quinta-feira, 5 de maio de 2022

Lucas Berton, Paulo Galo e Emílio Gennari: algumas linhas sobre disputa de consciência

*Por Denes, militante do Centro de Estudos e Formação da Classe Trabalhadora do Estado do Maranhão. Texto publicado originalmente em: 

https://ceclatma.blogspot.com/2022/05/lucas-berton-paulo-galo-e-emilio.html


Lucas pediu que eu produzisse um texto pro blog CONSCIÊNCIA PROLETÁRIA.

Eu proponho que todos @s camaradas dos nossos círculos e grupos fizessem o mesmo, produzam textos e vamos compartilhar entre nós.

Fiz uns cotejamentos entre as produções textuais do Lucas Berton e do camarada Emilio Gennari do Núcleo 13 de Maio. O texto do Emílio é mais extenso, com mais fôlego e uma verve maior de educador popular, põe as bases materiais das ideias vigentes. A pegada do Lucas é mais na psicologia de massas. Ambos partem de diferentes abordagens e chegam a um denominador comum.

Alguns pontos de preâmbulo. Acabo de assistir uma entrevista com Paulo Galo líder dos entregadores e ele diz que refutou, baseado na própria Bíblia, um bobinho terraplanista que também é trabalhador entregador. Pô, ninguém gosta de sentir burro, então Paulo pede pro seu amigo de corre, e para este se sentir inteligente, lhe explicar o que tem naquele livrinho pequeno chamado MANIFESTO COMUNISTA. Paulo finge não entender as linhas do Manifesto. O terraplanista realmente entende e explica pro Paulo o conteúdo básico do Manifesto de 1848 e daí Paulo Galo faz um recuo tático dizendo "é realmente a terra é plana, eu estava enganado". Pois foda-se se a terra é plana ou não, o importante é que o parceiro entendeu as mínimas palavras do Manifesto. Pode ser (ou não) que lá na frente ele abandone sua postura terraplanista ou que ele nunca mais volte a tocar nesse assunto pra não se ver de novo constrangido. Quem quiser saber da entrevista toda tem o vídeo no youtube. 

Paulo Galo está dizendo o problema de ser esquerda na favela, como se comunicar na favela o esquerdinha geralmente não sabe porque está cheio de verdade prontas e acabadas e, pior, se considera detentor delas. Diz Emílio: "Por isso, nenhuma ideia, conceito ou demonstração teórica, por si só, é capaz de superar o que nasceu e se alimenta da vida cotidiana".

O Lucas sugere no seu texto que deve-se "romper este eterno retorno ao ponto de partida do proletariado do país, há que se levar em consideração os novos avanços científicos – como a psicanálise, por exemplo –, procurar novas formas organizativas, mais condizentes com a realidade da classe trabalhadora brasileira"

Se eu entendi bem, a abordagem sugerida pelo Lucas é posta em prática pelo camarada Paulo Galo. Paulo não mostra a verdade e resposta nenhuma porém apenas encaixa, humildemente, as perguntas certas fazendo com que o paciente ele mesmo encontre a verdade.

Agora sim indo ao tema de minhas anotações. Noto semelhanças e diferenças de abordagens entre os dois autores  Lucas e Emílio.

Lucas: "Nesse sentido, sua agitação e propaganda acabam rompendo as poucas pontes que existem com a massa".

Emílio: "Há quanto tempo os simples deixaram de ser protagonistas do esforço de fazer com que a ação nasça de baixo para cima para serem destinatários do que elaboramos em grupos restritos? (...). Podemos achar que estas perguntas não passam de uma provocação barata, reagir a elas com indignação e indiferença, apontar o futuro como o lugar de grandes realizações, mas os fracassos provam que há um abismo entre o mundo dos espoliados e o dos movimentos que dizem representá-los".

Lucas coloca assim:

"Porém, temos que trabalhar com a massa real, tal como ela é: cheia de contradições e desvios moralistas, burgueses, patriarcais, religiosos; e, sobretudo, precisamos insuflar-lhe consciência de sua devida responsabilidade social, procurando analisar no concreto a sua mudança de postura, e confrontando-a permanentemente com suas próprias contradições. Inclusive devemos fazer um longo trabalho de base que combata a sua espera por um milagre vindo de um 'salvador da pátria': tarefa longa, dificílima e impopular, renegada pela 'esquerda revolucionária'".

Enquanto Emílio diz: "Nas inúmeras vezes em que ouvi educadores populares, dirigentes e militantes desqualificar como 'alienada' a leitura que o povo faz da realidade tive a impressão de que se referiam a um conjunto de ideias cuja superação dependia, fundamentalmente, da capacidade de contrapor, com criatividade e persistência, outras ideias tidas como 'esclarecidas', 'classistas' e 'de luta'. (...) Ao chamar o povo de alienado, dizemos apenas que o modo capitalista de produção teve êxito na sua tarefa de, por exemplo, criar operários com cabeça de patrão ou de convencer os pobres de que sua penúria é fruto de uma sina cruel, de um demônio sem escrúpulos ou da incapacidade de aproveitar as oportunidades".

Lucas: "Nesse sentido, há uma manipulação histórica muito bem feita das suas ideias, dos seus 'valores morais', do seu sadismo e das suas emoções primárias pela grande mídia, pela moral social, pelas escolas e universidades, pelas igrejas; em síntese, pela estrutura oficial".

Entendi que a Estrutura não é algo que paira acima das vidas sociais e sim que devolve às pessoas seu próprio vômito, o que elas têm de pior. Devemos nós atiçar o que elas têm de melhor e aqui faço a comparação com a metáfora, empregada pelo Emílio, dos carros de diferentes tamanhos e tipos que transitam caoticamente pelas consciências.

Emílio enfatiza que "a luta popular não dará um passo se quem clama para si o papel de vanguarda for incapaz de caminhar com o povo, de entendê-lo, respeitá-lo, de fazer com que os passos da mudança incorporem a sua resistência, compreender o VIVIDO, o SENTIDO, sem ficarmos a reboque. 'É óbvio que não devemos absolutizar as manifestações populares como portadoras de verdades absolutas, de posturas transformadoras por excelência e nem mesmo como alheias à visão de mundo dos grupos de poder ou livres de aspectos que representam uma fuga da realidade'. (...) Esta é a condição sem a qual é impossível entender a maneira de pensar e agir do povo e, menos ainda, de instaurar um diálogo prático-teórico que supere suas compreensões atuais".

A conclusão que eu tiro é que já é errado se a disputa de consciência se põe em termos de convencimento do outro, como tantas vezes eu tenho visto no discurso de esquerda.


Fontes:

1. A vida nas dobras do senso comum. Emílio Gennari. Educador do Núcleo 13 de Maio. Brasil, 18 outubro de 2021. 23 páginas.

2. Por que a classe trabalhadora brasileira ainda acredita em Lula? Uma abordagem a partir da psicologia de massas. Lucas Berton. Sexta-feira, 26 de novembro de 2021. Aqui: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2021/11/por-que-classe-trabalhadora-brasileira.html

3. Entrevista com Paulo Galo. Aqui: https://www.youtube.com/watch?v=aFkbdFRUeXg

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