Putin e Dugin |
Assim como o mentor e estrategista de Donald Trump é Steve Banon, o mentor político de Vladmir Putin é o “filósofo” Alexander Dugin.
Foi ele o autor da chamada “Quarta Teoria Política”, que serve de inspiração e bússola para a atual política internacional da Rússia. É nesta teoria de Dugin que encontramos os debates acerca do “mundo multipolar” e “grande eurásia” — todos bases de sustentação para o bloco dos BRICS.
Alguns elementos da teoria de Dugin até poderiam ser levados em consideração, não fossem as finalidades reacionárias gerais as quais ela serve: reciclar o discurso e a prática da “grande Rússia”, escondida por trás da proposta de “multipolaridade mundial”.
Por ser o principal estrategista de Putin, a grande mídia Ocidental não o perdoa, classificando seu pensamento como de “extrema direita”, uma vez que ele defende o nacionalismo como um valor fundamental, desconsiderando, por outro lado, o seu discurso de multipolaridade a nível internacional — conceito não apenas combatido, mas inaceitável para a grande mídia Ocidental liderada pelos EUA.
Certamente o nacionalismo é uma das características do fascismo clássico e da extrema direita, mas não é tudo. A grande mídia Ocidental, por sua vez, não é menos apoiadora da “extrema direita” ou mais democrática do que Dugin ao ser uma grande serviçal do autoritarismo do mercado e do grande capital, de quem recebe todo o apoio financeiro e político. Sem falar que durante as vésperas das eleições de Bolsonaro e Trump silenciou totalmente frente a muitas de suas bizarrices neofascistas.
Trump e Dugin |
No que tange as eleições estadunidenses marcadas para novembro deste ano, a posição de Dugin é tão catastrófica quanto ilustrativa sobre a essência do seu pensamento filosófico. Para ele, apenas a eleição de Trump pode evitar uma possível “terceira guerra mundial” — ou mesmo o apocalipse!
Isto é, como uma possível reeleição do partido democrata, na pessoa de Joe Biden, significaria a continuidade da política de provocação contra Rússia através da OTAN, Ucrânia e União Europeia, o que leva à atual guerra da Ucrânia, Dugin adverte e profetiza que a continuidade da ofensiva contra a Rússia terá consequências imprevisíveis e, possivelmente, catastróficas.
Porém, o “nosso pensador” não fala que a eleição do neofascista Trump em novembro significa a reabertura da frente de provocações e sabotagens internacionais, só que, desta vez, contra a China, através de Taiwan. Portanto, trocariam os protagonistas, mas a possibilidade de uma guerra de proporções mundiais seguiria aberta.
Como um país grande e complexo, que intervém em várias frentes pela manutenção de seu domínio mundial, os EUA e o seu sistema eleitoral binariamente antidemocrático e bizarro, dividem a orientação de sua ofensiva contra os seus inimigos internacionais de acordo com o partido que está no poder. Por exemplo: os democratas têm como principal inimigo a Rússia; e os republicanos, de Trump, visam prioritariamente a desestabilização e submissão da China.
Ainda que aparentemente contraditórios, a estratégia internacional de ambos partidos se complementam. É por isso que a declaração de Dugin soa não apenas unilateral em relação a aliança Rússia-China, como também bizarra e dúbia, por “ignorar” a prática neofascista de Donald Trump. Demonstra, por outro lado, os limites da aliança da elite russa com a elite chinesa; e destas com os BRICS.
Uma “multipolaridade” capitalista, portanto, não pode ser capaz de criar harmonia e equilíbrio internacional, ainda que possa ser teoricamente preferível à continuidade da dominação mundial ianque.
Não bastasse essa análise horripilantemente reacionária, que demonstra os reais apetites da nova oligarquia russa liderada por ele e Vladmir Putin, Dugin requenta o velho espantalho “trotskista” que vigorou por décadas na União Soviética — sempre miserável e infame, mas muito eficiente para a coesão de rebanho, como comprova a história soviética, a quem ele e Putin são tributários e não podem abrir mão, apesar de renegarem o socialismo.
Para Dugin, a burguesia norte-americana se divide em “neocons” (criação de uma nova palavra que significa “novos conservadores”), que apoiariam Biden; e “paleocons” (isto é, os conservadores antigos), que apoiariam Trump. Os “neocons” seriam os responsáveis pela direção e pelos lucros estratosféricos do complexo industrial-militar dos EUA, sendo composta por — pasmem! — nada mais, nada menos, do que “trotskistas” que acreditam que uma revolução mundial é possível, mesmo com a completa vitória do capitalismo! Isto mesmo! Para Dugin os “neocons” da burguesia norte-americana desejariam a revolução internacional e a derrota do capitalismo!
Isso seria uma análise séria, um deboche ou uma distorção grosseira?
A escola de Stalin, com seus simbolismos obtusos e reacionários, segue vigente para o governo da Rússia. A antiga oligarquia soviética — chamada de burocracia stalinista — e a atual — a oligarquia putinista de milionários — ainda vê como inimigo irreconciliável Trotski e a sua teoria da revolução permanente. E isto, caros camaradas, em pleno século XXI!
É inacreditável!
É por isso que, para Dugin, os “paleocons” seriam preferíveis, já que foram desbancados pelos “neocons”, e representam forças superadas dentro do contexto ianque, procurando se apoiar numa figura supostamente marginalizada do establishment norte-americano, que seria Donald Trump.
A teoria “realista” de Dugin serve ao mesmo fim que o “realismo” de Stalin: manter a nível internacional os interesses da grande Rússia, se utilizando, para isso, de um bode expiatório, ainda expresso no trotskismo. Que, pelo visto, segue sendo inaceitável e sem possibilidade de resposta para o atual governo russo.
Antigamente, a distorção e a perseguição ao trotskismo visava manter a estabilidade interna da URSS, para que a burocracia vivesse em paz com sua própria consciência e consolidasse o seu poder; atualmente, serve para ajudar na ascensão de uma nova hegemonia mundial, liderada pela aliança entre Rússia e China (com suas respectivas elites de milionários e bilionários).
Ainda que possa ser preferível ao mundo dominado pelo imperialismo norte-americano, a “filosofia multipolar” de Dugin deixa transparecer através destas distorções teóricas os seus inevitáveis limites e perigos — o seu apoio desavergonhado a Trump demonstra inclusive as limitações da aliança russo-chinesa, tida como “revolucionária” por muita gente.
A classe trabalhadora mundial seguirá oprimida e explorada, seja com a eleição de Biden, seja com a eleição de Trump (ainda que este represente o aprofundamento nada desejável do neofascismo internacional). O novo mundo “multipolar” proposto por Dugin e os BRICS, por sua vez, não é uma alternativa plenamente confiável, como se pode concluir por suas posições políticas e filosóficas.
Para se formular uma política revolucionária e uma análise de conjuntura afiada, todo o cuidado é pouco…
Tirar estas difíceis conclusões não significa ignorar o papel político lamentável e bizarro da maior parte das correntes “trotskistas”, como as expressas pelo PSTU, Psol e outras correntes menores, tanto a nível nacional, quanto internacional.
Os grandes pensadores marxistas têm “semeado dragões, mas colhido pulgas”. Com o trotskismo não foi diferente.
Em quase todos os principais acontecimentos internacionais deste início do século XXI as principais correntes trotskistas nacionais e internacionais têm apoiado de fio a pavio a política estadunidense de “revoluções coloridas” e se colocado, direta ou indiretamente, do lado do imperialismo ianque.
Assim, cumprem um papel nefasto no seio da classe trabalhadora com a suposta desculpa de “combater o stalinismo”, ignorando toda a realidade histórica concreta e a correlação de forças real (sendo que internamente muitas dessas correntes reproduzem o autoritarismo stalinista que supostamente criticam). Tal caricatura de “política trotskista” não pode ser atribuída a Trotski, mas à falta de noção de realidade por parte destas correntes (isso se elas não estiverem infiltradas até a cúpula por provocadores).
No entanto, a falência teórica e política dessas correntes “trotskistas” não significa de jeito algum a redenção das correntes stalinistas abertas ou disfarçadas — como é o caso das posições de Putin e Dugin. O stalinismo sempre teve muito mais peso e força política e, enquanto tal, merece ser julgado historicamente.
Ainda que de forma indireta, renegando-o em público e abraçando-o no privado, Dugin e Putin são os seus herdeiros mais destacados. Mesmo havendo diferenças nas questões acerca do debate “capitalismo x socialismo”, há entre eles e o stalinismo uma comunhão de práticas e “de alma”.
Da mesma forma que o identitarismo foi apropriado pelo partido democrata, se tornando uma armadilha, ele também tira proveito da política “trotskista” destes partidos e agrupamentos, dentro e fora dos EUA. Daí a tentativa suja de Dugin de tentar associar o “trotskismo” aos “neocons”.
No entanto, o que sobra, para quem tiver honestidade e coragem de ver, é a sua apologia do neofascismo trumpista como supostamente capaz de evitar a “terceira guerra mundial”. Quer limpar sua consciência jogando a pecha de “trotskista” à burguesia mais poderosa e ardilosa do planeta. Na Rússia isso serviu como um ímã por décadas.
Infelizmente, as calúnias tem um papel político muito mais decisivo por entre a massa do que a verdade. Esta tem sido a tônica.
Pra quem conhece a história do século XX e ainda tem algum resquício de honestidade, não há nada de novo no front pelas bandas da Rússia!
*As referências sobre a posição de Dugin em relação às eleições estadunidenses de 2024 foram extraídas do seguinte artigo: https://www.arktosjournal.com/p/the-fate-of-the-world-will-be-decided (último acesso em 2 de julho de 2024).