domingo, 3 de abril de 2022

O que é ser cidadão? Um conceito, muitas facetas

 *Por Rafaela Lima



Este trabalho busca entender e explorar, a partir de entrevistas, os significados que são atribuídos ao termo cidadão. Foram entrevistados, para isso, três homens de semelhante perfil e a cada um deles foi feita a seguinte pergunta: O que é ser cidadão? Com o objetivo de perceber as semelhanças, diferenças, as aproximações e afastamentos entre as respostas dadas, faremos o exercício de análise dessas concepções à luz de suas dimensões políticas, humanísticas e filosóficas. Com isso, verificaremos que por mais que partamos da mesma indagação, as respostas entre si, são bem amplas e com diferentes abordagens/ênfases – todas igualmente enriquecedoras. A partir dessas percepções poderemos chegar em uma ideia mais sucinta do que expressa esse conceito.

 

O que é ser cidadão? Um conceito, muitas facetas.

 

Apresentando as entrevistas

 

Num primeiro momento, foi entrevistado um homem branco, heterossexual de 38 anos. Graduado em História pela PUCRS, é professor contratado da rede estadual de ensino público e militante independente de partidos, que constrói resistências políticas dentro do CPERS Sindicato:

 

Eu acho que ser cidadão deve nos remeter a Revolução Francesa de 1789, porque é um conceito que surgiu pela aquela época e havia um ideal de… de… de ser humano que seria a encarnação de “citoyen” que é o cidadão dentro da lógica francesa e que… significa ser uma pessoa atuante no ponto de vista político e social: que exige seus direitos, cumpre seus deveres, dá o exemplo – um habitante da pólis que cumpre, teoricamente com suas obrigações. Então, do ponto de vista mais genérico, era isso que se esperava que o cidadão ou “citoyen”, né, francês, fizesse/ representasse a partir da Revolução Francesa. Mas com o passar do tempo se viu que esse era um conceito um tanto abstrato e aí se… a partir do século dezenove, se… se colocou uma outra questão que seria: cidadania ou classe? (ou classe social né) é, então, ficou um pouco abstrato. Em termos resumidos, me parece que ser cidadão é ser atuante na sociedade. É tentar cumprir seus deveres e exigir os seus direitos, ser atuante em todas esferas quando julgar que tenha alguma coisa errada, fora da ordem, alguma injustiça, enfim…

Eu acho que o conceito de cidadania como eu falei antes se tornou muito abstrato e na realidade principalmente nos países periféricos do capitalismo, a cidadania se tornou um conceito vazio de significado, porque, na verdade, a população só tem deveres e praticamente não tem mais nenhum direito ou têm poucos direitos. E quando reivindica ou avança para além de algum limite imposto pela sociedade é reprimido, é caluniado, enfim. E o sociólogo brasileiro Jessé Souza escreveu um livro a respeito chamado “Subcidadania brasileira”*, eu acho que define bem. A cidadania hoje é uma, uma… um conceito desprovido de concretude porque a sociedade como a gente conhece hoje, a sociedade capitalista, no caso, ela é um tanto… ela subtraiu a cidadania da maior parte dos seus membros.

 

Após essa primeira entrevista, foi questionado um homem branco (mestiço) de 26 anos, heterossexual com ensino superior incompleto, sendo seu ingresso anterior no curso de Pedagogia, pela UFPel, onde permaneceu por um ano e meio. Nascido em Porto Alegre, socializado dos 4 aos 10 anos em Salvador, ele entende “O que é ser cidadão” da seguinte forma:


Então, pra mim, eu fui pesquisar né, o que queria dizer literalmente a palavra cidadão e fala que quer dizer o… habitante de um … Estado que tem… de um Estado/cidade, que tem direito a voto, que usufrui dos direitos pautados na lei né. É… então, mas pra mim o cidadão, assim, ele é muito mais do que cumprir um papel né, esse papel de cumprir a lei, ele é usar o bom senso para a comunhão da cidade poder ser gerada de maneira mais eficaz, né. É… que a cidade possa evoluir de uma maneira que as pessoas ganhem com isso, saiam ganhando com isso, tipo: ninguém ganhe mais do que ninguém. É usar o bom senso, a empatia. Isso pra mim é o cidadão íntegro.

Eu não quis dizer “ninguém ganhe mais que ninguém”, né, eu quis dizer: ninguém pisa em cima de ninguém, sabe? As pessoas, elas, tão ganhando algumas mais que as outras, mas que o básico disposto pra todo mundo. E.. um cidadão íntegro, ao meu ver, ele vive de acordo com isso, tipo: buscando essa equidade. E a ideia de “ninguém ganha mais do que ninguém” é ninguém ganhar mais oportunidade do que ninguém, só por ter mais influência, mais dinheiro… (Grifos nossos).

 

O último entrevistado, é também um homem branco (mestiço), de classe média, com igualmente 26 anos, bissexual, nascido e crescido em Salvador, que cursa LLCER Anglais (Línguas, Literaturas, Civilizações Estrangeiras e Regionais Inglês) na faculdade Rennes 2 Université Alta Bretanha, em Rennes, na França. Esse, quando perguntado, respondeu:

–“Para mim, cidadão, antes de mais nada, para poder pensar[rrr] a  ideia de ser cidadão, é necessário pensar[rrr] no século vinte e um… hã… uma série de problemáticas, uma série de… de toda maneira, uma série de pontos de vista… (Éinn). Inicialmente, penso do ponto de vista sociológico, né… da consciência, da necessidade de um cidadão ser consciente das questões sociológicas, dos grupos sociais que se encontram dentro da sociedade, dos grupos, das chamadas minorias e das… das questões que estão ligadas a termos de injustiça dentro da sociologia, as, as… por exemplo, as disparidades entre um bairro rico e bairro pobre, como na cidade de São Paulo, estando eles colados um ao outro. Em seguida, há a necessidade, ao meu ver, de pensar a cidadania também como uma questão de… de ser… Vamos assim dizer: "paisagística", né. Digo isso no sentido de que, ser cidadão é também poder ter o direito de poder incrementar, de poder criar novas coisas para a cidade, sem que necessariamente você seja um profissional da área da arquitetura, ou que seja, eu quero dizer: paisagístico, eu quero dizer a capacidade de poder inovar a dimensão paisagística. Então eu acredito que tenha essa questão… Vou, vou continuar já para a próxima etapa:

Depois da perspectiva, vamos dizer, entre aspas: "paisagística e arquitetônica" aonde eu queria só abrir um parênteses e dar exemplo: (seria por exemplo, a possibilidade de você criar, de você desenvolver projetos de muros, de muros sustentáveis, você pudesse plantar comida, você pudesse plantar frutas, ou não frutas, mas legumes, né… É… tipo: cheiro verde, coisas comestíveis nos muros de prédios, de forma que pudesse ter comida pra todo mundo né. Por exemplo, se você quisesse plantar uma árvore frutífera no meio da cidade, que você pudesse tipo, mandar uma requisição pra cidade podendo dizer: “Pôh! Eu quero plantar tal árvore aqui” e você poder fazer isso… em termos de cidadania).

Em seguida, passando para o lado da… vamos assim dizer… acho que da moral né, porque acho que isso acaba sendo sempre uma questão moral: ter como princípio a comunicação para qualquer litígio, para qualquer “désagrément”, para qualquer momento onde você não consegue encontrar um ponto comum ou uma base comum com quem você conversa e de aprender a conceder, no sentido de que é necessário que todo cidadão tenha os utensílios da retórica. Eu digo por aí, a capacidade de entrar em diálogo com outras pessoas, indiferente de diálogos, por exemplo: um debate sobre um assunto mais abstrato, ter essa possibilidade de ter discussão. Mas também, no momento onde não houver, onde as pessoas não estiverem de acordo, elas assumirem o princípio, a ideia de sempre encontrar uma maneira de negociar, sabe? tipo… ter como princípio a negociação como maneira de resolver as coisas, e não… partir para a violência, né. De ver o que cada um quer naquele momento e encontrar maneira de não deixar o ego se aflorar e querer provar algo ao outro ou querer se mostrar viril, por exemplo, e encontrar uma maneira de se dizer: “Poxa, a outra pessoa que tá na minha frente quer algo e eu também quero algo diferente do que a pessoa que tá na minha frente quer”, e seguir isso a partir dos princípios, das leis, do quadro legal vigente, né. No sentido de que algo como transmitir falsas informações ou discurso de ódio, isso não tem nem aonde começar a se defender, aonde começar a falar… porque é um crime né.

Fora isso, fora essa perspectiva moral, que acaba se encaminhando para a parte mais legal, acho que também tem uma questão climática, uma questão de toda a mudança nos ecossistemas que está acontecendo e que, para mim, [que sou um cidadão] cidadão, significa ter uma consciência do seu impacto e da necessidade que nós temos como cidadãos de aceitar mudar nossa maneira de viver. Quando eu digo isso, sobretudo, países como a França, como os EUA onde as pessoas consomem muito e muitas coisas: uma vida em torno do consumo, né… mudar os paradigmas que se atrelam a esse consumismo e por em prática coisas mais sustentáveis, né. Coisas que possam/maneiras de viver em sociedade que possam ser mais verdes, por exemplo… realmente, ter… viver… ter a possibilidade de viver em cidades aonde haja a possibilidade de andar mais de bicicleta, de utilizar menos o carro, até mesmo ter mais a possibilidade de fazer percursos a pé. Assim… ter a possibilidade de viver em cidades de um tamanho mais humano… de quebrar com esse princípio das megalópoles/das grandes cidades e talvez de construir mais uma… um sistema de redes, né. Onde as cidade sejam menores, claro que as grandes não vão deixar de ser grandes, mas, no sentido de que possa haver uma descentralização das grandes cidades e que se possa ter por exemplo todo um sistema de internet e até mesmo nos interiores possa ter acesso a internet e que as grandes cidades deixem de ser…. deixem de ter a lógica que elas têm. Porque como há uma necessidade/uma carência de, muitas vezes… da natureza nas  grandes cidades, é algo que eu acredito que causa um impacto na vida dessas pessoas que vivem nessas cidades em termos de saúde mental, de bem estar, né. Porque se a gente for considerar, se poxa!... Todo mundo, se as pessoas têm acesso a condições mais agradáveis de vida e condições mais humanas de vida, onde você pode se sentir melhor, há muito menos problemas sociais, né – quando todo mundo é respeitado. Então acho que tem essa perspectiva aí também que talvez seja um pouco misturada. (eu sei que eu devo ter misturado um pouco as coisas…). fora isso eu, eu penso também que, que ser cidadão, acho que tem uma parte também ligada com a língua, com uma, uma, um objetivo de trazer uma mudança na língua, criar, assim: um ideal de reciclagem das línguas, sabe?... de mudança das línguas. Porque se você for pensar as línguas são… a mudança quando eu digo são as incorporações de novas palavras, menos formalidade, menos forma na linguagem também, eu acho que seria ser cidadão, no sentido de que você não precisa mais ter todo um aparato formal para poder se expressar em público… uma evolução mais para a simplificação das formas, e da consideração do fundo, porque no final das contas o mais importante é o conteúdo. Então, assim, cidadania é também não julgar o outro porque ele não utiliza determinados termos elaborados ou (como eu digo isso?) ou utilizar termos rebuscados para dizer alguma coisa. Acho que cidadania também é isso, né, a linguagem simples.

E acho que tem uma última aí, não sei se a gente… Pode botar aí!: ahhh, uma dimensão filosófica. Pra mim, a cidadania ela é/tem uma perspectiva filosófica humanista, aonde o humano ele tem de estar no centro né, já que... vivemos o que vivemos hoje graças aos vários humanos que existiram no passado e que a lógica financeira, a lógica que “ cada um tem seu dinheiro”, de “cada um batalhar pelo seu”, tem seu certo nível de validade, mas que  a desproporcionalidade de que vive, na que vive, né, parte do mundo… é um desequilíbrio que acaba impactando com a vida do outro. Então, tem esse lado também de equilíbrio.”

 

Desbravando o tema

Pouco se discute publicamente sobre esse tema. Nos dicionários formais, como no Oxford Language, o significado jurídico atribuído ao conceito de cidadania significa a “condição de pessoa que, como membro de um Estado, se acha no gozo de direitos que lhe permitem participar da vida política”. Nesse mesmo dicionário, a definição de cidadão[1] abrange dois significados formais, o primeiro designado como “habitante da cidade” e o segundo como o “indivíduo que, como membro de um Estado, usufrui de direitos civis e políticos por este garantidos e desempenha os deveres que, nesta condição, lhe são atribuídos. Em suma, cidadão, formalmente, diz respeito ao indivíduo que participa de um Estado ou cidade e que cumpre com seus deveres e usufrui de seus direitos civis e políticos.

Mas, hoje, o conceito de cidadania, enfrenta nesse sistema econômico, as dificuldades de sua própria realização, tendo em vista fatores basilares e socioeconômicos, como a separação da sociedade em classes e a consequente distribuição desigual de renda. Mesmo o Brasil sendo um país com grande território e possibilidade de desenvolvimento econômico, na conjuntura mundial, cumpre ainda o papel de colônia dos países “desenvolvidos”. Isto é, assim como os outros países da América Latina ou como a África, sofre com um período  de intensa exploração de recursos e da classe trabalhadora, caracterizado pelo aumento da jornada de trabalho e perda de direitos mínimos antes previstos em lei, em detrimento da promoção de privilégios para a classe burguesa nacional e da garantia de privilégios, como a diminuição da carga horária, somado ao aumento salarial, em países “desenvolvidos”, a nível mundial. Um bom exemplo disso é a Holanda, que segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a média de trabalho é 5,8 horas por dia – ou 29,2 horas semanais e o salário correspondente em reais é de, em média, R$ 17.155 por mês[2]. Com isso, a realidade social, política e econômica brasileira nos leva ao seguinte questionamento: existe, realmente, cidadania no Brasil? Esta ideia é posta na mesa para a reflexão quando o primeiro entrevistado nos diz: “Eu acho que o conceito de cidadania como eu falei antes se tornou muito abstrato e na realidade, principalmente nos países periféricos do capitalismo, a cidadania se tornou um conceito vazio de significado, porque, na verdade, a população só tem deveres e praticamente não tem mais nenhum direito ou têm poucos direitos. E quando reivindica ou avança para além de algum limite imposto pela sociedade é reprimido, é caluniado, enfim. [...] uma, uma… um conceito desprovido de concretude porque a sociedade como a gente conhece hoje, a sociedade capitalista, no caso, ela é um tanto… ela subtraiu a cidadania da maior parte dos seus membros”.

 Essa pergunta é intrigante, pois estamos acostumados com a ideia de que “porque votamos somos cidadãos”. Essa relação de causa e consequência, pelas concepções apresentadas sobre cidadania, não contempla a inteireza da palavra e do ato de ser cidadão ou cidadã. Como nos mostra esse entrevistado, o direito à cidadania está constantemente sendo atacado pelo projeto político e ideológico neoliberal de retirada de direitos dos trabalhadores. Essa contradição entre ideal de cidadania e como ela se dá na prática, para esse professor, anula o sentido e razão de ser desse termo. Pois deixa de ser uma realidade para a classe trabalhadora e passa a ser um ideal – esperamos que não utópico – na medida em que nos privam dos direitos. A verdadeira cidadania só existe se for assegurada na prática. Mas acho que a questão aqui não é se existe ou não. A pergunta que deve ser feita é: Existe para quem? Seguida pela consciência de que enquanto os direitos forem retirados e não assegurados praticamente, é um dever de classe lutar por cidadania.

Além da questão sócio-política mencionada acima, outros argumentos surgiram nas entrevistas, como, por exemplo, a necessidade de valores como equidade, bom senso e empatia para a construção de uma sociedade que seja pautada pela coletividade como forma de estruturação, e não pelo individualismo. Esses são elementos que caracterizam, para o segundo entrevistado, um cidadão íntegro ou que busca integridade. A integridade para este, deve ser inerente ao cidadão. A nível individual e profundo isso significa ter ética, mas a nível social isso exige uma nova cultura que modifique a moral vigente – e essa deve ser permanentemente construída.

Posteriormente, outros valores surgem no terceiro relato como fundamentais às intervenções desse cidadão-protagonista no mundo. Suas ações serão mediadas por valores  éticos/virtudes como o respeito (tanto às pessoas, quanto aos animais, meio ambiente, etc…), o não julgamento, a amorosidade, a escuta e a maturidade (emocional, intelectual, etc.). Nesse sentido, parece que ambos os relatos se complementam, pois “integridade”, nesse contexto, diz respeito a um conjunto de valores que medeiam as intervenções dos indivíduos dentro das relações humanas, na mesma medida em que ela é percebida através das atitudes desses agentes.

Agora, veremos um pouco mais sobre esses valores e o aspecto consciencial mencionado nas entrevistas.

 

A consciência

A necessidade de consciência foi expressa de alguma forma em todos relatos. Geralmente, como pré-requisito para atuação na realidade social. Por não vivermos isolados no mundo, a coletividade tem papel extremamente importante na concepção de consciência, pois nós não somos/ o Eu não é sem os outros. O ego não se desenvolveria historicamente e nem se desenvolve sozinho. A consciência também foi trazida na última fala no sentido de maneirar o ego, de equilibrar as relações para que as pessoas possam ser.  Por isso, também, é promovida a ideia de uma comunicação mais simples. Não no sentido de empobrecer o vocábulo, mas no sentido de aprendermos a ser humanos humanizados e sensíveis uns com os outros. Pois, dentro dessa concepção, são os princípios e valores que garantem uma comunicação efetiva, um diálogo verdadeiro, assim como relações humanas saudáveis. 

Como vimos, também, a consciência sociológica (das desigualdades, das minorias, ou seja, essa consciência social), é colocada como fator fundamental para ser um cidadão. Saber que nem todos temos, nessa sociedade, nossos direitos fundamentais, direitos humanos, respeitados e concretizados. E, que, dessa forma, devemos lutar para garantir tanto os nossos direitos como os dos outros, que quanto a privação dos direitos fundamentais devemos lutar, não é uma opção, é uma necessidade para recuperarmos a totalidade de nossa cidadania ou desenvolvê-la (lato-sensu).

 Pensando também em termos de coletividade, a totalidade de pessoas não existiria sem o ambiente, o que nos leva a uma conclusão última sobre a importância da consciência dentro da noção de cidadania e do que é ser cidadão/cidadã. É necessário o desenvolvimento de uma consciência de si, do outro e do meio em que vivemos para intervir na sociedade. Na coletividade o sentimento de empatia é valioso, porque nos faz pensar em ideais como equidade.

O capitalismo, infelizmente, não é compatível com o ideal de coletividade, muito pelo contrário, se baseia no individualismo e tende a mercantilizar todas as coisas. A lógica da acumulação do capital que fortalece a “meritocracia”, outro conceito problemático se compararmos teoria e realidade, criou uma problemática que veta a evolução da consciência, na medida em que os valores valorizados são o inverso dos que almejamos para o amadurecimento individual e social/coletivo. Essa lógica individualista e mercantilizadora que o terceiro entrevistado rebate e tenta reverter ao abordar a cidadania pela dimensão filosófica humanista – fazendo o movimento reflexivo de retirar do centro a mercadoria e enfocar novamente o ser humano, pelo menos em raciocínio – atrapalha o desenvolvimento de valores reais e da função sentir, sendo, realmente, fundamental criticá-la e debater sobre.


Em suma…

O conceito de cidadania pode ser interpretado por várias perspectivas que geralmente se misturam. Nas entrevistas tivemos bons exemplos de como se articulam essas áreas em conjunto para formar as interpretações subjetivas de cada um sobre o conceito. Como vimos, ser cidadã/ão envolve direitos e deveres, mas não apenas isso, as apreensões vão além do âmbito jurídico, perpassando o histórico, político, sociológico, filosófico, humanista, ético, moral, etc. As respostas dadas demonstram a ligação direta ou indireta com a questão chave: "Que tipo de sociedade queremos?" uma vez que se compreende que o cidadão teria poder de atuar e intervir na construção da mesma.

A cidadania, sendo assim, está entre o mundo que se apresenta concretamente e o mundo que queremos viver – e pensando bem, ela talvez seja, nessa composição, um ponto de interrogação, pois, se só quem pode mudar a realidade são os agentes, a pergunta que fica é: Que tipo de atitude estou tomando hoje para atingir o ideal de  mundo que desejo e sonho? uma sociedade mais avançada: humana, ética e política, etc.

E no que tange a dialética entre direitos e deveres, não podemos nos esquecer da luta para garantia dos direitos quanto classe, luta essa fundamental para nossa existência. A cidadania, no Brasil, é atacada todos os dias conforme atacam os nossos direitos e lutar por ela é uma necessidade. À cidadania e aos cidadãos é necessária a consciência para fazerem funcionar a dinâmica dos direitos e deveres, mas essa não é uma consciência instantânea ou imediata – uma cultura diferente precisa ser fortalecida todos os dias. Pois como vimos, a conjuntura atual ajuda no esvaziamento do conceito de cidadania, uma vez que não consegue garantir o funcionamento e dinâmica, pois na prática esbarra em limites que fazem parte da própria base do sistema capitalista.

 

Referências:

*SOUZA, Jessé. Subcidadania brasileira: Para entender o país além do jeitinho brasileiro. 1. ed. rev. Rio de Janeiro: Casa da palavra/Leya, 2018. 287 p. ISBN 978-85-441-0728-7.



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