O blog Consciência Proletária resgata e publica algumas das colunas O caos escritas pelo comunista, militante independente, cronista e cineasta italiano, Paolo Pasolini, ao jornal semanal O tempo, publicadas entre os anos de 1968 e 1970.
Prezado Latorraca,
(Pasolini responde aqui a uma carta de um leitor chamado Sergio Latorraca).
Uma pequena precisão terminológica: o "senso comum" é uma coisa, o "bom senso" é outra. O "senso comum" é um dado objetivo, que pode ser deduzido a partir de estatísticas bem feitas. É uma média das ideias sobre a realidade, uma "visão do mundo" que vigora num dado momento, numa dada sociedade, e que só quando usada abstratamente, fora da racionalidade das estatísticas, é que pode se tornar um dado errado e perigoso (conforme o "senso comum do pudor", por exemplo, que aparece no Código Penal fascista). O "bom senso", ao contrário, é apenas uma abstração, absolutamente incapaz de ser apreendido pelas estatísticas e pela razão: portanto, é sempre perigoso e terrorista. É, numa palavra, o "conformismo promovido a visão do mundo", apoiando-se na simplicidade do homem. É uma das operações mais abomináveis das "sociedades repressivas". Para ir ao fundo da questão, basta reler a terrível e apocalíptica acusação de Kant contra o "bom senso" (creio que no prefácio aos Prolegômenos).
Tu confundes as duas noções, "senso comum" e "bom senso". Se pões o acento na primeira, então é claro que as pessoas dotadas de "senso comum" — ou seja, a maioria — não são necessariamente de mentalidade fascista. Um inglês que possui "senso comum" não é fascista: é trabalhista ou conservador, ou poderia mesmo pertencer a new left. Ao contrário, se colocas o acento no significado de "bom senso", então devo dizer que as pessoas dotadas de "bom senso" (sobretudo se isso as deixa contentes e envaidecidas) são potencialmente fascistas. São potencialmente fascistas porque são conformistas, elegendo como ideal humano o homem médio, que é uma abstração ameaçadora e terrorista.
Deixemos claro: o homem médio, numa acepção "racional" do termo, é o Homem. Ou seja: o local da instituição social enquanto fraternidade, ainda que coercitiva. Mas o homem médio, na acepção irracional com o que o termo é geralmente usado, é praticamente um criminoso. Poder-se-ia dizer que é no turvo (ou, se quiseres, esquálido) ambiente dos homens médios que amadurecem as guerras, os delitos contra a humanidade, e todas as grandes e pequenas repressões.
Nº48, ano XXXI, 29 de novembro de 1969