quarta-feira, 16 de julho de 2025

A meia soberania do governo Lula

As tarifas de Donald Trump contra o Brasil parecem acender uma brasa nacionalista em parte do povo brasileiro e, em especial, na militância petista. De fato, as declarações e posições de Lula foram importantes, há muito tempo não vistas por um presidente brasileiro. Tais declarações jamais seriam dadas pelo bolsonarismo em seu "patriotismo" que é tão vira-lata que se orgulha de ter “conquistado” tarifas estrangeiras contra o seu próprio país.

        No entanto, apesar das declarações, é importante ponderar que ainda estamos muito longe de uma soberania real. Declarações sem ações concretas são palavras que o vento pode levar. Há toda uma estrutura política e econômica que deixa o Brasil subordinado aos imperialismos e, em especial, ao estadunidense.
        Vejamos um caso ilustrativo a título de comparação.
        Em função da guerra da Ucrânia, a Rússia sofreu diversos tipos de sanções, inclusive de sonegação de tecnologia por parte dos países ocidentais — como ela é o combustível da economia eletrônica, isso equivale a um embargo de petróleo do século XX.
        Quem nos explica como a Rússia reagiu à estas arbitrariedades é o próprio ministro das finanças russas, Anton Siluanov. Ele disse em uma entrevista o que segue:

        “Nós seguimos uma política financeira responsável em termos de baixo endividamento
[público]. Temos uma dívida equivalente a 15% do PIB. A dívida pública é provavelmente uma das mais baixas do G-20. Quando as sanções e restrições foram impostas à Federação da Rússia, concentramos principalmente nossos recursos financeiros no apoio às pessoas, ajudamos as famílias com crianças pequenas a partir de fundos adicionais. Fizemos mudanças tributárias que aumentaram a justiça. Assim, as pessoas que podiam e ganhavam mais, podiam contribuir mais para o orçamento. Fizemos uma escala tributária progressiva. Isso forneceu recursos precisamente para ajudar as pessoas que precisam do apoio do governo.
        Concentramos recursos para garantir a soberania tecnológica. Algumas tecnologias nos foram negadas. Começamos a desenvolvê-las por nós mesmos, direcionamos recursos para lá, juntamente com o setor empresarial, estabelecendo as competências respectivas nos setores de engenharia mecânica de produção de rádio-eletrônicos; naqueles setores em que costumávamos importar alguns produtos, equipamentos, bens tecnológicos para motores para a fabricação de aeronaves, construção naval e assim por diante.
        De qualquer forma, começamos nosso trabalho de substituição de importações e obtenção de nossas próprias competências. Tudo isso levou a que a dinâmica do desenvolvimento econômico e o impulso orçamentário fossem bons.
        Funcionou.
        E temos crescido nos últimos anos a uma taxa acima dos 4%. Este é um bom resultado, acima da média mundial.
        Agora o nosso Banco Central, no final do ano passado, início deste ano, viu riscos de aumento da inflação e tomou as decisões necessárias para controlar o aumento dos preços. Isto, é claro, afetou a dinâmica de desenvolvimento, mas vemos que, em geral, no ano corrente, esperamos uma dinâmica de crescimento econômico de cerca de 2%. Estas são as nossas expectativas para o ano corrente.
        Então, quando você pergunta, qual é a experiência?
        É a experiência de uma política orçamentária responsável, concentração de recursos nas principais prioridades às pessoas e ao desenvolvimento tecnológico. E, consequentemente, no futuro, sempre olhamos para vários anos à frente. Como o orçamento é elaborado e quais os fundos. E o principal é que coordenamos nossas ações, tanto da política orçamentária como da política monetária e de crédito. Em geral, estas são as decisões estruturais que o governo da Federação da Rússia toma. Coordenamos as ações do Banco Central. Parece-me que isso é uma garantia de que todas as sanções externas não serão dramáticas”
(entrevista concedida à Sputnik, no início de julho de 2025).

        Reparem a diferença entre soberania e meia soberania!
        Ainda que tenhamos as mais severas críticas ao governo de Putin, sobretudo no que tange à relação com os vizinhos, é preciso aprender com suas medidas econômicas de governo se queremos falar em soberania. A preocupação do governo russo com o povo comum é o mínimo — isto se ela existir de fato —, dado que existem oligarcas bilionários que vivem da exploração de muitas riquezas naturais do país. De qualquer forma, a reflexão é válida.
        Conforme pudemos ver, a primeira ação a ser realizada é a soberania sobre as próprias decisões econômicas, fato que nunca aconteceu no Brasil — nem mesmo nas gestões petistas. Gerir a própria economia é algo que está muito longe da presidência brasileira, por isso há que se ter cautela com declarações políticas, que não possuem respaldo no campo econômico.
        Além das possibilidades reais de golpes políticos (militares, parlamentares, jurídicos, midiáticos, etc.), existem inúmeros mecanismos econômicos do “livre mercado” que podem ser usados para chantagear e estrangular o governo brasileiro, como as taxas de juros, os ajustes fiscais, as tarifas protecionistas, a sonegação de tecnologias, etc. A fragilidade econômica brasileira é tão evidente que todos os membros dos BRICS sabem que o Brasil pode ser descartado do bloco, caso a presidência do país seja assumida pelo bolsonarismo ou por qualquer outro agente entreguista da direita.
        Quem decide os juros e rendimentos brasileiros é o sistema financeiro e o Banco Central “autônomo”, o que tem impactos direto na inflação e, consequentemente, no custo de vida do povo, possibilitando a manipulação midiática da popularidade do governo. O Itamaraty tem funcionários que operam por si mesmos, sabotando decisões da presidência da República e dos BRICS. A mentalidade da maioria do povo endossa a ideologia de “livre mercado”, que opera nos bastidores e defende golpes de Estado sempre que a “sua liberdade” for ameaçada — sem dó, nem piedade. A política e a grande mídia estão dominadas por esta narrativa, que obriga qualquer governo a andar sobre o fio da navalha.
        Basta um golpe de Estado, dado com os métodos neofascistas da manipulação da psicologia de massas, para que a presidência do país volte a se alinhar totalmente aos EUA e, portanto, destrua qualquer sombra de soberania e sirva como um cavalo de Tróia nos BRICS.
        A aliança do governo Lula e do PT não é apenas com Alckmin e o centrão, mas com o empresariado nacional, o agronegócio e o STF — incluindo até mesmo a Rede Globo! Estes setores sociais são totalmente instáveis, submissos aos EUA e se vendem a quem pagar mais, mesmo que momentaneamente tenham se indignado com o tarifaço do homem-laranja e a sua tentativa de ingerência sobre o julgamento de Bolsonaro. E, como sabemos, os EUA chantageiam de distintas formas, inclusive prometendo “pagar mais” para possíveis futuros aliados. Nenhum deles tem, portanto, o interesse em um Banco Central que controle as taxas de juros, a inflação e que se pense o país para “vários anos à frente”; tampouco possuem a firmeza necessária para assegurar a soberania brasileira frente à pressão do imperialismo — sobretudo quando eleições polarizadas se vislumbram no horizonte e um golpe estadunidense pode vir por muitos meios que o PT não tem condições de enfrentar com uma política social-democrata, conciliadora e mantida, basicamente, por discursos e “boas intenções”.


        Além disso, o “centrão”, o agronegócio e o sistema financeiro são radicalmente contra qualquer taxação de suas fortunas. O STF, por sua vez, lava as mãos nesta disputa, dizendo que é a “política que tem que resolver”. O governo não tem projeto de desenvolvimento nacional autônomo. Quer vender “soberania” a partir de negócios com a China, deixando ela ditar o desenvolvimento industrial e infraestrutural — para o empresariado e o agronegócio não é problema algum. Muitos setores da “esquerda” também apostam todas as fichas na relação com a China, vendida como o modelo “socialista do século XXI”.
        E o movimento sindical? Este continua subordinado ao sindicalismo burocrático petista que é incapaz de fazer mobilizações independentes que sejam o reflexo do povo nas suas reais bases sociais — e na maioria das vezes atropela autoritariamente oposições. Até o presente momento tem perdido a adesão social de massas para a direita neofascista.
        O PT — através da Fundação Perseu Abramo — força a barra quando diz que Lula tem “medidas concretas” para enfrentar Trump (para ler, clique aqui). Não! Todos os principais canais da economia e grande parte das instituições políticas estão mais nas mãos do imperialismo estadunidense e dos seus aliados nacionais (o empresariado, o sistema financeiro, o agronegócio e a grande mídia) do que nas do governo brasileiro — e isso precisaria ser levado seriamente em consideração.
        Existe um “tema de casa” de enfrentamento aos vendilhões do país, bem como à sua estrutura econômica, que os governos petistas precisam fazer desde 2003 e, agora, tentam resolvê-lo apenas com palavras.

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