolução do pensamento da intelectualidade brasileira, demonstrando seus altos
e baixos e a importância dele na formação de uma “imagem do Brasil”.
Limitações do
pensamento e da prática de Gramsci e CNC
O pensamento
de CNC, ainda que contribua culturalmente para a evolução intelectual
independente do povo brasileiro, acompanha os altos e baixos da teoria
gramsciana. Os pontos altos do pensamento de Gramsci se apóiam em Lenin: o
proletariado precisa lutar por instituir a sua hegemonia sobre as outras
classes oprimidas da sociedade para poder conquistar o poder e construir o
socialismo. Esta luta será longa e precisa se apossar de todos os espaços
possíveis, sobretudo no campo cultural (segundo Gramsci), para poder conquistar
posições na sociedade civil. Há, possivelmente, restrições na compreensão
gramsciana sobre o termo leninista “economicismo”, pois o atribui erroneamente
em algumas passagens dos Cadernos do
Cárcere em uma crítica equivocada à teoria da Revolução Permanente de
Trotsky, próprio de quem não conhece a fundo a teoria. Talvez isso seja um
reflexo da situação em que
Gramsci se encontrava: passou muitos anos preso, tendo dificuldade
para acessar documentos, cartas e livros, sobretudo estrangeiros; o que não é o
caso de CNC, que possuía mais liberdade e facilidade para tomar conhecimento
detalhado de posições políticas polêmicas do passado e do presente, baseado em
um amplo trabalho historiográfico de várias organizações e gerações.
A primeira
limitação do pensamento de Gramsci que se reflete no de CNC se dá, justamente,
na relação com o trotskismo. Gramsci, apesar de se colocar numa posição
relativamente independente do stalinismo – exigindo até mesmo que os partidos
co-irmãos da III Internacional interferissem no PC russo durante o auge das
polêmicas entre o aparato soviético e a oposição de esquerda –, se posiciona
favoravelmente à política do stalinismo contra Trotsky. Também olha com bons
olhos a política de Frente Popular do stalinismo apresentada para os países da
Europa Ocidental. CNC, ao contrário de Gramsci, não olha Trotsky de frente: ele
foge do enfrentamento com o pensamento trotskista. Inclusive no seu ensaio
sobre Florestan Fernandes ignora a formação trotskista do sociólogo. É
precisamente este o principal erro de Gramsci – que muito caro custou ao
proletariado mundial, inclusive na América Latina muitas décadas depois – que CNC
repetiu na sua militância política, primeiro com o PT e depois com o PSOL.
O lado positivo das análises de
CNC sustenta que a transição do passado colonial e escravocrata para o
capitalismo tenha se dado através da “via prussiana” e que, portanto, o Brasil
já era um país capitalista regido por uma sociedade burguesa peculiar desde
fins do século 19 e início do 20. Esta concepção combatia a visão stalinista de
se fazer uma “revolução burguesa” no Brasil para “liquidar o seu passado
feudal”. Era desta premissa que o stalinismo concluía que se deveria apoiar e
sustentar a burguesia brasileira e de vários outros países. CNC sustentava,
corretamente, que era absurdo falar em um “passado feudal no Brasil”. Procura
caracterizar a função do regime escravocrata brasileiro como produtor de “valor
de troca” voltado para o mercado mundial, portanto, nada tendo de feudal.
Esta contribuição de CNC se
mostrou justa e progressiva, muito embora não tenha o impedido de defender e apoiar
as frentes populares, que era o lado prático da política stalinista. Na questão
da transição para o capitalismo estava de acordo com a visão trotskista expressa
na Revolução Permanente. Ou seja, a “revolução burguesa” já foi realizada no
Brasil através de uma modernização conservadora e controlada pela elite. CNC
analisa muito bem os impactos destas contradições sufocadas no campo cultural e
político, e as profundas limitações impostas ao desenvolvimento capitalista
brasileiro por esta revolução feita pelo alto.
Contudo, o principal problema se
dá na questão da transição para o socialismo. Nesta questão CNC é obscuro, tal
como Gramsci. Prescindem da ideia de uma revolução ao pagar um tributo caro
demais à sociedade civil e à democracia burguesa “como valor universal”. Por
indução se pode chegar a conclusão – sobretudo através da observação da
militância de PT e PSOL – que CNC pretende propor o caminho de uma “revolução
passiva” para o socialismo, feita pelo alto e sem o povo, por estar
supostamente de acordo com os parâmetros ocidentais e “tipicamente brasileiros”,
reflexo de toda a sua evolução histórica. Assim, a grande contribuição de
Gramsci (baseada em Lenin) sobre a importância da hegemonia proletária sobre a
sociedade civil como forma de se preparar a revolução, fica perdida num
labirinto oportunista. Serve como suporte para a adaptação à democracia
burguesa, tal como vimos na prática de PT e PSOL. Toda e qualquer hegemonia
proletária conquistada sobre a sociedade civil deve caminhar no sentido de
combater as ilusões oportunistas e preparar as bases materiais da revolução.
Gramsci precisa ser interpretado à
luz de Lenin e Trotsky; e não o inverso. CNC interpreta Gramsci à luz do
reformismo. É por isso que a sua visão para a revolução brasileira sofre com os
altos e baixos do pensamento gramsciano. A visão política de CNC sucumbe diante
de um malfadado desfecho reformista, o que não exclui a importância das suas
contribuições para a leitura e compreensão dos grandes escritores brasileiros,
bem como do próprio Brasil, nem da necessidade de todos os militantes honestos
de conhecê-las.
Adendos feitos em 20
de janeiro de 2017
A
importância intelectual de CNC para o pensamento brasileiro é inestimável. Está
a anos luz da intelectualidade burguesa, que apenas reafirma, como papagaio,
tudo o que lhes dita o amo imperialista, apenas passando um verniz cultural
brasileiro. Suas contribuições no campo da história e da sociologia lançam, sem
dúvida, uma nova luz de análise sobre o país. Contudo, no campo político, CNC
comete o erro clássico do reformismo. E os motivadores deste erro seguem explicados
abaixo:
Em seu
principal artigo teórico de polêmica com a esquerda brasileira, chamado Democracia como valor universal, CNC
procura debater as bases do que ele chama de “etapa da revolução brasileira”. Há que se perguntar qual
revolução? Seria muito mais correto chamar de etapa atual do processo social ou
civilizatório do Brasil, mas nunca de “etapa da revolução brasileira”.
Partindo de uma preocupação
legítima, CNC quer encontrar as bases para a renovação democrática do conjunto
da vida nacional, que, segundo ele, é o elemento “indispensável para a criação dos pressupostos do socialismo”.
Nesta busca ele paga um preço alto demais, cujo estopim será o desfecho da
experiência com os governos do PT, que ele não chegará a ver, pois morrerá
antes.
No artigo citado, CNC salienta que
para Gramsci era vital lançar as bases de uma refundação da teoria marxista de
transição ao socialismo, colocando a questão democrática no centro dessa
transição. Nesta sua “luta teórica”, CNC se diz inspirado pelo patrimônio
teórico de Marx, Engels e Lenin. Capciosamente exclui Trotsky e Stalin e não se
posiciona por nenhum. Para ele, é possível ignorar uma etapa histórica decisiva
do pensamento socialista. Sabemos, contudo, que grandes revisionistas também se
diziam “inspirados” pelo patrimônio teórico do marxismo: Kautsky, Berstein,
Stalin, Ernest Mandel, Nahuel Moreno, dentre outros. Se inspirar no patrimônio
teórico marxista é justamente manter certos princípios e readaptá-los à
realidade contemporânea. CNC se adapta a realidade e esquece de muitos
princípios.
No artigo citado, ele faz uma
miscelânea oportunista ao abordar a polêmica entre Lenin e Kautsky, bem como as
críticas de todos em relação a Berstein. Reivindica Lenin, mas ignora 2 livros
inteiros dele: O Estado e a Revolução
e A revolução proletária e o renegado
Kautsky. Quer surfar na onda do pensamento leninista, que é o depositário
de grande prestígio por mostrar pela primeira vez ao proletariado do mundo como
tomar o poder e como conservá-lo, mas renega seus princípios elementares com a
velha desculpa de “atualizá-lo”, se aproximando, na verdade, do próprio
Kautsky. Segundo ele, ser marxista é ser revisionista do pensamento de Marx. É
certo que o marxismo não é dogmático, devendo estar aberto à reavaliações e à adaptações,
mas por trás dessa concepção temos uma abertura perigosíssima ao oportunismo (a
burguesia, melhor do que ninguém, já percebeu isso). Sua fidelidade ao método
marxista é bastante questionável. Por sua concepção expressa em diversas
oportunidades, muito possivelmente em 1917-1918 estaria ao lado de Kautsky
contra Lenin.
***
No artigo Democracia como valor universal CNC comete impropriedades e
distorções no que tange ao stalinismo. Afirma que Stalin teria generalizado
acriticamente para o ocidente o modelo de transição seguido pelos bolcheviques
em 1917. Ora, se CNC não conhece nenhuma obra de Trotsky, então deveria
conhecê-las antes de afirmar tamanho disparate. Se a conhece, então é cínico.
Toda a obra de Trotsky é uma denúncia apaixonada do abandono por parte da
burocracia stalinista dos métodos e do programa bolchevique. Todas as
orientações dadas por Stalin aos processos revolucionários no Ocidente e no
Oriente são catastróficas, equivocadas, erradas; isto é, todas rompem com o
método bolchevique. Um livro específico de Trotsky não deixa margem à dúvidas: Stalin, o grande organizador de derrotas
e A Terceira Internacional depois de
Lenin.
CNC afirma também que a Frente
Popular (a verdadeira e principal estratégia do stalinismo para o Ocidente) “consagra uma nova atitude dos comunistas em
face do valor da democracia”. Se CNC não critica as catástrofes das frentes
populares pelo mundo, e em especial no Brasil, é porque concorda com elas. E
realmente as defende, tal como as defendia Gramsci. Sua postura é assim
justamente porque dá um valor demasiado grande para a “democracia” in abstracto. CNC a dissocia de um
regime de classe e do Estado, isto é, rompe abertamente com o método marxista
e, em especial, com Lenin em um ponto que não é nada desprezível: a sua
divergência essencial com Kautsky.
Em seu texto de polêmica, CNC
trata as diversas formas de democracia indistintamente; um erro imperdoável
para o método marxista de Lenin, por exemplo. Desfaz a clássica noção marxista
de democracia burguesa. Ajuda o inimigo de classe a se mascarar melhor, a
acumular forças, a dar novos e piores golpes. Paga um alto tributo à “revolução
passiva”.
Na verdade, por não se apropriar
das críticas trotskistas à “revolução por etapas” do stalinismo – colocando-as
de lado como coisas descartáveis –, CNC adere totalmente à noção de “revolução
democrática”, típica do pensamento menchevique e stalinista. O século 20 não
existiu para ele. A luta decisiva entre o trotskismo e o stalinismo no seio da
URSS seria apenas um borrão histórico; uma nota totalmente digna de ser
ignorada. Não se trata de uma simples luta entre duas facções do movimento
operário internacional lideradas por Trotsky e por Stalin. Trata-se, sobretudo,
de uma luta teórica capaz de libertar os trabalhadores de um labirinto mortal
e, principalmente, da contra propaganda indispensável para desfazer a imagem
completamente desmoralizada do socialismo a partir do que foram os regimes
stalinistas.
Ao contrário do que afirma CNC,
insinuando ser este o problema do trotskismo, as organizações operárias que
criticam autenticamente a democracia burguesa (e não dogmaticamente) não fazem
da “luta democrática” algo utilitário. Defendem com unhas e dentes as
liberdades democráticas arrancadas da burguesia e as utilizam como uma forma de
elevação geral do nível político e teórico das massas, bem como de sua auto
organização. Se não procederem desta forma, não podem ser chamadas de
trotskistas. É ao mesmo tempo em que se luta pelas liberdades democráticas que
se vai levantando as palavras de ordem socialistas; agitando e propagandeando o
socialismo em contraposição às inevitáveis restrições democráticas impostas
pelo capitalismo à massa trabalhadora.
CNC pretende armar os operários e
trabalhadores com o rebaixamento teórico. Não tenta dialogar com o trotskismo;
não busca uma aproximação sincera com a teoria da Revolução Permanente. No
quesito teórico está alinhado com as
concepções mencheviques e stalinistas, mesmo que afirme o oposto.
***
Escrito em 1979, embalado pelas
ilusões do período final da ditadura militar, o artigo de CNC luta corretamente
contra o que ele chama de “golpismo”; isto é, todas aquelas organizações
operárias que defendem a tomada do poder sem condições objetivas, tal como o
PCB tentou fazer em 1935 com a “Intentona Comunista”. É certo que este golpismo
ignora as massas e é uma versão operária do que ele chama de “via prussiana”, desprezando a maturidade política das massas. Porém, CNC coloca todas as
organizações nesse “saco de gato” chamado de golpismo. O autêntico trotskismo –
que sempre foi muito restrito no Brasil – não propõe nenhum tipo de golpismo.
Defende a formação gradual das massas a partir de sua própria
experiência, acompanhada e solidificada por uma propaganda teórica e política,
e apenas a partir daí, quando os alicerces estiverem firmes, pela experiência e pela teoria, se propõe a tomada
do poder.
Um exemplo deste método foi
expresso pela Revolução Russa de 1917. Se não houvesse ligação entre a massa
dos trabalhadores e os bolcheviques, a revolução jamais teria se consumado.
Seguindo a lógica do pensamento de CNC, a revolução dirigida pelos bolcheviques
também seria uma espécie de golpismo. Pelo seu oportunismo teórico ele não a
reconhece desta forma. Talvez aja assim por medo de se desconectar
completamente do pensamento de Lenin. A busca de CNC por uma saída de massas
rompe com a ditadura do proletariado. Pra ele seria possível conter as graves
crises e contradições, fruto de um processo revolucionário, através de
consensos e acordos típicos de uma democracia burguesa e de uma sociedade civil
hegemonizada pelo pensamento patológico da classe média ou mesmo abrir mão
completamente da revolução socialista.
Cabe destacar que por ditadura do
proletariado se compreende uma democracia
de massas para os trabalhadores (principalmente sobre os meios de produção)
e ditadura sobre a burguesia (incluso
seus representantes indiretos). Temos na Comuna de Paris (1871) e nos primeiros
anos da Revolução Russa (1917-1924) os rudimentos dessa ditadura, dos quais a
experiência histórica tem demonstrado aos trabalhadores conscientes que não se
deve abrir mão, pois é um dos princípios elementares do “patrimônio teórico de
Marx, Engels e Lenin”. CNC não enxerga o stalinismo como uma degeneração da ditadura do proletariado,
fruto das inúmeras contradições deste processo histórico, mas como sendo a
própria ditadura do proletariado, tal como faz a burguesia e os ideólogos ao
seu serviço.
Ele ainda propõe que o
parlamentarismo burguês poderia ser um espaço para se desenvolver a futura
democracia proletária, é claro, numa etapa posterior. Para isso, seria
fundamental uma “democracia organizada de
massas, com crescente participação popular”. No auge do seu reformismo,
chega a defender que a partir desta boa vontade da sociedade burguesa,
supostamente controlada pelas “organizações de base da sociedade civil”, seria
possível avançarmos para medidas antilatifúndio e antimonopolistas. A
Assembleia Constituinte seria o momento decisivo para isso.
Contudo, como vimos, nem a
Constituição de 1988 e nem os “governos populares” do PT (2003-2016) avançaram
nesse sentido; pelo contrário, fortaleceram a democracia burguesa, suas
instituições, os bancos, os partidos de direita, o agronegócio e as
multinacionais. Os parlamentos burgueses são instituições mais reacionárias do
que nunca. O que poderíamos esperar delas? Segundo CNC deveríamos construir um
novo PT (no caso o PSOL); depois um novo PSOL; e assim por diante, até que
sepultemos definitivamente a construção do socialismo no Brasil e “eduquemos” a
massa a viver de joelhos, esperando pelo futuro socialista no dia de são nunca.
Que bela democracia de massas construiremos assim! A grande mídia, os
banqueiros, os mega empresários, os latifundiários, o PSDB e o PMDB aplaudem e
agradecem! CNC não entende (ou não quer entender) que a burguesia retira em
dobro com sua mão direita tudo aquilo que é obrigada a conceder com a esquerda.
***
O imperialismo norte-americano
também tem usado seguidamente o discurso e a estratégia da “democracia como
valor universal” desconectada de um regime de classe e do caráter de Estado. Ao
contrário do que CNC e Enrico Berlinger (um teórico caro a ele) sustentam, a “democracia não é o terreno no qual o
adversário de classe é obrigado a retroceder”, mas esta “democracia”
abstrata tem sido o terreno que o inimigo de classe tem nos feito recuar e
retroceder. Basta citar que a restauração do capitalismo nos ex-Estados
operários (URSS, Cuba, China, etc.) se deu com o “discurso democrático”. Mesmo
o golpe da direita contra os governos do PT se deram a partir de um
fortalecimento do regime democrático burguês e do seu discurso. Sendo assim, a
contribuição teórica de CNC casa como uma luva às pretensões do imperialismo e
reforça os seus conceitos ideológicos.
Em síntese, podemos dizer que CNC
propõe uma “democracia” sem a socialização do capital; isto é, dos meios de
produção. O resultado da sua teoria da democracia
como valor universal está resumida nos 12 anos de governo Lula e Dilma, bem
como no seu fim trágico: o fortalecimento da direita e o golpe do impeachment. Todos os partidos operários
que se propuserem conquistar a hegemonia exclusiva e prioritariamente através
da legalização a todo o custo (e este tem sido sempre o objetivo deles) serão
facilmente devorados pelos métodos e pelas instituições da democracia burguesa,
tal como o PT o foi.