Na literatura marxista de orientação trotskista, o termo político "direção" possui grande destaque e importância. O primeiro parágrafo do Programa de Transição acusa, nada mais, nada menos, que "a crise histórica da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária".
Apesar disso, com o desenvolvimento do pensamento pós-moderno em suas distintas variantes — sobretudo as de influência anarquista —, o conceito de "direção" vem sendo questionado como um problema de ordem autoritária. Seria a "direção" uma invenção e um pretexto para autoritarismos? Ou seria ele correto e importante para qualquer tipo de orientação política — principalmente para aqueles que querem enfrentar o grave problema do espontaneísmo?
Para começar é importante definir o que é uma "direção política"? Uma direção política pode ser caracterizada como um partido, uma organização ou uma corrente política (seja dos movimentos sociais, sindicais, estudantis, etc.). Não existe nenhuma força política de massas que não tenha uma direção política, pelo simples fato de que não existem vácuos políticos. Alguém (ou alguma força político-econômica), quer gostemos ou não, ocupa o papel de direção. É por isso que a burguesia e seus ideólogos tentam vender a ideia de que existe "neutralidade" e que, portanto, existiriam posições "naturais" versus as "artificiais", "vindas de fora" — esta é toda a construção ideológica de projetos reacionários como o "Escola sem partido", por exemplo —, o que demonstraria que não haveria necessidade de "direção política".
Cada direção se expressa através de um programa que apresenta uma orientação, um caminho pelo qual uma classe, algumas classes, e — consequentemente — a sociedade inteira, deve ou deveria seguir. Enquanto a grande mídia, os partidos burgueses e suas distintas forças políticas, econômicas e sociais, vendem-se como algo "neutro e natural", não disseminadoras de nenhuma ideologia e nenhum programa político, querem lançar preconceito contra as correntes políticas de orientação socialista que apontam a necessidade de seguir caminhos alternativos, vendendo-as como doutrinadoras e manipuladoras (e escondendo a sua doutrinação e manipulação atrás disso).
Há também as direções de orientação reformista, geralmente ligadas aos partidos socialistas de caráter reformista, que buscam se adaptar à institucionalidade burguesa e convencer permanentemente a classe trabalhadora a seguir este caminho, apresentando-o como "natural" e o "único possível". Esta é a orientação atual do sindicalismo brasileiro, hegemonizado por correntes como CUT e CTB. Seguindo toda a legalidade burguesa em qualquer procedimento (mesmo os com a correlação de forças favorável), matam qualquer iniciativa de base ou que a incentive a ir além. Esta orientação política e sindical tende a conter, domesticar e adoçar a maioria dos descontentamentos vindo de baixo. Torna-se parte, portanto, da manutenção do sistema.
Para uma mudança real de qualquer sociedade, é necessário uma orientação revolucionária, que tenha como horizonte o programa socialista. É imprescindível questionar os alicerces capitalistas da sociedade, sem o que não podemos ter nenhuma mudança séria. Assim sendo, é inevitável o confronto de posições políticas expressas por cada uma das direções que disputam o movimento de massas, sejam elas burguesas ou reformistas.
Aí começam os nossos problemas, porque muitos setores da "esquerda" e dos movimentos populares afirmam que isso é autoritarismo, pois a "massa já sabe o que fazer". Com este tipo de compreensão, propor algo ou disputar a direção da massa seria não apenas autoritário, mas simples demonstração de arrogância e prepotência.
O discurso demagógico de parte da "esquerda" e o problema menosprezado do espontaneísmo
Partindo de uma preocupação correta, resultado das experiências de imposições autoritárias a partir de direções políticas e sindicais burocráticas que desconsideram argumentos divergentes e estão acostumados a não ouvir ninguém, a não ser os correligionários e o próprio espelho, muitas correntes e ativistas independentes acreditam que a saída é o movimento espontâneo, supostamente "sem direção". Segundo estes, a massa já saberia espontaneamente e intrinsecamente o que fazer. Portanto, não precisaria de programa, de orientação e, consequentemente, de direção.
É comum ouvir estes ativistas defendendo que "é preciso ir para a periferia", "para a favela". Lá está, praticamente pronta e exata, a resposta para tudo. Bastaria ouvi-las! Por isso, ainda segundo este ativismo, o correto é "dar o protagonismo para a massa".
Mas o que seria ouvir e dar protagonismo à massa? Seria, basicamente, aceitar a massa tal como ela é, independentemente de suas eventuais concepções conservadoras e reacionárias. Criticar tais concepções seria "autoritarismo". Tal posição é uma forma de culto ao espontaneísmo, embora muito bem disfarçado e, até mesmo, aparentemente nobre, já que "não quer tirar o protagonismo da massa".
Ter uma posição política, um programa e compreender a importância do conceito filosófico de "direção política", evidentemente, não deve significar que possam ter uma relação arrogante, impositiva e burocrática com a classe trabalhadora, onde quer que ela esteja. Isto é, não se deve criar uma nova relação de subordinação de que um lado detém todo o conhecimento político e o outro não sabe nada. De fato a maior parte da "esquerda", sobretudo por estar burocratizada até a medula, tende a reproduzir o autoritarismo e a arrogância autoritária do de "cima para baixo". Porém, não é a filosofia do espontaneísmo que irá corrigir este grave desvio, mas justamente a crítica impiedosa ao programa, à teoria e, principalmente, à prática dessas direções. Não é jogando tudo fora e dizendo "viva o protagonismo da massa", que iremos resolver o problema; até porque na esmagadora maioria das vezes (para não dizer sempre!) este "protagonismo espontâneo" significa, na prática, a sua subordinação à alguma direção burguesa.
Precisamos sim ouvir e ter trocas (não imposições) com a classe trabalhadora que mora nas periferias e nas favelas (ou em qualquer outro local). Contudo, isso não pode significar uma abstenção do diálogo crítico que precisamos desenvolver. Isto é, em algum momento será necessário criticar, assim como ouvir críticas. Dito de outra forma: se um militante abandona tudo e vai morar na periferia, como resultado desta compreensão de que "é preciso ir pras favelas", deverá acompanhar o resultado prático da sua orientação política e não achar que o simples fato de morar lá ou ir permanentemente até lá, por si só, muda alguma coisa. Dito de outra forma: se a influência da Igreja Evangélica continua a crescer desmedidamente, enquanto que a politização e o trabalho militante continua marginalizado e diminuindo, deve haver algo de errado.
"Dirigir politicamente" é sinônimo de autoritarismo?
Se observamos a prática da maior parte da "esquerda" brasileira, bem como do movimento comunista ao longo da história (sobretudo na sua versão stalinista), a resposta para esta pergunta é desoladora. Mesmo que a sua retórica fale em "poder popular", "protagonismo das massas", "poder da classe trabalhadora", etc., entende a "direção das massas" de um ponto de vista muito estreito, desenvolvendo e aprofundando práticas autoritárias de comando sobre a classe trabalhadora. "Dirigir", nesses casos, é compreendido como a subordinação irrestrita de militantes e da classe trabalhadora em geral ao "partido" ou à "organização política". Não é necessário exemplos, basta observar muito atentamente as práticas e relações nos sindicatos, partidos e movimentos sociais para se ter uma ideia.
Dirigir, na concepção marxista-trotskista, é debater, sugerir, orientar, polemizar; jamais impor, obrigar ao obedecimento, coagir, constranger, agredir. Como a classe trabalhadora não é um todo homogêneo, sendo mais um mosaico do que um quadro fechado em si mesmo, haverão enfrentamentos com setores influenciados pela ideologia burguesa e conservadora. Contudo, seria importante desenvolver métodos mais transparentes de debate, agitação e propaganda sobre as necessidades de coação em casos muito específicos. Isso, provavelmente, só se dá em momentos de agudeza da luta revolucionária. O que vemos, ao contrário, são pequenas e grandes organizações atuais sendo autoritárias no cotidiano, sem falar no pernicioso método muito disseminado da "diplomacia secreta" (o que é um contrassenso entre correntes que se reivindicam socialistas e revolucionárias, para dizer o mínimo).
Dirigir, portanto, para além de propor, debater, sugerir, orientar, polemizar, de forma franca e honesta, mas amistosa e aberta às trocas e críticas sinceras, significa, sim, tentar estar no cotidiano de cada segmento da classe trabalhadora, não para ouvir acriticamente e aceitar tudo calado — como defende a demagogia espontaneísta —, mas para aprender a conviver e desenvolver uma forma "não-artificial" de criticar o que tem de conservador e reacionário na sua conduta diária, como, por exemplo, o sentimento de dependência e o "espírito de rebanho", tentando desenvolver espírito de iniciativa pautado em um projeto de construção social coletiva; bem como saber ouvir críticas e saber dialogar com elas (mesmo com as críticas injustas e indevidas). O mosaico humano que compõe o conjunto da classe trabalhadora, desde que observado e considerado com criticidade e rigor, representa uma riqueza para qualquer movimento socialista; e não uma ameaça, como foi tratado até hoje.
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