sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Golpe militar ou cortina de fumaça?

 

Há no cenário político brasileiro uma confusão alimentada por uma histeria. Isso é uma vitória da política neofascista orientada por Steve Bannon.
A "esquerda" bateu cabeça sobre os anúncios de um "golpe militar" em 7 de setembro, que era e sempre foi uma bravata — mais uma, dentre tantas — que serviu como cortina de fumaça — mais uma, dentre tantas — para abafar o debate do que realmente importa, hegemonizando-o por semanas. No geral, a "esquerda" se apega à fórmulas, a discursos vazios e mortos. Depois de perceber a bravata, como quem transpira aliviado, mas tremendo de nervosa, brincou que os atos bolsonaristas tinham "flopado" — julgando-se "vitoriosa".
Quando, evidentemente, não se trata dos "meios de comunicação alternativos", de ONGs e similares, financiados diretamente pelo imperialismo, esta histeria e confusão de perspectivas e discursos é como um peixe que morde uma isca e é fisgado. Na sequência, ajuda a aumentar a cortina de fumaça falando em "governo burro", "desorientado", "incapaz", "desgovernado", etc.
Ao contrário, o bolsonarismo está muito bem assessorado (basta lembrar de Steve Bannon), possuindo excelentes fontes de informação e controle sobre seus movimentos "de base", mesmo que eles possam sair um pouco do controle aqui ou acolá (isso também faz parte dos seus cálculos). Quando se falava em neofascismo grande parte da esquerda "revolucionária" fazia sinais de desdém com as mãos, dizendo se tratar apenas de um discurso "petista", sem entender (ou sem querer entender) que o jogo do neofascismo é exatamente esse: lançar iscas através das bravatas, disseminar preconceito e confusão; atacar as instituições democrático-burguesas e a mídia para se vender como "antissistema"; defender golpe militar num discurso e a Constituição noutro, etc. Isto é, dá o tapa e esconde a mão; depois esconde o tapa e estende a mão: cria cortina de fumaças, gera pânico, medo e desordem, depois volta atrás (ou deixa a isca flutuando no ar). Alguns setores da "esquerda" esperam impactos negativos do recuo bolsonarista em relação ao golpe militar sobre a sua base de apoio: não é necessário explicar nada! A sua base social aceita qualquer coisa justamente porque é adestrada pelas emoções mal resolvidas, que podem ser acionadas, grosso modo, sempre que o "líder" e os seus marqueteiros desejarem. Por isso a importância de dicotomizar o debate político permanentemente.
Seus estragos servem a finalidades subjacentes e são parte de um governo muito bem arquitetado: enquanto as declarações bizarras do bolsonarismo geram o conhecido mal-estar na sociedade, o sistema e suas instituições vão se reciclando e os projetos de reestruturação do capitalismo são aplicados com sucesso.
Agora todo mundo está "torcendo" para o STF e a Rede Globo — até ontem eram os corresponsáveis pela ascensão do bolsonarismo, hoje são os "justiceiros" contra ele. A maioria das pessoas está esperando a volta da "normalidade democrática" (isto é, uma democracia burguesa sem o governo Bolsonaro) como uma "saída" (por questões óbvias a esquerda reformista ajuda a alimentar estas ilusões).
O desgaste político inevitável de Bolsonaro também faz parte dos cálculos: cria cortina de fumaça através das suas bravatas e discursos "politicamente incorretos" e "antissistema" para atingir suas reais finalidades, que são econômicas: uberização, fim dos direitos trabalhistas, arrocho salarial, expansão da fronteira agrícola do agronegócio com queimadas ininterruptas e isenção de impostos eternas aos ruralistas; privatização do setor energético e infraestrutural do país, aplicação do "novo" Ensino Médio e EaD, "reforma" administrativa (PEC 32), corte de verbas nas mais distintas áreas; aceitação forçada do desemprego em massa (que é o resultado inevitável de todas essas medidas). O capitalismo não teria condições de aplicar tudo isso em uma tacada só sem essas cortinas de fumaça permanentes. Tudo isso é muito bem arquitetado por técnicos e marqueteiros (ao estilo de Steve Bannon, lembramos), enquanto nós, reles mortais, estamos trabalhando e tentando ganhar a vida. Quem deveria desmascarar esses engodos e trazê-los à tona, como é o caso dos sindicatos, centrais sindicais e da "esquerda" em geral, são os primeiros que mordem a isca ingênua ou providencialmente.
Por trás da cortina de fumaça do tipo "voto impresso X urna eletrônica", "golpe militar X democracia burguesa", "discurso politicamente correto X politicamente incorreto" vai passando a boiada de Paulo Guedes e Ricardo Salles — com a ajuda tácita da Rede Globo, do judiciário (que não enxergam nenhum problema na agenda econômica de Paulo Guedes) e da esquerda institucional e pretensamente "revolucionária" (que morde as iscas). Em síntese: o capital, na sua fase histórica de queda tendencial da taxa de lucro, trabalha dia e noite para se reestruturar em um modelo que passe os custos de produção (energético, infrestrutural) para o Estado, através das privatizações, e para o povo pobre, através da destruição dos direitos trabalhistas, da inflação e do aumento dos preços, aliviando os empresários e viabilizando o funcionamento do capitalismo. Tal com uma fonte que seca por estiagem, cada vez mais o lucro privado só pode se manter graças a este parasitismo estatal e infraestrutural.
Guedes, Salles e Bolsonaro não iriam conseguir fazer isso às claras, nem poderiam assumir seus planos abertamente (daí vem o discurso mentiroso de "fim da mamata", da corrupção exclusiva da quadrilha petista, etc.). Por isso, dizer que o bolsonarismo não tem projeto de governo apenas o ajuda na sua tarefa de embaçar a realidade, como se ele não tivesse segundas e terceiras intenções por trás das suas declarações estapafúrdias. Chamar a atenção permanentemente para a sua agenda econômica é a principal tarefa da esquerda, que deveria tentar evitar esse estado de "horror constante" em relação às declarações e supostas intenções golpistas de Bolsonaro, por pior que sejam, para demonstrar que são apenas iscas e cortinas de fumaça para a aplicação integral da agenda de reestruturação do capitalismo em nome dos interesses do imperialismo estadunidense.
Seu programa foi aplicado com êxito quase que integralmente. O desgaste político do clã Bolsonaro será recompensado — ele e a família, provavelmente, escaparão da cadeia e, se por acaso forem presos, ficarão pouco tempo e com um regime de privilégios inimagináveis. Este é o prêmio para quem serve ao grande capital. Depois do sistema reestruturado e das instituições burguesas "recicladas" — e falta bem pouco para isso! —, virão os "salvadores da pátria" para administrar a "nova realidade", dando migalhas sociais aqui e acolá para compensar à nova fase brutal de exploração, até a próxima crise ou golpe que servirá para apertar o torniquete contra nós mais uma vez.

Um breve trabalho de análise do discurso bolsonarista


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