quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Reflexões pedagógicas sobre a escola pública

Estas reflexões surgiram a partir de um caderno que foi repassado pelo supervisor pedagógico aos professores que faziam parte do grupo do “Pacto Pelo Ensino Médio” da Escola Estadual Alcides Cunha. Foi solicitado a eles que anotassem suas impressões sobre os textos e materiais do “Pacto” e, principalmente, sobre suas práticas pedagógicas cotidianas. Indo além da intenção do supervisor, estas notas são o resultado de algumas experiências e reflexões acerca de uma prática pedagógica socialista, pautada pela ótica proletária e condicionada pela ditadura dissimulada da sociedade capitalista, desenvolvida como experiência entre os anos de 2009 e 2014.

I – Sobre a pedagogia do “discurso em sintonia com a prática”.
A prática pedagógica só pode “dar certo” e atingir seus objetivos se existe combinação e sintonia entre os atos e as palavras, entre o que se propõe e o que se executa. A prática é o critério da verdade e a única pedagogia verdadeira! A prática educativa deve partir desse pressuposto e combater as outras que se distanciam deste propósito. Sob todos os pontos de vistas, “educar” uma pessoa é uma tarefa de muita responsabilidade, que deve ser cuidadosa e escrupulosamente pensada e executada.
           
Vemos seguidamente professores abusando de sua autoridade sobre os alunos, mesmo sem ter razão. Usam-na apenas para manter o domínio e o controle sobre a sala de aula, o silêncio, a disciplina vazia de conteúdo, em suma, a obediência cega (e isto quando conseguem; quando não conseguem passam o tempo todo tentando atingi-la, como um objetivo em si mesmo). Não percebem que este método não funciona, pois esta autoridade é imposta e não conquistada. A disciplina em sala de aula precisa ser conquistada pela amplidão cultural do professor, pela sua demonstração de que o aluno pode aprender “algo novo” em sua aula e, em última instância, por um “acordo” construído livremente entre ambos os lados. Que autoridade real pode ter um professor cobrar leitura dos seus alunos se ele próprio não tem o hábito da leitura; ou cobrar pontualidade se chega atrasado; de “não mexer no celular” se ele próprio mexe no seu e fala à vontade?
           
Portanto, a prática pedagógica deve ser um todo coerente, onde o que se propõe e se combina democraticamente com o corpo discente é cumprido escrupulosamente, seja no âmbito da sala de aula ou mesmo da direção escolar. Quando os acordos não são mais possíveis de serem cumpridos (porque caducaram ou por qualquer outro problema) é preciso dizê-lo abertamente e repensá-los coletivamente, e não simplesmente passar por cima deles utilizando-se da “autoridade” de professor ou de direção para “colocar o aluno em seu lugar”.

A democracia construída dentro da escola é a condição sem a qual não pode haver educação verdadeira. As direções autoritárias são um verdadeiro aborto, aprofundando o caos e a desordem que já vem desde as secretarias de educação e do MEC, que trabalham com um “ensino tradicional” porque defendem a velha estrutura escolar, sem investimentos e liberdade pedagógica, servindo apenas para arregimentar a força de trabalho para a burguesia. Um exemplo desta falta de democracia é a forma como a Reforma do Ensino Médio Politécnico foi imposta pelo governo Tarso.

“Toda esta proposta visa renovar a educação, acabar com o autoritarismo das avaliações classificatórias e tentar despertar os interesses dos alunos” – eles nos diziam –, mas não houve democracia alguma em sua implementação, uma vez que esta reforma era um desígnio do Plano Nacional de Educação (um plano do Banco Mundial para cortar gastos públicos e “investir” no ensino técnico privado). Desde este momento está selado o divórcio entre discurso e prática: como é possível “renovar a educação” se os métodos são aqueles onde o discurso não se encaixa com a prática? Como é possível despertar o interesse do aluno se ele não tem nenhuma participação nessa elaboração, e nem é convidado a isso?

Esta concepção pedagógica visa criar um contraponto dentro da escola capitalista, cujo objetivo não declarado é criar indivíduos dóceis, submissos, obedientes. Certamente encontrará dificuldades em sua aplicação devido a ruptura que representa com a pedagogia tradicional e, também, pela resistência de muitos colegas, que não aceitarão “dividir” a autoridade do professor e da direção com o aluno.
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O processo educativo na atual escola pública já começa comprometido porque não tem coerência entre discurso e prática. Orientado pela SEDUC e inspirando-se em seu exemplo, não tem costume de decidir as regras gerais da escola de forma democrática. Em geral, a forma de “administração” da escola pública está alicerçada em manobras, em acordos de bastidores, onde casos de violência, bullying ou de corrupção são abafados ao invés de serem utilizados como forma de educação geral, visando elevar o nível intelectual, político e moral de todos. Este tipo de conduta reflete, em escala reduzida, a prática generalizada do capitalismo. Ao não procederem desta forma, ajudam a jogar a “sujeira” para debaixo do tapete e deixam a porta aberta para que todos estes problemas se repitam e se reproduzam infinitamente.

A “pedagogia do abafamento” confunde e destrói a consciência de alunos e professores. Familiariza os alunos com o cinismo e a hipocrisia, mostrando-lhes que elas são absolutamente “normais”, “aceitáveis”, que “não há saída”. Os problemas não são enfrentados, mas tergiversados, enrolados, minimizados, disfarçados.
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Há uma ação comum tanto por parte de professores como de diretores, de ir mudando a posição e a conduta quando sofrem críticas, mas sem nunca reconhecê-las formalmente (esta conduta é muito comum em política também). A autocrítica é fundamental. Não se pode mudar de posição sem se autocriticar, simplesmente mudando disfarçadamente a conduta para deixá-la mais coerente com a crítica que se sofria (seja por que motivo for – mas isso somente é válido quando a crítica for honesta e correta, é claro). Fomos educados a não aceitar críticas e, muito menos, a nos autocriticar. Somos sensíveis e suscetíveis a elas! É preciso que os alunos saibam que se errou no passado, que se refletiu sobre a situação errada e que se está pronto para uma mudança de conduta a partir do reconhecimento deste erro.
           
A autocrítica é uma grande possibilidade de um aprendizado coletivo e da elevação do nível geral. Da mesma forma, quando uma conduta estava correta, é preciso reivindicá-la. Sobretudo quando esta conduta não é reconhecida como correta pela maioria. Quando os alunos errarem, teremos autoridade real, conquistada, para cobrá-los dos seus erros. Ensinamos postura e virtudes mais pelo exemplo do que com palavras vazias.

II – O professor deve ser um militante da ciência, da arte, da cultura e da educação pública
Aquela análise que diz que o professor da escola pública foi “proletarizado” porque assumiu muitas turmas, alunos, cadernos de chamada, segue padrões de qualidade externos – tipo ISO e INMETRO – e metas impostas que são completamente alheias ao processo educacional, é correta. É natural que, até certo ponto, todas as mazelas da produção em série capitalista sejam sentidas pelo professor, sobretudo através da profunda alienação política e social. Não é um verdadeiro crime lesa-humanidade um professor alienado política e socialmente? Que tipo de aluno um professor deste tipo formará?
           
Esta alienação leva ao desprezo pelo estudo sistemático e pela evolução das ciências, bem como ao apego ao “pensamento” religioso, que é sempre mais cômodo. O desânimo por não conseguir atingir os alunos é introjetado inconscientemente como culpa própria, pois não compreende que a sua prática educacional está parada no século XIX em razão de diversos fatores: não investimento em infraestrutura, falta de professores para atender toda a demanda com qualidade, baixos salários, pouco tempo de estudo e preparação de aulas, inexistência de hora atividade, etc. Não existe o acompanhamento de psicólogos e psicanalistas que sirvam de suporte a alunos e professores. Pelo contrário. Às vezes não existe sequer supervisão escolar.

O resultado é o esgotamento. Todos os governos sabem desta realidade e nada fazem. Estão satisfeitos com o faz de conta. Apostam no esvaziamento da profissão pelo cansaço, pelo “murro em ponta de faca” diário, pelo atropelamento das práticas pedagógicas e democráticas das escolas. Porém, é preciso fazer um esforço hercúleo para não desistir e cair em desânimo letárgico. Não podemos nos conformar com a desorganização e a falta de planejamento e investimento da educação pública. É tudo o que os governos burgueses querem.

A atividade de um professor deve ser como a de um militante, que trabalha sempre no sentido da mobilização, da participação em uma causa maior. No caso, seria um militante da sua disciplina, da ciência e do conhecimento humano em geral. Deve lutar, mesmo nas condições mais difíceis, para despertar o interesse e a paixão dos alunos pelo conhecimento. Deve demonstrar incansavelmente que sem o conhecimento humano desenvolvido e acumulado até aqui, não existiria sociedade humana, nem tecnologia (luz elétrica, chuveiro elétrico, celular, computador, carro, ônibus, vacina, comprimido, medicina...). Por mais aborrecedora e equivocada pedagogicamente que seja, a escola pública precisa ser defendida e melhorada, sempre! Ela é a única fonte direta de socialização deste conhecimento aos filhos dos trabalhadores e, por isso mesmo, é desmontada através dos planos neoliberais e das diversas “reformas” dos sucessivos governos burgueses. É preciso demonstrar aos alunos que a sua desatenção e descaso para com as ciências e o conhecimento é um absurdo inaceitável; que o seu apego a este “obscurantismo” reflete os valores da sociedade do consumo, do “prazer imediato”, que é essencialmente falso e que os cega perante a realidade. É preciso confrontar este “princípio do prazer” com o “princípio da realidade”, do trabalho coletivo, da união de forças, da inteligência na superação das dificuldades desse trabalho.

Este tipo de “militância” também requer coerência: o discurso não pode ser diferente da prática. Ao professor é preciso querer crescer, ler, estudar e descobrir coisas novas. Isso precisa tornar-se hábito, parte da sua personalidade, e não algo imposto artificialmente de fora (ou pior: algo inexistente). A elevação permanente do nível cultural de alunos e professores precisa tornar-se um dever desta “militância”. Sabemos que existem grandes limitadores para isso dentro do capitalismo; até certo ponto que, justamente por “proletarizar” o professor, dificulta ao máximo esta prática. É por isso que a luta sindical independente, o socialismo e a revolução devem sempre estar na perspectiva docente, em sintonia com os interesses históricos dos trabalhadores. O socialismo, além de querer socializar o conhecimento humano e as riquezas produzidas pela economia, também é um grande impulsionador do pensamento científico, anti-obscurantista e anti-medievalista.
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O professor-militante, em um primeiro momento, deve trabalhar no sentido de despertar e instigar o interesse do aluno através da curiosidade. Precisa ser um provocador! Não pode simplesmente impor a rotina, seus conteúdos sem nenhum tipo de intermediação, a “palo seco”. É importante frisar a importância do assunto estudado para a classe, para o avanço do conhecimento humano. Respeitar o nível de curiosidade, dentro da medida do possível. A imposição burocrática de conteúdos só gera o afastamento. É preciso não ter medo de demorar em alguns conteúdos, mesmo que isso prejudique o andamento do “ano letivo” (as secretarias de educação e suas direções de escola fazem um verdadeiro terrorismo psicológico a respeito disso). A curiosidade morta na casca certamente distanciará o aluno da escola; talvez de forma irreversível. Porém, sabemos que para um professor conseguir ter um bom desempenho nessa atividade, é necessário que tenham menos alunos por turma e menos turmas por professor. O importante é qualidade e não quantidade. O capitalismo quer o inverso: quantidade em detrimento da qualidade. É por isso que o debate sobre o investimento maciço em educação assume a preponderância se queremos falar seriamente em melhorar sua qualidade. Mas, para isso, é preciso superar o capitalismo, que é o principal entrave para isso.
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Muitos professores fazem troça de certas dúvidas elementares dos alunos. Alguns chegam até mesmo a ridicularizar suas perguntas. Certa vez ouvi de uma professora: “o aluno era uma toupeira! Me perguntou porque não se podia ver as estrelas em uma noite de chuva”. No seu baixo nível cultural e científico ele não consegue entender o papel da atmosfera da Terra na astronomia. Por que tratá-lo dessa forma arrogante? Esquecem da origem humilde de muitos deles, de todas as defasagens sociais em sua aprendizagem e na sua cultura, inclusive na defasagem emocional. Outras vezes vi professores fazerem críticas duríssimas a alunos que não dominavam conceitos básicos de sua disciplina, sendo que muitos deles próprios talvez não as dominem também. Param diante daquela consciência atrasada de muitos alunos que não aceitam ser corrigidos no português por um professor de geografia e não querem ir adiante na explicação de que é seu dever fazê-lo crescer e compreender qualquer assunto que esteja ao seu alcance, independentemente de sua disciplina.

Contudo, o “professor-militante” deve agir radicalmente diferente deste modelo arcaico e arrogante de professor: qualquer dúvida, por mais absurda ou elementar que pareça a uma primeira vista, precisa ser tratada como um bibelô de frágil cristal. Um educador que age com arrogância perante uma dúvida elementar e aparentemente “tola” de um aluno é um verdadeiro criminoso. É como se um dentista fizesse piadas dos dentes de um paciente que é muito pobre e não teve condições, nem orientações, para conservá-los. Como dizia Paulo Freire: ensinar exige respeito aos saberes dos educandos; e, com muito mais razão, devemos exigir respeito aos “não saberes” também. Educar é um exercício de humildade e paciência.

III – Sobre o papel do grêmio estudantil na educação e na disciplina dos alunos
Em muitas escolas públicas não existe grêmio estudantil organizado. Este fato não é uma casualidade, mas a linha política de muitas direções de escola, que são plenamente apoiadas pela SEDUC-RS. O intuito destas direções é deixar os estudantes desorganizados, desmobilizados, inconscientes, alienados. Sem oposição – por menor que seja – pode-se fazer o que bem entender: aplicar qualquer tipo de programa político, baixar qualquer decreto, impor calendários escolares, orientações ou leis, atacando a livre expressão. Fazem isso por medo da oposição sistemática que um grêmio pode representar aos seus “projetos” que, na verdade, são os mesmos do governo do PT (e de qualquer outro governo que venha a assumir o controle do Estado).
           
Muitos professores são intimidados ou até mesmo removidos da escola – como foi o meu caso – por ajudar os alunos a abrirem o seu grêmio representativo. Milhões de empecilhos são criados: justificativas por “falta de tempo”, intimidação, medo, terrorismo psicológico, até a perseguição política nua e crua. Por tudo isso, em muitas escolas a situação é de terra arrasada. O grêmio estudantil não é uma “opção” dos alunos, mas um direito deles; não é apenas uma “opção” pedagógica, mas parte fundamental do seu aprendizado e da sua relação entre si enquanto corpo discente.
           
Nas escolas onde impera direções ditatoriais (a maioria, infelizmente), os processos de criação dos grêmios são abortados. Em outras, com muito custo, se consegue abri-los, mas sempre com muitas dificuldades criadas dia a dia por direções pouco interessadas na representatividade estudantil e em todas as possibilidades pedagógicas que ela abre. Os professores acomodados e desmobilizados (alienados ou egoístas conscientes) não mexem uma palha para ajudar os alunos nesse sentido. Pensam, erroneamente, que isso não é “tarefa sua” ou simplesmente tem medo de se ver frente a uma oposição organizada por alunos ou por medo da própria direção autoritária, do governo, da perda das “benesses” e dos acordões com as direções em troca de alguma migalha (horários, folgas, turmas, etc.). O fato é que na minha prática pedagógica sempre me deparei com muita disposição para abrir o grêmio por parte dos alunos (alguns, inclusive, aumentando o seu desempenho e interesse pelo estudo em geral) e pouco (ou nenhuma) por parte dos colegas professores.

Além das direções autoritárias, existem as direções demagógicas, pseudo democráticas, simpatizantes do PT ou simplesmente governistas, que ao mesmo tempo em que acenam com a abertura do grêmio, lhe possibilitando simbolicamente a existência, pelas costas trabalham no sentido de sabotá-los, tirando sua independência e a possibilidade que funcionem plenamente, interferindo em seus assuntos internos, modificando ou coagindo sua atuação em questões mínimas. Em sua maioria, estas direções de escola não queriam grêmio. Se “querem”, é apenas para constar, para fingir para a sociedade oficial que existe “democracia” dentro da escola e que os alunos são “respeitados”.
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Em três escolas que lecionei me deparei com estes tipos de problemas: primeiro no Ildo Menegheti, que é um “feudo” na Restinga[1], de onde fui autoritariamente removido, com total apoio da SEDUC e da direção do CPERS; e depois no Alcides Cunha e Protásio Alves, onde me deparei com o segundo tipo de direção demagógica. Nestas duas últimas não houve perseguição política a mim enquanto professor (pelo menos não diretamente), mas pequenas sabotagens de bastidores às decisões e ações coletivas dos alunos, ao mesmo tempo em que publicamente se declarava apoio a abertura do grêmio estudantil. As possibilidades pedagógicas de um grêmio estudantil nunca eram levadas em consideração e, sobretudo, a própria ação independente dos alunos.

Estas direções desautorizavam decisões importantíssimas tiradas em assembleias gerais de estudantes, arrancavam cartazes quando consideravam-nos ameaçadores pelas denúncias que continham, sonegavam salas e espaços para a existência física do grêmio, negavam até mesmo a participação dos alunos envolvidos com a abertura do grêmio nos conselhos escolares (quando estes não faziam parte formal destes conselhos, mesmo querendo participar como ouvintes e demonstrando interesse em ajudar). Faziam o caminho inverso: trabalhavam no sentido de torná-los aceitáveis ao governo; deslegitimavam representantes quando o grêmio se tornava realmente independente da direção. E entenda-se bem: “independentes” não no sentido de fazer o que se bem entende dentro da escola, mas no sentido de andar com as próprias pernas, ter suas próprias posições políticas e “pedagógicas”, responder coletivamente por erros e acertos.

Pensem o quão importante é uma assembleia estudantil no processo educativo dos alunos: lições como democracia, responsabilidade, respeito às decisões da maioria, aprender a ouvir e a falar no seu tempo. Tudo isso pode ser trabalhado na prática e não na teoria de uma aborrecedora aula de História ou Sociologia. A disciplina resultante de uma assembleia geral é um momento precioso para se garantir a disciplina geral dos alunos, pois eles mesmos se cobrarão e se organizarão para executar as suas deliberações e encaminhamentos se sentirem que a construção foi realmente coletiva e livremente assumida. Eles precisam sentir que ela emana deles próprios e que não é algo imposto mecânica e autoritariamente de fora (o que acontece por parte de quase todas as direções de escola). Que falta de tato e visão expressam diretores e supervisores que esquecem, não valorizam ou sabotam as decisões de uma assembleia geral estudantil. Que crime cometem quando dispõem de alunos dispostos a construir grêmios estudantis, assembleias gerais e a mobilização dentro da escola, e não os incentivam, não os ajudam a criar as condições para que estas atividades aconteçam periodicamente até tornarem-se um hábito e uma tradição escolar.

Na verdade, as direções que impedem a existência dos grêmios estudantis, seja pela via autoritária ou demagógica, estão muito satisfeitas com o governo e com a educação pública, por mais que jurem de pés juntos o contrário. Elas aceitam a chantagem do governo; não querem incomodação alguma. Pretendem que o processo educativo seja uma estrada floreada, sem conflitos e contradições. Só por isso, não mereciam ser diretores de escola, pois estão na contramão do processo de aprendizagem. São capatazes e algozes a serviço dos governos. Que lamentável! Seria possível resistir a política de destruição da educação pública dos governos se as direções de escolas se apoiassem nas suas comunidades escolares (em especial nos grêmios estudantis). Mas fazem o oposto: trabalham como agentes do governo no seio de sua comunidade escolar (seja por medo ou por conveniência). Por este papel de serviçal, o discurso deixa de corresponder a prática e aí começam todos os problemas já descritos anteriormente.

Estes são mais alguns exemplos nefastos de como a “pedagogia do abafamento” e do “discurso diferente da prática” destrói a educação pública e deforma a consciência dos alunos. Esta prática não cria alunos conscientes e participativos que lutem pelos seus direitos (como teoricamente preconiza a LDB, a Constituição Federal e tantas outras leis de “faz de conta”). Pelo contrário: cria alunos submissos, apáticos, sem iniciativa, temerosos e dependentes. Esta é a verdadeira intenção do capitalismo e dos governos ao seu serviço (como é o caso do governo Tarso, do PT, e de tantos outros). É por isso que essa prática que destrói iniciativas, impede a existência de grêmios estudantis e deslegitima as decisões de assembleias gerais não é questionada pela SEDUC; ao contrário: ela é incentivada por suas próprias ações com muito empenho.
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Apesar destas dificuldades, na Escola Estadual Alcides Cunha se formou o Grêmio Estudantil Independente (GEI), que surgiu com este nome em razão da decisão de não participar das entidades governistas, tais como UMESPA, UGES e UBES. Mesmo com esta decisão soberana por parte dos alunos que fundaram o GEI – decisão esta que constitui um elemento muito progressivo na conjuntura das escolas públicas gaúchas –, a direção chamou alguns membros do GEI para questionar-lhes o porquê da não participação naquelas entidades oficiais, ao mesmo tempo em que lhes incentivava sorrateiramente a participação nelas.

A mesma direção foi conivente com as sucessivas vezes em que os cartazes do GEI contra aquelas entidades governistas foram arrancados (sendo que, em alguns casos, foi ela própria quem os arrancou). Durante muito tempo lhes sonegou uma sala; lhes impediu a entrada nas reuniões do Conselho Escolar; proibiu reuniões em “horários de aula”, desconsiderando totalmente a importância pedagógica destas reuniões para o crescimento coletivo de seus membros (reuniões que muitas vezes valem mais do que aulas repetitivas). Por parte das supervisões pedagógicas também não houve entendimento e auxílio para que os grêmios existissem e funcionassem. Pelo contrário: compartilhavam a política do “medo da oposição organizada”. Resumidamente: o GEI – Alcides Cunha passou a existir única e exclusivamente a partir do empenho e da decisão dos alunos, que, para concretizá-lo, infelizmente, tiveram que ignorar e se sobrepor às orientações e vontades da direção da escola e da supervisão pedagógica, que são totalmente apoiadas pela SEDUC.
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No Colégio Estadual Protásio Alves um processo semelhante aconteceu. Houveram duas direções. A primeira era extremamente autoritária: perseguiu e proibiu a abertura do grêmio. A segunda seguiu a linha demagógica. Neste segundo caso, a direção desautorizou muitas decisões de assembleia geral que tirou uma comissão eleitoral teoricamente soberana. Mudou arbitrariamente datas (diminuiu os dias de votação de 3 para 2). Não respeitou a experiência dos alunos, atropelando todo o processo. Tudo isso sem fazer uma nova assembleia geral e sendo advertida pelos membros da comissão eleitoral de que a sua proposta feria a decisão da assembleia geral. Colocou a sua autoridade e “suposta experiência” acima da coletividade, esmagando a democracia e contribuindo para abortar o processo.
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Ambas direções fizeram tudo isso com grande naturalidade, talvez até mesmo se achando com razão. Nenhum professor questionou tais atitudes, com raríssimas exceções. Outros nem chegaram a saber porque não se envolveram com este processo (e no geral não se envolvem com os alunos).

Sendo assim é muito comum vermos a desistência dos alunos na tentativa de abrirem o seu grêmio. Quando rompem com a alienação política e passam a lutar pela existência de sua entidade representativa, se chocam com todo este autoritarismo demagógico e com estas aberrações pedagógicas, típicas de uma sociedade capitalista anti democrática e decadente, que funciona da mesma forma no processo eleitoral e na lida com os trabalhadores.
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As atuais direções de escola – com raras exceções –, justamente porque possuem uma concepção burguesa de ensino (concepção inconsciente, na maioria dos casos) que é o resultado da sua formação acadêmica burguesa, querem os grêmios estudantis na medida em que estes sirvam para posarem para o governo e a sociedade como “executoras da gestão democrática”. Aí o governo, cumprindo seu papel dentro deste grande teatro, libera algumas migalhas a mais (chamadas de “verbas”). Todos juntos – direções e governos – posam para a comunidade escolar e para a sociedade em geral como “democráticas”, cumpridoras da lei, da moral e dos bons costumes. Mas isso não passa de formalismo, de hipocrisia, de conversa fiada.

No Alcides Cunha, por exemplo, já se falou que “o grêmio só se mete em política e não ‘faz coisas de grêmio’”. Por acaso “coisa de grêmio” seria falar apenas trivialidades como “jogue lixo no lixo”, “alunos: estudem!”, colocar som nos intervalos, promover festas e servir de “Office boys” da direção? Sem uma atuação política livre dos estudantes é ilusão falarmos em “grêmio estudantil”. Os alunos precisam aprender a autogerir os seus espaços, reivindicações, propaganda, recursos, conflitos. Não há nenhum outro método que desenvolva mais responsabilidade do que este. Toda a disciplina imposta de fora, sem a possibilidade de questionamento e debate é autoritarismo.

A questão dos grêmios estudantis é mais uma demonstração de que não existe “gestão democrática” alguma, mas apenas uma fachada que serve para o governo promover-se propagandisticamente.

IV – Os conselhos escolares
Os conselhos escolares, na maioria das escolas, são simbólicos. Não decidem nada. Não fiscalizam nada. Não elaboram nada. Servem fiel e docilmente, no essencial, aos interesses da direção e dos governos. Esta passividade está alicerçada em uma consciência pequeno-burguesa da categoria – em sua maioria, pelo menos –, temerosa de incomodações aos seus sacrossantos “pequenos privilégios” ou ao seu princípio do prazer e o da “não incomodação”. Também querem uma educação sem contradições e só com “obediência” passiva dos alunos para que o seu “trabalho docente” não seja atrapalhado. Pensam que o processo educativo não ocasiona trabalho ou suscita “incomodações”.
           
A baixa participação dos professores nos conselhos escolares também “ensina” algo – pela negativa – aos alunos. Denota o desdém à participação, à fiscalização das contas públicas, à tentativa de construir um caminho de democracia de base para as escolas públicas. “Tudo isso é uma incomodação e uma chatice”, eles dizem e os alunos reproduzem. Não sentem o mínimo interesse nisso e também não são incentivados. Para os governos burgueses essa baixa participação é um presente! Eles esperam esvaziar todos os conselhos escolares de qualquer participação real. Querem criar uma “cultura-geral” de alienação, onde a “participação política cidadã” é dizer “amém” aos organismos superiores (diretores, gerentes, governadores, presidentes, etc.).
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Na maioria das escolas públicas os conselhos escolares refletem todas estas contradições e são fantoches das direções, da SEDUC e do governo. No Alcides Cunha, por exemplo, as contas da escola são uma caixa preta. Não existe prestação de contas e decisões importantes de cunho político ou pedagógico. Estes mesmos problemas também estão presentes no Protásio Alves. As principais decisões político-pedagógicas são tomadas pela direção. Não se cria uma cultura de participação, onde se veem as decisões coletivas serem aplicadas. Outra vez vemos um menosprezo por uma poderosa forma de educação coletiva, que é relegada pelo governo e pela SEDUC às direções, que, consequentemente, também não se preocupam com este tipo de método educativo. Pipocam casos de corrupção em pequenos níveis. Os alunos, novamente, assimilam isso como sendo o “conselho escolar” e só podem concluir que realmente não serve de nada participar destes organismos.
           
O compromisso, outra vez, é firmado com o governo e não com a comunidade escolar. Os diretores tornam-se agentes dos governos por medo de sofrerem represálias e se verem sem verbas; ou seja, cedem à chantagem política. O resultado é uma reação em cadeia de desordem, desencontro de informações, “bate cabeça” e indisciplina. Não existe democracia no ambiente escolar e a “gestão democrática” é uma fraude, constituindo-se em mais uma lei “para inglês ver”. Todo este descaso é um reflexo do sistema capitalista e da sua democracia burguesa na educação pública. Em uma sociedade onde não existe liberdade para decidir sobre as principais questões políticas e econômicas (dívida externa-interna, taxa de juros, políticas públicas em geral, metas, aumentos de tarifas) como poderíamos ter uma educação e uma escola diferentes?
           
Pelo contrário: precisam trabalhar no sentido de reforçar estes mecanismos de dominação. Como não podem fazer e dizer isso abertamente, apelam para métodos demagógicos, onde o discurso não encontra eco na prática, e vice versa. Os governos do PT, longe de romper com esta lógica e com a política educacional de PSDB-Democratas, a aprofunda em todos estes aspectos. É o preço da estratégia reformista, que o petismo tenta vender como a mais acertada e a única possível. Se esperaria de governos petistas maior participação da comunidade escolar e, sobretudo, dos professores na gestão da escola pública. Mas vimos exatamente o oposto: decretos, “reformas” impostas, retirada de direitos, precarização do trabalho, assédio moral, intimidação, cerceamento das eleições para diretor e adaptação ao cínico faz de conta dos conselhos escolares e da “gestão democrática”. O “pragmatismo” em política (do PT e de tantos outros partidos reformistas) significa o fim de qualquer princípio e o início de toda a sujeira, cedendo cada vez mais, até perder completamente a essência e tornar-se o seu oposto. A experiência com o PT é a prova cabal de tudo isso.
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No que diz respeito ao discurso, as políticas educacionais do PT se “diferenciam” das de PSDB, Democratas, PP, etc., por parecerem mais progressivas, por aparentemente incorporarem bandeiras do movimento sindical (avaliação emancipatória, interdisciplinaridade, escola democrática, ensino-processo; todas muito ligadas à tradição freiriana). Este tipo de discurso demagógico se repete na sociedade em geral, onde os petistas procuram se vender como combatentes do neoliberalismo tucano.
           
Porém, todo este discurso está em frontal contradição com o rumo concreto e com o conteúdo da política prática dos seus governos (Tarso, Lula e Dilma). Esta confusão política causa um profundo estrago na consciência da população e não é combatida na escola (justamente por estar a serviço do capitalismo), senão que é reforçada através de toda a prática pedagógica descrita; indo desde a relação com os grêmios estudantis até os conselhos escolares.
           
Partindo desta reflexão fica um pouco mais nítido o porquê do caos instaurado na educação pública. Os educadores atuais não entendem estas causas e, infelizmente, muitos nem procuram saber; querem se ver livres de política e do sindicato.
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Com este método de educação caótico e compreendendo todos os desvios apresentados, fica nítido que a lei de “gestão democrática” e aquelas que asseguram o direito à uma “educação pública e de qualidade” são simbólicas; apenas para “inglês ver”. Significa que a Justiça, as SEDUCs e as instituições oficiais “legalizam” a precariedade da aplicação das leis que teoricamente beneficiam os trabalhadores. Na verdade, todas elas sabem que o único princípio constitucional que é cumprido à risca é o “direito à propriedade privada” capitalista, que está em frontal contradição com os serviços públicos (como saúde, educação, transportes, etc.), seja da forma em que se apresentar: liberalismo clássico, neoliberalismo, ditadura militar.
           
Então, a educação pública sofre duplamente. Por um lado se vê refém da falta de investimento dos cortes orçamentários que arrocha o salário dos professores (os transforma em operários de fábrica com várias turmas com vários alunos), não investe em infraestrutura, na renovação dos materiais (em suma, deixa a escola no século XIX); por outro, as práticas pedagógicas do “abafamento” e do discurso diferente da prática, também destroem a consciência dos alunos, os educando na hipocrisia, na letargia, na indiferença, na dependência, na alienação política e na obediência cega.
           
A LDB e a Constituição Federal não cumprem sua “função na educação” porque dão suporte ao funcionamento do capitalismo, que tem interesses opostos ao dos trabalhadores (e dos seus filhos). Qualquer “reforma” ou “inovação” que não levar este fato em consideração não resolverá nenhum problema da educação pública (baixa qualidade, conflitos pedagógicos, desinteresse dos alunos), senão que os aprofundará.
           
É evidente que o caminho para mudar estas estruturas é árduo, ingrato e, até mesmo, cruel. Os governos – sobretudo os do PT – não caminham no sentido da mudança como cinicamente alegam, mas trabalham no sentido oposto, isto é, ajudam a consolidar e petrificar as estruturas arcaicas, paternalistas, medievalistas – em uma palavra –, capitalistas, da educação.

V – As reuniões pedagógicas
As reuniões pedagógicas geralmente são profundamente aborrecedoras, vazias, descoladas da prática, repetitivas e sem sentido. Servem para reproduzir a política oficial do governo, sem criatividade própria (e sem condições para isso), sem sugestões surgidas do chão da escola, seja de professores ou alunos. Muitos professores e supervisores se adaptam a lei do menor esforço e fogem das “incomodações”. Não querem tentar o novo, o “desconhecido”, lutar contra um monstro muito maior do que nós, que é o hábito, a rotina, o senso comum.
           
Todo mundo sabe que isso é extremamente difícil, mas toda a caminhada de 1000 Km começa com um 1º passo. Talvez seja necessário um longo trabalho teórico, debatendo e combatendo as concepções pedagógicas “quadradas”, mecanicistas e metafísicas da educação tradicionalista.
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As reuniões pedagógicas são massantes, estéreis e inúteis. Não são espaços criativos para que haja um crescimento coletivo. As discussões são viciadas, amarradas por toda a lógica atual da educação pública dentro do capitalismo, bem como por sua falta de estrutura. Durante o governo Tarso estas reuniões tem se caracterizado por serem apenas uma forma de adestramento dos professores (“Pacto” e Ensino Politécnico), isto é, mera correia de transmissão dos planos educacionais do governo.
           
Elas deveriam ser livres, instigando o debate, a produção intelectual própria sempre em sintonia com a evolução da comunidade escolar, a seleção de textos para o debate que atenda àquelas necessidades. O objetivo pedagógico de cada período deveria ser escolhido pelos próprios professores, acompanhando periodicamente a aplicação em sala de aula e a evolução dos alunos, com equipes selecionadas de acordo com aqueles professores que trabalham com as mesmas turmas. Outra vez é necessário reafirmar que as várias turmas e períodos acumulados sobre os ombros dos professores – sem falar nos cadernos de chamada, dentre outras funções – encurta o tempo hábil para reuniões produtivas, aprofundando o seu formalismo. É preciso uma reformulação estrutural das escolas, desde as salas de aula até a sua composição: menos alunos por turma (entre 10 e 15) e menos turmas por professor (uma média entre 3 e 5 turmas, no máximo, a depender da disciplina), sem redução salarial. Os professores precisam conhecer seus alunos e, para isso, é fundamental diminuir o número de turmas. Cada escola necessita de um corpo especializado de psicólogos, psicanalistas e pedagogos, que dariam o suporte necessário para este conhecimento maior do professor sobre cada um de seus alunos, debatendo, periodicamente, a melhor política de inclusão e do combate ao preconceito, bullying, depressão, crises familiares (separações, abusos, brigas, etc.).
           
A hora atividade acaba sendo outra enrolação porque torna-se o que os professores popularmente chamam de “hora-bunda”. Isto é, ficam sentados na sala dos professores esperando o tempo passar ou se afundam naquelas reuniões estéreis. É um círculo vicioso que precisa ser rompido. As horas atividades deveriam ser respeitadas e ampliadas para a leitura, a escrita e a melhor preparação das aulas (sem ser usada para aquela desculpa conformista de que “não adianta fazer nada”). Também seria a melhor oportunidade de conhecermos e estudarmos os nossos alunos. Para tudo isso é fundamental a diminuição do número de alunos por turmas e de turmas por professor. Mas para isso, é necessário mais investimento na educação pública e, assim, voltamos para o velho tema já abordado.

VI – Sobre a necessidade da análise psicológica e emocional dos estudantes
Cada ser humano tem o seu tempo de desenvolvimento intelectual e emocional. Este tempo precisa ser respeitado e acompanhado. As provas classificatórias, notas ou conceitos; períodos de 50 minutos, ano letivo e séries, não levam a evolução emocional e intelectual em consideração, por isso precisam ser superados. É preciso querer a mudança. O atual sistema econômico, o capitalismo, e a sociedade burguesa, não querem mudança alguma em benefício dos trabalhadores. “Mudança” é só pra cortar gastos, arrochar salários e apertar os cintos.
           
A lógica capitalista se apropriou plenamente da educação pública brasileira transformando-a em mercadoria (hoje mais do que nunca – e setores do movimento sindical combativo resistem como podem à mercantilização completa). Os atuais planos educacionais, dentre os quais a espinha dorsal é o Plano Nacional de Educação (PNE – 2011-2021), trabalha no sentido de garantir o dinheiro público para o setor privado: PRONATEC, ProUni, FIES, PPPs. Nunca se proliferou tanto no Brasil (talvez mais do que qualquer lugar no mundo) a “uniesquina”: verdadeiras fábricas de diplomas “aprovados pelo Inmetro”. Dentro desta lógica os tempos individuais são esmagados, apagados. Quem não consegue o objetivo esperado dentro de um trimestre ou semestre é “incompetente” ou “inapto”; quem não é aprovado em uma prova ou no vestibular é um “incapaz”. As “comemorações” alheias nas redes sociais e nas faixas públicas servem para atestar aos reprovados o seu “fracasso” (uma espécie de “loser” dos norte-americanos).
           
Mas como garantir a qualidade do ensino? – perguntarão os práticos pequeno-burgueses. “Sem provas tudo se perderá; sem metas não saberemos aonde chegar” – gritam alto nos nossos ouvidos. É certo que precisamos nos certificar da aprendizagem de um indivíduo, se absorveu os ensinamentos sobre uma língua, a lógica de um cálculo ou de um conceito, mas para tudo isso é necessário tempo, o desabrochar semi-espontâneo, a evolução individual, que não segue padrões rígidos pré-determinados. Estes pequeno-burgueses não nos respondem os “porquês” das várias provas e métodos de avaliações classificatórias (meritocráticas) não assegurarem a qualidade da aprendizagem dos estudantes? Mesmo com o método meritocrático, os “vencedores” e “sábios” que passam nos vestibulares ou em concurso nem sempre dominam um assunto ou um conceito plenamente. Podemos encontrar, até mesmo, casos de profunda ignorância entre eles.
           
Não se trata de se desfazer de uma hora pra outra dos métodos tradicionais de avaliação, como as provas, mas de saber utilizá-los sem terrorismo psicológico e social; muito menos como “índice indiscutível de qualidade” para governos, mídia e empresas. Muito mais do que um reles diploma, é preciso ensinar um método; ensinar a pensar, a raciocinar, a ser crítico, a ler nas entrelinhas da sociedade e da natureza; em suma: a entender os métodos científicos e filosóficos e aprender a usá-los com personalidade própria. O indivíduo só desenvolve sua própria personalidade quando apreende os métodos científicos, a ler e interpretar (lingüística, política e filosoficamente) um texto de qualquer fonte; quando sabe se posicionar política e ideologicamente; quando está em condições de questionar e interpretar fórmulas matemáticas. E, novamente, para tudo isso leva tempo. A educação atual, sua estrutura, seus “anos letivos”, suas séries, seus métodos, não contribuem para isso. Todas elas entravam o processo! A escola deve ser sempre um meio e não um fim em si mesmo (que dirá então o vestibular?).
           
Sobre esta evolução da personalidade e o despertar da consciência os conflitos emocionais exercem pressões devastadoras e, por isso mesmo, decisivas. Emoções e aprendizado andam de mãos dadas e, por isso mesmo, precisam ser respeitados. Os adolescentes e as crianças possuem inúmeros conflitos; e o colégio, ao invés de se preocupar com eles como quem cuida de um bibelô de cristal, desenvolve vários novos conflitos evitáveis por não estar preparado para eles: bullying, egoísmo, atenção, desatenção, amor, amizade, educação sexual, etc.
           
Um professor que não presta atenção nestes “detalhes” é como um astrônomo que quer observar o céu noturno sem levar em consideração a nebulosidade do céu. Ele pode ter sorte algumas noites, mas terá inúmeros problemas a longo prazo em razão do mal planejamento, do mal aproveitamento, do desperdício de tempo. Para fazer uma boa observação é preciso que o céu esteja o mais límpido possível. Da mesma forma, para que os alunos tenham uma boa aprendizagem, com qualidade, é necessário que o “céu das emoções” não esteja nublando o raciocínio, o interesse, a motivação.
           
A descoberta da psicanálise de Freud é uma grande ferramenta a serviço deste objetivo. Todo educador deveria conhecê-la, estudá-la, participar de grupos de estudos sobre ela, pautá-la nas semanas de formação pedagógica. O que impera é o oposto: os professores de hoje são reféns da alienação política, do pensamento religioso e encontram-se emaranhados numa teia de confusões emocionais – alimentada pelos primeiros – que, muitas vezes, não permitem se ajudar e ajudar os alunos. Até certo ponto isto é inevitável: todos tem problemas emocionais, mas é preciso querer vencê-los, procurar um caminho para neutralizá-los, compreendê-los e superá-los. Este caminho subjetivo é desbravado pela Psicanálise (ciência esta que também deveria ser ensinada aos alunos do Ensino Médio).
           
Por tudo isso é fundamental dar atenção a evolução emocional dos alunos. É preciso levar em consideração as potencialidades futuras, o grau de apreensão dos métodos, da lógica e da interpretação de cada aluno. Evidentemente o esforço e a dedicação devem ser levados em consideração, mas não para transformá-lo em instrumentos da obediência e da manipulação autoritária, mas para que seja a alavanca da independência intelectual e da iniciativa política e pessoal.
           
Respeitar o tempo de evolução emocional de cada um não significa abstencionismo ao desenvolvimento de incentivos, instigações e questionamentos. Mas isso não deve ser feito desconsiderando o estado emocional e evolutivo de cada um e, muito menos, contra ele.

VII – O “vandalismo” dos alunos contra o ambiente escolar
O “vandalismo” de alunos contra o ambiente escolar, sobretudo das escolas públicas, é flagrante: classe, paredes e banheiros pichados, quando não inteiramente destruídos.; vidros e maçanetas quebradas; desperdício de folhas, de papel higiênico (quando existem nos banheiros), etc. É certo que uma pequena parte deste “instinto vândalo” está localizado naquele impulso da psique que se convencionou chamar, pela psicanálise, de “pulsão de morte”, destrutivo e agressivo, que é, até certo ponto, intrínseco a todo ser humano. Porém, grande parte deste “vandalismo” é causado pela percepção de que o governo e a sociedade estão “se lixando” para a educação e para a escola pública.

Os problemas infraestruturais (janelas, portas, alagamento, falta de higiene, renovação de materiais, etc.) mandam um recado implícito para alunos e professores: “não nos importamos com vocês”; “se virem”; “vocês merecem o que tem”. O “vandalismo” resultante por parte dos alunos é uma resposta até certo ponto inconsciente a este descaso, potencializado por outros motivos de ordem psicológica, emocional e pessoal. E a manutenção das escolas, sua aparência e infra estrutura também é uma questão pedagógica. A nossa “segunda casa” é agradável ou um ambiente velho e sujo? Ou o que é pior: uma prisão tipo Carandiru? Os alunos crescem enquanto indivíduos ou se sentem oprimidos e aprisionados?
           
“Se o governo não cuida, não mantém, não melhora e não investe, porque eu devo cuidar? (ainda mais se me sinto como um ‘prisioneiro’ neste lugar)” – algo parecido com este pensamento inconsciente deve passar na mente de alguns desses alunos. Não cabe julgar se “está certo ou errado” por si mesmo, mas apenas em seu contexto social. Um moralista incorrigível – que geralmente serve apenas para justificar a sociedade tal como ela é – dirá que “está errado”, que o “vandalismo não se justifica de maneira alguma” e que a “única solução é castigo e repressão”.
           
O fato, contudo, é que o governo e as direções de escola que são suas “testa de ferro”, estão educando os alunos no descaso, na falta de critérios, no corte de gastos, na omissão. “Nós não somos importantes; importantes são os estádios de futebol, os shopings, os bancos e as empresas” – outra conclusão que se depreende da observação da realidade.
           
Existe a possibilidade de uma escola sem vandalismo? A escola precisa educar os alunos a não destruir a sua estrutura física? Não seria uma luta inglória e infrutífera colocar isso em primeiro plano, esquecendo o mais importante? A compreensão deve ser o seguinte: para que o “vandalismo” acabe (ou seja consideravelmente diminuído) é necessário que o governo dê o exemplo, bem como a direção da escola, garantindo a democracia, a participação e a prestação de contas, mostrando que a educação é valorizada na prática e a sua defesa não é apenas um discurso vazio.
           
As direções de escola e grande parte dos professores legitima e propaga a falsa ideia de que “não há verba para a educação” (sobretudo os militantes petistas quando o PT está no poder), que o governo iria “quebrar” se investir tanto quanto seja necessário para sanar os problemas da educação pública. Esta justificativa serve perfeitamente para as privatizações e para o desvio de verbas para o ensino privado, via PRONATEC, ProUni e as demais propostas constantes no PNE. O “vandalismo” estudantil deita raízes também sobre o autoritarismo da educação, que serve apenas para obedecer, com normas e padrões que não são debatidos, mas impostos. Soma-se ao autoritarismo as condições precárias da infra estrutura escolar, fruto da destinação da verba pública para o serviço de pagamento dos juros das dívidas, o desvio através da corrupção ou da conivência com ela, a isenção de impostos às grandes empresas, shopings, estádios de futebol, etc.
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A sujeira é uma lamentável realidade em todas as escolas públicas. Os alunos não demonstram preocupação com a higiene do seu ambiente de estudo. Isto, naturalmente, causa pavor por parte de professores e das direções de escola. Porém, a concepção de limpeza das escolas públicas está equivocada. Tudo é responsabilidade dos funcionários da limpeza. Ensinar a cuidar do nosso ambiente, a ter respeito pelo trabalho de limpeza dos outros faz parte da educação.
           
Os alunos são erroneamente ensinados, desde muito cedo, que a limpeza “é tarefa dos funcionários da escola”. Não são ensinados a trabalhar coletivamente em um mutirão que assegure as condições de limpeza das salas de aula e da escola como um todo. Cumprir este papel não só não tem “nada de errado”, como possui grande valor educativo. A limpeza feita por um mutirão cria uma rede de solidariedade para mantê-la limpa, uma vez que o conjunto do grupo enxerga nisso um trabalho coletivo. Qualquer indivíduo que jogue algum papel no chão será repreendido não apenas por um “superior” da escola (o que muitas vezes é inócuo), mas pelos seus pares, pois estará estragando o resultado de um trabalho comum. É a autogestão do próprio ambiente escolar. Os próprios conflitos dentro da turma devem ser resolvidos por uma assembleia comum, da própria turma, de um turno ou de toda a escola. A direção e o SOE devem apenas (e literalmente) supervisionar, intervindo apenas quando as coisas não vão para um bom caminho.

Desta questão da limpeza não deve se concluir que o Estado está dispensado de enviar funcionários de escola para cuidar da limpeza e do funcionamento geral da escola. A limpeza e a manutenção de uma escola não devem ser de responsabilidade exclusiva ou principal da comunidade escolar. Tanto a limpeza, quanto a manutenção são possibilidades pedagógicas de solução de problemas cotidianos e de crescimento coletivo. Não podem ser usadas, sob hipótese alguma, como forma de os governos “cortarem gastos com a educação pública”. O papel dos funcionários de escola continua sendo imprescindível, podendo servir como organizadores e auxiliadores dos planos de limpeza dos respectivos mutirões de cada turma e de cada escola quando estes se fizerem necessários.

VIII – Educação em tempo integral ou educação integral: quantidade ou qualidade?
No seu trabalho pedagógico o professor precisa conhecer as suas turmas, a personalidade geral de seus alunos e, dentro da medida do possível, suas relações familiares e círculos de amizade. Como se sabe, isso é impossível em uma realidade em que os professores precisam assumir mais de 40h, com mais de 10 turmas (às vezes mais de 20 ou 30). O processo de enturmação e de cortes de gastos – que se expressa também no aumento de alunos de uma disciplina atendidos por um único professor – torna esse “conhecimento” específico das turmas e dos alunos quase impossível, a não ser alguns, de forma bastante precária.
           
Na atual estrutura burocrática escolar (conteudismo, períodos de 50 minutos, falta de inovação e de infra estrutura) é inviável “educar” os alunos, seja em que campo for, respeitando suas idiossincrasias, suas capacidades e limitações. Há apenas uma padronização em série, como a produção em uma fábrica ou um conjunto de mercadorias numa prateleira de supermercado. Para além da diminuição do número de alunos, de turmas e de liberalização de horários, é fundamental um acompanhamento psicanalítico dos alunos, sobretudo daqueles que apresentam maiores problemas de relacionamento. A partir daí deve se desenvolver uma parceria entre o professor e o psicanalista, que pode fazer parte diária do serviço de supervisão pedagógica da escola.
           
Logo se dirá que isso é impossível, pois o governo não pode arcar com estas despesas. Rotula-se como “utopia” e assunto encerrado. O capitalismo exige o dinheiro que deveria ir para os serviços públicos e do Estado em geral para os “incentivos fiscais” aos empresários e para pagar as dívidas impagáveis dos banqueiros e agiotas nacionais e internacionais. Sendo assim, o capitalismo, a despeito de todos os discursos demagógicos em contrário, só pode reservar para a educação os velhos métodos tradicionais de ensino, tipicamente medievais, disfarçados sob frases modernizantes. Não vimos as coisas se resolverem no sentido da “modernização” destas técnicas, mas da utilização da “mão-de-obra” do professor como um “operário de fábrica”, que recebe o maior número de turmas e de alunos possíveis para “render” da forma mais utilitária possível. Mas a educação não pode ser utilitarista e formal. É preciso investimento maciço em infraestrutura para criar as condições da verdadeira libertação pedagógica do professor, quando ele poderá assumir um número reduzido de turmas de, no máximo, 15 alunos.
           
Quando um aluno não se interessa pela aula será motivado apenas por desatenção e indisciplina ou infelicidade momentânea, depressão, problemas familiares? Como o professor pode fazer para atingir aquele aluno se na escola pública do capitalismo não existe a possibilidade de um atendimento mais personalizado? Se os professores fogem desse exército de alunos “indisciplinados” que atrapalham suas aulas como o “diabo da cruz”? Muitas vezes um aluno com grandes capacidades simplesmente não consegue controlar a sua ansiedade por problemas de ordem emocional e pessoal. A padronização do sistema de ensino, com seus tempos e métodos avaliativos tradicionais, simplesmente passa a patrola sobre estes sentimentos.
           
O investimento em educação não é apenas uma necessidade para melhorar o nível econômico, material e intelectual dos professores, mas é uma necessidade pedagógica, pois precisa possibilitar a redução do número de alunos por professor, bem como a redução do seu número de turmas. O investimento maciço em educação deve prever um aumento remunerado extra classe para preparação das aulas e trocas de informações com o corpo psicanalítico e pedagógico da escola.
           
O tipo de “reforma” e de “investimento” que o governo Tarso/Dilma faz é uma ficção. Em nada se diferencia dos governos de FHC. Não servem em nada para construir esse tipo de perspectiva educacional, prevendo uma real emancipação pedagógica. Pelo contrário. Trabalham no sentido de perpetuar a noção de “professor sobrecarregado” de tarefas burocráticas e alheias ao real processo educacional, além de atender muitíssimas turmas e não ter direito real à “hora-atividade”. Os governos do PT deram um calote não apenas no salário (Piso Salarial Nacional), mas, também, no cumprimento de uma tímida “hora-atividade”.

IX – Sobre a educação corporal, artística e linguística
A Educação Física deve ter um papel maior na educação dos trabalhadores e dos seus filhos. “Mente sã em corpo são”, diziam os antigos. Atualmente, esta disciplina é subaproveitada em razão da ausência de condições materiais para a sua realização. Se constitui, portanto, em mais um formalismo.
           
Uma das melhores formas de aprender sobre o corpo humano é praticando exercícios e esportes. É preciso profissionalizar os campeonatos escolares e interescolares, diversificar os esportes e, sobretudo, tornar a Educação Física uma prática cotidiana a ponto de tornar desnecessária a inscrição de um aluno em uma academia. A prática esportiva deve ser séria e não simbólica, apenas para constar em currículos formais.
           
A postura correta, o exercício físico, a circulação do sangue contribuem não apenas para o desenvolvimento corporal, mas hormonal e psicológico, sendo um suporte fundamental para o aprendizado. A “ansiedade” e “hiperatividade” de muitos alunos – que são erroneamente tratadas com remédios pesados de tarja preta – poderia ser controlada através de uma real participação nas aulas de educação física, que também precisam de condições materiais, de espaço e de tempo. Um corpo minimamente exercitado deve ter melhor desempenho no raciocínio e no aprendizado.
           
O desenvolvimento corporal e mental é atribuição também da educação artística, uma vez que contribui não apenas para o desenvolvimento da sensibilidade intelectual, mas para a do corpo. Os festivais artísticos precisam ser incentivados amplamente, pois é uma forma bastante exitosa de envolver os alunos, uma vez que eles se reproduzem nas construções artísticas: desenho, pintura, história em quadrinhos, filmes, teatro, música. Muitos alunos já tocam algum instrumento; outros tem grandes aptidões para o desenho e para a interpretação teatral. Bastaria um apoio logístico maior por parte da escola e do governo para dar suporte a união e ao desenvolvimento de todos estes talentos.
           
É claro que tudo isso depende de investimentos em infraestrutura, em material esportivo, quadras, vestiários, aparelhos de musculação, palcos, salas, tinta, telas, instrumentos musicais, etc. Então, caímos de novo no problema das prioridades de investimento da sociedade capitalista. É por isso que, sem acabar com a sociedade capitalista e construir uma sociedade em bases socialistas, qualquer promessa de mudança na educação “parece sempre impossível”.
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Já é hora de vencermos a “gamatização” do ensino de línguas. Devemos elevar o nível: partir da gramática para o ensino da linguística, que reconhece a língua como um fenômeno vivo, em movimento, tal como toda a natureza. Ensinar a ver que a língua se modifica junto com a sociedade e não está parada, como as regras gramaticais fazem crer. A linguística deve servir para auxiliar a comunicação – seja falada ou escrita – dos alunos e não a sua padronização mecânica, feita de fora.

X – Sobre a interdisciplinaridade
A interdisciplinaridade é uma necessidade da educação – sobretudo nos anos finais da escola (ensino médio). Porém, como já foi dito, toda a estrutura escolar atual (horários, forma de organização, formação docente, infraestrutura, currículos) conspira para que ela não exista. Toda a estrutura escolar trabalha no sentido metafísico, da divisão em “caixinhas” da compreensão, de uma lógica classificatória, separando disciplinas e conteúdos inseparáveis por natureza.
           
A própria lógica do capitalismo impede que haja interdisciplinaridade, porque quer utilizar a “mão-de-obra” do professor em várias turmas, mantendo os custos com a educação baixos, os horários fragmentados, mesclando baixo investimento em infraestrutura e salários. Essa é a única educação pública que o capitalismo pode assegurar aos trabalhadores.
           
Porém, apesar de tudo isso, existe um caminho para se iniciar a interdisciplinaridade, mas cuja a plenitude só poderá ser atingida em uma sociedade socialista, que deverá dar grande valor à educação social. Esta possibilidade pode ser explorada aumentando os períodos de filosofia e incumbindo-lhe a tarefa de dar a linha teórica e metodológica às demais disciplinas, levando todas as especificidades de cada turma e aluno em consideração (guardada as devidas proporções das escolas).
           
A criação de uma disciplina fictícia e inútil como Seminário Integrado em nada contribui para a interdisciplinaridade, porque não quer mexer na infraestrutura das escolas e dos currículos, no baixo investimento, nos horários, no número de alunos por turmas e de turmas por professor. Pior ainda: não estabelece a conexão entre os conteúdos, mas os rebaixa ao espontaneísmo e em certos casos os ignora completamente. A filosofia trabalha com a união de conteúdos por excelência, por si própria, por sua natureza intrínseca. Como disciplina unificadora deve partir da explicação da dialética e do materialismo, ensinando um método de pensamento e de observação do movimento da realidade. Deve combater também todo o tipo de obscurantismo medieval e supersticioso.
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Para que os alunos se tornem mais do que “pesquisadores” (uma das teclas que todos os teóricos e pedagogos do “Pacto” batem insistentemente), é necessário que a escola se preocupe em ensinar método filosófico e científico. Instruí-los no ceticismo científico e não no seguidismo e “obedientismo”; nem no niilismo. É preciso despertar a vontade de estudar e de saber, e não de assassiná-la na casca, como acontece hoje, com mecanismos burocráticos e metas descoladas do debate coletivo. Metas elaboradas não apenas entre os professores, mas com toda a comunidade escolar.
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A proposta de Seminário Integrado feita pelo “Ensino Médio Politécnico”, do governo Tarso e Dilma, não serve para a unificação das ciências e das áreas do conhecimento. Faz o contrário. Como já foi dito, ela tem servido apenas para nivelar os conhecimentos por baixo. O documento do “Pacto” diz: “contextualizar os conteúdos escolares não é liberá-los do plano abstrato da transposição didática para aprisioná-los na espontaneidade e na cotidianidade”. Mas é exatamente isso que está acontecendo.
           
A filosofia deveria unificar as distintas áreas do saber “fragmentado”, ensinando um método filosófico para isso: a dialética materialista. Esta é a melhor ferramenta que dispomos para nos dar a visão conjunta de todo o cosmos e de toda a natureza. Este método rompe com a alienação política e social, que é a única forma de aproximar a ciência do “social” e da “realidade humana”, bem como formar “cidadãos críticos e participativos”. Também rompe com a hegemonia da matemática na escola, ajudando a aproximar a filosofia da química, física, biologia; e vice-versa.
           
O documento do governo se exime de nos apresentar um método, como o da dialética materialista. Fala timidamente em “matéria e transformação”, mas sem nenhuma consequência e profundidade. Não quer se chocar com a religião estabelecida, que é uma de suas bases políticas de apoio. O documento afirma: “saber unitário que pode explicar o mundo natural”. Mas como fazer isso se existe infiltração ideológica do pensamento religioso e esotérico em cada uma das disciplinas e na estrutura escolar como um todo? Não é possível explicar a unidade entre o “todo” e a visão do “mundo natural” se ocorre a infiltração ideológica da religião na ciência? Para isso é fundamental o debate sobre “a questão fundamental da filosofia”, isto é, o debate sobre o que determina a realidade primordialmente: a matéria ou a ideia? A evolução da noção de matéria é o “conteúdo” filosófico que pode ser o unificador de todas as disciplinas; e o debate sobre a questão fundamental da filosofia o norte das Ciências Humanas.
           
Este corte em relação à religião é fundamental e não pode ser menosprezado (ou o que é pior: ignorado pelo medo que suscita). Isso é literalmente fundamental porque a religião mantém seu poder e exerce sua força avassaladora – inclusive sobre a própria educação (mesmo ela sendo supostamente “laica”) –, a despeito de qualquer argumentação racional. E os alunos precisam estar plenamente conscientes disso se queremos falar seriamente em “iniciação científica”.
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A Física e a Química devem expandir o seu campo para além da matemática. Precisam de uma aliança com a Filosofia. A matemática deve ser uma ferramenta à disposição daquelas disciplinas para mostrar a exatidão e a expressão quantitativa da natureza, mas não deve ser a espinha dorsal, como é atualmente. É preciso dar mais valor a explicação teórica, pensar e desenvolver métodos de ensino que explorem este caminho.
           
A ciência avança periodicamente, mas a escola não debate nenhum desses avanços. Praticamente ignora a evolução científica. Isso reflete, por um lado, as condições de trabalho precária e de formação dos professores; e, por outro, o baixo nível intelectual da sociedade em geral, que prefere entretenimentos mais vulgares por servirem como válvulas de escape social. O governo não contribui em nada com a iniciação científica dos alunos da escola pública, a despeito do discurso em contrário. Não lhe interessa investir em ciência e tecnologia, conforme podemos ver com os gastos do governo federal em comparação com as dívidas interna e externa. Da mesma forma, a sociedade capitalista gera uma mídia alienante, voltada unicamente para o consumo do supérfluo, banindo da grade de programação programas voltados para a propaganda científica e dando preferência a programas “idiotizantes”.

Se queremos falar seriamente em “desenvolvimento” e elevação da qualidade da educação, deveríamos, por exemplo, criar as condições para o ensino da matemática voltada para a informática (números binários, programação, etc.), internet e economia (matemática financeira) – sem, é claro, excluir a matemática básica. Da mesma forma, a Química e a Física, em algum momento das séries supostamente mais “avançadas”, deveriam penetrar no mundo subatômico da Física Quântica, pois é daí que provém a tecnologia da indústria de ponta (lasers, microchips, semicondutores, etc.). Cerca de 30% do PIB dos EUA deriva de indústrias com base quântica. Os governos Tarso e Dilma, com todo o seu discurso “voltado para o trabalho”, esquecem desta elevação cultural e científica para elevar o nível da nossa indústria e, consequentemente, do trabalho. O seu ensino técnico é um reles curso profissionalizante de tecnologia de segunda mão e a sua forma de tornar a escola “mais atraente para os alunos” é rebaixando os conteúdos e tergiversando sobre as dificuldades.

Certamente que este discurso parece irreal, uma vez que muitos alunos não sabem sequer as operações básicas da matemática (fruto de uma conjunção de problemas). Porém, mesmo assim é preciso elaborar um plano ousado para superar a mediocridade em que nos encontramos. Para isso, ter um norte é fundamental. O “norte” que o governo quer subordinar a educação pública reflete a condição de um país colonizado que não quer emancipar-se, ou seja, é a mesma de um técnico de segunda mão que presta pequenos serviços aos países imperialistas.

XI – Sobre o financiamento da educação pública
Nos últimos 30 anos, pelo menos, a educação pública vem sofrendo golpe atrás de golpe; cortes de investimento atrás de cortes. Os anos de neoliberalismo – primeiro com o PSDB e agora com o PT – tem criado um novo “consenso” na opinião pública via grande mídia e a sua lavagem cerebral institucionalizada sobre a “falta de recursos” e a “inevitabilidade da privatização”. Naturalizou o desvio de verbas públicas para o setor privado. Isso – que em outros momentos históricos causaria escândalo – é tratado como normal e aceitável. Mas isso é, na realidade, um escândalo! É inaceitável! É um roubo legalizado do dinheiro público, tratado cinicamente como natural. É como se em uma viagem de 1000 Km feita de carro, a cada 10 Km se parasse em um posto e, ao invés de abastecer, nos fosse sugado 1 litro de gasolina. Evidentemente que o carro não chegaria ao seu destino final e entraria em colapso por falta de combustível.
           
É isso que fazem com a educação, a saúde e todos os serviços públicos. A cada “10 Km” sugam os recursos públicos ao invés de reabastecê-los; condicionam o seu recebimento à aceitação implícita dos projetos do governo que, por sua vez, visam cortar gastos. A verba de “autonomia” (que tem um belo nome, mas poderia ser substituída pelo nome de “verba de dependência” ou “da pobreza”) vem sendo enxugada pelo governo através de um “congelamento” não anunciado que acontece há mais de 20 anos. As exigências e o número de alunos aumentam, mas a verba continua a mesma de 10 anos atrás.
           
Um método utilizado pelos governos de PSDB e PT tem sido o de vincular o recebimento de verbas (além da verba de “autonomia”) à aceitação passiva dos projetos do governo: Mais Educação, Mais Cultura, PPDE, dentre outros. O plano de metas do governo tem que ser cumprido e os seus planos pedagógicos também. Esta é uma das chantagens dos governos petistas (seguindo o exemplo dos tucanos) para concretizar os seus planos neoliberais e agradar os organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial. Grande parte desta verba sequer chega aos colégios e ainda estão sujeitos a não-aceitação por parte do governo, se este achar que o projeto “não é bom”. Sendo assim, ou a escola aceita as diretrizes do governo ou fica à mercê da verba de “autonomia”, cada vez mais minguada.
           
Assim, o caos na educação pública se dá, em grande parte pela seguinte causa: o não investimento na educação em razão desta submissão à lógica empresarial. Escola não pode ser tratada como fábrica ou empresa. Os professores, alunos e funcionários devem ter o direito de errar, de descobrir o seu próprio caminho, a sua própria pedagogia aplicada à sua realidade específica; preocupações essenciais estas que as “reformas” do governo, seu “ensino médio inovador”, “pacto”, PNE, PEE, etc., não demonstram nem um pouco. Pelo contrário. Estamos vendo o aprofundamento da contradição entre discurso e prática, reforçando uma escola tradicional, classificatória, mal estruturada e pobre em todos os sentidos, pois não é possível mudar toda uma prática pedagógica apenas pelos professores se não lhe são asseguradas as condições materiais para esta mudança. A falta de investimento e a necessidade de mudança estão em contradição. É por isso que o “Ensino Médio Inovador” e o “Pacto” só podem servir para facilitar a aprovação automática e trabalhar no sentido de garantir os alunos como mão-de-obra barata para o mercado capitalista através de medidas como o PRONATEC, que legaliza o desvio de dinheiro público para o ensino técnico privado (Sistema S).

XII – Trabalho como “princípio educativo” ou como princípio alienador?
O grande objetivo do “Pacto” e da Reforma do Ensino Médio Politécnico é “preparar o aluno para o trabalho”. Isso fica claro em trechos como “o ensino integrado com o trabalho” e “o trabalho como princípio educativo”. Mas que tipo de “trabalho” e em qual sociedade?

Não há dúvida sobre o papel fundamental do trabalho na sociedade e da relação que deve desenvolver com a educação pública. Porém, o trabalho é um princípio geral, responsável pelo que se entende por “Prática Social”. Esta prática foi a causadora de inúmeras descobertas científicas, tecnológicas e metodológicas na História humana. Esta compreensão fica eclipsada pela forma como o trabalho é entendido hoje (sobretudo pelos governos Dilma, Tarso e pela Rede Globo-RBS), pela sua utilização prática que leva à alienação política e social.

Existe um profundo desprezo pelo trabalho por parte dos trabalhadores dentro da sociedade capitalista, pois ele não é utilizado como uma forma de reprodução da essência humana, mas como uma nova forma de alienação e opressão. Os trabalhadores não se reproduzem no trabalho, não compreendem-no, detestam-no; querem se ver livres dele a qualquer custo justamente porque não se reproduzem nele, porque lhes é imposto, aborrecedor, por vezes cruel e desumanizador (o que não impede que boas relações de coleguismo se desenvolvam nas categorias profissionais). Esta são as características principais do mercado capitalista de trabalho.

A remuneração, além de ser injusta, insuficiente, é uma forma profundamente limitada de conceber o trabalho. Marx foi exaustivo em analisar o papel do trabalho, da sua relação com o patrão e com a sociedade em geral. Quanto mais o trabalhador trabalha, menos recebe e menos se apropria da “sua criação”. A sua miséria vai crescendo de acordo com as metas e com a quantidade de trabalho que precisa despender para ganhar a vida. A competição entre os trabalhadores leva à desunião, à competição voraz, à desumanização e é o oposto da evolução científica, que está baseada no “trabalho coletivo” e social por excelência de centenas de gerações humanas. A geração atual se apóia nas conquistas do pensamento científico das gerações passadas.

O “trabalho como princípio educativo”, defendido pelo governo federal e estadual não tem esta compreensão. Ignora esta condição fundamental do trabalho na sociedade capitalista atual. Transforma o “trabalho” em uma palavrinha solta, desprovida de relação com a sociedade real, com o concreto. Faz isso intencionalmente, pois não pode reconhecê-lo, uma vez que se sustenta e depende das atuais relações de trabalho e de propriedade, que patrocina e propaga.

Mais do que isso. Traduz as necessidades econômicas atuais da burguesia de “qualificação profissional e técnica” em uma falsa “Reforma do Ensino Médio” e num suposto “Pacto pelo fortalecimento do Ensino Médio”. Resumindo: trabalha no sentido da subordinação total e incondicional do trabalho ao capital.
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O “trabalho como princípio educativo” só pode ser reconhecido como tal no momento em que se coloca a real situação do trabalhador na sociedade. Ou seja: exploração do trabalho, o arrocho salarial, a extração da mais-valia. Se não somos donos do resultado do nosso trabalho, da nossa própria criação, da nossa própria produção, como podemos modificar a sociedade de acordo com os “nossos interesses”, como cinicamente propõe os documentos do governo? Como podemos educar os nossos alunos neste “princípio” omitindo este pequeno “detalhe” sobre o trabalho na sociedade brasileira atual?

O trabalho na sociedade capitalista é aborrecedor e alienador. As pessoas fogem dele – assim como os nossos alunos fogem da aula – porque não se reproduzem nele. E por que isso? Porque o trabalho faz parte da lógica do sistema de exploração, de opressão, de embrutecimento, do fim da nossa liberdade criadora. A educação opressora, tradicional, é resultado da sociedade de classe em que vivemos. O colégio-fábrica é a consequência deste tipo de trabalho desumanizador. Como, então, modificar a educação sem mexer nos pilares econômicos que orientam o trabalho para este caminho opressivo e destrutivo? E partindo do reconhecimento daquele argumento governista de que temos que “aceitar as bases estabelecidas”, como caminhar minimamente no sentido da modificação da educação se os documentos apresentados pelo governo omitem o caráter do trabalho da sociedade atual? Se omitem que o governo Tarso, Dilma e suas SEDUCs trabalham no sentido de manter e aprofundar as bases do trabalho alienante e desumanizador do capitalismo?

XIII – Sobre a educação pública e a perspectiva do socialismo
A questão política e econômica da crítica ao capitalismo e da necessidade do socialismo pode parecer alheia aos problemas da pedagogia e da educação pública. Muitos acham que pode ser dispensado do debate, pois “não tem nada a ver”. Mas isso é uma ideia profundamente equivocada. O capitalismo tem uma linha geral para todos os setores sociais: educação, saúde, comunicação, transporte, etc. Por isso, deve-se partir do geral e chegar ao específico (no caso do nosso tema: na pedagogia e na educação). Além disso, o capitalismo – bem como qualquer sistema econômico – tem ideologia própria que serve para preservá-lo e mantê-lo funcionando. Estas ideologias são difundidas de diversas maneiras. Uma dessas maneiras é a escola e a educação pública no geral.
           
Por tudo isso, a compreensão do funcionamento do capitalismo – sobretudo do atual – é de suma importância. A precarização dos serviços públicos, da relação de trabalho (contratos emergenciais, medidas para a destruição dos planos de carreiras, etc.) os cortes orçamentários e a subsequente falta de investimento na infraestrutura das escolas públicas criam uma situação de extrema dificuldade para o educador cumprir plenamente a sua função. Esta dificuldade soma-se às diversas outras já debatidas. Aliás, todas elas – pedagogia da “prática diferente do discurso”, do “abafamento”, da falta de investimento e da sabotagem à gestão democrática – são reflexos da sociedade capitalista e das suas “políticas públicas” neoliberais.
           
Nesse sentido, a perspectiva do socialismo é fundamental. Dentro do capitalismo os educadores devem, necessariamente, estar vinculados à luta sindical e política por um outro tipo de sociedade. A educação precisa ser revolucionária ou não educará. Em uma sociedade fundamentada sobre a exploração, opressão, alienação e hipocrisia institucionalizada, a educação tem que servir para questionar estes “valores” de deseducação com os quais os alunos se deparam na sua vida, seja no trabalho, na mídia, nas suas relações sociais em geral ou na escola (infelizmente). Se a educação não transpor os limites do capitalismo dificilmente ajudará na emancipação política e intelectual dos alunos. Pelo contrário: veremos o aprofundamento do caos e da desilusão dos educadores em relação ao seu trabalho e dos alunos em relação à escola. Infelizmente a grande maioria dos educadores não quer “incomodação” e não se “mete em política”. E todos os problemas começam a se desenvolver a partir daí.
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Como pode a educação dar lucro? Não estaria algo profundamente equivocado? Uma educação que dá lucros é uma “contradição genética”, isto é, pedagógica, pois o ensino e o conhecimento devem ser socializados e nunca privatizados. A descoberta científica foi e é coletiva; portanto, o conhecimento não pode ser privatizado. Ser socializado é um pré requisito para que a ciência e o conhecimento continuem avançando.
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Todo o educador, se quiser cumprir um papel realmente independente e de formador crítico, precisa situar-se no campo do socialismo revolucionário. O termo “democracia”, comumente utilizado nas teorias pedagógicas brasileiras (em especial na obra de Paulo Freire), é muito vago e impreciso, podendo ser olhado pela ótica da burguesia (fato que corriqueiramente acontece). Na maioria das vezes, não tomar partido na questão da disputa entre o projeto burguês (capitalista) versus o socialista e falar em “democracia”, significa apenas educar o aluno dentro da concepção democrático-burguesa, chamada eufemisticamente de “cidadã”. Educamos para deixá-lo refém da sociedade atual, cego e preso ao labirinto do jogo viciado das eleições, onde impera o poder do dinheiro e da corrupção.
           
Não existe “democracia” no abstrato, dissociada de um modo econômico de produção e de uma determinada sociedade histórica. Conhecemos a democracia escravista, burguesa e socialista (ou operária). Para que haja democracia de verdade é preciso mexer na propriedade privada e na estrutura econômica da sociedade; em suma: é preciso uma revolução. Sem isso, qualquer discussão sobre “escola democrática” é amputada, falsa e ilusória.

XIV – Sobre como os neoliberais petistas tentam se travestir com as cores do marxismo para melhor enganar os trabalhadores: análise do discurso do Secretário de Educação, José Clóvis de Azevedo, na conferência sobre o “Pacto pelo fortalecimento do Ensino Médio” no dia 21 de julho de 2014
O Secretário de Educação, José Clóvis de Azevedo, militante do PT e, também, membro do CPERS, abriu a conferência de educação de Porto Alegre fazendo uma explanação sobre a política oficial do PT: o “ensino politécnico” e o “trabalho como princípio educativo”. Explicou brevemente, segundo a sua interpretação, o materialismo histórico. Falou da comunidade primitiva e da inexistência de propriedade privada nesta época histórica. Depois, discursou longamente sobre a “evolução” social em outras sociedades até desembocar na Revolução Industrial e na “acumulação capitalista”. Aí chegou aonde queria: discorreu sobre o método fordista e taylorista, criticando o sistema educacional atual por considerar um atraso o “Sistema S” não estar na sala de aula cotidianamente.
           
Aqui fica evidente o real objetivo do governo: preparar mão-de-obra barata para o grande capital e suprir as necessidades do mercado, uma vez que não questiona a propriedade privada atual e o sistema capitalista. Basta ver a atuação dos governos do PT. Querem maior “qualificação” oferecendo salários cada vez mais arrochados e subordinados à chefia da fábrica e da empresa (que não tem sua estrutura e propriedade questionada em nada pelos governos petistas).
           
Então, o seu verdadeiro objetivo é adaptar a educação aos interesses do capitalismo atual (escola técnica + educação pública) com um discurso “progressista”, pseudo-socialista. Isto causa uma confusão intencional na opinião pública, em alunos, professores e na comunidade escolar. É a confirmação do que a nossa corrente sindical de oposição (Construção pela Base) vem alertando desde 2011, durante o lançamento oficial da “Reforma do Ensino Médio”. A antiga direção do CPERS (PT-CUT pode mais, PSOL, PSTU, CS e PSB) nunca fez um trabalho sério, sistemático, de desmascaramento da Reforma e da falsa “politecnia” do governo; muito menos propôs e consumou um projeto pedagógico alternativo pela ótica dos trabalhadores. Agora que o sindicato foi entregue para o governismo declarado (Articulação Sindical e de “Esquerda”, do PT, junto com o PCdoB, que esteve presente na conferência e se colocou ao lado do Secretário de Educação), ele trabalhará ininterruptamente para consolidar os projetos do PT, que nada mais são que os projetos do grande capital. O seu discurso de “formar alunos críticos”, de “avaliação emancipatória” e de transformar a escola em um local mais atraente para os jovens, é a isca com que o governo quer angariar apoio para concretizar os projetos do Banco Mundial de cortes de gastos públicos.
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Até a prática mais singela de governo demonstra a contradição entre o discurso e a prática. A avaliação de professores e os concursos públicos cumprem o papel de “educação tradicional”, onde não existe “avaliação emancipatória”. O professor pode rodar no concurso público por uma única questão de marcar, sem levar em consideração suas outras capacidades: preparação de aulas, leitura, escrita, evolução da docência em sala de aula, relação com os alunos, tempo de sala de aula e a sua relação com a evolução dos alunos. Como tudo isso pode ser desconsiderado em troca de uma “única questão de marcar” por um governo que se diz progressivo e que quer acabar com a educação tradicional, com as “avaliações que julgam e punem” e que diz querer implantar a “avaliação emancipatória”?

XV – O “Pacto” do governo é com o Banco Mundial e contra a educação pública
O discurso do governo, tanto no Pacto quanto no Ensino “Politécnico”, não condiz com a prática, pois o seu real objetivo é cortar os custos com a educação pública. Por isso todas estas “reformas” estão rebaixando a qualidade do ensino cada vez mais. Os nomes são pomposos: “Ensino Médio Inovador”; “Ensino Politécnico”; “Pacto pelo Ensino Médio”! Mas não existe nenhuma inovação real, apenas os mesmos objetivos do empresariado disfarçados com um palavreado modernoso. Todos os “objetivos” traçados servem para garantir os cortes de verbas públicas visando o pagamento dos juros e amortizações das dívidas externa e interna. É por isso que nenhum desses programas irá mudar a educação no sentido de atender as suas reais necessidades.
           
É dentro desta “realidade” que o governo propõe suas “modificações para melhor”. Os verdadeiros objetivos, portanto, são garantir os interesses do grande capital; e aí, as “exigências educacionais” se enquadrariam dentro desses objetivos. Portanto, todos estes “projetos”, “pactos” e “reformas” servem para enxugar a “verba de autonomia” da escolas, que deveria ser aumentada gradativamente, garantindo a entrada permanente de dinheiro. Mas o governo tem condicionado o “aumento” das verbas e até mesmo a entrada de dinheiro ordinário à “projetos” e “programas” vinculados às suas reformas, seguindo suas diretrizes e objetivos gerais (é o mesmo que faz o Banco Mundial com os governos do mundo). Então, todo o discurso “inovador” cai na hipocrisia e na mentira aberta. Fala-se em tecnologia, mas a escola vive parada no século XIX. Tablets, quadro digital ou sala de informática são privilégios para alguns e uma realidade definitivamente inexistente na escola pública.

Outra artimanha ardilosa do governo é propor como “projeto” o que deveria ser a “base natural” do funcionamento da escola e não condicioná-los ao recebimento de verbas dos seus “programas”. Por exemplo: iniciação científica; estudo da metodologia científica; leitura e escrita. Isso deveria ser incentivado através da verba de autonomia no cotidiano da escola e não por um “projeto” ou “reforma”. É o beabá do ensino público.

O documento oficial do “Pacto” afirma: “A organização do currículo em áreas de conhecimento não deve substituir a especificidade de cada componente curricular”. Mas em toda a prática dos 3 anos de “Ensino Politécnico” temos visto exatamente o oposto: o nivelamento por baixo e a substituição de especificidades curriculares por generalidades conjunturais, pelo “gosto espontâneo” dos estudantes.
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Não existe um método dissociado de um conteúdo. A Reforma do Ensino Médio Politécnico e o Pacto pelo Ensino Médio (bem como todo o Plano Nacional de Educação) possuem um conteúdo neoliberal. Seu conteúdo está blindado a tal ponto que não pode ser questionado no essencial. Por isso foi imposto goela abaixo e não pode ser seriamente debatido.
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Durante a campanha eleitoral de 2014, Dilma Roussef, em distintas oportunidades, falou sobre a “necessidade” de acabar com disciplinas como sociologia e filosofia. Esta proposta está em consonância com tudo o que fez no governo e com o seu PNE. Tergiversou em diversas oportunidades, afirmando que o “aluno não tem interesses por uma escola com mais de 10 disciplinas”. Extermina disciplinas importantes com um discurso de aproximar a escola da “realidade do aluno”: o mesmo que fez Tarso no Rio Grande do Sul. Ironicamente, uma presidente perseguida pelos militares quer acabar com as duas disciplinas que foram eliminadas durante a ditadura militar. É exatamente por isso que os governos petistas defenderam a “interdisciplinaridade”: não para resolver os problemas da relação entre a parte e o todo, mas para criar as condições ideológicas perante a opinião pública para cortar gastos e enxugar a máquina pública. O PSDB e o Banco Mundial agradecem!



[1] Ver: http://construcaopelabase.blogspot.com.br/2011/08/escola-estadual-ildo-meneghetti-um.html